O Ministério Público de São Paulo realizou em 22.06.2022, audiência pública sobre os impactos do ruído na saúde e conforto da população, evento liderado pelo Promotor de Justiça Ambiental, Dr. Jorge Alberto Mamede Masseran.
A iniciativa foi realizada em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo. O vídeo da audiência pública está disponível no canal do MP/SP no youtube.[1] Foram ouvidos líderes de associações de moradores, os quais relataram seus problemas de saúde e desconforto causados pelos ruídos urbanos. Cidadãos relataram o agravamento de seu estado de saúde devido aos ruídos urbanos. Foram narrados os relatos de cidadãos com autismo, os quais possuem hipersensibilidade acústica e mais sentem os impactos dos ruídos.
Outro caso relatado foi de uma família com um bebê que recebeu transplante de órgão e o impacto dos ruídos sobre o estado emocional e físico da família. Outra cidadã com a mãe e irmão em tratamento de saúde tiveram seu quadro de saúde agravado devido aos ruídos de estabelecimentos comerciais. Moradores próximos uma arena esportivas e de eventos apresentam o seu extremo desconforto e impacto em sua saúde devido os ruídos de eventos esportivos e shows realizados no estádio. Um músico narrou os impactos de sons graves de “pancadões”, o quais impactam seu diafragma, o que lhe dificulta a respiração. Outro morador apontou o impacto dos ruídos de motocicletas e falta de fiscalização municipal sobre estes poluidores acústicos. Narrou, inclusive que há vídeos na internet mostrando como adulterar escapamentos de motocicletas para aumentar o nível de ruídos, algo totalmente ilegal para cometer infração de trânsito e ambiental. Houve relatos do impacto de ruídos nas relações de vizinhança em condomínios e o risco de potencial violência e os danos à saúde. Outro cidadão destacou os problemas de modelos de negócios descomprometidos com a questão da sustentabilidade ambiental acústica. Há alguns modelos que, inclusive, inserem negócios os custos das infrações ambientais.
Cidadãos alertaram ainda para falhas no sistema de atendimento ao cidadão nos casos de poluição sonora (programa Psiu), a falta de equipes de fiscalização, falta de equipamentos e o horário inadequado da fiscalização. Também, médicos especialistas foram ouvidos. Os médicos mostraram o impacto dos ruídos na saúde física e mental dos cidadãos. Representante do Instituto de Pesquisa Tecnológico mostrou os procedimentos para a medição dos ruídos e a necessidade de equipamentos confiáveis para a realização desta medição. Destacou que equipamentos de qualidade são caros. Os sonômetros populares não têm a mesma qualidade técnica dos equipamentos de alta precisão. Outro representante do IPT apontou para a Lei n. 16.499/2016, o qual demanda a realização de mapa de ruído da cidade de São Paulo, com prazo final até 2023. Com isto será possível resgatar a paisagem sonora natural da cidade, com menos ruído. Um das referências para o controle da poluição acústica é modelo de controle da poluição visual adotado pela cidade de São Paulo. Representante da CETESB destacou os investimentos realizados em equipamentos de monitoramento ambiental acústico. Foi destacado o impacto dos ruídos do trânsito sobre a qualidade de vida na cidade. Também, houve relatos dos problemas das Dark kitchens (cozinhas adaptadas) e os ruídos causados por motociclistas que transportam a comida. Este tema também é objeto de audiência pública na Câmara de Vereadores. Promotores de Justiça destacaram a questão da poluição sonora e os estabelecimentos comerciais, o aspecto jurídico.
Outro tema foi da poluição e incomodidade sonora de obras da construção civil. Um dos relatos foi a negativa da Prefeitura de São Paulo em fiscalizar a poluição sonora de obras de construção civil. O Ministério Público abriu inquérito civil para obrigar a Prefeitura a realizar a fiscalizar da poluição sonora em obras de construção civil. A prefeitura recusou-se a fiscalizar, informando ao Ministério Público que não era de sua competência a fiscalização da poluição sonora dos ruídos da construção civil. Então, o Ministério Público ingressou com ação civil pública para obrigar a realização da fiscalização da poluição sonora. Após este fato, a Prefeito editou o Decreto sobre os limites de decibéis em obras de construção civil. Ocorre que o limite máximo do Decreto, ao invés de diminuir o nível do ruído, legitima um padrão elevado de ruído em obras de construção civil, um valor bem acima dos padrões acústicos recomendados pelas normas da ABTN. Portanto, o Decreto, ao invés de proteger os direitos fundamentais à qualidade de vida, saúde, descanso e meio ambiente, proteger os interesses da indústria da construção civil. Outro ponto destacado foram as fraudes para obter alvarás eletrônicos para estabelecimentos comerciais poluidores sonoros. Representante do Ministério Público destacou a questão do aspecto da responsabilidade civil, criminal e ambiental em relação aos poluidores sonoros, bem como a necessidade de um marco regulatório de incentivos às inovações tecnológicas antirruídos. Também, a expectativa normativa é do estado de não ruído, segundo destacou o representante do Ministério Público.
Resumindo-se: a audiência pública assegurou o direito à participação popular na efetivação de uma política ambiental de contenção dos ruídos urbanos. Apontou, também, as graves falhas do poder executivo e poder legislativo na efetivação de uma política ambiental de controle da poluição sonora. Demonstrou as graves falhas de falta de capacidade institucional do poder público para enfrentar o tema o impacto dos ruídos na saúde pública e conforto na cidade de São Paulo. E, igualmente, mostrou a irresponsabilidade dos poluidores sonoros para com a cidade de São Paulo e os cidadãos e o sistema de impunidade destes poluidores. O tema dos ruídos demanda inovações democráticas, sociais e tecnológicas, educacionais e culturais para a mudança dos comportamentos antissociais para comportamentos eticamente e legalmente responsáveis. No meu livro Propostas Regulatórias: Anti-Ruídos Urbanos, edição autoral, Amazon, 2022, abordo esta problemática do impacto dos ruídos nas cidades as medidas regulatórias para a contenção dos ruídos, com a busca de melhores práticas de sustentabilidade ambiental acústica.
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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Público. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Propostas Regulatórias: Anti-Ruídos Urbanos, Amazon, 2022.
[1] Ver: Audiência pública: impactos do ruído na saúde e conforto da população, 22.06/2022, https://www.youtube.com/watch?v=5bO4T9_LH_4