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A guerra tácita que envolve os EUA e a China

13/10/2022

Compartilho com vocês entrevista que concedi ao Monitor Mercantil sobre a Guerra comercial entre Estados Unidos e China na indústria de semicondutores

por Eder Fonseca

Ericson Scorsim é advogado e consultor em Direito do Estado, com foco no Direito Regulatório da Comunicação, nas áreas de tecnologias, mídias e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor dos livros: Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil (2020), Geopolítica das Comunicações: Soberania Cibernética – Competição Tecnológica – Infraestruturas de Telecom – 5G – Neomilitarismo (2021), Geopolítica das Comunicações: Ecossistemas de 5G – Infraestruturas de Telecomunicações e Internet – Infraestruturas nacionais críticas dual-use (civil e militar) – Soberania cibernética e digital (2022), todos publicados pela Amazon. “A tecnologia de 5G (quinta-geração) é a espinha dorsal das infraestruturas de telecomunicações e internet modernas. Estas tecnologias e infraestruturas de comunicações são consideradas dual-use, isto é, com aplicações civis e militares. Como é o caso do GPS (global positioning satellite, tecnologia de geolocalização por satélite). No âmbito da defesa, esta tecnologia é fundamental para a coleta de sinais de inteligência, através das redes de telecomunicações e internet. Há a coleta de dados em tempo real, em escala global. São atividades de monitoramento, detecção de alvos e rastreamento de pessoas, objetos, veículos, etc. Serviços de espionagem fazem operações de inteligência nas redes de telecomunicações, internet e redes sociais”, afirma.

Os EUA planejam atingir a China com restrições de chips?

Sim. O veto do acesso à tecnologia de semicondutores norte-americanos e de países aliados aos Estados Unidos por empresas chinesas é uma tática da geoestratégia dos Estados Unidos para conter a ascensão da liderança tecnológica e econômica da China.

Essa seria a principal “guerra” do momento no mundo empresarial global?

Sim, é uma das principais “guerras” comerciais entre os Estados Unidos e a China e que tem consequências sobre a cadeia global de suprimentos de semicondutores e tecnologia de equipamentos de 5G, os quais são a base das infraestruturas de redes de telecomunicações e de internet.

Destaque-se que os Estados Unidos dependem, também, de semicondutores fabricados em outros países. Por isto, a política norte-americana é atrair investimentos em fábricas de semicondutores dentro do país. Assim, a empresa norte-americana Intel anunciou investimentos na instalação de novas fábricas de semicondutores nos Estados Unidos. A Samsung, da Coreia do Sul, também anunciou investimentos em fábricas de semicondutores em território norte-americano. E a TSMC (Taiwan Semicondutors Manufacturing Company) de Taiwan anunciou investimentos nos Estados Unidos.

A indústria de defesa norte-americana depende de semicondutores específicos. Por exemplo, os denominados “javalins”, uma espécie de arma de médio alcance antitanques, depende de semincodutores. Mas, os Estados Unidos não fabricam este semicondutor. Esta é uma declaração do presidente Biden, alertando para o problema e buscando soluções para a fabricação de semicondutores dentro dos Estados Unidos. Em 2022, com a Guerra na Ucrânia, desencadeada com a invasão da Rússia ao território ucraniano, iniciou outro problema para a cadeia global de suprimentos e o setor de logística, nas áreas de petróleo, gás, fertilizantes, fretes marítimos, entre outros.

O enfrentamento dessas duas potências poderá parar a produção de chips?

Acredito que não. É um risco geoeconômico e geopolítico pensável, porém, improvável. Se houver isto haverá um colapso na economia global, a qual dependente dos semicondutores em diversos setores. O que está havendo é o reajuste da geolocalização das fábricas de semicondutores. Os Estados Unidos têm a política para atrair empresas para que produzam dentro do território norte-americano. Há incentivos para a produção dentro dos Estados Unidos. Por exemplo, a empresa norte-americana Intel anunciou investimentos bilionários na instalação de novas fábricas dentro dos Estados Unidos.

Aqui, é importante diferenciar alguns pontos. Há semicondutores específicos para a indústria de automóveis. Estes semicondutores são mais simples do que aqueles utilizados em smartphones. A China, por exemplo, no caso, é praticamente autossuficiente em semicondutores para a indústria automobilística. Por isto, este país não é tão afetado neste setor.

A TSMC (Taiwan Semicondutors Manufacturing Companhy) seria o pano de fundo dessa disputa?

A empresa tem sua sede em Taiwan. Por isto, além de ser um player relevante no mercado de semicondutores, encontra-se no contexto geopolítico entre China e Estados Unidos, na região. A empresa anunciou sua intenção em investir na instalação de fábricas de semicondutores nos Estados Unidos. China é fortemente depende dos semicondutores da TSMC.

Essa seria uma das “pernas” do jogo de interesses de EUA e China sobre Taiwan?

Sim, é a empresa um fator no contexto geopolítico, geoeconômico e geoestratégico entre Estados Unidos e China. O presidente da TSMC, em entrevista à CNN internacional, declarou que a sua fábrica é integrada por tecnologias e equipes de diversos países, os quais funcionam em tempo real, conforme a demanda global. Ele disse, expressamente, que na hipótese de invasão da China a Taiwan não haveria como ocorrer a apropriação da tecnologia pelo governo chinês, simplesmente a fábrica deixaria de funcionar. Ele falou ainda que a invasão pela China a Taiwan todos perdem, inclusive a própria China.

Por que os EUA consideram a Huawei como fornecedora de risco para a segurança do país?

A tecnologia de 5G (quinta-geração) é a espinha dorsal das infraestruturas de telecomunicações e internet modernas. Estas tecnologias e infraestruturas de comunicações são consideradas dual-use, isto é, com aplicações civis e militares. Como é o caso do GPS (global positioning satellite, tecnologia de geolocalização por satélite). No âmbito da defesa, esta tecnologia é fundamental para a coleta de sinais de inteligência, através das redes de telecomunicações e internet. Há a coleta de dados em tempo real, em escala global. São atividades de monitoramento, detecção de alvos e rastreamento de pessoas, objetos, veículos, etc. Serviços de espionagem fazem operações de inteligência nas redes de telecomunicações, internet e redes sociais. Há operações aberta e encobertas. Aliás, os Estados Unidos têm uma rede de compartilhamento de sinais de inteligência, denominada Five Eyes, uma aliança geoestratégica de inteligência entre Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido. Como os Estados Unidos e China disputam a liderança econômica, tecnológica e política a tecnologia de 5G foi enquadrada pelo governo norte-americano como uma questão da segurança nacional. E ainda mais porque a China é qualifica como um adversário dos Estados Unidos. A legislação norte-americana de defesa e de inteligência nacional é que define este enquadramento. Por isto, a tecnologia de 5G encontra-se no contexto geopolítico, geoeconômico e geoestratégico dos Estados Unidos e China. A Huawei é uma das principais fornecedoras globais de tecnologia 5G. É uma empresa global, com sede China e com diversas filiais, espalhadas pelo mundo. Sua tecnologia de 5G é resultado de bilhões em pesquisa e desenvolvimento.

Os Estados Unidos não têm uma empresa campeã global como a Huawei em 5G. Por isto, os Estados Unidos, por um erro geoestratégico, estão perdendo a guerra comercial com a China. Os Estados Unidos, ao invés de terem investido na tecnologia de 5G estão agora arcando com os ônus da inércia no desenvolvimento de 5G e sua dependência tecnológica de outros países, como a Coreia do Sul, Suécia e Japão. Ironicamente, os Estados Unidos inventaram a internet, a indústria de semicondutores, a indústria de software, o GPS, os sistemas de buscas online (Google), as redes sociais (Facebook) e agora estão perdendo competividade na tecnologia 5G.

Você concorda com essa visão de ameaça da tecnologia de 5G chinesa?

Em parte, concordo. Como os Estados Unidos e China competem pela liderança global, é “natural” que a tecnologia de 5G de empresa chinesa Huawei, líder global, seja um risco e uma ameaça à liderança norte-americana. É uma posição tecnonacionalista, evidentemente, de protecionismo ao mercado norte-americano e aos interesses norte-americanos e de negação do livre comércio. Na questão da defesa, os Estados Unidos têm diversas bases militares, muitas delas bases nucleares. O setor de defesa depende intensamente de infraestruturas e redes de comunicações confiáveis, com código de criptografia, seguros o suficiente para impedir a disrupção, sabotagem e quebra do sigilo das comunicações. Portanto, há o desafio de a tecnologia estrangeira ser confiável justamente por provir de um país considerado adversário dos Estados Unidos. Por óbvio, também, próximo das bases militares e nucleares, é inaceitável você ter torres e antenas de telecomunicações com tecnologia estrangeira, por uma questão óbvia de segurança nacional.

Vamos trazer o olhar para o 5G. Essa tecnologia mudará o palco global em que termos pelos próximos anos?

A tecnologia de 5G definirá as bases da economia digital do futuro. É a infraestrutura de redes de comunicações, uma infraestrutura nacional crítica para todos os países. Países avançados em tecnologia de 5G serão mais competitivos no cenário internacional. Cidades com 5G serão mais competitivas. A indústria com 5G será mais competitiva. O agronegócio com o 5G será mais competitivo. Portos com 5G serão mais competitivos. Em síntese, a indústria, o comércio e o setor de serviços terão mais competividade com o 5G.

O 5G tem impressionado na China. O quanto o país asiático aposta que essa tecnologia será o seu pulo do gato em termos de domínio nos negócios globais?

A tecnologia de 5G é um dos fatores de competividade da China. Mas, não é o único. Temos que pensar em Inteligência Artificial, robótica, nanotecnologia, 6G, computação quântica, machine learning, entre outras tecnologias. A China é um dos países que mais investe em inovação e tecnologias. Por isto, suas empresas são competitivas. A China é a “indústria” global”. Empresas europeias vão para a China. Empresas norte-americana vão para a China. Empresas japonesas tem fábricas na China. A produtividade da economia chinesa é difícil de superar. A maior parte da população mundial está na Ásia. Por isto, o novo eixo geoestratégico global é Ásia e o oceano Pacífico, rota comercial marítima. No contexto de aquecimento global, mudanças climáticas e sustentabilidade ambiental, a tecnologia de 5G poderá contribuir – e muito – para as metas de desenvolvimento sustentável da ONU. Com a tecnologia funcionando em tempo real e escala global, é possível termos mapas com precisão e exatidão a respeito das mudanças necessárias para o atendimento das metas climáticas e de desenvolvimento sustentável.

Acredita que por essas razões os EUA demoraram para implantar esse sistema?

Os Estados Unidos são uma economia de mercado. Não houve investimento por empresas norte-americanas em tecnologia de 5G por uma questão econômica, o baixo retorno do capital investimento. A margem de lucratividade no setor de equipamentos de redes de telecomunicações é pequena, comparado com outros setores mais rentáveis. Por isto, a escala tem que ser global para compensar os investimentos de capital. O mercado norte-americano estava focado na indústria de software e não em redes de telecomunicações. O PIB da indústria de software é muito maior do que o setor de telecomunicações. E a lógica norte-americana é terceirizar a manufatura dos produtos, pois, a fabricação de semicondutores e celulares na China. O governo norte-americano quando “acordou” percebeu a dominância do mercado pela tecnologia de 5G de empresa da China. O governo norte-americano delegou o tema para países aliados, como a Suécia, Coreia do Sul e Japão. Foi um erro geoestratégico na questão do 5G na disputa pela liderança global. E observe o mantra dos Estados Unidos foi negar a realização de uma política industrial, um tema tabu para eles. Porém, devido às mudanças no jogo geopolítico e geoeconômico, os Estados Unidos adotaram novas políticas de incentivo para a atração de investimentos na fabricação de semicondutores dentro do território norte-americano.

Em que devemos ficar atentos pelos próximos anos quando o assunto é chips, 5G e os impactos das Big Techs norte-americanas no ecossistema digital?

Semicondutores e tecnologia de 5G são a moldura do ecossistema digital e as bases da economia digital. Não haverá conectividade digital de alta performance sem semicondutores e tecnologia de 5G. Estas tecnologias habilitarão o funcionamento da Internet das Coisas (IoT), isto é, a rede de comunicação entre máquinas (sensores, por exemplo). A partir dados de diversas naturezas serão coletados em tempo real, permitindo-se a análise e a eficiência no processo de tomada de decisões. Também, podemos visualizar a internet dos “corpos”, os dispositivos de saúde coletando dados em tempo real do seu corpo. Outra tendência é a internet “tátil”, construída a partir das tecnologias de realidade aumentada e realidade virtual. Outras tecnologias que fará a articulação entre todas estas outras tecnologias é a Inteligência Artificial e machine learning (aprendizagem por máquinas). E a tendência global a adoção de sistemas de computação em nuvem (cloud) e computação às margens (edge computation), em redes de dispositivos. A partir de todo cenário, é que se encontram as Big Techs: Facebook, Google, Amazon, Apple, Microsoft, entre outras. Cada uma destas empresas tem estratégias diversificadas, conforme o contexto de atuação, afinal, são empresas globais.

Em ponto comum, as Big Techs de infraestrutura de conectividade digital e computação em nuvem. No aspecto geoeconômico e geopolítico, recentemente, em evento realizado pelo Carnegie Endowment for Internacional Peace, especialista mencionaram o fato que os Estados Unidos criaram a indústria de semicondutores, a internet, a indústria de software, o sistema de motores de busca online (google), as redes sociais (Facebook), entre outros, porém, o país está perdendo o controle sobre o ambiente digital. A China, com suas Big Techs, e investimentos intensos em pesquisa e desenvolvimento de produtos, é uma ameaça à liderança global dos Estados Unidos na economia e em tecnologia. No Brasil atual tanto Big Techs norte-americanas como chinesas (TikTok, entre outras). Há questões concorrenciais e regulatórias a serem aperfeiçoadas nos modelos institucionais. Todas estas empresas apresentam novidades no mercado, com a inovação, porém, ao mesmo causam a destruição de modelos anteriores. É o dual aspecto das tecnologias inovação e destruição, algo inerente ao capitalismo. O que é importante definir regras mínimas de atuação empresarial, em proteção a sociedade, à competição leal e à proteção dos consumidores e cidadãos.

Em 11/10/2022 – Publicação original: https://panoramamercantil.com.br/a-guerra-tacita-que-envolve-os-eua-e-a-china/

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.