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Análise geopolítica da espionagem econômica e política pelos serviços de inteligência governamentais

14/06/2021

O tema da geopolítica e geoeconomia está frequentemente associado às questões de inteligência nacional e espionagem pelos países A imprensa internacional (empresas de mídia da Dinamarca, França, Noruega Suécia) noticiou a espionagem promovida pelos serviços de inteligência da Dinamarca em parceria com os Estados Unidos/National Security Agency em relação a autoridades da Alemanha, no caso da Primeira Ministra Angela Merkel, ex-Chanceler e Ministro das Relações exteriores, no período de 2012-2014.  

Foram interceptadas ligações de telefone, mensagens de texto e tráfego de internet.  O escândalo provocou protestos da Alemanha e da França. Países aliados espionando aliados, algo que implica em quebra de confiança entre os países. Ao que parece, a espionagem foi realizada pela Dinamarca, a serviço dos Estados Unidos, para obter informações a respeito da posição da Alemanha em relação à Rússia, em questões de energia. A operação de espionagem foi realizada através de grampo em fibras óticas em redes de cabos submarinos que interligam Dinamarca, Suécia e Alemanha.  

A espionagem já havia sido revelada por Edward Snowden, ao divulgar a metodologia adotada pela National Security Agency. A espionagem é um tema controvertido no âmbito internacional. Embora muito utilizada suspostamente por razões de segurança nacional e respectivamente como justificativa de autodefesa, via de regra, há abusos na coleta maciça de dados em violação ao direito à privacidade e à confidencialidade das comunicações.  Por isso, é necessário se aprofundar no debate internacional a respeito do tema.  Com a palavra, a Organização das Nações Unidas a qual tem a responsabilidade de definir e efetivar princípios basilares do direito internacional. Alguns especialistas sugerem a celebração entre Estados Unidos e países aliados, principalmente os países europeus, acordos de não-espionagem.[1] Resta saber se que tipo de acordo é confiável e efetivo.  Em outro caso notável de espionagem realizado pela Austrália em relação ao Timor do Leste, envolvendo área marítima de petróleo e gás.

Em 2014, Corte Internacional de Justiça analisou caso de espionagem pelos serviços de inteligência da Austrália contra o governo do Timor do Leste, em uma disputa por áreas de petróleo e gás natural em território marítimo.  Timor do Leste negociava o Timor Sea Treaty, o tratado de demarcação do território marítimo entre os dois países. O governo do Timor do Leste solicitou perante a Corte Internacional de Justiça uma medida cautelar quanto à busca e apreensão de documentos sobre o ato ilícito. Alegou o Timor do Leste que a espionagem australiana criou uma indevida vantagem competitiva para a Austrália.  Em resposta, o governo da Austrália alegou razões de segurança nacional para realizar a espionagem do governo do Timor do Leste. Também alegou razões de segurança nacional para não entregar os documentos. Segundo o governo australiano, o seu Australian Security Intelligence Organization Act de 1979 (ASIO Act) autoriza operações de inteligência, mediante a interceptação de comunicações em hipótese de riscos à segurança nacional. Por isso, haveria conforme o governo australiano a possibilidade de interceptação de comunicações ocorridas em seu território.

A Corte Internacional de Justiça deferiu por maioria de votos a medida cautelar de busca e apreensão de documentos. Houve alguns votos divergentes. Alguns dos juízes entenderam que não haveria competência jurisdicional da Corte Internacional de Justiça para julgar o caso. Outros expressaram seu entendimento no sentido de inexistir risco de danos ao governo do Timor que justificasse o deferimento da medida cautelar. Debateu-se ainda sobre a soberania da inviolabilidade de documentos de documentos em posse de advogado localizado em outro país. Ao final, em procedimento de arbitragem internacional, Timor e Austrália chegaram um acordo sobre o caso perante um Corte de Arbitragem Internacional, decidindo-sobre os limites territoriais marítimos, bem como sobre a divisão das áreas de petróleo e gás natural.

Este caso ilustra bem os problemas de espionagem política e econômica conduzida pelos serviços de inteligência dos governos. E, ainda, dos riscos geopolíticos da espionagem ocorrer em redes de telecomunicações. Razões de estado (segurança nacional) não podem se sobrepor às regras do direito internacional, conforme entendimento majoritário da Corte Internacional de Justiça. A soberania de um estado pequeno como o Timor, alvo de espionagem pelos serviços de inteligência da Austrália, é objeto de proteção pelo direito internacional.  Relembre-se que o Brasil também já foi alvo dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, mediante atuação da National Security Agency, em 2013, o qual interceptou comunicações da então Presidente da República, Ministros e Petrobras. Este fato ensejou uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional.

A National Security Agency faz parta da aliança internacional no tema da inteligência  entre os Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Austrália, denominada Five Eyes.  Resumindo-se a afirmação da soberania de um estado depende de sua capacidade de se defender contra espionagem econômica e política e de defesa nacional, ainda agravado o cenário devido aos riscos de ciberespionagem.  A relação entre os países depende do nível de confiança entre os mesmos (confidence building), qualquer ato que comprometa a confiabilidade cria um estado de desconfiança nas relações internacionais. Com a tecnologia de 5G (quinta-geração), aplicável às redes de telecomunicações, são ampliados os riscos de ataques cibernéticos às comunicações. Deste modo, é fundamental o reforço na integridade e segurança das redes de telecomunicações, para garantir o sigilo das comunicações. Por isso, o Brasil precisar sua soberania cibernética com fortalecimento seu sistema de autodefesa no aspecto da espionagem cibernética executado por outros países.  

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público, com foco no direito da comunicação, nas áreas de tecnologias, mídias e telecomunicações. Autor do livro Geopolitical game between United States and China on 5G technology: impact in Brazil, Amazon, 2021.


[1] Lewis, James Andrew. Should the United States enter a no-spy agreement with Germany and other EU partners? Center for Strategic and International Relations, 9 de junho de 2021.

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.