Categorias
Artigos

Conectividade, 5G, medicina digital e o acesso aos serviços de saúde

18/12/2020

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação, com foco nas áreas de tecnologias, mídias e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP.

A pandemia do coronavírus demonstrou a essencialidade dos serviços de acesso à internet. Em destaque, o acesso aos serviços de saúde por telemedicina na modalidade de teleconsulta. E, também, paralelamente, o acesso ao sistema de registro de registros online e a aquisição de medicamentos por serviços e-commerce e delivery. Também, houve a inovação como as prescrições de remédios de forma digital. Tudo isto foi realizado no contexto da tecnologia de comunicações de 3G e 4G.  Ou seja, a conectividade à internet é um serviço essencial à população.  Apesar disto, há ainda uma série de obstáculos à conectividade. Milhões de brasileiros ainda não têm acesso à internet, por banda larga.

Portanto, são necessárias políticas públicas eficientes para a inclusão digital de toda a população brasileira. O foco do presente artigo é apontar o potencial das tecnologias para a evolução da medicina, de modo a aproveitar as oportunidades trazidas pela inovação, priorizando a medicina integral e preventiva. O Sistema Único de Saúde atende mais de 190 (cento e noventa milhões de brasileiros). Há recursos orçamentários na ordem de mais de R$ 120 (cento e vinte) bilhões de reais, anualmente, destinados ao SUS.

A digitalização do SUS representa a melhoria na oferta dos serviços de saúde pública à população.  Há um grande território de oportunidades de startups no segmento de govtech.  Neste contexto, o governo de São Paulo durante o período da pandemia estabeleceu um programa de inovação no setor público, com o edital de chamamento público para a contratação de iniciativas do setor privado em soluções na saúde. Assim, foram contratados serviços para serviços de diagnósticos por imagens de pacientes,  gestão de leitos de UTI, entre outros serviços. Além disto, outro grupo de brasileiros é atendido por planos privados de saúde.

 Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar há 46 (quarenta e seis) milhões de brasileiros beneficiários com planos de saúde privada.  Quer-se apontar caminhos para o futuro da saúde pública e a saúde privada, com o potencial das tecnologias, ainda mais no contexto do 5G, big data, inteligência artificial e IoT (internet das Coisas). Todas estas tecnologias podem contribuir – e muito – para o acesso aos sistemas de saúde, bem como para promover a eficiência dos serviços de medicina. O 5G pode contribuir – e muito – em possibilitar a realização de cirurgias à distância, teleguiadas por robôs e médicos. Também, o 5G pode colaborar no sistema de ensino e treinamento nas práticas da medicina, mediante aulas com realidade virtual e realidade aumentada. As ferramentas de Big data podem auxiliar as pesquisas clínicas na descoberta de novas vacinas, tratamentos e remédios. A IoT das coisas pode contribuir com sistemas de monitoramento da saúde de pacientes em seus domicílios e/ou aonde o paciente esteja.

No século 21, as pessoas buscam informações sobre saúde na internet. A demanda por profissionais da saúde e clínicas médicas depende da localização pela internet. Assim, o acesso à internet é  fator-chave para o acesso à medicina. Ora, um dos obstáculos à efetivação do acesso pleno à internet por banda larga é elevada carga tributária do setor de telecomunicações. Neste aspecto, os estados-membros são co-responsáveis pela imposição de alíquotas de ICMS que inibem o acesso à internet por banda larga. De outro lado, também a União é responsável pela inibição do acesso à internet por banda larga ao impor intensa carga tributária sobre os serviços de internet essenciais. Também, com a chegada das Big Techs houve a inovação nas comunicações entres os médicos e os pacientes. Novos canais de comunicação digital passaram a ser utilizados, tais como: Whatsapp, Youtube, Instagram, dentre outros. Dito isto, vamos ao foco deste artigo. Com a tecnologia de 5G e a Internet das Coisas há um enorme potencial para os serviços de medicina. Há o potencial de criação de hospitais digitais, clínicas digitais, postos de atendimento público, farmácias e atendimento digital aos pacientes.

Para tanto, é necessária a criação de infraestruturas de redes de comunicações eficientes. Como opções a rede pública de comunicações oferta pelas empresas de telecomunicações ou a criação de redes privativas de comunicações. Ou seja, estas tecnologias favorecem a digitalização dos processos organizacionais de hospitais, clínicas, postos e unidades de atendimento públicos. Com a tecnologia de 5G haverá a redução do tempo de retorno nos canais de comunicação pela internet. Deste modo, é possível realização de missões críticas, como cirurgias realizadas por médicos com a assistência de robôs.

Outra missão crítica como os exames realizados remotamente serão possíveis. Um médico especialista localizado em cidade poderá analisar o exame do paciente situado em outra cidade, aonde não há estes especialistas. Com a Internet das Coisas, os equipamentos médico-hospitalares serão melhor otimizados. Assim, há maior possibilidade de realização de atividades como o monitoramento de pacientes, rastreamento de remédios e equipamentos.  Há, também, com o 5G, a possibilidade de utilização dos sistemas de realidade aumentada e realidade virtual, o qual contribuiu com as práticas de ensino para médicos e enfermeiros e estudantes de medicina. E, também, pode ajudar em aplicações de tecnologia com realidade aumentada e realidade virtual em serviços para a saúde mental. Por outro lado, os sistemas de emergência pública poderão ser atualizados mediante o sistema de ambulâncias e as tecnologias de geolocalização de pacientes em estado de graves risco à saúde. Ambulâncias poderão ser melhor equipadas com equipamentos de emergência e tecnologias de 5G para pronto atendimento à saúde no local aonde está o paciente.

A tecnologia de GPS já contribui neste sentido de localização das demandas de urgência. Neste aspecto, o sistema de emergência médica deve estar articulado com as infraestruturas de telecomunicações. Nos Estados Unidos, há a integração entre os sistemas de emergência à saúde pública e o sistema de segurança pública e o sistema de bombeiros e defesa civil.  Em casos de desastres naturais e acidentes, toda a tecnologia é necessária para o atendimento às emergências em saúde pública e defesa civil. Além disto, a tecnologia de inteligência artificial pode contribuir com a racionalização dos gastos na saúde pública. Também, pode-se imaginar novos modelos de negócios de medicina para fins de atendimento a domicílio do paciente. Especialmente, pode-se pensar em mini-unidades de atendimento em condomínios residenciais, comerciais e industriais.

Deste modo, o médico irá até aonde está a comunidade de pacientes: em condomínios por exemplo.  Outra possibilidade é o treinamento de enfermeiros para atendimento a domicílio a pacientes. Também, a formação de fisioterapeutas e psicólogos e nutricionais pode aproveitar melhor as oportunidades das tecnologias. Além disto, laboratórios poderão, com tecnologia de 5G e IoT, desenvolver modelos de negócios para atendimento a domicílio. Também, há sistemas inovadores de gestão médico-hospitalar com softwares especializados. Novos sistemas de gestão de leitos de UTI serão necessários para o enfrentamento de pandemias. Nesse aspecto, a tecnologia pode contribuir e muito para o aperfeiçoamento das unidades de terapia intensivo hospitalares, quanto ao gerenciamento dos cuidados aos pacientes.  Aliás, no contexto da pandemia, foram criados interessantes mecanismos de rastreamento do contágio pelo coronavírus. Mas, é fundamental a otimização na utilização das tecnologias para o sistema de compras públicas de equipamentos médico-hospitalares, a fim de evitar os graves problemas com a falta de equipamentos de proteção individual (como máscaras) e ventiladores mecânicos durante a pandemia.

Por outro lado, banco de dados na saúde serão um ativo valioso para fins de pesquisas médicas e seguros de saúde.  Neste aspecto,  as ferramentas de big data e inteligência artificial serão a bússola para a realização de pesquisas médicas. No setor de pesquisas para vacinas são fundamentais os dados relacionados à saúde dos pacientes. Na saúde mental, já existem tratamentos interessantes com a utilização de realidade virtual e realidade aumentada para cuidar de pacientes com fobias.

Além disto, 5G, big data e inteligência artificial são poderosas ferramentas para aperfeiçoar os sistemas de doações de órgãos e transplantes. As BigTechs estão realizando investimentos intensos no segmento de healthtech. A Amazon adquiriu a Health Navigator, PillPack, entre outros. A Apple adquiriu a Tueo Health, Beddit, Giimpe, enre outras. O Google comprou a Lift Labs, Polar,  entre outras. Por sua vez, no Brasil o Hospital Albert Einstein tem iniciativa pioneira ao criar a incubadora de startusp Eretz.bio. Há diversas empresas incubadas no programa.  Em verdade, com a pandemia, alguns modelos de negócios na saúde e medicina foram adaptados para contemplar estes serviços de coleta de material na residência dos pacientes.

Além disto, há todo uma indústria denominada (internet of bodies), dispositivos de IoT para os corpos, os denominados Internet of Bodies (IoB).[1] Existem desde dispositivos eletrônicos implantados no corpo (cérebro, stents para coração, aparelhos auditivos, pâncreas, entre outros). Há sensores de batimento cardíaco, glicemia, pressão arterial, da atenção do paciente, monitoramento do sono, controle das emoções, controle de infecções, entre outros.  Estes sensores podem ser colocados em roupas vestíveis. Existem, também, as camas hospitalares que monitoram dados vitais dos pacientes. Há, evidentemente, há preocupação quanto à proteção de dados pessoais na área da saúde. Via de regras, estes dispositivos eletrônicos dependem de rede wireless para se comunicarem. Também, os dispositivos contam com microchips implantados com emissão de radiofrequências (RFID), conectados com redes de inteligência artificial. Enfim, são algumas possiblidades para a inovação na medicina, o qual permitirá a sua reinvenção. Este é o campo promissor da medicina de precisão. Surgem questões neste campo sobre a governança dos dispositivos de internet of bodies, bem como sobre propriedade intelectual e integridade dos dados.  Além disto, 5G e IoT podem contribuir com a sustentabilidade ambiental. Há inúmeros programas de conservação de florestas, agricultura digital, monitoramento de gado, que podem contribuir com o manejo sustentável do meio ambiente. Ademais, também, a tecnologia de 6G proporcionará a evolução dos serviços de medicina de precisão, ampliando-se significativamente os serviços mediante realidade aumentada e realidade virtual. 

Enfim, há um universo de desafios, riscos e oportunidades na utilização da tecnologia de 5G e Internet das Coisas  no setor da medicina. Que a partir das lições trágicas da pandemia do coronavírus possamos um sistema de prevenção e de atendimento à saúde muito melhor!


[1] Lee, Mary e outros. The internet of Bodies. Opportunities, risks and governance. Rand Corporation, 2020.

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.