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Lançamento do livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G

O livro Jogo geopolítico das Comunicações 5G – Estados Unidos, China e o impacto no Brasil analisa a disputa pela liderança global e seus reflexos na economia digital.

 A tecnologia de 5G é o novo padrão da indústria global de telecomunicações.  O 5G moldará o futuro da economia digital e da conectividade entre as infraestruturas de redes de comunicações.  O tema é alvo da disputa geopolítica entre Estados Unidos e China. Neste mesmo ambiente de decisões geopolíticas está o Brasil em meio a desafios, riscos e oportunidades.

As comunicações 5G estão em pauta no Brasil. O leilão de frequências de 5G está previsto para 2021. Assim, como país soberano, precisará cumprir com sua missão de proteger a integridade, confidencialidade e segurança de suas comunicações contra riscos de espionagem por parte dos Estados Unidos, China ou de qualquer outro país. Este é um tema ligado à defesa nacional. Por isso é necessário que o Brasil avance no caminho da plenitude de sua soberania tecnológica, com o objetivo de diminuir os riscos geopolíticos de dependência tecnológica de outros países e assegurar a sólida proteção de dados dos cidadãos, das empresas e do governo.

O livro mapeia as acusações de espionagem política e econômica feitas pelo governo norte-americano à China. Os Estados Unidos ameaçaram não mais compartilhar informações de inteligência com países aliados que adotarem a tecnologia chinesa. No contexto de espionagem, o livro resgata que em 2013 o Brasil foi alvo de espionagem pela National Security Agency dos Estados Unidos, fato que ensejou a abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito, a qual apresentou uma série de propostas de aperfeiçoamento da segurança cibernética das redes.

O autor apresenta as estratégias políticas dos Estados Unidos para conter a ascensão da China no cenário global e revela as medidas de contenção impostas pelo governo norte-americano à China, como por exemplo a proibição do fornecimento de tecnologia de 5G pela empresa chinesa Huawei e a restrição do acesso da empresa chinesa à tecnologia de semicondutores norte-americana. Neste ambiente, o objetivo dos EUA é manter sua liderança econômica, militar e tecnológica.

A geoestratégia dos Estados Unidos está fundamentada em supostas razões de segurança nacional de suas redes de telecomunicações e em riscos de espionagem pela empresa chinesa fornecedora de tecnologia de 5G. Usualmente, o governo norte-americano utiliza das redes de telecomunicações para coleta de sinais de inteligência. Assim, há táticas de interceptação de comunicações em redes de fibras óticas, cabos submarinos, satélites, infiltração de softwares espiões, etc.  Há ações abertas e encobertas (covert actions), através das redes de comunicações e inclusive redes sociais.  O governo norte-americano declarou, inclusive, que a tecnologia de 5G no Brasil é de interesse de sua segurança nacional.

 Além disto, os Estados Unidos adotam medidas de comando e controle, vigilância, comunicações, rastreamento, utilizando-se do espectro de radiofrequências. Considera-se que no contexto de guerras cibernéticas (cyber wars) as redes 5G serão alvo de ataques por governos e/ou agentes estrangeiros. 

Outra geoestratégia norte-americana é adoção de padrões técnicos no 5G e, inclusive no 6G, de modo a permitir o acoplamento da economia brasileira e dos demais países latino-americanos à economia norte-americana. A tecnologia de 6G terá um papel complementar ao 5G, na medida que permite o escoamento de tráfego das redes fixas e móveis pelo sistema wireless indoor e outdoor. Ambas as tecnologias – 5G e 6G – são importantes para o florescimento da internet das coisas (IoT), pois possibilitarão a comunicação máquina a máquina em diversos setores econômicos: agricultura, energia, transportes. medicina, indústria, portos e aeroportos, entretenimento, defesa, entre outros.

Assim, os Estados Unidos ganham com o fornecimento de tecnologia de semicondutores embarcados na tecnologia de 5G, inclusive no segmento de internet das coisas.  Também, empresas norte-americanas de tecnologia conhecidas como over-the-top (Facebook, Google, Amazon, Microsoft, Netflix, etc) se beneficiam com a prestação de serviços para o Brasil.  Por isso, algumas delas investem, inclusive, em redes de cabos submarinos para interligar os continentes.

O livro pontua o impacto deste cenário internacional das comunicações 5G no Brasil. Está em jogo o futuro do Brasil, sua soberania, sua economia e suas infraestruturas de conectividade por redes de comunicações.

Sobre o Autor Ericson Scorsim

Advogado e Consultor na área do Direito da Comunicação, com foco em tecnologias, infraestruturas, internet, telecomunicações e mídias. Doutor em Direito pela USP (2007), Mestre em Direito pela UFPR (2002), formado em Direito pela UFPR (1997).

Título: Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil

Autor: Ericson Scorsim

Ano: 2020

Páginas: 739

Formato: e-book

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Livros

Ebook Kindle Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil

Autor: Ericson Scorsim

Ano: 2020

Vendido por: Amazon Servicos de Varejo do Brasil Ltda

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Balanceamento e contenção de poderes do exército, marinha e aeronáutica: a necessária reforma do sistema de defesa nacional para conter a influência política das forças armadas nos destinos do Brasil

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP.

A defesa nacional é um dos principais aspectos da soberania. Sem defesa adequada e inteligência, o País torna-se vulnerável a qualquer ameaça interna e/ou externa. Mas, a defesa nacional deve ser compreendida à luz dos desafios contemporâneos. Neste contexto, um dos imperativos dos estados democráticos atuais é o controle civil democrático das forças armadas.

As forças armadas devem se subordinar ao poder político da nação. Mas, ao mesmo tempo, deve ser contida a influência política das forças armadas sobre a política doméstica, especialmente a influência do exército, a bem da nação.  O foco do presente artigo é mostrar o exercício do controle civil democrático, mediante ações de balanceamento interno de poderes entre exército, marinha e aeronáutica. A título ilustrativo, entre as nações e em questões de geopolítica, há as medidas balanceamento de poder e de contenção de poder entre as nações. Uma nação com mais poder, no caso os Estados Unidos buscarão ações de balanceamento de poder na Europa e Ásia, mediante a contenção de outros poderes como a Rússia e a China. Ou seja, o poder promove a contenção de outro poder, já que as regras no direito internacional não são muito eficazes para promover o balanceamento de poder. Como último final, a guerra é o instrumento de contenção de poder de outra nação.

Assim, no caso do 5G, os Estados Unidos estão adotando todas medidas para conter a expansão da influência da China, através da Huawei. Assim, o governo norte-americano adotou o programa denominado Clean Path (Caminho limpo), o qual bane as empresas chinesas de fornecerem tecnologia de 5G nos Estados Unidos, inclusive veta-se a presença da tecnologia em lojas de aplicativos, infraestruturas de computação em nuvem e redes de cabos submarinos.  Em última declaração da rede de inteligência Five Eyes (Estados Unidos, Reino Unidos, Austrália, Canadá e Nova Zelândia), inclusive se posicionou sobre a questão de Hong Kong. Por isso, a pressão dos Estados Unidos sobre o Brasil na questão do 5G. Assim, o poder hegemônico pretende manter sua influência em determinada região geográfica do planeta, mantendo o status quo. Deste modo, adotará medidas de preservação do status quo, inclusive de balanceamento mediante a contenção do avanço de outras nações.[1]  Em outras palavras, o poder hegemônico dita as regras sobre as áreas de seu entorno geoestratégico, áreas periféricas de interesse de sua segurança nacional. Dito isto, retornando ao nosso tema, na história brasileira verifica-se a hegemonia do Exército sobre as demais forças, quais sejam: a marinha e aeronáutica. Por séculos, o exército tem sido o protagonista na política doméstica nacional.  

Nos regimes militares da ditadura houve a plena participação de generais no governo. Um governo militar de generais.  Equivocamente, a tradição militar tem sido o veto a candidaturas de presidentes da república, a oposição à posse de presidentes eleitos, o apoio a governos e/ou oposição a governos eleitos. Além disto, é comum o exército se valer de solenidades públicas para outorgar condecorações para personalidades com engajamento político. Aquilo que deveria de considerado uma anomalia (participação de militares na vida política) é percebido como normal. Ora, estas práticas são ofensivas à Constituição e à democracia. São necessárias medidas para alterar este status quo de hegemonia do exército no sistema de defesa nacional. Neste aspecto, o exército tem sido a primeira força. A marinha a segunda força. A aeronáutica é a terceira força. Ora, há hierarquia entre as forças armadas? Acredita-se que não deveria haver, mas na prática o exército é superior à marinha e à aeronáutica. Há um sobrepeso do exército dentro das forças armadas.

Na perspectiva da Constituição da República, há a paridade entre as forças armadas. Porém, na prática, vemos o sobrepeso do exército na defesa nacional e perante a sociedade brasileira.  Atualmente, a história se repete, mediante a participação de militares em governo civil, especialmente a presença maciça do exército.  Os maiores símbolos desta participação política do Exército são representados pelo presidente da república e vice-Presidente, um capitão (titulação obtida apenas após a sua reforma), e de um general da reserva. E o que mais grave é a incitação às manifestações de apoio a intervenções militares por partidários do Presidente da República. Esta é a maior prova da influência política do exército no destino da nação, algo que comprova o subdesenvolvimento nacional. Este é um sinal de atraso na maturidade política da nação, ainda mais considerando-se a história brasileira marcada pela ditadura militar. Uma nação que não aprende com seus erros e busca corrigi-los está condenada ao eterno retorno do tema de seu subdesenvolvimento institucional.  Por isso, acredita-se que o exército, conscientemente ou inconscientemente, adota medidas de reação ao sistema político para manter seu status quo na vida doméstica nacional, em detrimento da institucionalidade do sistema de defesa nacional. Ora, se o sistema de defesa nacional é caracterizado por ser tripolar; não é possível que um dos polos desta equação militar seja predominante sobre os demais. Se que bem o estado-maior das forças armadas busca dar uma aparente versão de equilíbrio e de legitimidade, na prática, percebe-se nitidamente toda a ação do exército do fora dos quartéis, inclusive em campanhas “cívicas”, que representam verdadeiras operações de influência da opinião pública.

Enfim, pretende-se mostrar que o desequilibrium dentro das forças armadas, com a predominância do exército é prejudicial ao sistema de defesa nacional.

As forças armadas dependem do equilíbrio dinâmico para garantir a paridade entre as três corporações militares. Uma força armada não pode ter mais peso político do que a outra. Deste modo, é essencial para a democracia a contenção da atuação política das forças armadas na vida política nacional, especialmente é necessária a contenção da atuação do exército.[2] Neste contexto, o Ministério da defesa foi criado com a missão de integrar as forças armadas, em prol de sua institucionalidade a serviço da defesa nacional.[3] A princípio, o Ministério da Defesa deveria ser ocupado por um civil e não por militares. Por isso, a ocupação deste cargo por um militar representa um desvio da finalidade institucional do Ministério da Defesa, em tempos de paz.  Além disto, o Ministério da Defesa não poderia encampar apenas um dos polos das forças armadas, isto é, pender para o lado do Exército. Entendo necessária a reforma do sistema de defesa nacional, de modo a garantir a plena isenção do Ministério da Defesa na gestão da defesa nacional.

A Defesa não é um tema de exclusividade dos militares. Muito pelo contrário, é um assunto de interesse de toda a sociedade brasileira. Falta liderança civil no comado na Defesa, com compromisso democrático com o controle civil das forças armadas.  Falta liderança militar que compreenda o equilíbrio interno entre as forças armadas. Como é notório, as forças armadas são órgãos de Estado e não de governo. Por isso, militares não podem participar de governo civil. Por esta razão os militares devem ser apolíticos e apartidários. Além disto, as forças armadas devem adotar prática de autocontenção de seu poder.  Enfim, há limites constitucionais que restringem a atuação de militares em questões da política doméstica nacional, caso contrário haverá a subversão da ordem democrática, definida na Constituição da República. Algumas considerações sobre a arquitetura do sistema de defesa nacional. As forças armadas representam a “espinha dorsal” do sistema de defesa nacional. Deste modo, exército, marinha e aeronáutica são as instituições republicanas responsáveis pela defesa nacional. Na visão clássica, as forças armadas foram organizadas e treinadas para defender a nação contra ameaças externas, assim buscavam combater inimigos estrangeiros. Outra interpretação sugere que as forças armadas devem, também, atuar em ameaças internas.

O grave problema desta segunda tese é colocar as forças armadas no epicentro de questões internas urbanas e rurais, para as quais elas não deveriam atuar. Exemplo: a atuação das forças armadas em ações de combate ao narcotráfico. É compreensível a atuação das forças armadas em questões de fronteira. Porém, a atuação corriqueira dentro de cidades é algo difícil de se justificar, diante da estruturação constitucional do sistema de segurança pública, algo distinto do sistema de segurança nacional. A tendência da participação do exército em questões domésticas é a população civil sofrer abusos. Além disto, o sistema de defesa nacional está organizado baseado na defesa dos territórios brasileiros: terrestre, marítimo e aéreo. O exército tem por missão a defesa do espaço terrestre. A marinha tem por incumbência a defesa do espaço marítimo. E a aeronáutica compete a defesa do espaço aéreo. Neste contexto organizacional, o exército mantém sua projeção de poder terrestre, atuando em todas as regiões do Brasil: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Há quartéis e comandos militares distribuídos em todas as regiões brasileiras. Acontece que o Brasil é um país continental, com vasta extensão de seu território marítimo. Por isso, a Marinha serve como fator de defesa nacional deste território marítimo. Há bases navais distribuídas por todo o território nacional.

No novo Plano de Defesa Nacional do Brasil, considera-se como área geoestratégia de defesa a denominada Amazônia Azul, área do Atlântico Sul, desde a região norte, nordeste, sudeste e sul. Na visão geoestratégia de defesa nacional, debate-se a respeito da concepção mais adequada ao Brasil. Há uma linha de defesa contemporânea que advoga por um sistema de defesa do Brasil, baseado na projeção de poder naval sobre o Atlântico Sul. Esta linha de defesa de fortalecimento da Marinha do Brasil faz todo o sentido, por diversas razões históricas. Primeiro,  lembre-se que os Estados Unidos foram alvo de um ataque por terroristas em 2001. Aviões foram dirigidos contra as torres Gêmeas em Nova York e contra o Pentágono. Neste tipo de ataque, mostra-se a fragilidade das forças armadas diante de um ataque desta espécie. Por isso, a necessidade de readequação dos sistemas de defesa à nova realidade das ameaças por inimigos. Segundo, lembremos da segunda guerra mundial: o Japão atacou os Estados Unidos no porto de Pearl Harbour, localizado no Havaí, em 1941, com torpedos disparados por aviões.[4] Embora os sistemas de inteligência militar dos Estados Unidos tivessem detectados os riscos de ataques do Japão, não houve reação para impedir o fato.

Em síntese, este episódio histórico revela a importância de um sistema de defesa por aviões, navios e submarinos para repelir um ataque em áreas marítimas. Terceiro, durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil teve alguns de seus navios mercantis atacados por submarinos alemães.  Quarto, na Guerra das Malvinas, a Argentina decidiu por invadir as Ilhas Malvinas, território alvo de disputa com o Reino Unido. Assim, o Reino Unido deslocou sua Marinha e Força Aérea para a região das Malvinas, mediante o apoio logístico nas Ilhas Ascensão e Marshall, localizadas no Atlântico do Sul.

A propósito, os Estados Unidos apoiaram o Reino Unido na disputa, inclusive colaboraram com serviços de inteligência, cedendo imagens da NASA e serviços de previsão meteorológica. O Reino Unido chegou inclusive a encaminhar um submarino nuclear para a região do conflito. Quinto, curiosamente, o Reino Unido possui um dos maiores territórios ultramarinos (áreas econômicas), localizados no Atlântico Sul. O governo britânico prospectou petróleo, minerais e alimentos na região. Por isso, o Atlântico Sul é de interesse geoestratégico do Reino Unido na medida que possibilite o controle das rotas marítimas na África (Cabo da Boa Esperança, na África do Sul) e o Cabo Horn no extremo sul da Argentina. Sexto, a Antártida é um dos maiores territórios do mundo, sendo frequentada por diversas potências globais.

O Brasil não tem navios preparados em número suficiente para ocupar a Antártida. A Antártida é geoestrategicamente relevante devido ao aquecimento global, o qual repercutirá na geopolítica global. Além disto, a região é observada por satélites. Sétimo, no Atlântico Sul, foi descoberta a maior reserva de petróleo do mundo na camada do pré-sal. Por isso, a necessidade urgente do país capacitar sua Marinha e garantir a sua projeção de poder naval, para fins de dissuasão. Assim, com frota naval adequada o Brasil será capaz de garantir zonas de negação de acesso. Neste contexto, a criação de uma frota de submarinos nucleares é um caminho geoestratégico interessante para fortalecer sua capacidade de dissuasão de ataques por inimigos. Oitavo, no Atlântico Sul, há uma rede de cabos submarinos que interligam o Brasil aos Estados Unidos, à África e à Europa. Por isso, a necessidade de a marinha estar equipada com os melhores recursos de defesa para a proteger a redes de cabos submarinos. Um eventual ataque à rede de cabos submarinos pode comprometer as comunicações do Brasil. Nono, os Estados Unidos ativaram sua quarta frota com atuação no Caribe e Atlântico Sul. Este é um fato que deve ser ponto de máxima atenção por parte das autoridades de defesa nacional.  Registre-se que os Estados Unidos possuem uma infinidade de agências militares com elevada capacidade de atuação global: National Security Agency, National Geospatial-inteligence Agency (NGA), National Reconnaissance Office (NRO), National Oceanic and Atmospheric Administration, (NOAA), National Aeuronautic and Spacial Administration (NASA0  entre outras.[5] Além disto, os Estados Unidos mantêm um sistema de inteligência global, denominado Five Eyes, uma aliança com Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia e Austrália.[6]

Em síntese, um país sem poder naval não consegue se defender.[7] Por isso, o Brasil tem que aperfeiçoar o seu sistema de defesa, mediante o fortalecimento de sua Marinha. O Brasil não tem navios porta-aviões suficientes para defender seu território marítimo e suas riquezas naturais.  Também, ainda o Brasil não conta com submarinos suficientes para controle seu território marítimo. Por outro lado, a aeronáutica do Brasil foi instalada somente no século 20, diversamente o exército e a marinha são mais antigos. A Força Aérea brasileira tem um papel fundamental na defesa nacional.

Por isso, foi fundamental a aquisição dos aviões modelos “caça” no patrulhamento do espaço aéreo nacional. Outro avanço é o desenvolvimento de aviões de transporte de transporte cargas, inclusive objeto de exportação para outros países. Relembre-se que a Embraer sempre foi considerada na geoestratégia de defesa nacional, como fator de propulsão da indústria de defesa.  Porém, nas últimas décadas, não houve o necessário apoio governamental e empresarial para a ampliação de seus projetos. O Brasil tem dificuldade histórica na defesa de suas empresas brasileiras, ao contrário dos Estados Unidos. Note-se que o espaço aeroespacial é o novo front da batalha geopolítica entre as nações. O espaço sideral é integrado por uma constelação de satélites, com os vários usos.

Há satélites espiões, a serviço da inteligência militar. Existem satélites meteorológicos que fazem a previsão do clima em todo o globo. Há satélites para comunicações militares. Satélites com funções de telecomunicações e navegação, utilizado no sistema GPS. Alguns destes satélites, inclusive, são movidos com energia nuclear. 

O Brasil firmou com os Estados Unidos o acordo de cooperação quanto à utilização da base de Alcântara pelos norte-americanos. No acordo não há transferência de tecnologia para o Brasil. Por outro lado, o Brasil não conta com sistema de posicionamento por satélite próprio, por isso depende da tecnologia de GPS dos Estados Unidos. Esta dependência tecnológica do Brasil da tecnologia dos Estados Unidos deveria ser revista na perspectiva da defesa nacional. O Brasil sequer conta com satélites meteorológicos suficientes para atender às suas demandas. O Brasil pode ser espionado por satélites. Mas, não há mecanismos para se defender deste tipo de espionagem. Por isso, a necessidade de termos um sistema de defesa aeroespacial para nos defendermos contra satélites espiões de potências estrangeiras.  Neste aspecto, a denominada astropolítica é o campo da nova geopolítica na era espacial.   Esta nova disciplina busca compreender a relação entre a terra e o sistema espacial, com a definição de geoestratégias políticas pelos países. Assim, há estudos das órbitas satelitais, os mecanismos para a proteção de ativos aeroespaciais, as formas de exploração espacial, as áreas geoestratégicas espaciais, entre outros temas. Registre-se que os Estados Unidos ativaram um novo comando militar denominado Força Espacial, independente das demais forças. Além disto, os Estados Unidos consideram o espaço cibernético como o quinto território a ser objeto de atenção de sua defesa nacional.

No Brasil, a responsabilidade quanto à defesa nacional, através do espaço cibernético, foi atribuída ao exército. Não sabe, até o momento, do acerto deste tipo de atribuição ao exército de responsabilidade quanto à defesa cibernética. Trata-se de mais uma medida de concentração de poderes em mãos do exército. Talvez, fosse o caso de se criar um comando cibernético dentro do Ministério da Defesa, sem a subordinação ao exército, marinha e/ou aeronáutica. Finalmente, todo o sistema de defesa nacional deve ser geoestrategicamente pensado no contexto dos grandes  riscos do século 21: a hegemonia militar dos Estados Unidos nas Américas, armamento nuclear das grandes potências (e ameaças de apropriação de armas nucleares por grupos terroristas),  tecnologias navais e aeroespaciais, capacidade dos mísseis nucleares intercontinentais, tecnologia de defesa contra armas nucleares, o contexto de criação de armas hipersônicas,  a astropolítica, as comunicações e o sistema de criptografia e computação quântica, consciência situacional dos teatros de operações militares (situational awareness),  formatação de unidades militares menores para missões em qualquer lugar o globo, capacidade de reconhecimento, de vigilância e ofensiva via drones, submarinos tripulados e não tripulados, veículos subaquáticos, satélites movidos com energia nuclear, capacidade computacional quântica, inteligência artificial, tecnologia de rede de 5G,  compartilhamento de sinais de inteligência,  guerra eletrônica, riscos de ataques cibernéticos contra infraestruturas nacionais críticas, biodefesa nacional diante de pandemias, poder da inteligência, integração da indústria civil-militar, entre outros aspectos.  A pandemia, um inimigo invisível, tem o poder letal sobre milhares de vidas humanas. Por isso, a necessidade uma política de biodefesa nacional à altura dos desafios das pandemias. Por outro lado, a tecnologia aeroespacial utilizada em satélites é relevantíssima. Isto porque a tecnologia de satélite é praticamente a mesma do que aquela utilizada no lançamento de mísseis.

Portanto, o país que domina a tecnologia de satélite, por óbvio domina, a tecnologia de lançamento de foguetes. O Brasil precisa acordar seu sistema de defesa para o seguinte: qual é o nosso sistema de defesa nuclear contra armas nucleares? Esta é uma das mais importantes questões do século 21. Qual é o nosso sistema de defesa de mísseis intercontinentais nucleares? Qual é nossa defesa diante de satélites, aeronaves, navios e submarinos espiões? Qual é a nossa geoestratégia de defesa no espaço sideral? O nosso sistema de inteligência nacional tem capacidade técnica para espionar as grandes potências? Qual é o nosso sistema de defesas das redes de cabos submarinos? 

Diante deste contexto, há duas visões de defesa para o Brasil. Uma, a submissão do sistema de defesa aos interesses hegemônicos dos Estados Unidos na América do Sul. A visão geoestratégia dos Estados Unidos é clara: qualquer país que pretenda desafiar sua hegemonia é alvo de medidas de balanceamento de poder, conforme lições de Hans Morgenthau, Nicholas Spykman e George Kennan. Por isso, no pós-segunda guerra mundial, os Estados Unidos adotaram medidas para conter a Europa, bem como para conter a ex-União Soviética. No século 21, foram adotadas medidas de contenção no Oriente Médio (Guerra do Iraque), bem como na Ásia (Afeganistão). Mas, o principal alvo da atenção da política externa dos Estados Unidos no momento é a China. No contexto, desta geoestratégia de poder os Estados Unidos utilizam de suas bases navais e áreas localizadas na Europa, África, Oriente Médio, Ásia e Oceania. E mais, durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos viam as do litoral do nordeste como geoestrategicamente de interesse de sua segurança nacional. De um lado, a proximidade do litoral nordestino com a África. De outro lado, a proximidade com o Mar do Caribe.  Assim, as bases aéreas nesta região poderiam servir como ponto de alavancagem para operações na África e Europa.  Havia o temor norte-americano da presença de forças da Alemanha, aproveitando-se de sua influência cultural no sul do Brasil, pudessem invadir o Brasil e, posteriormente, adotar uma estratégica de cerceamento dos Estados Unidos no Atlântico.[8] 

Registre-se que esta visão por décadas foi adotada pela Europa, no pós-segunda guerra mundial. A OTAN  (Organização do Tratado do Atlântico Norte) foi o mecanismo criado para a defesa da Europa, a partir dos interesses dos Estados Unidos. No século 21, a Europa está revendo esta posição geoestratégica de defesa diante dos riscos dos Estados Unidos abandonarem a OTAN. Por isso, a União Europeia está criando unidades de defesa, baseado no interesse europeu. Além disto, com a saída do Reino Unido da União Europeia, todo o sistema de defesa da Europa está sendo reavaliado. Há interesses comuns entre Estados Unidos e Europa na defesa continental, porém há também interesses divergentes. Neste aspecto, a linha geoestratégia que defende a extensão do sistema de defesa do Atlântico Norte para o Atlântico Sul. Por outro lado, outra linha geoestratégica é mais afinada com a plenitude da soberania nacional do Brasil, ao advogar por um sistema de defesa do Atlântico Sul, com alianças geoestratégicas com os países do arco continental sul, mais os países africanos. Há, ainda, quem sustente uma aliança inclusive com a Austrália, uma visão de defesa no hemisfério sul.  Registre-se que parte do exército brasileiro está sob forte influência dos Estados Unidos.  Também, a elite econômica é influenciada pelo poder geocultural e poder econômico dos Estados Unidos. A propósito, o General Golbery do Couto e Silva defendia este alinhamento geoestratégico do Brasil aos Estados Unidos, no contexto do pós segunda guerra mundial e da guerra fria entre os Estados Unidos e ex-União Soviética.[9] Diante do contexto geopolítico global da disputa entre Estados Unidos e China pela liderança global, entendo que o Brasil há com prudência buscar uma caminho geoestratégico de neutralidade, para evitar danos à sua economia.

Explicando melhor o contexto. Observe-se que a disputa entre as potências militares globais cria como alvos terceiros países. Por exemplo, Cuba, país próxima ao “quintal” norte-americano é o símbolo da disputa ideológica entre Estados Unidos (e seu modelo de exportação do capitalismo e a ex União Soviética (a exportação de seu modelo comunista), no século 20. A disputa da guerra fria levou à ampliação do arsenal nuclear dos dois países. Venezuela é outro exemplo da disputa geopolítica entre Estados Unidos e Rússia e China. No século 21, Taiwan, também próxima ao “quintal” norte-americano é o símbolo da disputa pela liderança global entre Estados Unidos e China. Este país tem pouco território marítimo, comparando-se com a extensão territorial terrestre. Por isso, a China tem planos de avançar na exploração de recursos econômicos no território marítimo. De outro lado, os Estados Unidos, juntamente com os países fronteiros com a China, buscam alternativas para conter a expansão da China no denominado Mar Sul da China. Em razão disso, os Estados Unidos estão armando os países vizinhos à China, seus aliados. A Índia, por exemplo, avançou no seu sistema de defesa naval, com ampliação de sua frota de navios. Também, estão deslocando sua frota naval para bases militares próximas à Taiwan. A China busca ampliar sua frota naval para melhor sua defesa nacional. Esta área do Mar Sul da China pode ser o epicentro da Terceira Guerra Mundial. Por isso, toda a atenção do mundo para o que acontece nesta região do globo.

As nações deveriam manter o sinal de alerta para todos os esforços máximos para a pacificação desta região do planeta, em busca da paz entre Estados Unidos e China. Retornando-se à questão das relações entre Estados Unidos e Brasil. O Brasil não representa uma ameaça aos Estados Unidos. Também, os Estados Unidos não representam uma ameaça aos Estados Unidos. Mas, obviamente, que os Estados Unidos projetam seu poder e sua influência sobre o Brasil, na defesa de seus interesses.  Certamente, a mentalidade de brasileiros “colonizados” buscará o apoio dos Estados Unidos. Mas, por óbvio, o interesse do Tio Sam não representa o interesse do Brasil. Embora a China seja um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, por óbvio que os interesses dos Brasil são diferentes dos interesses da China. O Brasil se quiser manter um projeto de nação soberana, com desenvolvimento nacional, deverá adotar um caminho baseado em suas raízes, riquezas, potencialidades e sua cultura diversificada. Neste contexto, há o potencial inclusive para o desenvolvimento de uma indústria de defesa nacional, com parcerias internacionais. Neste aspecto, uma alternativa é a realização de parcerias entre os setores público e privado de defesa. Por isso um caminho interessante talvez seja a reformulação do sistema de defesa de modo a incentivar a “privatização” do setor. Ou seja, o chamamento da iniciativa privada para participar da indústria de defesa.  Sem inovação no setor de defesa, bem como a reforma do sistema de compras de equipamentos, dificilmente, será possível modernizar o sistema de defesa nacional. Também, sem novas doutrinas militares adequadas ao século 21, dificilmente, o Brasil conseguirá manter um sólido sistema de defesa nacional, baseado em novas tecnologias e treinamentos militares eficientes. Estados Unidos e China adotam esta linha estratégia de integração civil e militar no setor de defesa. A propósito, o governo Trump, como um dos seus últimos atos, decidiu por proibir investimentos norte-americanos em empresas chinesas que tenham ligações com o Exército da China. No setor de defesa, há diversas oportunidades em contratos de fornecimento de tecnologia militar para as forças armadas, desde radares, softwares de inteligência militar, equipamentos de comando, controle, reconhecimento e vigilância, equipamentos de radiofrequências, armamento com visão computacional noturna, veículos subaquáticos, drones, satélites, redes de 5G privativas, equipamento de criptografia, computadores quânticos, entre outros.  Em síntese, não há sistema de defesa soberano sem uma economia sólida e um Estado forte e eficiente. Ora, toda estratégia de defesa depende da análise dos fins a serem alcançados e respectivamente dos meios.  Assim, talvez seja chegada a hora da reforma do sistema de defesa, de modo a se pensar na redução do tamanho das forças armadas, criando-se unidades militares mais ágeis e enxutas e, especialmente, reduzindo-se as despesas com o pagamento de pessoal e pensões. Este é um ponto nevrálgico das forças armadas contemporâneas, redução de custos e eficiência operacional. Por fim, advoga-se, aqui, pela paridade entre as forças armadas, buscando-se a ruptura com eventuais “hierarquias” que impliquem a prevalência do exército sobre a marinha e aeronáutica, no sistema de defesa nacional. O sistema de defesa nacional requer unidade de comando entre as forças armadas. Requer-se organização e decisão unificada sob a responsabilidade institucional do Ministério da Defesa. Em razão disto, é incompatível com a natureza do cargo de Ministro de Defesa, em tempos de paz,  a nomeação de militar. De lege ferenda, esta proibição de nomeação de militar para o cargo de Ministro da Defesa deve ser estabelecida, para se prestigiar o princípio do controle civil sobre as forças armadas. Com a palavra o Congresso Nacional sobre a reforma do sistema de defesa nacional. O atual status quo de predomínio agentes do exército no Ministério de Defesa não é saudável para a institucionalização das forças armadas e sua profissionalização. Por isso é fundamental “desmilitarizar” o cargo de Ministro da Defesa.  Sua vocação é garantir a unidade de comando e a integração e o equilíbrio entre as forças armadas.  Além disso, a soberania do Brasil não pode pender sempre o balanço para a defesa terrestre. Há muito a ser feito na defesa aeroespacial e defesa marítima.  O balanceamento de poderes entre exército, marinha e aeronáutica representa a oxigenação do sistema de defesa.

A concentração de poderes nas mãos do exército não é saudável para a democracia e para o sistema de defesa. Igualmente, não é saudável para a democracia que o exército participe da vida política nacional. Outro ponto digno de nota é o controle democrático de eventuais operações psicológicas sobre a opinião pública no sentido de promover a respectiva mobilização. Além disto, o controle democrático sobre a participação do Brasil em “missões de paz” deve ser objeto de fiscalização parlamentar e social, para se evitar o risco de cooptação das forças armadas por influência de potências estrangeiras. Ou seja, é importante blindar os militares brasileiros da influência por governos estrangeiros. Servidores públicos brasileiros podem ser alvo de operações de influência de governos estrangeiros. Evidentemente que a cooperação militar internacional é saudável, desde que existam limites à cooptação por potência estrangeira.  É inconcebível no século 21 que um Estado que pretenda ser plenamente soberano projete seu poder unicamente para dentro de seu território terrestre. Um Estado forte e soberano depende da projeção de poder aeroespacial e marítimo e, atualmente, poder cibernético. Talvez, a melhor alternativa seja o condicionamento da ampliação de investimentos no setor de defesa, com o compromisso de redução de despesas obrigatórias com o pagamento de pessoal (soldo e pensões). Deste modo, evita-se a influência do corporativismo militar nos destinos a defesa nacional. O corporativismo militar e autoritário não pode dominar o sistema de defesa nacional, muito menos influenciar o sistema político.  

Moral da história entre Estados Unidos e Brasil. Os Estados Unidos projetam seu poder e sua influência sobre o Brasil. Porém, a recíproca não é verdadeira. Um dos alvos da projeção de poder dos Estados Unidos sobre o Brasil é o exército brasileiro. Por isso, aderiram à política de segurança nacional dos Estados Unidos de combate ao narcotráfico. Este tipo de ação é policial e não função das forças armadas. Talvez, seja o caso de se debater a criação de uma polícia costeira, com a missão específica de policiamento do litoral brasileiro e os rios brasileiros, retirando-se esta competência da marinha para possibilitar que ela foque em sua missão institucional de defesa nacional.

Outro grave sintoma desta influência estrangeira, é a adoção de uma política de defesa nacional com projeção de poder somente para dentro, limitada às questões de fronteira, Amazônia, entre outras. Ora, uma nação plena soberana projeta seu poder para fora: no espaço aeroespacial, espaço marítimo e cibernético. Diferentemente, um estado fraco e subdesenvolvido tem como sintoma justamente a maior participação de seu exército na vida política nacional. Estados com maturidade institucional investem em todas as suas forças armadas, inclusive garante o controle civil das forças armadas. Por isso, os Estados Unidos possuem bases navais e aéreas em outros países e o domínio da tecnologia aeroespacial.

Talvez, o Brasil deve começar a pensar na criação em uma quarta força armada, com responsabilidade exclusiva sobre o espaço sideral e cibernético.

Quem sabe este rearranjo de forças possa contribuir ainda mais para o aperfeiçoamento do sistema de defesa nacional, considerando-se que inexiste hierarquia entre exército, aeronáutica e marinha. Porém, compete ao Ministério da Defesa articular o equilíbrio dentro das forças armadas. Pensar de modo contrário, é subverter a ordem constitucional de paridade de armas entre as forças armadas. Entender que o exército tenha influência política e seja maior que a marinha e aeronáutica representa uma patologia no sistema de defesa nacional. A institucionalidade do sistema de defesa nacional demanda o equilíbrio entre as forças armadas, com a vedação à influência política por quaisquer uma das forças. Enfim, entendo necessária a revisão da política de defesa nacional, com maior participação social e cidadão, bem como parlamentar.  Uma nação soberana, tem poder nacional e poder aeroespacial. O Brasil estará indefeso se não contar com uma marinha e aeronáutica com investimentos condignos aos seus desafios de defesa nacional.

Cabe ao Congresso Nacional a responsabilidade quanto à reforma do sistema de defesa nacional, reforçando o compromisso com a democracia brasileiro e a efetivação do princípio do controle civil sobre as forças armadas.  A nação, a Constituição e a democracia agradecem.


[1] Morgenthau, Hans. A política entre as nações. Brasília: Editora UNB, 2003.

[2] Sobre o tema dos militares na política do Brasil, ver: Stepan, Alfred. The military in politics. Changing patterns in Brazil. New Jersey. Princeton University Press, 1974.

[3] Sobre a resistência dos militares à criação do Ministério da Defesa, consultar: Castro, Celso e D’Araújo, Maria Celina. Militares e política na nova república. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2001.

[5] Johnson, Loch K. National Security Intelligence, Cambridge, 2017, p. 18.

[6] Wells, Anthony. Between five eyes. 50 years of intelligence sharing. Oxford, Casemate publishers, 2020.

[7] Stavridis, Admiral James. Sea power. The history and geopolitics of the World’s oceans. Penguin Book, 2018.

[8] Spykman, Nicholas. America’s strategy in word politics. The United States and the balance of power. London and New York: Routledge. Taylor & Francis Group.

[9] Couto e Silva, Golbery. Conjuntura política nacional e geopolítica do Brasil.  Rio de Janeiro. Terceira edição, 1981.

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Newsletter Direito da Comunicação – Edição do mês de Novembro/2020 está disponível

A newsletter Direito da Comunicação, com edição mensal, apresenta as principais questões da regulação setorial que impactam os serviços de tecnologias, telecomunicações, internet, TV e rádio por radiodifusão e TV por assinatura.

A edição de Novembro/2020 está disponível.

Para receber a newsletter Direito da Comunicação mensalmente via e-mail, efetue o cadastro no site da Ericson Scorsim Direito da Comunicação clicando aqui.

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Dependência do Brasil do sistema de GPS (global positioning satellite) dos Estados Unidos: análise dos riscos geopolíticos

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

O Brasil é usuário da tecnologia GPS (Global Positioning Satellite) dos Estados Unidos. Trata-se de tecnologia de posicionamento, navegação e geolocalização de pessoas, objetivo, veículos, lugares. Esta tecnologia foi desenvolvida pelas agências militares. E, ainda, atualmente, está sob o controle da Força Aérea dos Estados Unidos.

É considerada uma tecnologia dual-use, isto é, com aplicação militar e civil. Assim, seu uso por civis foi autorizado pelas autoridades militares. O sistema de geolocalização baseia-se em infraestrutura de telecomunicações por satélites distribuído por todo o globo. Atualmente, há uma constelação de 33 (trinta e três) satélites espalhados ao redor do globo que garantem o funcionamento do GPS. Há antena de GPS instalada pelo governo norte-americano na ilha Ascensão situada no Atlântico, com capacidade de coletar sinais de inteligência na região.

No aspecto militar, o GPS é fundamental nos sistemas de comando e controle, inteligência, reconhecimento, rastreamento e vigilância, posicionamento de armas inteligentes e precisão na localização de alvos. Sobre o tema, Graham Allison explica: “Os satélites oferecem um elo crucial em quase qualquer empreitada militar americana, de alertas sobre lançamentos de mísseis balísticos adversários e produção de imagens e previsões meteorológicas ao planejamento das operações. Os satélites de posicionamento global são responsáveis pela precisão de quase todos os armamentos teleguiados e permitem que navios, aviões e unidade em solo saibam onde estão no campo de batalha. Os Estados Unidos dependem dessa tecnologia mais do que qualquer competidor. Sem ela, o comandante-chefe não pode transmitir suas ordens para os pelotões em terra, para os navios no mar e tudo mais entre uma coisa e outra. As armas antissatélite vão das ‘cinéticas’ que destroem fisicamente o alvo, entulhando a órbita com destroços, a sistemas mais discretos, que usam laser para bloquear os sinais dos satélites ou ‘ofuscá-los’ e deixa-los inoperantes”.[1]

Registre-se que o GPS tem inúmeras aplicações civis na economia: transportes (rastreamento de veículos, e cargas), comércio (geolocalização de consumidores para fins de publicidade comercial), sistema financeiro (controle de identificação do usuário e pagamentos digitais),navegação aérea, transporte marítimo (navegação de navios, rastreamento da frota e cargas), agricultura de precisão (utilização de drones guiados por GPS), geosensoriamento, meteorologia, espacial, ferrovias, mapeamento, serviços ambientais, segurança pública, entre outros.  Por exemplo, máquinas agrícolas contam com sistema de GPS. Sem conectividade, no entanto, estes equipamentos não podem se conectar à rede de internet. Ora, a partir do GPS e satélite é possível fazer estimativas a respeito da safra agrícola e, com isso, influenciar os preços internacionais das commodities. A título exemplificativo, a Empresa Agropecuária (Embrapa) utilize de imagens de observação da terra fornecidas pela NASA dos Estados Unidos. Há o entrelaçamento entre a atividade agrícola e o sistema de crédito rural, intermediado por tecnologias.

Em 2020, o Banco Central do Brasil editou a Resolução n. 4796, de 02/04/2020 que trata dos procedimentos de comunicação de perdas de safra agrícola e pedido de seguro da cobertura do Proagro, na hipótese de impossibilidade de visita técnica presencial para fins de comprovação de perdas de modo remoto. Assim, o Banco Central reconhece a possibilidade de utilização de “imagens de satélite ou outras ferramentas de sensoriamento remoto”, bem como a consulta banco de dados por sistemas como o suporte à decisão na agropecuária (Sisdagro) do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e o sistema de análise temporal de vegetação (SAT) da Embrapa.  

Em resumo, as tecnologias aeroespaciais tem impacto significativo na agricultura brasileira. Por isso todo cuidado é pouco quanto se trata da proteção aos dados agrícolas.   A União Europeia está adotando regras para a proteção dos dados agrícolas, para evitar a concorrência desleal em relação aos seus agricultores. Outra aplicação do GPS consiste na utilização da tecnologia no planejamento da abertura de lojas comerciais. Mede-se o número de pessoas que circulam em determinada área geográfica de uma cidade a fim de verificar o potencial econômico da região.

O sistema de GPS é totalmente compatível com as infraestruturas de telecomunicações móveis, por celulares. Há projetos da Força Aérea dos Estados Unidos para avançar na eficiência do sistema de GPS e as redes móvel de celulares. Assim, qualquer celular do globo poderá ser localizado pelo sistema GPS. Neste aspecto, a tecnologia de GPS é relevantíssima para a coleta de sinais de inteligência pelo governo norte-americano. Com frequência, em áreas de conflito, o sinal do GPS é objeto de interferência, com a negação de acesso aos serviços.  Os sistemas de países aliados ao GPS norte-americano: sistema Galileu da União Europeia, o GZSS do Japão, o Navic da Índia. Em 2018, a FCC autorizou a prestação de serviços Galileu nos Estados Unidos. O Reino Unido estuda a criação de um sistema próprio de navegação por satélite. Os sistemas não alinhados aos Estados Unidos são: o GLONASS da Rússia e o Beidou da China. O Brasil não possui sistema próprio de posicionamento por satélite. Assim, é mero usuário do sistema de GPS dos Estados Unidos. Por isso, há riscos geopolíticos para o Brasil na  dependência da tecnologia de GPS dos Estados Unidos. Simplesmente, há o risco de os Estados Unidos, por diversas razões, resolverem negar o acesso ao sistema GPS, em algum momento. E mais, há riscos de espionagem econômica e militar o sistema GPS. Além disto, em operações militares, o Brasil dependerá o acesso à tecnologia norte-americana do GPS. A plenitude da soberania tecnológica do Brasil demanda a adoção de um sistema próprio de geoposicionamento por satélite, do contrário a dependência tecnológica significará restrições à competividade internacional e inclusive riscos à defesa nacional.

Por isso a necessidade de uma nova geoestratégia do Brasil, em relação à tecnologia de posicionamento e navegação por satélite, com vistas à construção de sistema nacional. A nação brasileira agradecerá!  


[1] Allison, Graham. A caminho da guerra. Os Estados Unidos e a China conseguirão escapar da Armadilhas de Tucídides? Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

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União Europeia debate o Data Act para 2021

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

A União Europeia, após aprovar o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), prepara-se para a edição do Data Act para 2021.

A União Europeia tem estratégia clara quanto à economia digital e, respectivamente, a proteção à sua economia de dados. Assim, a questão dos dados pessoais é disciplinada no Regulamento Geral de Proteção de Dados. Mas, a questão dos dados não pessoais será objeto de regulamentação específica. Deste modo, dados não pessoais, aqueles relacionados a objetos, máquinas, veículos, internet das coisas, entre outros, serão regulamentados. Estes dados não pessoais são um valioso ativo estratégico econômico, objeto da cobiça internacional. Há preocupação quanto à proteção de dados do setor público.

Debate-se, ainda, sobre a localização de dados do setor público em território europeu, evitando-se a transferência para outros países não integrantes da União Europeia. Assim, buscam-se medidas para evitar o risco de processamento de dados europeus no exterior. Trata-se de uma geoestratégica baseada na concepção da soberania digital. Deste modo, há a proteção de dados industriais, dados da agricultura e dados da saúde. 

Enfim, há o debate sobre as regras de acesso, proteção e compartilhamento de dados e limites à transferência internacional de dados. Assim, a discussão sobre o Data Act insere-se no contexto do Digital Services Act, ou seja, a regulamentação dos serviços digitais no contexto da União Europeia. Ou seja, as regras de e-commerce para a prestação de serviços digitais. Há preocupações da União Europeia quanto ao impacto da inteligência artificial em setores críticos, tais como: saúde, transportes, segurança pública e sistema legal.

Além disto, no contexto da internet das coisas (IoT), a revisão da segurança dos produtos e responsabilidade legal. Outro ponto é a segurança cibernética, computação quântica e blockchain. E mais, observe-se que há nicho para a internet das coisas relacionados à “internet dos corpos” (internet of body, IoT), isto é, dispositivos biomédicos e de bem estar ligados à saúde das pessoas. Assim, há implantes de dispositivos eletrônicos no corpo de pacientes (para regular o batimento cardíaco, para contribuir com as atividades cerebrais, para auxiliar o pâncreas, entre outros). Há, também, outros dispositivos que contribuem com o monitoramento das atividades físicas das pessoas. Estes equipamentos são vestíveis, isto é, podem ser utilizados como vestimenta no corpo das pessoas. Registre-se que a União Europeia busca incentivar o desenvolvimento de infraestruturas de computação em nuvem em território europeu.  Uma das questões é garantir a interoperabilidade entre os sistemas de computação em nuvem. Registre-se que a União Europeia conta com sistema próprio de posicionamento por satélite denominado Galileu.  Assim, o futuro regulamentação da União Europeia buscará a integração do sistema das regras de acesso, proteção, compartilhamento e processamento de dados não pessoais.

Enfim, trata-se de uma geoestratégia relevante quanto à proteção de dados impessoais, nos setores do comércio, indústria, agrícola, saúde, entre outros.

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Projeto de Lei dos Estados Unidos sobre o GPS – Geolocational Privacy and Surveillance Act

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

            O sistema de geolocalização por GPS (Global Positioning System) foi criado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Sua finalidade principal é assegurar informações de geolocalização de pessoas, objetivos, veículos, entre outros. Até hoje, está sob supervisão do Departamento de Defesa e da Força Aérea.  Porém, a tecnologia é autorizada para uso civil.[1] Apesar dos benefícios civis e militares do GPS, é uma das tecnologias símbolo da era da vigilância eletrônica por estados e empresas, uma das mais invasivas à medida que proporciona informações em tempo real sobre a localização de pessoas.  Deste modo, a tecnologia mestre em coleta de dados em tempo real, por redes de telecomunicações.  É uma tecnologia considerada de dual-use, isto é, de uso civil e militar. Registre-se que o GPS tem inúmeras aplicações na economia: transportes (rastreamento de veículos e cargas), comércio (geolocalização de consumidores para fins de publicidade comercial), navegação aérea, transporte marítimo (navegação de navios), agricultura de precisão, geosensoriamento, espacial, ferrovias, mapeamento, serviços ambientais, segurança pública, entre outros.  Por exemplo, máquinas agrícolas contam com sistema de GPS. Sem conectividade, no entanto, este equipamentos agrícolas não podem se conectar à rede de internet.  O sistema de GPS é totalmente compatível com as infraestruturas de telecomunicações móveis, por celulares. Há projetos da Força Aérea norte-americana para avançar na eficiência do sistema de GPS e as redes móveis de celulares. Assim, qualquer celular do globo poderá ser localizado pelo sistema GPS. Neste aspecto, a tecnologia de GPS é relevantíssima para a coleta de sinais de inteligência pelo governo norte-americano. Serve como instrumento em operações militares em teatros de guerra.

            O sistema de geocalização baseia-se em infraestrutura de telecomunicações por satélites distribuídos por todo o globo. Atualmente, há uma constelação de 33 (trinta e três) satélites espalhados ao redor do globo que garantem o funcionamento do GPS. Há antena de GPS na ilha Ascensão situada no Atlântico, com capacidade de coletar sinais de inteligência na região.  

            Há projetos de lei sobre o GPS. Um deles é o Geolocational Privacy and Surveillance Act – GPS Act.[2] Há normas sobre interceptação e divulgação de informação geolocalização. Também, o projeto de lei  proíbe da utilização informação de geolocalização como prova. Além disto, previsão de cobertura de danos civis por interceptação, divulgação ou violação das informações sobre geolocalização. Ademais, há norma sobre fraudes para obtenção de informação sobre geolocalização.

            Mas, qual é a razão deste projeto de lei? Frequentemente, autoridades de investigação norte-americanas utilizem a tecnologia para obter informações sobre movimentos de geolocalização de pessoas suspeitas de práticas de crimes, algumas inclusive sem autorização judicial. Houve um caso levado aos Tribunais de implantação de sistema de rastreamento de veículo por GPS, para monitorar as movimentações de um suspeito de crime. Houve abusos na utilização do GPS que motivaram entidades de direitos civis a buscar colocar limites legais, em defesa da privacidade e segurança de cidadãos norte-americanos.[3]

            Em outro caso, as autoridades de investigação criminal adotaram software que simulam o sinal das torres de telefonia celular, a fim de promover a interceptação das comunicações, sem autorização judicial, o que ensejou a judicialização do caso.[4]

            Igualmente, no projeto de lei acima referido, refere-se aos limites na implantação de instalações no território dos Estados Unidos de estações de recepção de sinal de satélite por governo estrangeiro. A finalidade da regra é controlar o acesso à tecnologia de GPS por governos de outros países.

            Por outro lado, o projeto de lei The Fiscal Year 2019 prevê que os fundos relacionados ao setor de transporte não podem ser utilizados para financiar o rastreamento por GPS de passageiros em veículos motores. Assim, a medida busca estabelecer parâmetros para a privacidade dos cidadãos norte-americanos.

            Na Lei norte-americana National Defense Authorization Act for fiscal year 2020 propõe a criação de um protótipo de programa global de navegação por satélite capaz de receber sinais para ampliação da capacidade de resistência de posições militares. Os sistemas de países aliados ao GPS norte-americano: sistema Galileu da União Europeia, o GZSS do Japão, o Navic da India. O Reino Unido estuda a criação de um sistema próprio de navegação por satélite. Os sistemas não alinhados aos Estados Unidos são: o GLONASS da Rússia e o Beidou da China.

            O Brasil não possui sistema próprio de posicionamento por satélite. Assim, é mero usuário do sistema de GPS dos Estados Unidos. Por isso, há riscos geopolíticos para o Brasil na adoção da tecnologia de GPS dos Estados Unidos.  Registre-se que os Estados Unidos possuem a legislação Foreign Intelligence Surveillance Act, a qual permite a interceptação das comunicações de estrangeiros.  Neste aspecto, por razões de defesa nacional do Brasil e da defesa da confidencialidade das comunicações nas redes de telecomunicações móveis brasileiras é fundamental a atuação mais efetiva das autoridades nacionais na proteção das comunicações de brasileiros, contra o risco de interceptação por autoridades estrangeiras.

            Em relatório do Departamento de Segurança Interior ao Congresso dos Estados Unidos, explica a perda do sinal do GPS implica em sérios danos à economia norte-americana. Trinta dias sem sinal de GPS poderia custar U$ 1 (hum) bilhão de dólares por dia à economia norte-americana.[5]

Com a tecnologia de 5G e IoT, ampliam-se os riscos de monitoramento por GPS em invasão à privacidade de pessoas e empresas, bem como os riscos de ataques cibernéticos às redes de telecomunicações móveis. Por isso, a necessidade atuação firme do legislador para proteger dados pessoais e dados não pessoais.

            Enfim, a tecnologia de GPS, sem dúvida alguma, proporciona inúmeras utilidades econômicas. Há informações valiosas nas redes de telecomunicações móveis. Porém, esta tecnologia lida com dados pessoais, relacionadas à geolocalização de pessoas. É a tecnologia símbolo da hipervigilância eletrônica estatal e empresarial, inclusive à coleta de dados em tempo real.  Há, ainda, riscos de ataques cibernéticos às redes de telecomunicações móveis. Por isso, a proteção à privacidade, confidencialidade das comunicações e a segurança dos dados pessoais relacionados à geolocalização é um fator significativo a ser considerada pelo legislador e pela Anatel, agência responsável pelo setor de telecomunicações.             


[1] www.gps.gov

[2] Nos termos da lei, geolocation information:  “geolocation information” means with respect to a person, any information that is not the content of a communication, concerning the location of a wireless communication device or tracking device (as that ther is defined section 3177) that, in whole or in parte, is generated by or derived from the operation of that device and that could be used to  determine or infer information regarding the location of the person”.

[3] Sobre o tema, ver: Farivar, Cyrus. Habeas Data. Privacy the rise of surveillance tech. New York: Melville Publishing, 2018.

[4] Habeas data, privacy the rise of surveillance tech, obra citada, p. 174.

[5] Homeland Security. Report on Positioning, Navigation, and Timing (PNT) Backup and Complementary Capabilities to the Global Positioning System (GPS). National Defense Authorization Act Fiscal Year 2017 Report to Congress: PNT Requirements, and Analysis of Alternatives, april, 8, 2020.

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Estados Unidos e vigilância eletrônica das comunicações de estrangeiros: a questão do 5G no Brasil e a defesa nacional das nossas comunicações

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo – USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação

Estados Unidos e China disputam a liderança global sobre a tecnologia de 5G. A China tem como um dos seus principais players a Huawei. Os Estados Unidos estão atrasados nesta corrida tecnológica, pois não há nenhuma empresa norte-americana líder global em tecnologia de 5G. Os Estados Unidos por supostas razões de ameaça à sua segurança nacional baniram a Huawei do fornecimento de tecnologia de 5G em suas redes de telecomunicações.  O governo norte-americano acusa a empresa chinesa de promover espionagem, a serviço do governo da China. Há, também, acusações de furto de dados e de propriedade intelectual. A empresa nega todas as graves acusações. Embora tenha ocorrido a eleição do novo Presidente Biden, há tendência de se manter esta política norte-americana no 5G, no sentido de se excluir a tecnologia chinesa nas redes de telecomunicações. Além disto, os Estados Unidos pressionam países aliados para que se alinhem a sua posição geoestratégica no sentido de vedar a tecnologia de 5G da China.

 Neste sentido, o governo norte-americano ameaçou não mais compartilhar informações de inteligência se países aliados não excluírem a tecnologia de 5G de suas redes de telecomunicações. Assim, o governo norte-americano adotou o Clean Path (Caminho Limpo), isto é, redes de 5G com a exclusão do fornecimento de equipamentos e tecnologia por empresas chinesas em infraestruturas de computação em nuvem, infraestruturas de rede de telecomunicações, redes de internet, lojas de aplicativos e redes de cabos submarinos. Por ora, há sinais no sentido que o governo brasileiro poderá integrar este programa Clean Path, para fins de exclusão do fornecimento de tecnologia de 5G da Huawei nas redes de telecomunicações nacionais. A narrativa do governo norte-americano pode ser objeto de fortes críticas. Será que os Estados Unidos por não ser competitivo na tecnologia 5G resolveu adotar uma tática de protecionismo com a negação do livre comércio global, já que está perdendo a competição para a China? Outra questão, o governo norte-americano acusa a China de realizar espionagem. Mas, os Estados Unidos não realiza espionagem contra governos, empresas e pessoas estrangeiras? Registre-se que, em 2013, o Congresso Nacional do Brasil abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar atividades de espionagem realizada pela National Security Agency dos Estados Unidos contra alvos brasileiros: cidadãos, empresas e autoridades. Além disto, é importante registrar que o contexto institucional dos Estados Unidos.  Lá, de acordo com a lei denominada Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA), obriga as empresas de telecomunicações a adotarem padrões em equipamentos que permitam a interceptação das comunicações de telecomunicações.  A princípio, a lei é aplicável apenas às empresas norte-americanas e aquelas que estejam situadas em território norte-americano. Outra lei norte-americana é a Foreign Intelligence Surveillance Act (FISA), a qual permite que autoridades norte-americanas interceptem comunicações no exterior, inclusive permitem a coleta de sinais de inteligência (dados relevantes para a segurança nacional dos Estados Unidos). Portanto, com base nesta lei é permitida a vigilância eletrônica em massa de governos, empresas e pessoas estrangeiras. Neste contexto, as empresas globais de tecnologia como Google, Apple, Facebook, Amazon, entre outras, podem ser intimadas a colaborar com o governo norte-americano em questões de inteligência nacional. Outra lei é o Cloud Act, o qual possibilita o acesso por autoridades norte-americana de dados armazenados em servidores localizados no exterior, em hipóteses de investigações.  Adicionalmente, a lei Export Control Reform Act trata das medidas de controle de exportações de tecnologias consideradas dual-use, isto é, com utilização civil e militar. Assim, microchips, tecnologias de satélite, fibras óticas, cabos submarinos, GPS, são consideradas tecnologias dual-use. Aliás, a própria internet é considerada uma infraestrutura dual-use. Por isso, o governo norte-americano busca restringir o acesso pela Huawei à tecnologia de microchips de empresas norte-americanas.  Além disto, os Estados Unidos lidera uma aliança internacional de inteligência denominada Five Eyes, juntamente com o Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Este aliança serve à coleta de sinais de inteligência em todo o globo. Por outro lado, National Security Agency é a agência governamental encarregada de realizar as atividades de vigilância eletrônica e coleta de sinais de inteligência para os Estados Unidos em todo o globo. Relembre-se que a NSA já realizou espionagem contra o Brasil, supostamente um país aliado dos Estados Unidos, em 2013.  Diante deste contexto, compete ao Brasil, nação soberana, adotar as medidas mais adequadas à proteção à confidencialidade das comunicações dos governos, empresas e cidadãos brasileiros.  

O Congresso Nacional é a autoridade competente para debater o tema. O Presidente da República não pode deliberar, exclusivamente, sobre o assunto. A missão da regulamentação do 5G dever compartilhada entre governo e Congresso Nacional, justamente por envolver questões de defesa nacional.  Registre-se, ainda, que a União Europeia adotou uma solução intermediária, no sentido de excluir parcialmente a tecnologia chinesa das áreas centrais de redes de telecomunicações, permitindo-se apenas a presença em áreas periféricas. É inadmissível o Brasil seja incapaz de se defender seja diante dos Estados Unidos, seja diante da China, ou qualquer outro país.

Diante da questão do 5G, eventual omissão do governo brasileiro e do Congresso Nacional em adotar medidas de proteção à integralidade e confidencialidade das comunicações representará grave atentado à soberania nacional.  Afinal, o Brasil não é o quintal dos Estados Unidos, dever proteger o interesse nacional acima de qualquer interesse de país aliados. No jogo geopolítico entre Estados Unidos e China, o Brasil deve proteger a integridade, confidencialidade e privacidade das comunicações brasileiras.   

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Neomilitarismo, desmilitarização do governo, contenção da influência política das corporações militares e a concepção civil de defesa nacional. Princípio do controle civil das forças armadas: a arma da democracia

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

As raízes democráticas de um povo são a maior conquista civilizatória. Mas, estas raízes devem prover dos cidadãos, o elemento civil. Assim, o governo civil é o maior símbolo da evolução democrática. Porém, quando um país optar por caminho de militarização de seu governo civil é um grave sintoma de que há algo de errado nesta jornada. Ainda, quando este País passou por um período de retrocesso histórico representado por duas décadas de regime de ditadura militar.

Por este texto para ampliar a reflexão sobre o princípio do controle civil das forças armadas. No Brasil, em 2020, houve o debate sobre o papel das forças armadas. De um lado, uma corrente autoritária e antidemocrática sustentou a possibilidade de intervenção das forças armadas na hipótese de conflito entre os poderes da República. De outro lado, a doutrina constitucional e democrática que defende a tese de inexistir poder moderador às forças armadas.  O Supremo Tribunal Federal na ADI n. 6457, Rel. Min. Luiz Fux, acolheu esta última tese, ao afirmar que não cabe às Forças Armadas o papel de moderador dos conflitos entre os Poderes da República.  A decisão do Supremo Tribunal Federal esclarece a natureza das forças armadas como instituição de Estado e não como órgão do governo. O debate constitucional foi realizado a respeito da interpretação do art. 142 da Constituição Federal.[1] O objetivo do presente texto é aprofundar a noção do princípio do controle civil das forças armadas, isto é, a subordinação das autoridades militares ao comando civil.  Neste sentido, há a hierarquia do comando civil sobre a autoridade militar. A autoridade militar esta subordinada à autoridade civil. Esta é a base do princípio do Estado Democrático de Direito. O núcleo básico é controle da influência política das forças armadas no governo civil, bem como o controle da influência política sobre as forças armadas, para se evitar o risco de sua utilização abusiva pelos governos civis, para realização de jogos políticos-eleitorais e ações espetaculares na mídia.

Nos Estados Unidos, este princípio está enraizado na ordem democrática. Sobre o tema, aliás, um dos pensadores conservadores e doutrinadores do tema Samuel P. Huntington escreveu a obra The Soldier and the state. The theory and politics of civil-military relations, The Belkan Press of Harvard University Press, Cambridge, 1957. Para o autor a participação de militares em governos civis representa a negação do princípio do controle civil das forças armadas. Para ele, o que deve imperar na corporação militar é a profissionalização, mediante o afastamento dos militares da política doméstica nacional. E, ainda sobre o tema, já escrevi o artigo Em defesa da maximização do controle civil das forças armadas e de seu profissionalismo. A necessária compreensão da questão democrática e militar, publicado no Portal Direito da Comunicação (www.direitodacomunicacao.com), em 29/7/2020. Em outro artigo, também, escrevi: O Brasil, a Constituição os limites à autoridade da Presidência da República e os riscos de politização das forças armadas, publicado no Portal Direito da Comunicação, 25 de maio de 2020. A propósito dos objetivos do controle civil das forças armadas, Anaís Medeiros Passos explica: “Mais especificamente, alguns dos objetivos de submeter os militares à supremacia civil são: proteger os direitos humanos de todos os membros da sociedade, alinhar os objetivos políticos de lideranças civis e militares, legitimar o  uso da força por grupos  associados ao estado e reduzir os poderes discricionários dos militares”.[2] Ora, o atual governo do Brasil aumentou a participação de militares no governo federal, inclusive em cargos civis, fato que coloca em risco o princípio do controle civil das forças armadas. Há militares na Casa Civil, Ministério da Saúde, Ministério da Energia, Correios, Infraestrutura, Empresa Brasil de Comunicação, Autoridade de Proteção de Dados, Petrobras, entre outros órgãos e empresas estatais. A participação de militares no governo civil enseja o pagamento de gratificações, via de regra, de 30 (trinta por cento) de sua remuneração. O problema é utilização de esta convocação presidencial servir como pretexto para a “compra” de apoio pelo Presidente da República do apoio de militares ao seu governo, algo nocivo à democracia.

O fato ensejou a atuação do Tribunal de Contas da União para apurar as irregularidades, com a nomeação de militares em cargos civis. Além disto, destaque-se que a chapa presidencial vencedora das eleições foi formada por um ex-capitão do Exército e por seu Vice, um general da reserva. Ora, será que este tipo de aliança política representa o exército como avalista do governo? O exército está sendo manipulado como em garantia do mandato do Presidente e Vice-Presidente para evitar o risco de um impeachment?

No Congresso Nacional há inúmeros pedidos de impeachment, ainda mais diante da gestão catastrófica em relação à pandemia. Esta é uma pergunta que a história futura responderá, isto é, o nível do envolvimento do exército na política doméstica. Afinal, o exército pode ser avalista de governos? A resposta é, evidentemente, negativa.  O vácuo de liderança civil é um fator que agrava a presença de agentes militares na vida pública. A desorganização da política é um fator de risco da militarização da vida pública. Em cenário de crise econômica e social há o “clamor” por forças conservadoras das forças armadas. Estas causas gera consequências nefastas à democracia. O Brasil vive período histórico de intensa polarização política, inclusive com práticas de disseminação de ódio por redes sociais. Por isso, a eventual adesão das forças armadas a determinado grupo político/ideológico é contrária ao espírito democrático.

As forças armadas não podem estar a serviço de determinado grupo político e/ou ideológico em detrimento de outros. O neomilitarismo é representado pela captura das forças armadas por agentes políticos, para fins político-eleitorais. Também, o neomilitarismo está associado à invasão da demagogia nas corporações militares, com a exploração política das forças armadas, por agentes políticos. Outro sintoma é a participação de militares como candidatos em eleições federais, estaduais e municipais. Outro fato é a atuação de militares em redes sociais, com o envolvimento em questões políticas e civis.  Além disto, a militarização do ensino com programas de escolas cívico-militares é um sintoma do neomilitarismo. Exemplo infeliz disto é o governo do Paraná que pretende adotar um programa de militarização nas escolas públicas estaduais. Um país deve ter a educação pública, vinculada a valores civis-democráticos.

Esta militarização da educação pública é um desvio de finalidade do Estado. A educação pública deve estar livre de ideologias religiosa e/ou militares. Educação militar em colégios civis é um retrocesso histórico! Adicionalmente há o risco de realização de operações de influência e/ou operações de informações na opinião pública por agentes militares, inclusive o risco de participação em campanhas de desinformação,  em benefício de determinado grupo político e/ou familiar, algo que deve ser coibido pelas forças democráticas.  O Exército não pode ser manipulado em benefício do nepotismo de uma família. Agentes militares não podem legitimar o nepotismo, à medida que são utilizados para favorecer membros de uma única família. Esta prática é contrária ao princípio republicano. Uma República séria está comprometida com valores democráticos.

Diversamente, uma “republiqueta latino-americana” coloca suas forças militares a serviço da família e amigos no governo.  Infelizmente, a América Latina tem inúmeros exemplos de “caudilhos militares” que colocam em risco a credibilidade das corporações militares. É o caso extremo da Venezuela, aonde houve as forças armadas decidiram ir para dentro do governo. Além disto, nos últimos anos, vê-se a atuação intensa das forças armadas em questões da política doméstica, com a intervenção em temas de segurança pública, sendo chamadas para atuar nos estados da federação, em operações de “lei e ordem”. A atuação das forças armadas como força policial tem o condão de representar risco de contaminação tóxica para seus integrantes e para a reputação da corporação. Por exemplo, no México, um dos principais generais do exército participante de ações militares de combate ao narcotráfico foi preso nos Estados Unidos sob a acusação de ser o chefe de uma organização criminosa de narcotraficantes.

Há, portanto, riscos nas forças armadas em ações de combate ao narcotráfico. No Brasil, é preciso “blindar” as forças armadas das interferências políticas para atuação em questões corriqueiras da política doméstica. Afinal, o foco das forças armadas deve ser a defesa nacional, sobretudo contra os riscos de ameaças externas. Por isso, há forças terrestres, aéreas e marítimas e, inclusive forças cibernéticas. No século 21, as forças armadas precisam contar com recursos suficientes para enfrentar os desafios modernos. Sua modernização tecnológica é uma prioridade da defesa nacional. Ora, no Brasil, as forças armadas estão se desviando de sua finalidade institucional de defesa nacional, à medida que se envolvem em questões da administração pública e segurança pública. Ademais, as forças armadas foram convocadas para atuar em temas associados à fiscalização ambiental na região amazônica, bem como ações de enfrentamento ao coronavírus. Enfim, são diversas questões que o governo está requisitando às forças armadas, para além de sua finalidade institucional. Este desvio da finalidade das forças armadas pode ensejar ações de responsabilidade perante a União Federal. Assim, haverá a responsabilização pública das autoridades que convocarem abusivamente as forças armadas em desvio de finalidade. A Constituição do Brasil, em diversos momentos, aponta para o controle civil das forças armadas. Este princípio é a consequência natural do regime democrático e da constituição do governo civil.  Por óbvio, uma força armada não pode assumir a direção política de um governo. Uma força armada não pode participar da negociação política, influenciando com o peso de suas armas e de sua farda.  Há regras de restrição dos direitos políticos de servidores públicos militares.

Existem normas de limitação à liberdade de expressão e de opinião, para garantir a unidade da corporação militar. Há a proibição do exercício do direito de greve. Há normas sobre impedimento da participação política dos agentes militares. Existem regras sobre a proibição de os militares participarem de atividades sindicais. Portanto, a Constituição da República delimita, com clareza e precisão, os limites à atuação de militares em atividades políticas-partidárias. O propósito constitucional é preservar as Forças Armadas como instituição de estado e não como órgão do governo federal. Por isso se trata de uma carreira de estado, com alta função constitucional. A razão é simples para a existência das regras constitucionais. Se servidores públicos militares começarem a participar de atividades políticas partidárias e/ou extrapartidárias, para obtenção de poder político e/ou disputar o governo, simplesmente haverá a politização das forças armadas. Com a politização dentro das forças armadas haverá, consequentemente, o risco de ruptura com a hierarquia e a disciplina e unidade, necessárias à ordem militar.  Há, enfim, o risco de quebra do princípio do comando e controle, vez que divergências políticas podem afetar o cumprimento de missões militares. As bases militares poderão se tornar meras plataformas eleitorais com capacidade de lançar candidatos a cargos eletivos como governadores, deputados, senadores e vereadores. Até mesmo a participação de militares inativos na atividade política tem a capacidade de produzir o risco de politização das forças armadas. Os servidores públicos militares aposentados (denominados da reserva), certamente buscarão influenciar as bases militares em busca de apoio político-eleitoral, criando-se um ciclo de contaminação politizada dentro das forças armadas.  Daí a necessidade de um “código de conduta militar” capaz de conter, inclusive a influência dos aposentados sobre a corporação militar. A liberdade de expressão dos militares da reserva deve ser restringida, a bem da unidade da corporação militar. A instituição militar perde – e muito – sua reputação e responsabilidade para com a nação se permitir a participação política de militares na ativa e/ou na reserva. Por isso, os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, finalidade, entre outros, são fatores de contenção do desvio de finalidade da utilização das forças armadas em benefício de determinado grupo político/familiar. Além disto, militares não podem ser usados para criar situações de obstrução de justiça, a mando do Presidente da República. O lema do exército “braço forte mão amiga” deve ser estendido para todos os brasileiros e não apenas para determinada facção política. Outro risco ainda para as forças armadas é o risco de contaminação por milícias, verdadeiras organizações criminosas. Além disto, registre-se que as forças armadas são financiadas pelo sistema da tributação. Logo, é o povo quem financia os custos de manutenção das forças armadas. Um servidor público militar conta com sua remuneração e proventos fixos, para justamente lhe garantir no cargo público, de modo independente. Diversamente do trabalhador comum, o servidor público militar não tem riscos financeiros em sua atividade profissional, como ficar sem renda! O povo brasileiro é marcado por divisões políticas e ideológicas. Há divergência de opiniões políticas.

Logo, se as forças armadas apoiarem um governante e/ou governo, evidentemente, há o risco de perderem legitimidade com outros grupos políticos. Por exemplo, as disputas políticas na sociedade poderão contaminar os quartéis, colocando em risco a unidade da corporação militar. Assim, as forças armadas são responsáveis perante o princípio da soberania popular. Elas estão a serviço de proteção do povo. Jamais poderão servir a facções políticas/partidárias. A lealdade das forças armadas é para com o povo.  Em hipóteses extremas de divisão interna do País, há o risco de guerra civil. A título de memória histórica, durante o período do regime de ditadura militar de 1964-1985 no Brasil, houve simplesmente a negação do princípio democrático, com a supressão do direito de voto, eleições e direitos políticos. Também, houve a supressão da liberdade de expressão, mediante práticas de censura e violação de direitos humanos. Portanto, o período representou o retrocesso histórico do Brasil, com a negação da democracia e de repressão aos direitos. Este período sombrio da história brasileira jamais poderá ser relembrado apenas como uma “revolução democrática”. Não, ao contrário, trata-se de golpe militar com apoio civil. Além disto, o período de ditadura foi marcado pelo terrorismo de estado ou por estado terrorista, algo que nocivo às instituições democráticas e ao regime de direitos fundamentais. Precisamos compreender a história brasileira para evitar o risco de repetir a tragédia.  A memória histórica correta deve ser restaurada. Não é um período para ser comemorado por ninguém. Raimondo Faoro em palavras exemplares: “Entramos, por uma vereda inesperada, em novo gênero literário, a mitopeia. Manipula-se o passado e manipula-se o presente para enganar o futuro”.[3] Ulisses Guimarães em discurso histórico referiu-se ao seu nojo em relação à ditadura.

Ao contrário, este período da história brasileira deveria ser marcado pelo arrependimento eficaz das forças armadas pelos lamentáveis erros históricos. E, ainda, mero pedido de perdão não significa nada. Aliás, sequer houve o pedido de perdão histórico pelas forças militares. A propósito, recentemente, um filho de militar, cujo pai participou da ditadura está levantando a história de participação familiar no episódio, pois a versão oficial narrada por seu pai não corresponde à verdade. Assim, o filho está resgatando a verdade histórica em relação ao golpe militar.  O filho pretende fazer um filme sobre o tema. O sentido de vergonha é que move a atuação do filho. Por isso, nações democráticas investem na profissionalização de suas forças armadas. Há códigos de conduta a serem seguidos pelos servidores públicos militares. Além disto, em nações democráticas, o comando da defesa está sob a alçada civil. Por isso, o Ministério de Defesa deve ser ocupado por agentes civis e não por militares. Entendo que o Ministério de Defesa é um cargo de natureza civil. A nomeação de um civil é para evitar conflitos em disputas políticas entre exército, marinha e aeronáutica. A Defesa Nacional é uma tema relevantíssimo de interesse dos civis e não somente dos militares. Por isso, os autores Octavio Amorim Neto e Igor Acácio propõem a carreira civil de especialista em defesa, algo a ser instituído no governo. Proposta esta interessante para incentivar o estudo civil da defesa nacional por especialistas. Além disto, eles sustentam a necessidade de organização civil do controle do sistema de defesa nacional.[4] Por outro lado, há riscos para a institucionalidade das forças armadas em decorrência de abusos presidenciais, isto é, a instrumentalização política pela Presidência da República para fins político-eleitorais. Nesta hipótese de cooptação das forças armadas pelo Presidente da República para fins político-eleitorais haverá desvio de finalidade a ser devidamente apurado pelos órgãos competentes como é o caso do poder legislativo e poder judiciário. Além disto, práticas de promoção pessoal pelo Presidente da República, a partir da exploração do prestígio das forças armadas representam atos de improbidade administrativa. Por isso entendo, inclusive, plena necessidade de reforma do Gabinete da Segurança Institucional da Presidência da República, de modo a alcançar a desmilitarização, para evitar relações de proximidade tóxica entre Presidência da República e as forças armadas. A segurança institucional da Presidência da República pode perfeitamente ser liderada por civis, sob equipes civis e militares. Ressalte-se que as forças armadas submetem-se ao controle parlamentar, jurisdicional e pelo tribunal de contas da União. Assim, cada ato de nomeação pelo Presidente da República de agentes militares pode ser caracterizado como ato de improbidade administrativa se houver dolo e culpa e se houver desvio de finalidade.  Além disto, a mídia melhorar a cobertura de temas relacionados às questões relacionados às forças armadas e defesa nacional. De todo modo, é importante que as forças armadas adotem um código de autocontrole, isto é, de autocontenção, para evitar riscos de contaminação política dos quartéis. O uniforme militar não pode ter utilização político-partidária.  Imagine-se o risco de termos cabos, sargentos, tenentes, generais, coronéis e almirantes políticos? Se todo soldado resolver agir politicamente dentro dos quartéis o que sobra da unidade da corporação militar?

No século 20, a principal divisão ideológica foi entre capitalistas, comunistas e socialistas. De um lado, o grupo de países capitalistas, liderados pelos Estados Unidos. De outro lado, o grupo de países comunistas, liderados pela ex União Soviética. Ora, imagine-se que as ideologias adentrem dentro dos quartéis? O que teremos? Debates infindáveis entre direita e esquerda, entre outras forças políticas. Teremos generais, coronéis, capitães, tenentes, sargentos capitalistas de um lado? E de outro lado, teremos generais, capitães, tenentes comunistas?  Teremos generais de esquerda e de direita?  Nada contra generais e/ou capitães capitalistas e comunistas e/ou socialistas. Um “capitão” com ambições políticas, ganância e espírito de enriquecimento pessoal, pode perfeitamente se retirar das forças armadas e vir a fazer sua vida profissional fora dos quartéis. E o Brasil, intensamente polarizado, divide-se, de um lado,  entre movimentos anti-petistas e anti-lulismo, e de outro lado, movimentos do bolsonarismo. Ora, estes dois movimentos já contaminaram as forças armadas?  Acredito que esta bipolaridade política é nefasta para o País. É fundamental a construção de uma terceira via, para além da extrema direita.

A questão é que a ideologia política não pode adentrar as forças armadas. A propósito, o tenentismo no Brasil foi inspirado na ideologia fascista de Benito Mussolini da Itália, o qual tinha simpatizantes nas forças armadas. Nos Estados Unidos, movimentos civis, diante dos excessos praticados por agentes policiais, chegam inclusive a reivindicar a dissolução das forças policiais. Em casos extremos de intensa polarização social, mesmo no Brasil poderá haver movimentos que advoguem a dissolução das forças armadas se não as mesmas não mantiveram sua isenção diante das disputas políticas em relacionadas aos governos. Ora, em um regime democrático, a corporação militar deve ser apolítica, isto é, sem nenhuma preferência política por se tratar de instituição de estado. E, ainda que o regime econômico no Brasil seja o capitalismo, por óbvio, que agentes militares não vão ignorar as deficiências do capitalismo no que tange à desigualdade social e a distribuição de renda. No Brasil, há milhões de pessoas nos exércitos de pobres, desempregados, famintos, idosos e doentes. Por isso, se adotada unicamente uma política de segurança baseada na violência estatal para combater a violência social não haverá a pacificação social. O estado crônico da segurança pública não será remediado pela atuação das forças armadas.  Para além das medidas de força são necessárias públicas de inclusão social, para remediar os danos colaterais do capitalismo. Por outro lado, em nações democráticas, há o equilíbrio de forças entre as forças armadas. Por isso, países desenvolvidos, com fortes economias nacionais, projetam seu poder naval e seu poder aéreo. Neste contexto, o exército tem seu poder militar, porém há investimentos de defesa no poder naval e no poder aéreo. No âmbito da América Latina, os exércitos assumiram influência política significativa sobre os governos, a sociedade civil e vida parlamentar.  A influência militar na política dos países latino-americanos é ainda um fator a ser analisado, inclusive há, infelizmente, elementos militares antidemocráticos.

A militarização na política e vida parlamentar do País não é boa para a democracia, tendo em vista o recente passado histórico. Além disto, a modernização das forças armadas no Brasil requer investimentos na projeção de poder continental e extracontinental, no poder naval e poder aéreo. O Brasil é um país continental, logo sua força naval e aérea é subdimensionada. Os Estados Unidos detém o poder militar, não somente por causa do exército, mas devido à sua força naval (navios, submarinos, com capacidade nuclear, com projeção de poder sobre o Oceano Atlântico e Pacífico), com capacidade de atuação planetária e sua força aérea (aviões bombardeiros nucleares e mísseis nucleares intercontinentais), também com projeção global. Além disto, o poder militar norte-americano é expresso pela força espacial (satélites militares, geointeligência espacial, armas antissatélites, etc) e pela força no espaço cibernético (comandos cibernéticos).  Há novas tecnologias militares sendo empregadas pelos Estados Unidos.[5] Como geoestratégia os Estados Unidos adotam ações de contenção de outros países, com a utilização geopolítica de sua legislação. E mais, há táticas de rebalanceamento de poder, para fins e preservação do status norte-americano no globo. Deste modo, há táticas de balanceamento de poder nas Américas, Europa, Ásia e Oceania. Qualquer tipo de ameaça à posição hegemônica de liderança dos Estados Unidos é combatida com medidas de contenção de poder do país adversário, vide o exemplo das ações de redução da influência da China nas Américas e na Ásia.[6] A geoestratégia dos Estados Unidos em relação à tecnologia do 5G no Brasil tornou explícita a sua política externa de contenção da influência da China no hemisfério continental. Os Estados Unidos tratam o Brasil como área de manobra de seu entorno estratégico. Por isso, os Estados Unidos adotam medidas para a sua segurança nacional, com repercussão sobre o Brasil. No Brasil, há duas linhas clássicas de pensamento geopolítico no ambiente militar. De um lado, Mauro Travassos, representante da corrente de que a defesa nacional do Brasil deve ser feita de modo soberano, apesar dos Estados Unidos. De outro lado, o General Golbery, segundo o qual a defesa nacional do Brasil depende dos Estados Unidos. Segundo o autor André Roberto Martin: “… a geopolítica é tomada como guia para as decisões em política externa. No último sentido, que o que mais nos interessa, a divergência de opiniões é flagrante entre Travassos e o pensamento esguiano, liderado por Golbery.[7] Ao que o primeiro quer ver o Brasil protegido dos Estados Unidos, o segundo quer um Brasil protegido pelos Estados Unidos, o que não é, convenhamos, distinção de pouca monta, ainda que se leve em consideração a diferença de conjunturas em que se produziram os dois modos de pensar”.[8] Estas correntes de pensamento foram formuladas no século 20. Em síntese, uma parte da geoestratégia de defesa nacional do Brasil está alinhada aos Estados Unidos. Diferentemente, outra geoestratégica de defesa do Brasil é soberana diante dos Estados Unidos.  Precisamos defender uma geoestratégia de defesa nacional, independentemente da vontade dos países líderes globais. Uma geoestratégia de defesa nacional baseada na participação de civis, fundamentada no pacifismo institucional, mas se preparada para a guerra se for necessária para se manter a paz.  No contexto do século 20, no período da segunda Guerra Mundial, o Brasil, após flertar com o nazismo durante o período do regime Vargas, ficou ao lado dos Estados Unidos na guerra, ao encaminhar a força expedicionária para combater no front da Itália. A propósito, o Japão, após participar da segunda guerra mundial ao lado do nazismo, declarou seu arrependimento à militarização de seu país e seu governo. Depois, durante o período da Guerra Fria, diante da ameaça “comunista” houve o golpe civil-militar como forma de prevenção à ameaça comunista representada pela ex União Soviética. Na década de 80 do século, no hemisfério sul, houve a Guerra das Malvinas entre Argentina e Reino Unido. O Brasil, oficialmente, declarou-se neutro. Porém, na prática, contribuiu com a Argentina. A propósito, e curiosamente, o Reino Unido possui a sua maior “zona econômica marítima” no Atlântico Sul, em territórios ultramarinos representados por ilhas. Estas ilhas servem como pontos de coleta de sinais de inteligência no Atlântico Sul, bem como bases navais militares para as operações britânicas. Os Estados Unidos apoiaram militarmente o Reino Unido, principalmente com seus serviços de inteligência da NASA e NSA. O Reino Unido em sua operação militar utilizou-se de suas bases nas Ilhas Ascensão e Geórgia do Sul, inclusive encaminhou um submarino nuclear. Assim, navios, aviões e submarinos britânicos foram deslocados para o Atlântico Sul.  

Em síntese, os Estados Unidos não seguiram o pacto de defesa das Américas no sentido de evitar uma ameaça extracontinental. No mínimo, os Estados Unidos deveria ter se declarado neutro no conflito. Agora, no século 21 precisamos de novas linhas de geodefesa do Brasil, alinhadas com a defesa nacional de modo a exercer a plena soberania. O Brasil precisa de um pensamento geoestraestratégico para além da doutrina “americanista” e/ou doutrina “antiamericanista”. O Brasil demanda, por se tratar de um país com porte continental, de uma doutrina geoestratégica, fundamentada em sua plena soberania econômica, tecnológica, militar e cultural. A percepção do poder geocultural do Brasil pode contribuir para sua liderança internacional.  Há questões que envolvem a capacitação nacional no século 21, por isso as forças armadas não podem perdem tempo com questões de política doméstica. Do contrário, se for mantido este desvio de finalidade, a única conclusão possível que as forças armadas estão sendo utilizadas para legitimar governos civis. Ora, as forças armadas não podem servir como “avalistas” de governo com integrantes originários do meio militar. Se o forem, simplesmente, responderão solidariamente pelos atos do governo. Neste aspecto, as forças armadas terão responsabilidade política pelos resultados do governo. O Brasil não pode depender para sua proteção de outros países. Um país plenamente soberano é capaz de se defender. O Brasil não é o quintal dos Estados Unidos. O Brasil deve assumir uma posição de liderança regional e global, conforme seus interesses nacionais. A posição hegemônica dos Estados Unidos no hemisfério deve ser contrabalanceada por medidas ativas de contenção do poder norte-americano, mediante negociações internacionais. Aqui, vale lembrar as lições de Gilberto Freyre a respeito das fragilidades de um país que depende da atuação de seu exército: “A verdade, porém, é que o país onde o Exército seja a única, ou quase a única, força organizada necessita de urgente organização ou reorganização do conjunto de suas atividades sociais e de cultura para ser verdadeiramente nação. Nação desorganizada não é nação. E mesmo que o exército seja moral e tecnicamente primoroso; se é a única força organizada da nação, esta nação corre o perigo de transformar-se em simples cenário de paradas ou simples campo de manobras. É uma nação socialmente doente, por mais atlética que pareça”.[9] A defesa nacional deve ser pensada em camadas geoestratégicas: terrestre, marítima, aérea, espacial e cibernética. A proteção do Brasil deve ficar sob o encargo do Brasil. O país não pode ficar mercê de nenhuma nação estrangeira seja continental ou extracontinental. No pêndulo de forças geopolíticas, o Brasil não pode oscilar, ora de um lado (Estados Unidos), ora de outro lado (China), conforme os grupos políticos e/ou circunstâncias no poder. É fundamental traçar uma política externa de Estado, comprometida com os interesses nacionais. O país precisa desenvolver uma cultura de defesa nacional, baseada em sua plena soberania, de modo a conter a influência estrangeira, inclusive sobre suas forças armadas e sobre sua elite política e econômica. O Brasil, o “gigante adormecido”, o País do futuro,  precisa acordar para sua realidade e para seu presente; desenvolver suas potencialidades internas, com a cooperação internacional, para além dos Estados Unidos e da China. Os dois países disputam a liderança global. Por isso, o Brasil precisa manter a equidistância saudável para não entrar em rota de colisão com nenhum dos dois países. Neste aspecto, o Brasil deve rever sua geoestratégia, principalmente no Atlântico Sul, de modo a buscar alianças extracontinentais. Talvez, um sistema de defesa Atlântico Sul seja mais adequado ao interesse geoestratégico brasileiro. Ao Brasil, evidentemente, interessa realizar parcerias com os Estados Unidos e com a China. Mas, há, também, outros países com os quais o Brasil pode realizar acordos de cooperação, inclusive no campo militar. Por isso, a aquisição de aviões militares da Suécia é um exemplo de alternativa geoestratégica. A fabricante dos aviões (SAAB) é também fabricante de submarinos e outros produtos de defesa. A partir daí, talvez seja possível estabelecer as bases para uma indústria de defesa contemporânea, mediante uma rede de alianças internacionais. Mas, não necessariamente o alinhamento automático do Brasil ao governo norte-americano é saudável.  É possível adotar uma linha geoestratégia de defesa militar soberana, mediante a negociação de condições equitativas, em relações de confiança e troca comercial. Enfim, é fundamental para a defesa nacional o rebalanceamento de poderes nas forças armadas, com investimentos no poder naval e poder aéreo. Para, além disto, é preciso a percepção do pensamento geopolítico e geoestratégico de defesa nacional a partir da articulação entre a cultura civil e a cultura militar.  Por outro lado, as forças armadas brasileiras carecem ainda de um choque de democratização. Para tanto, é preciso garantir o acesso de mulheres e negros aos cargos de comando das corporações militares. Ademais, é necessária a vinculação das forças armadas a mecanismos de maior controle democrático, bem como o estreito compromisso com o regime de direitos fundamentais, previsto na Constituição do Brasil. E mais, deve-se repensar o sistema de justiça militar, inclusive debater a respeito de sua extinção, afirmando-se a jurisdição civil para o julgamento de militares.  Outro ponto a ser debatido na reforma militar é o número do contingente de pessoal. Talvez, uma medida interessante é focar em investimentos em equipamentos e tecnologias militares, ao invés da utilização de recursos públicos no pagamento de remunerações e pensões. Esta é uma tendência global das forças armadas nos países desenvolvidos: unidades militares menores, mas com tecnologias avançadas. Neste aspecto, o Ministério Público pode contribuir com o avanço no controle democrático das corporações militares, evitando-se práticas de abusos presidenciais na exploração do prestígio das forças armadas.  Em destaque, é necessário o controle de atos de promoção pessoal do Presidente da República ao explorar a reputação das forças armadas. Neste aspecto, é fundamental a responsabilidade das forças armadas em relação ao controle de armamentos de uso militar. Este é um tema sensível que não pode ficar à mercê de exploração política. Armas militares não podem parar na mão de civis.

Além disto, é preciso acabar o regime de alistamento militar obrigatório, de modo a se prestigiar a liberdade os cidadãos. Igualmente, é necessário nova doutrina militar adequada ao século 21, adequado aos cenários de paz e de guerras contemporâneos, bem como de demanda por novas tecnologias. Em síntese, a preservação da natureza das forças armadas como instituição de Estado está vinculada à manutenção de seu etos apolítico e seu caráter apolítico. Ademais, a credibilidade e reputação da corporação militar, bem como de confiança pública na instituição, dependerá o respeito ao princípio do controle civil das forças armadas. Uma força armada não pode ser confiável para uma parte do povo e para outro não. Para ganhar a confiança de todas as forças armadas precisam ser imparciais e equidistantes do poder político e do governo civil. Talvez seja chegada a hora de uma reforma nas forças armadas, a fim de conter eventual corporativismo. A desmilitarização do governo é o primeiro passo. A democracia e a soberania eleitoral agradecem.  Para um governo que pretende se alinhar à OCDE, no mínimo, o primeiro passo é promover a desmilitarização do próprio governo, respeitando-se o princípio do governo civil. Afinal, os países membros da OCDE adotam em sua plenitude o princípio do controle civil de suas forças armadas. Além disto, o regime de plena democracia liberal e ocidental, tal como é a narrativa de alguns membros do governo, é incompatível com a militarização do governo. O governo militarizarizado é incompatível com o regime democrático.  A falta de respeito à democracia é sintoma de uma “fraqueza armada”.  A melhor arma para a democracia é a efetivação do controle civil das forças armadas.  A renúncia dos militares aos cargos civis seria uma iniciativa mais democrática e adequada à Constituição da República. A nação agradecerá; o povo brasileiro confiará mais na organização militar.


[1] Para aprofundamento sobre o tema, consultar: Forças Armadas e democracia no Brasil. A interpretação do art. 142 da Constituição de 1988 (organização: André Rufino do Vale). Observatório Constitucional, disponível na internet.

[2] Passos, Anaís Medeiros. Controlar os militares? Uma  análise da dimensão  de accountabity sobre a atuação doméstica das forças armadas no   Brasil. Revista Brasileira Estratégica de   Defesa v. 6, n. 1, jan/jn, 2009, p. 51-77.

[3] Faoro, Raymundo. A república em transição. Poder e direito no cotidiano da democratização brasileira (1982 a 1988). Organização de Joaquim Falcão e Paulo Augusto Franco. Record: Rio de Janeiro: São Paulo, 2018, FGV Direito Rio, p. 169.

[4] Neto , Octavio Amorim e Acácio, Igor. De volta ao centro da arena; causas e consequências do papel político dos militares sob Bolsonaro. Journal of Democracy. Vol. 9, n. 2 , novembro de 2020. São Paulo: Fundação Fernando Henrique Cardoso.

[5] Boothby, William. New technologies and the law in war and peace. New York: Cambridge, 2019.

[6] Spykman, Nicholas. America’s strategy in world politics. The United States and the balance of power. Routledge, 2017.

[7] Sobre o tema, consultar: Couto e Silva, Golbery. Conjuntura política nacional: o poder executivo e geopolítica do Brasil, terceira edição, Rio de janeiro: Livraria José Olympio, 1981. 

[8] Martin, André Roberto. Brasil, geopolítica e poder mundial. O anti-golbery.  São Paulo: Hucitec, 2018, 93.

[9] Nação e Exército. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2019, p. 28.

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Lei do Piauí que obriga operadoras a fornecer dados de localização de celulares roubados é inconstitucional

Para a maioria dos ministros, a matéria diz respeito às telecomunicações, cujo regramento compete à União.

Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou a Lei estadual 6.336/2013 do Piauí, que obriga as operadoras de telefonia móvel a fornecerem aos órgãos de Segurança Pública, sem prévia autorização judicial, dados necessários para a localização de telefones celulares furtados, roubados ou utilizados em atividades criminosas. A lei foi questionada pela Associação Nacional das Operadoras de Celulares (Acel) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5040, julgada procedente na sessão virtual concluída em 3/11.

Em seu voto, a relatora, ministra Rosa Weber, considerou que a lei estadual interfere na prestação do serviço de telefonia, espécie do gênero telecomunicação, cujo regramento compete à União (artigos 21, inciso XI, e 22, incisos I e IV, da Constituição da República) e é disciplinado por meio da Lei Geral das Telecomunicações (Lei 9.472/1997). Na avaliação da ministra, por mais “necessária, importante e bem intencionada” que seja a instrumentação dos órgãos de segurança pública, “ela não pode se dar de forma não integrada, desvinculada do sistema como um todo”.

A relatora lembrou ainda que o STF não tem validado normas estaduais que, embora visando contribuir com as atividades dos órgãos de segurança pública, têm a consequência prática de interferir indevidamente em direitos individuais e na estrutura de prestação do serviço público. Acompanharam o voto da relatora a ministra Cármen Lúcia e os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também votaram pela procedência da ação, mas com ressalvas e com fundamentos distintos.

Os ministros Alexandre de Moraes e Marco Aurélio divergiram da relatora e votaram pela improcedência da ação, por entenderem que a lei estadual disciplina matéria relativa à segurança pública, sobre a qual o estado tem competência para legislar.

ADI 5040

Fonte: Supremo Tribunal Federal