Espaço acústico é uma noção pouco compreendida. É o espaço da atmosfera por onde se propagam as ondas sonoras. Compreende a qualidade do ar associada à qualidade da paisagem sonora. Se há ruídos urbanos então o ar estará poluído. A qualidade do ar pressupõe a quietude. Ruídos é a perturbação à paisagem natural e cultural.
O espaço acústico circunda as pessoas; percorre áreas privadas e públicas, atravessando janelas, portas, muros, entre outras barreiras físicas. É uma espécie de bem ambiental comum. Por isto, a necessidade de sua proteção ambiental, para fins de controle da poluição acústica. Ruídos poluem justamente o espaço acústico das cidades, afetando condomínios, vias públicas, entre outros lugares. Ruídos perturbam a experiência acústica dos cidadãos em suas casas, em sua mobilidade, em seu trabalho. Ruídos causam a invasão de domicílios. Ruídos de condomínios, automóveis, motocicletas, ônibus e helicópteros perturbam o espaço acústico e, consequentemente, o bem-estar dos cidadãos.
Nossos ouvidos são contaminados pelo “lixo sonoro” de máquinas barulhentas, o que impacto no sistema cerebral, sistema nervoso, sistema cardiovascular, sistema fisiológico. A infraestrutura urbana relacionado ao sistema de transporte coletivo de passageiro é uma das fontes de poluição sonora. Via de regra, os piores ruídos são aqueles produzidos por tecnologias/objetivos mecânicos que dependem de motores elétricos para funcionar. Ruídos afetam a produtividade no trabalho, a cognição, a fisiologia, a psicologia, a biologia e a saúde humana. Ruídos afetam o sono, o sistema endócrino, sistema cardiovascular, sistema de imunidade, a cognição e causam efeitos psicológicos.[1] São agravadores de doenças, fatores de riscos, indicadores de stress, e causam sensações de desconforto. Ver, também, Environmental Noise Guidelines for the European Region. Wold Healt Organization, Regional Office for Europe, e Environmental noise in Europe, 2020, European Environment Agency, 2020. Ver, também, Technology for a Quieter America. Commitee on Technology for a Quieter America, National Academy of Engineering. E, ainda, a título ilustrativo, a QuietCommunities dos Estados Unidos manifestou-se a respeito dos riscos à saúde humana causados por sopradores de resíduos/folhas.[2]
Na França, no Ministério da Ecologia, há o Conselho Nacional do Ruído responsável pela formulação de políticas públicas de controle da poluição acústica. Outros artigos interessantes: Daniel Fink – Ambiente noise is the ‘the new secondhand smoke[3]. Outro artigo relevante por Antonella Radicchi e Marcus Grant é From noise to soundscape in the servisse of urban health.[4] E Bryan C. Pijanoski: Soundscape Ecology: the sicence of sound in the landscape.[5] Uma das categorias mais afetadas com os ruídos são os motociclistas, muitos não tem a percepção sobre o impacto dos ruídos e o risco de perda auditiva. Sobre o tema, ver Juliana De Conto: Exposição ao ruído e proteção auditiva em moto-táxistas.[6]
O espaço acústico é um território comum, objeto de compartilhamento entre todos. No entanto, alguns abusam do uso deste espaço acústico e causam a poluição acústica ao praticarem atos anti-sociais, utilizando-se de máquinas elétricas/mecânicas. Existem algumas regras para o compartilhamento deste bem comum, uma delas é respeitar os limites de decibéis na emissão sonora. Ocorre que as Prefeituras não fiscalizam a utilização do espaço acústico urbano, para a mitigação dos ruídos urbanos e aplicação das sanções cabíveis. A responsabilidade institucional das Secretaria do Meio Ambiente é justamente fiscalizar o cumprimento das regras ambientais.
Atualmente, há tecnologias suficientes para promover a fiscalização da utilização do espaço acústico, bem como para a mitigação dos ruídos urbanos. O controle da poluição acústica insere-se no contexto das cidades inteligentes e sustentáveis. Uma cidade barulhenta não é inteligente, nem é sustentável. Há tecnologias de visão e audição computacional que permitem o controle da poluição acústica. São sensores que coletam dados acústicos ambientais. São softwares que fazem a análise da assinatura acústica dos objetos. Sobre o tema, há o livro Computer Vision and Audition in Urban analysis using the remorph framework, por Mohammad Ali Nematollahi, Samaneh Shabbzi e Nashi Nabia, Springer, 2019. Na obra, os autores descrevem as tecnologias para monitoramento ambiental, a partir de visão e audição computacional, instalando-se uma rede de sensores para a detecção, rastreamento e controle de emissões sonoras em espaços urbanos.
Na França, há associação Bruitparif, a qual desenvolvimento atividades de pesquisas sobre o impacto dos ruídos nas cidades.[7] Esta entidade chegou a desenvolver um radar acústico para o monitoramento dos ruídos denominado Meduse, este aparelho foi instalado em Paris e diversas outras cidades francesas. A propósito, na França, no Ministério da Ecologia, há o Conselho Nacional do Ruído, o qual desenvolve políticas ambientais de controle da poluição sonora. No contexto de redes de telecomunicações 5G e Internet das Coisas, haverá a possibilidade de monitoramento ambiental em tempo real da qualidade da paisagem acústica urbana. Tecnologia de 5G e Internet das Coisas favorecem a prestação de serviços ambientais em tempo real, com extrema precisão. Sensores podem ser instalados em postes das redes de energia elétrica, em torres de telefonia celular, em estações tubo de ônibus, em semáforos, entre outros lugares, dentro dos condomínios, empreendimentos imobiliários.
Além disto, há tecnologias de sensoriamento remoto por satélites que servem ao monitoramento da paisagem sonora das cidades. Enfim, a partir dos dados geoambientais acústicos é possível traçar um mapa dos ruídos urbanos e a eficácia da política ambiental. Precisamos urgentemente, debater a aplicação de inovações tecnológicas para a mitigação dos ruídos urbanos. Há, inclusive, oportunidades para o desenvolvimento de novos modelos de negócios mais sustentáveis acusticamente, como por exemplo, a mobilidade elétrica e a redução da poluição acústica. Por outro lado, falta o cumprimento da legislação ambiental para punir os responsáveis pela poluição acústica. Na prática, há um sistema que favorece a impunidade dos poluidores ambientais. Ora, o ambientalismo responsivo é justamente a aplicação prática da legislação de modo a maximizar a proteção ambiental dos cidadãos e combater a poluição acústica. Neste aspecto, o princípio da eficiência administrativa demanda a atuação da administração pública com muito mais eficiência na defesa da política ambiental urbana. Precisamos da justiça ambiental acústica, isto é, o respeito ao direito da maioria à quietude, em suas áreas residenciais e comerciais, diante dos comportamentos anti-sociais barulhentos.
No direito ambiental, vigoram os princípios da prevenção do dano ambiental, princípio da eficiência acústica, qualidade do meio ambiente urbano e meio ambiente do trabalho, entre outros. Por isto, estes princípios servem justamente para promover a contenção dos ruídos urbanos e evitar a degradação da qualidade ambiental. Precisamos perceber que o direito à paisagem natural e cultural, atrelado ao direito à quietude no ambiente urbano. Não podemos admitir o retrocesso em termos de direitos ambientais. Por isso, cabe à comunidade se auto-organizar para defender seus direitos ambientais para a proteção do seu direito à quietude, livrando-se da poluição acústica. Por isso, é necessária uma política ambiental para a coleta de dados de emissão sonora por fontes fixas e móveis, com o estabelecimento de metas e prazos para a mitigação dos ruídos urbanos.
E considerando-se a noção de proteção ambiental espaço acústico como pilar estrutural da política ambiental, bem como o princípio da eficiência acústica. Ruídos são o sintoma de subdesenvolvimento e, como já referido, representam uma ameaça à saúde pública.
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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP.
[1] Ver: Conseil National du Bruit. Les effets sanitaires du bruit.
[2] www.quietcommunities.org. Covid-19 and gas-powered leaf blowers. A lethal combination.
[3] Acoustic Today, fall 2019. Acoustical Society of America.
[4] Cities & Health: 5:1-2, 15-19.
[5] Biosciencemag.org, march 2011, vol. 61, n. 3, p. 203-216.
[6] Tese de doutorado apresentado ao Programa de Pós-Gradução em Engenharia de Produção da UFSC, Florianopolis, 2009.
[7] Ver: www.bruitparif.fr
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