A União Europeia divulgou seu plano de ação estratégica para a década digital. O objetivo é o fortalecimento de sua capacidade digital e liberdade de ação, considerando-se o cenário de hiperconectividade e transformações tecnológicas.[1]
Este plano digital encontra-se no contexto da autonomia estratégica da União Europeia para 2040.[2] Considera-se a tendência de da redistribuição do poder global, diante das disputas geopolíticas e geoeconômicas entre Estados Unidos e China. Diante desta perspectiva, a União Europeia busca afirmar sua posição geoestratégica diante dos riscos desta disputa pela liderança global. Deste modo, a União Europeia busca por alianças geoestratégicas, para se contrapor aos Estados Unidos e China. No plano de ação digital, há medidas econômicas, compromissos tecnológicos, padrões de equidade social, compromissos educacionais, e compromissos ambientais e quadros regulatórios.
A competividade é multidimensional e aprofunda as interdependências na ordem multipolar global. Por isto, a necessidade de medidas adequadas as novas demandas no campo da conectividade digital. Há o alerta quanto aos riscos de desinformação em larga escala por ferramentas e plataformas online, bem como os riscos de ameaças híbridas. Busca-se o fortalecimento da capacidade na gestão de dados, inteligência artificial e tecnologias e computação na borda. Aponta-se a demanda exponencial por semicondutores, para preparar as próximas gerações de tecnologias.
A partir deste contexto, a União Europeia quer dar o primeiro passo quanto ao seu posicionamento global na fixação de padrões tecnológicos de inteligência artificial, blockchain, computação quântica, segurança cibernética, dados sensíveis, entre outros. Além disto, quer-se a construção da resiliência dos sistemas financeiros. Busca-se o acesso ao espaço para mitigação de riscos de conflito, instabilidade interna e disrupção de infraestruturas críticas. Ademais, a ação mais assertiva para a contenção de ações coercitivas ou sanções extra-territoriais imposta por terceiros países. Na agenda de conectividade quer-se parcerias estratégicas. Menciona-se que os Estados Unidos, através do BUILD Act e Blue Dot Network, pretende realizar parcerias, juntamente com o Japão e Austrália, em infraestrutura de qualidade, no contexto do G7.
Aponta-se que China e Estados Unidos têm diferentes abordagens nas parceiras em conectividade. Ambos estão à frente da União Europeia em relação à influência sobre as infraestruturas de internet. Destaca-se o plano estratégico da China 2035 sobre a fixação de padrões internacionais em tecnologias emergentes, mas também em áreas como: indústria, agricultura, entre outros. Há oportunidades para que a União Europeia realize parcerias com Japão e Índia em conectividade digital. No programa para a década digital, a Comissão da União Europeia aponta as seguintes áreas críticas: infraestrutura comum europeia em dados e serviços, fortalecimento da União com a próxima geração de processadores de baixa-potência confiável, desenvolvimento de corredores de 5G pan-europeu, aquisição de supercomputadores e computadores quânticos, conectados com a EuroHPC, desenvolvimento de infraestruturas de comunicações quânticas ultra-seguras e espaciais, desenvolvimento a rede de segurança de centros de operações, administração pública conectada, infraestrutura e serviços de blockchain europeu, hubs de inovação digital europeia, parcerias de alta tecnologia para habilidades digitais, através do pacto para habilidades digitais, ente outros. E, ainda, no programa para década digital há as metas digitais a serem atendidas até 2030: infraestrutura digital sustentável para atendimento a todos os domicílios europeus cobertos por uma rede de gigabyte, com áreas populosas cobertas com 5G, a produção de semicondutores com alcance no mínimo 20% (vinte por cento) da produção mundial, a construção do primeiro computador quântico (esta meta até 2025), a transformação digital dos negócios com, no mínimo 75% (setenta e cinco por sento) das empresas europeias, em serviços de computação em nuvem, big data, inteligência artificial, mais de 90% (noventa por cento) da empresas de pequeno e médio porte deve alcançar um nível básico de intensidade digital, a União Europeia deve aumentar seu portfólio para inovação e escalonamento para ampliar o acesso a crédito, e financiamento para duplicar, no mínimo, o número de unicórnios, a digitalização dos serviços públicos, com provisão de 100 %(cem por cento) de serviços online em serviços públicos essenciais, 100% (cem por cento) dos cidadãos europeus terem acesso aos prontuários médicos, e, no mínimo, 80% (oitenta por cento) dos cidadãos europeus utilizem ferramentas de identificação digital, a digitalização da população de, no mínimo, 80% (oitenta por cento) na faixa etária entre 16 (dezesseis) a 74 (setenta e quatro) anos, com habilidades digitais básicas, de geração de 20 (vinte) milhões de empregos de especialistas em tecnologia de informação e comunicações.
Há regras de governança para o monitoramento do progresso das metas digitais, com a apresentação de relatórios a respeito. Os estados-membros deverão apresentar estratégicos “roadmaps” sobre a implementação das metas. Serão incentivados projetos para múltiplos países, como forma de cooperação entre a União e os Estados-membros, para contribuir com a transformação digital e sustentável da sociedade e economia. Haverá, também, um consórcio europeu de infraestrutura digital.
Para o Brasil há oportunidades no fortalecimento de parcerias geoestratégicas com a União Europeia em temas de conectividade digital, 5G, 6G, IoT, inclusive em questões de padronização internacional de novas tecnologias e segurança cibernética. Para isto, é necessário que o Brasil se prepare com conhecimento e práticas adequadas em questões tecnológicas, com a formação de capital humano especializado nos respectivos temas.
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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil, Amazon, 2021
[1] European Comission, Brussels, 8.9.2021, Communication from the Comission to the European Parliament and the Council, 2021 Strategic Foresight Report. The EU’s capacity and freedom to act.
[2] European Comission, JRC Science for policy report. Shaping & securing the EU’S open strategic autonomy by 2040 and beyond.