As cidades não estão adequadas às pessoas com neurodiversidade cognitiva e auditiva. Os cidadãos neurodiversos têm o direito à inclusão nas políticas públicas. Por isto, é necessária a reforma das políticas públicas urbanas, mobilidade, educação, saúde e cultural e da legislação para o atendimento prioritário a estas pessoas com neurodiversidade cognitiva e auditiva. O princípio da dignidade humana garante o respeito às diferenças de cada pessoa. O princípio da igualdade veda práticas discriminatórias contra cidadãos neurodiversos e neurodivergentes e também exige políticas de inclusão social. Por isto, aqui pretendo abordar algumas linhas estratégicas para a proteção das pessoas diagnosticas como neurodivergentes, neuroatípicos e com neurodiversidade cognitiva. A neurodivergência pode ser simples ou complexa. Em certos casos, a neurodiversidade pode ser uma vantagem competiviva.[1] O tema é complexo, não sou especialista na área, porém realizo pesquisa para compreender o tema e contribuir com a evolução da proteção legal aos cidadãos. Pessoas neurodivergentes, neuroatípicas e neurodiversas são singulares. Seu modo de raciocinar, coletar dados através dos sentidos, memorizar, habilidades linguísticas, ver, sentir, ler, ouvir, andar, falar, comunicar é diferente da maioria. Seu modo de coleta, processamento e armazenamento informações linguísticas, corporais e ambientais são especiais.
A neurodiversidade é a percepção diferente da realidade, pois o cérebro funciona de um modo singular. O neurodiverso tem diferente cognição intelectual, visual, auditiva, sensorial e motora, entre outros aspectos. A riqueza e a beleza da comunidade de pessoas neurodivergentes é sua diversidade e pluralidade. São pessoas com transtorno do espectro autista, déficit de atenção, hiperatividade, dislexia, discalculia, dispraxia, condições mentais diferenciadas, síndrome de tourette, entre outros. Exemplo: pessoas com transtorno do espectro autista de um modo de falar diferente são hipersensíveis ao contato, com hipersensibilidade aos ruídos. Diante destas singularidades existenciais é fundamental que novas políticas públicas sejam desenhadas para atender os direitos dos neurodivergentes, neuroatípicos e neurodiversos. O ambiente urbano deve estar melhor preparado e adequado, com informações adequadas para as singulares da neurodivergência. Assim, a política urbana deve evoluir, para termos um urbanismo ecohumanista, sensível à neurodiversidade cognitiva, visual, auditiva, corporal e sensorial e olfativa.
Todo o design universal do ambiente urbano deve ser repensado. Por exemplo, em uma determinada cidade foram criadas vagas de estacionamento em áreas públicas e privadas para pessoas com transtorno do espectro autista. Criciúma, em Santa Catarina, adotou lei de proibição de fontes de ruídos próxima à residência de pessoas autistas. Também, as cidades devem repensar suas políticas para evitar a sobrecarga sensorial dos grupos de cidadãos neurodiversos, como, por exemplo, os ruídos e a poluição ambiental sonora. O ambiente urbano deve ser limpo dos ruídos. Assim, é necessário serviços de limpeza pública, uma espécie de saneamento ambiental acústico, para proteger o direito dos cidadãos neurodiversos. Por isto, a política urbana das cidades de deve ser repensada para incluir os cidadãos neurodiversos, neurodivergentes e neuroatípicos. O ambiente residencial deve evoluir para atender as demandas das pessoas neurodiversas. Os edifícios e condomínios devem ter treinamento para lidar com pessoas neurodivergentes, em suas áreas comuns, como elevadores, portões de acesso, entre outros.
O ambiente de trabalho deve se preparado para atender o público neurodiverso e neuroatípico.[2] Por isto, há necessidade de treinamento para a gestão dos recursos humanos. O design de funções no mercado de trabalho adaptados às pessoas neurodiversas. Também, o próprio ambiente de trabalho deve ter um design adequado às necessidades especiais dos neurodiversos, o que inclui medidas de controle de ruídos, luz, horário flexível, pausa, espaço privativo, entre outras.[3] O ambiente do setor público deve adotar política de inclusão das pessoas com neurodiversidade cognitiva. O ambiente de trabalho do setor público deve estar preparado para a neurodiversidade cognitiva. Também, o ambiente de prestação de serviços públicos deve estar adequado à população neurodiversa e neurodivergente. O ambiente escolar é outro espaço para o treinamento de professores, alunos e colaboradores para o acolhimento das pessoas neurodiversas. O médico e hospitalar devem estar treinamento para a inclusão das pessoas neuroatípicas.[4] A segurança pública deve receber treinamento adequado para enfrentar situações com pessoas neurodivergentes.
No Brasil, na parte legislativa, temos a Lei 12.764, 20212 que instituiu a política nacional dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista. A cidade de São Paulo tem a Lei 17.502/2020 que dispõe sobre a política municipal para garantia, proteção e ampliação dos direitos das pessoas com transtorno de espectro autista. E como referido Criciúma tem lei para proteger os autistas diante de fontes de ruídos. Em São Paulo: há o Manual dos Direitos da Pessoa com autismo, 2021. No Reino Unido, há a estratégia nacional para pessoas com transtorno do espectro autista, crianças, jovens e adultos, para 2021 a 2026. Há também, há um protocolo inclusive para segurança para a proteção das pessoas neurodiversas, em abordagens policiais. Aqui, no Brasil, os conceitos estratégicos de neurodiversidade, neuroatípica e neurodivergência não estão consagrados na Constituição do Brasil. A Constituição refere-se tão-somente às expressões pessoas com deficiência.[5] Entendo que o termo deficiência é um fator de criar um estigma social. Por isto, é mais recomendado e educado tratarmos da neurodiversidade, neuroatípia e neurodivergência. Além disto, a política de inovação tecnológica deve contemplar soluções e tecnologias para as pessoas com neurodiversidade cognitiva e neurodivergentes.
É fundamental que a sociedade, empresas e governos compreendam a situação da neurodiversidade cognitiva e adotem código de conduta de tratamento responsável para com as pessoas neuroatípicas, visando à segurança psicológica, segurança ambiental, saúde, conforto e bem estar, do grupo de cidadãos neurodivergentes. Para isto, precisamos de novo design das leis que adotem a terminologia mais adequada referenciada à neurodiversidade, neuroatipia e neurodivergência. A legislação deve ser atualizada a partir das pesquisas médicas e científicas mais avançadas sobre o tema. Em síntese, para termos cidades inclusivas, saudáveis e sustentáveis são necessárias políticas de proteção à neurodiversidade, neuroatipicidade e neurodivergência de grupos de cidadãos com necessidades especiais. A verdadeira democracia é inclusiva, o mercado progressista é inclusivo, a sociedade desenvolvida é inclusiva, sendo respeitadas as diferenças e as diversas culturas dos cidadãos neurodiversos.
Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Público. Doutor em Direito pela USP. Fundador da Associação Civil Monitor Ambiental antirruídos, sediada em Curitiba. Autor dos ebooks: Movimento Antirruídos para cidades inteligentes, saudáveis e sustentáveis, Amazon, 2022 e Condomínios inteligentes, saudáveis e sustentáveis, Amazon, 2023.
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[1] Ver: what is neurodiversity. www.geniuswithin.org. Ver, também, What is neurodiversity, por Nicole Baumer e Julia Fruech, Harvard Health Publishing.
[2] Ver: www.neurodiversity inbusiness.org. Nos Estados Unidos há programas de segurança nacional para a contratação de pessoas neurodiversas, devida as suas competências singulares, como construção e reconhecimento de padrões, visualização e inteligência não verbal, habilidades de resolver problemas e sistematizar, atenção aos detalhes e conquista de um estado de hiperfoco para completar uma tarefa, habilidades de memória, tarefas repetitivas (tal como qualidade de verificar software ou grandes conjunto de dados). Ver: Why National Security needs neurodiversity. Drawing on a wider range of cognitive talents to tackle national security challenges.
[3] McDowal, Almuth e Doyle, Nancy, e Kiseleva, Mega. Neurodiversity at work 2023, Birkbeck, University of London
[4] A série Bom Doutor, Good Doctor, um jovem médico que tem o transtorno do espectro autista revela bem este aspecto da neurodiversidade. A série é uma excelente iniciativa para popularizar a compreensão a respeito das pessoas com transtorno do espectro autista e mudar a acolhimento e hospitalidade da sociedade para com eles.
[5] Ver: Constituição: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) XIV – proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”. E a Constituição estabelece: “Art. 227. (…) §1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo os seguintes preceitos: (…) criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e todas as formas de discriminação”.