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Ativos digitais são regulamentados pelo governo dos Estados Unidos

04/04/2022

O Presidente dos Estados Unidos Joe Biden, em março deste ano, adotou ordem executiva (executive order, uma espécie de decreto presidencial), para regulamentar os ativos digitais. Nos termos da decisão presidencial, ativos digitais são uma representação de valor, de ativos financeiros ou mecanismos de pagamentos ou investimentos no formato digital, representados por tecnologias distribuídas. Como exemplos de ativos digitais: criptomoedas, bitcoins e moedas digitais.

A justificativa para a regulamentação é o crescimento dos ativos digitais e os respectivos riscos para consumidores, investidores e empresários.  Há questões sobre privacidade dos dados e segurança, estabilidade financeira e risco sistêmico, segurança nacional, direitos humanos e inclusão financeira, demanda energética e mudanças climáticas. O tema é associado à geopolítica e geoeconomia quanto à soberania monetária dos Estados Unidos. O objetivo central do país é manter a sua liderança financeira e tecnológica globalmente, mantendo-se a influência do dólar sobre os demais sistemas financeiros e econômicos.

Segundo o ato, autoridades monetárias globalmente estão explorando bancos com moedas digitais.  O governo norte-americano tem interesse na inovação financeira com responsabilidade, de modo a garantir a segurança das transações financeiras, bem como a redução de custos domésticos e de transferências internacionais.  Há a preocupação com a práticas de ilícitos financeiros com os ativos digitais, como lavagem de dinheiro, crimes cibernéticos, terrorismo e tráfico humano.  Conforme o mesmo ato, os Estados Unidos é o líder no estabelecimento de padrões internacionais para a regulação e supervisão de ativos digitais, no combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Deste modo, padrões fracos ou inexistentes na execução das diretrizes em algumas jurisdições no exterior apresentam riscos sistêmicos para os Estados Unidos e sistemas financeiros globais. Há a preocupação que os ativos digitais sejam utilizados em ilícitos financeiros.  Controles e governança apropriada para os atuais e futuros ativos digitais devem promover a transparência, privacidade e segurança, com medidas regulatórias, de governança e tecnológicas.

O governo norte-americano reforça a sua liderança no sistema financeiro global e na competividade tecnológica e econômica, incluindo-se o responsável desenvolvimento de inovações nos sistemas de pagamentos e ativos digitais.  Há interesse no desenvolvimento responsável do design de ativos digitais e tecnologias para as novas formas de pagamentos e fluxos de capital no sistema financeiro internacional, especificamente no estabelecimento de padrões que ele promove: valores democráticos, lei, privacidade, proteção de consumidores, investidores e empresários, interoperacionalidade entre plataformas digitais, legado da arquitetura, sistemas de pagamento internacionais. Os Estados Unidos têm benefícios econômicos e à sua segurança nacional derivados do papel central que o dólar e as instituições financeiras e mercados norte-americanos desempenham no sistema financeiro global.

A continuidade da liderança dos Estados Unidos no sistema financeiro global sustentará o poder financeiro norte-americano e promoverá seus interesses econômicos.  Busca-se promover o acesso seguro e confiável aos serviços financeiros. Muitos americanos não possuem contas em bancos e os custos de transferência financeira internacional e pagamentos são elevados. Há, portanto, interesse na promoção da inovação responsável para fins de expansão do acesso equitativo aos serviços financeiros, especialmente para os norte-americanos não atendidos pelo sistema bancário tradicional.  Quer-se o acesso a custos eficientes aos produtos e serviços financeiros. O governo apoia os avanços tecnológicos que promovam o desenvolvimento responsável e o uso dos ativos digitais. A arquitetura das tecnologias dos ativos digitais impacta a privacidade, segurança nacional, segurança operacional e resiliência dos sistemas financeiros, mudanças climáticas, o exercício dos direitos humanos e outros objetivos nacionais.

O governo norte-americano tem interesse em garantir que as tecnologias dos ativos digitais e outros ecossistemas de pagamentos digitais sejam desenvolvidos de modo responsável de modo que na arquitetura de sua design inclua a privacidade e segurança, integrando-se controles de defesa contra ilícitos e reduza o impacto negativo da poluição ambiental.  Diversos órgãos governamentais devem atuar para o cumprimento da ordem executiva sobre ativos digitais: Secretário de Estado, Secretário do Tesouro, Secretário do Comércio, Secretário do Trabalho, Secretário de Energia, Secretário de Defesa Interior, agência de proteção ambiental, Diretor de Gestão e Orçamento, Diretor da Inteligência Nacional, Escritório de Ciência e Tecnologia, Comissão de Comércio Federal, Comissão de Valores, entre outros. 

A política governamental está amparada na soberania monetária considerada como central para o funcionamento do sistema financeiro, política de estabilização macroeconômica e crescimento econômico. Segundo o ato, sistemas de pagamento em dólar devem ser desenhados conforme as prioridades da ordem executiva presidencial e de acordo com os valores democráticos, incluindo-se proteção à privacidade, e que garantem ao sistema financeiro global transparência, conectividade, interoperacionalidade e transferibilidade da arquitetura. O Secretário do Tesouro, o Secretário de Estado, o Advogado Geral, o Secretário da Segurança Interior, o Diretor da Inteligência Nacional, o Diretor do Escritório de Gestão e Orçamento, a partir de 180 (cento e oitenta) dias da publicação da ordem executiva, apresentará relatório sobre o futuro dos sistemas de moeda e pagamentos, incluindo-se as condições que guiam a adoção ampla dos ativos digitais, a extensão das inovações tecnológicas que possam influenciar os sistemas e as implicações para o sistema financeiro dos Estados Unidos, a modernização e mudanças do sistema de pagamentos, crescimento econômico, inclusão financeira e segurança nacional.

No relatório deve constar as questões das possíveis implicações do design das escolhas, para os interesses nacionais, inclusive as implicações para o crescimento econômico e estabilidade, as potenciais implicações para os Estados Unidos no aspecto da inclusão financeira, o potencial de relacionamento das moedas digitais para os bancos centrais digitais (central bank digital currencies – CBDCs) e  a gestão dos ativos digitais pelo setor privado, o futuro da soberania  e produção de dinheiro globalmente de modo privado e as implicações para o sistema financeiro e a democracia, a extensão das moedas digitais estrangeiras que possam deslocar as atuas moedas e alterar o sistema de pagamentos e que possam subjugar a centralidade financeira dos Estados Unidos, a potencial implicação para a segurança nacional e crimes financeiros, incluindo-se riscos de financiamento ilegal, riscos de sanções, aplicações da lei e interesses da segurança nacional e as implicações para direitos humanos.

A partir de 180 (cento e oitentas) dias da publicação da ordem executiva, o Diretor do Escritório de Ciência e Tecnologia, em consulta com o Secretário do Tesouro, Secretário de Energia, o gestor da agência de proteção ambiental, o conselho de consultores econômicos, o assistente do Presidente e Conselheiro do Clima Nacional, apresentarão relatório sobre o potencial das tecnologias para as mudanças das matrizes energéticas, bem como o efeito das criptomoedas quanto aos mecanismos de uso energético, incluindo-se pesquisa para o potencial de medidas de mitigação e mecanismos alternativos de consensos e design de negociações, abordando-se as seguintes questões: o potencial de uso da tecnologia de blockchain  em suporte ao monitoramento e tecnologias de mitigação dos impactos climáticos, tais como: emissões de gás carbono, consumo de água e outros ativos naturais ou ambientais, implicações para política energética, incluindo-se a gestão da rede e confiabilidade, incentivos à eficiência energética e padrões e fontes de fornecimento de energia.  As inovações das tecnologias financeiras são, usualmente, transfronteiras. Por isto, demandam a cooperação internacional entre os países. Esta cooperação é critica para manutenção de padrões regulatórios de alto nível para o jogo competitivo. 

Resumindo-se: para os Estados Unidos há desafios, riscos e oportunidades com as tecnologias, moedas e pagamentos digitais. Esta infraestrutura digital associada às tecnologias financeiras é objeto de regulamentação governamental.  O objetivo geoestratégico é garantir sua liderança financeira e tecnológica globalmente, bem como a influência do dólar nos sistemas financeiros mundiais. Relembrando-se, ainda que Estados Unidos e China disputam a liderança financeira e tecnológica global. E, ainda, que a imposição de sanções econômicas contra a Rússia, demanda mecanismos de controle da aplicação destas sanções. A título ilustrativo, há a sanção da expulsão da Rússia do sistema bancário Swift, uma plataforma de comunicações entre as instituições financeiras globais. 

Tal como os Estados Unidos, o  Brasil deve começar a se preocupar com sua linha geoestratégica  de defesa de sua soberania monetária, econômica e financeira diante das inovações tecnológicas e competividade global, avaliando-se os desafios, riscos e oportunidades, inclusive como monitoramento destas atividades econômicas relacionadas às tecnologias financeiras e a infraestrutura digital de moedas, investimentos e pagamentos.

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Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil, Amazon. Autor do livro Geopolítica das Comunicações, Amazon.

Crédito de Imagem: Programadores Brasil

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.