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Suprema Corte dos Estados Unidos: admissibilidade de julgamento de caso relacionado ao acordo de indenização assinado pelo Google em matéria de violação aos direitos de privacidade

Aqui, também atua a empresa de tecnologia global de aplicações de internet provedores de mecanismos de busca. Assim, algumas questões sobre direitos à privacidade, bem como sobre interpretação da Constituição e da legislação federal brasileira, podem ser objeto de judicialização.

Recentemente, nos Estados Unidos, a Suprema Corte admitiu para julgamento o caso referente ao acordo judicial entre o Google e a partes privadas (Frank v. Gaos) quanto ao pagamento de indenização por violação aos direitos de privacidade, por mecanismos de busca da companhia.

Segundo os autores, o Google (por seus mecanismos de busca) permitiu que os nomes dos autores, bem como informações pessoais fossem associados a outros websites, nos resultados das pesquisas online.

Conforme a decisão do Nono Circuito da Justiça norte-americana, ao rejeitar o argumento dos autores, a doutrina do cy press, aplicável nos acordos é uma excepcional. Mas, é aplicável na hipótese de acordo quando não é possível a distribuição individualizada para as partes, porque a prova do dano é dificilmente realizável. Assim, a decisão do Novo Circuito apenas distribuiu parte da quantia total da indenização para os autores da ação, selecionou apenas 6 (seis) cy press beneficiários.

Em questão, o debate se terceiras partes (no caso Harvard Law School, Standford School, MacArthur Foundation e AARPP), que não participaram de ação coletiva, podem ser beneficiárias de quantias do fundo instituído, no acordo judicial entre as partes.

No Brasil, a empresa global de tecnologia também é provedora de mecanismos de buscas na plataforma internet. Daí a relevância da análise do tema, sob a jurisdição da Suprema Corte dos Estados Unidos, no âmbito do direito comparado.

Foi conhecido o writ of certiorari1 apresentado perante a Corte de Apelações do Novo Circuito (Ninth Circuit) no caso Theodore H. Frank and Melissa Ann Holyoak v. Paloma Gaos e outros. O Google figura como amicus curiae.

Os autores da ação coletiva (class action) alegaram que o Google violou o Stored Communications Act, pois houve quebra de contrato e violação da boa fé, e injusto enriquecimento. Segundo eles, o Google forneceu indevidamente dados privados dos autores da ação para terceiros.

A Corte de Justiça do Nono Circuito aprovou o acordo de $8,5 (oito vírgula cinco) milhões de dólares de indenização entre as partes e o Google.

Os autores argumentam que a decisão da Corte de Apelações do Nono Circuito abusou de sua discricionariedade ao aprovar o acordo de indenização em $ 8.5 milhões baseado na doutrina do cy pres. Esta doutrina cy pres (tanto próximo possível ou tão perto como é possível) é originária da legislação aplicável aos fundos de filantropia, mas tem sido aplicado no âmbito dos acordos em ações coletivas, na busca da equidade na partilha de recursos.

Segundo os autores da ação, a quantia definida no acordo judicial, para terceiras partes (cy pres) beneficiaria entidades Harvard Law School, Stanford Law School, the MacArthur Foundation, e AARPP. Em outras palavras, terceiros que não integram a ação judicial, são beneficiários com quantias, a título de condenação por indenização por violação aos direitos à privacidade.

Também, alegam que a decisão viola a Rule 23 do Federal Rules of Civil Procedure, o qual trata das ações coletivas. Este dispositivo legal assegura que a condenação em ação coletiva deve ser justa, razoável e adequada2.

Center for Constitucional Jurisprudence, como amicus curiae, alega que a questão se refere à interpretação do Código Federal de Processo Civil dos Estados Unidos para saber que o acordo em ação coletiva pode beneficiar terceiras partes que não estão envolvidas no litígio.

Daí, segundo esta entidade, a decisão judicial na ação coletiva (class action) que determina compensação financeira para além dos integrantes da ação, para terceiras partes que não sofreram dano nenhum, poderia causar restrição indevida à liberdade de expressão daqueles que integram a ação coletiva, em violação à Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos.

Em outras palavras, a destinação por decisão judicial, em ação coletiva, de fundos para terceiras partes configura o apoio a causas que não necessariamente representa os membros da classe que apresentou a ação.

Outra questão constitucional apresentada é saber se a decisão judicial que determina o benefício financeiro para terceiras partes representa violação da garantia do devido processo legal. Ou seja, outorga-se benefício para terceira parte que não participou da ação coletiva.

E, finalmente, outro tema constitucional é a competência jurisdicional das Cortes locais para aprovar acordos em ações coletivas. Argumenta-se que as Cortes locais não teriam competência para aprovar este tipo de acordo, muito menos para participar destes acordos entre partes privadas.

Em síntese, a questão apresentada perante a Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Frank v. Gaos, em sua literalidade no idioma original é a seguinte:

“Federal Rule of Civil Procedure 23 (b) (3) permits representatives to maintain a class action where so doing ‘is superior to other available methods for fairly and efficiently adjudication the controversy”, in Rule 23 (e) (2) requires that a settlement that binds class members must be ‘fair, reasonable, and adequate”. In this case, the Ninth Circuit upheld approval of an $8,5 million settlement that disposed of absent class members’ claims while providing them zero monetary relief. Breaking whith decisions of the Third Circuit, Fifth Circuit, Seventh Circuit, and Eighth Circuit that require compensanting class members before putting class action proceeds to other uses, the Ninth Circuit held that the settlement’s award of all net proceeds to third-party organizations selected by the defendant and class counsel was a fair and adequate remedy under the trust-lay doctrine of cy pres. The question presented is:

Whether, or in what circumstances, a cy pres award of class action proceeds that provides no direct relief to class members suppots class certification and comports whith the requirement that a settlement binding class members must be ‘fair, reasonable, and adequate”.

Google, em sua petição como amicus curiae, alega que os autores descrevem o conflito de decisões entre as Cortes de Apelações que não existe.

O Google concordou em pagar $ 8,5 milhões dólares, a título de indenização por violação aos direitos de privacidade, mas a quantia deveria ser colocada em um fundo. Após o pagamento dos custos e da parte cabível aos autores da ação, a quantia remanescente (aproximadamente $ 5,3 milhões dólares) deveria ser distribuída proporcionalmente entre seis cy pres beneficiários, os quais deveriam aplicar a quantia em projetos dedicados as questões de privacidade na internet. Ao final, o Google requer que seja negado o writ of certiorari.

Em síntese, o tema apresentado perante a Suprema Corte dos Estados Unidos, sobre a questão da distribuição equitativa de recursos financeiros, mediante decisão judicial em ação coletiva que resultou em condenação por violação aos direitos de privacidade pelo Google, para terceiras partes, tem relevância para o Brasil.

Aqui, também atua a empresa de tecnologia global de aplicações de internet provedores de mecanismos de busca. Assim, algumas questões sobre direitos à privacidade, bem como sobre interpretação da Constituição e da legislação federal brasileira, podem ser objeto de judicialização.

__________

1 Petition for writ of certiorari é apresentado perante a Suprema Corte dos Estados Unidos, a qual decidirá se há razões relevantes (compelling reasons) para julgar o caso. O tema é disciplinado nas Rules of the Supreme Court of the United States. Segundo estas regras, meros erros de fato ou de direito não permitem o cabimento do writ of certiorari. Se a Suprema Corte decide por admitir o writ of certiorari, a Corte determina ordem à instância inferior para que os autos do processo sejam a ela encaminhados. Em síntese, o writ of certiorari está relacionado à competência discricionária da Suprema Corte dos Estados Unidos para julgar os casos que a ela submetidos.

2 Segundo o Federal Rule of Civil Procedures 23 (b): “the court finds that the questions of law or fact common to class members predominate over any questions affecting only individual members, and that a class action is superior to other available methods for fairly and efficiently adjudicating the controversy”. E, a Rule 23 (e) diz o seguinte: “If the proposal would bind clas members, the court may approve it only after a hearing and on finding that it is fair, reasonable, and adequate”.

Artigo publicado no portal jurídico Migalhas em 21/05/2018.

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Illegal collection of personal data on Facebook´s platform: The global impact of the fact and the sectoral regulation of each country

The case of the data leak of Facebook’s platform, in the episode with the company Cambridge Analytica, with global impact in several countries, including Brazil, poses interesting questions in the context of comparative law, from an economic (the company’s economic value), political (elections), and legal (applicable regulation) perspective, examined below.

From an economic perspective, there is the impact on Facebook’s market value, which lost billions of dollars (through the devaluation of their shares) due to the illegal capture of data from users and non-users of the internet application. This fact also reflects on their business model, as well as the privacy policy and the degree to which the platform is open to application developers (Apps). In other words, the access to personal data on the Facebook platform by third-party companies that collect data through internet applications.

In the electoral realm, the case is related to the influence of Facebook’s digital platform on the elections in several countries, especially in the United States. The core issue is the possibility of manipulating public opinion, as well as the electorate’s vote, through social media campaign’s, including by spreading fake news. Thus, the matter is directly related to the risks of democracy, through campaigns to mislead the public’s opinion, as well as taking the truth out of context.

From a legal perspective, the case has implications on the regulatory model most appropriate to internet applications, such as Facebook, which is controlled by a technology company. The discussion revolves around the extent of state regulation, along with self-regulatory measures by the internet application provider itself.

Another legal aspect relates to the domestic laws of each country, examined below. In particular, the sectoral regulatory model for internet applications, as well as self-regulatory measures.

Thus, it is important to consider the greater context of the current regulations around the world on the protection of personal data, as well as the right of access to personal information by national authorities and foreign governments, in the cases allowed by law.

In February 2018, the United States passed the Cloud Act, which holds rules for the use of data collected overseas.

The United Kingdom, in its turn, passed the Data Protection Bill in January past, which legislates on the protection of personal data, with rules on the international transfer of data to other countries, as well as rules on data access by intelligence services.

This upcoming May, in the European Union, the Regulation of the European Parliament and Council on the protection of people and treatment of personal data will come into effect.

In Brazil, the Public Prosecutor’s Office of the Federal District has opened an investigation to verify if the personal data of Brazilians was unduly captured in the Facebook and Cambridge Analytica episode.

Brazil, however, unlike other countries, does not have a specific law on the protection of personal data; there is not even an agency to regulate this matter.

We will now examine the Facebook case (illegal collection of personal data), as well as it repercussion in different countries.

Artigo publicado no portal jurídico Migalhas Internacional em 11/04/2018.

Acesso ao artigo, clique aqui.

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Coleta ilegal de dados pessoais na plataforma do Facebook: o impacto global do fato e a regulação setorial em cada país

Na perspectiva econômica, há a repercussão sobre o valor de mercado do Facebook o que perdeu bilhões de dólares (ocorrendo a desvalorização de suas ações) em razão da captura ilegal dos dados dos usuários e não usuários da aplicação de internet.

O caso referente ao vazamento de dados da plataforma Facebook, no episódio com a companhia Cambridge Analytica, com impacto global em diversos países, inclusive no Brasil, apresenta interessantes questões no âmbito do direito comparado, na perspectiva econômica (valor econômico da empresa, política (eleições) e jurídica (regulação aplicável), a seguir a analisados.

Na perspectiva econômica, há a repercussão sobre o valor de mercado do Facebook o que perdeu bilhões de dólares (ocorrendo a desvalorização de suas ações) em razão da captura ilegal dos dados dos usuários e não usuários da aplicação de internet. Também, este fato repercute sobre seu modelo de negócios, bem como sobre a política de privacidade e o grau de abertura da plataforma para os desenvolvedores de aplicativos (Apps). Vale dizer, o acesso aos dados pessoais na plataforma do Faceboook por terceiros, empresas que coletam dados, mediante aplicações de internet.

No âmbito eleitoral política, o caso tem relação com a influência da plataforma digital Facebook sobre as eleições, em diversos países, em especial nos Estados Unidos. Em destaque, a possibilidade de manipulação da opinião pública, bem como dos votos dos eleitores, mediante campanhas nas redes sociais, inclusive com notícias falsas (fake news). Vale dizer, o tema está diretamente relacionado aos riscos da democracia, mediante campanhas de desinformação da opinião pública, bem como de desvirtuamento da verdade.

Por sua vez, na dimensão jurídica, o fato implica sobre o modelo de regulação adequado às aplicações de internet, como é o caso da plataforma digital do Facebook, controlado por uma empresa de tecnologia. Em debate, a medida da regulação estatal, juntamente com medidas de autorregulação pela própria empresa de aplicação de internet.

Outro aspecto jurídico, refere-se à legislação nacional de cada país, a seguir analisado. Em especial, o modelo de regulação setorial adotado às aplicações de internet, bem como as medidas de autorregulação.

Assim, é importante considerar o contexto maior de regulação atual do tema no âmbito internacional sobre a proteção de dados pessoais, bem como o direito de acesso às informações pessoais por autoridades nacionais e governos estrangeiros, em hipóteses previstas em lei.

Em fevereiro de 2018, os Estados Unidos aprovaram o Cloud Act, o que trata das regras sobre o uso de dados coletados em território estrangeiro.

Por sua vez, o Reino Unido aprovou, em janeiro deste ano, o Data Protection Bill, o qual trata da proteção de dados pessoais, com regras sobre a transferência de internacional de dados para terceiros países, bem como regras sobre acesso de dados pelos serviços de inteligência.

Na União Europeia, em maio, entra em vigor o Regulamento do Parlamento e Conselho Europeu sobre proteção das pessoas e tratamento de dados pessoais.

No Brasil, o Ministério Público do Distrito Federal abriu inquérito para apurar se dados pessoais de brasileiros foram indevidamente capturados no episódio Facebook e Cambridge Analytica.

Mas, o Brasil, diferentemente dos demais países, não possui legislação específica sobre proteção de dados pessoais, sequer há agência reguladora sobre o tema.

A seguir, a análise do caso do Facebook (coleta ilegal de dados pessoais), bem como sua repercussão em diferentes países.

1. Brasil

No Brasil o Ministério Público do Distrito Federal solicitou informações ao Facebook a respeito do vazamento dos dados dos usuários da rede social, bem como de seus respectivos amigos.1

O fundamento do inquérito civil encontra-se nos direitos à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como no Marco Civil da Internet, o qual proíbe o fornecimento a terceiros de dados pessoais sem o devido consentimento do usuário.

Também, alega-se que se trata de incidente de segurança, caracterizada como a quebra da segurança da plataforma que permite o acesso não autorizado a dados pessoais, transmitidos, armazenados e processados.

Conforme a Portaria do MP/DF, diante das suspeitas de que a Cambrige Analytica pode estar utilizando de modo ilegal dados pessoais de milhões de brasileiros, usuários do Facebook ou não, para fins de identificação de perfil político, religioso, racional, ou sexual, é que se determinou a abertura do inquérito civil.2

Destaque-se que no Brasil não há uma lei geral de proteção aos dados pessoais. Há, apenas, projetos de leis sobre o tema, ora em tramitação no Congresso Nacional.

No âmbito das eleições brasileiras neste ano, o Tribunal Superior Eleitoral está debatendo o tema da influência das plataformas digitais no processo eleitoral, bem como no funcionamento da democracia. Estudo da Fundação Getúlio Vargas, mencionado pelo TSE, apontou a utilização de robôs nas eleições de 2014, por três candidatos à Presidência da República.

Em debate, a questão das notícias falsas (fake news), a desinformação, bem como o financiamento das campanhas dos candidatos, através das plataformas tecnológicas.

A propósito, o TSE, por decisão de seu Presidente, intimará a empresa Cambridge Analytica a respeito de suas atividades no Brasil.3

O tema da plataforma digital, por redes sociais, é significativo na perspectiva da democracia, pois envolve bens essenciais, tais como: a liberdade de expressão, com a vedação à censura, o direito à informação, direito à vida privada e à privacidade e à intimidade, entre outros.

Para além da questão eleitoral, a propósito, recente decreto Federal 9.319/2018 estabeleceu o Sistema Nacional para Transformação Digital. Em destaque, o objetivo fundamental de alcançar a confiança no ambiente digital, mediante a proteção aos direitos e privacidade e a defesa e segurança no ambiente digital.

2. Estados Unidos da América

Nos EUA, a Federal Trade Comission abriu investigação para apurar a responsabilidade do Facebook diante da obtenção de dados dos usuários da rede social, bem como dos respectivos amigos e familiares, sem o respectivo consentimento, pela empresa Cambrige Analytica.

O fundamento para abertura desta investigação encontra-se no acordo entre a Federal Trade Comission e o Facebook a respeito das garantias de proteção às informações sobre os consumidores.4

Segundo declaração da Comissão de Proteção ao Consumidor da Agência de Comércio dos EUA:

“The FTC is firmly and fully commited to using all of its tools to protect the privacy of consumers. Foremost among these tools is enforcement action against companies that fail to honor their privacy promises, including to comply whith Privacy Shield, or tha engage in unfair acts that cause substantial injury to consumers in violantion of the FTC Act. Companies who have settled previsous FTC actions must also comply with FTC order provisions imposing privacy and data security requirements. Accordingly, the FTC takes very seriously recent press reports raising substancial concerns about the privacy practices of Facebook. Today, the FTC is confirming that it has an open non-public investigation into these practices”.

O Congresso norte-americano intimou o Presidente do Facebook Mark Zuckerberg a testemunhar sobre o fato. Para além da questão de proteção aos usuários da rede social, há a questão política, diante da influência no resultado das eleições norte-americanas de 2016, com a eleição do Presidente Trump.

Também, Advogados-Gerais de diversos estados norte-americanos requereram explicações ao Facebook sobre as práticas de controle aos dados pessoais dos usuários e não usuários. Em questão, o tema da proteção à privacidade dos consumidores, bem como a quebra da confiança em relação à expectativa de privacidade quanto aos dados pessoais.Eles questionam se o Facebook monitora as atividades dos desenvolvedores de aplicativos, bem como o tipo de dados por eles coletados, se o Facebook realiza auditorias para garantir que os desenvolver não utilizem indevidamente os dados pessoais dos usuários da rede social.

Em comunicado público, o Facebook afirmou que restringirá o acesso à plataforma para terceiros, no caso, as empresas de tecnologia desenvolvedoras de aplicativos que coletam dados pessoais. Também, comunicou que limitará as informações compartilhadas com as empresas investidoras do mercado de dados pessoais, especialmente daquelas que coleta e vende dados de consumidores para fins de publicidade dirigida.6

Em sua defesa, mediante press release, a empresa Cambrige Analytica afirma que obteve os dados, através de contrato com a companhia Global Science Research (GSR), conforme a legislação britânica (UK Data Protection Act).

Na perspectiva econômica, a imprensa noticia que o Facebook perdeu mais de 30 (trinta) bilhões de dólares em valor econômico (e respectivamente com a desvalorização de suas ações), com o episódio de coleta ilegal de dados pessoais.

Por outro lado, a título ilustrativo, os Estados Unidos aprovaram o Cloud Act, em janeiro de 2018, o qual trata das regras de esclarecimento sobre a utilização de dados coletados em territórios estrangeiros. Em destaque, as regras de guarda e apresentação do conteúdo das comunicações privadas, pelos provedores de serviços eletrônicos, bem como o acesso às informações pelos governos estrangeiros.

3. Reino Unido

A legislação britânica proíbe a venda ou uso de dados pessoais sem consentimento das pessoas, conforme o UK Data Protection Act. Em declaração, Diretora da Information Comssioner’s Office (ICO), autoridade responsável pela proteção de dados pessoais, no Reino Unido, declarou que está preparando relatório sobre a utilização de dados por terceiros, no caso da publicidade dirigida.7

O Parlamento Britânico convidou o Presidente do Facebook para explicar as relações com a companhia Cambridge Analytica.

A imprensa noticia que há a suspeita de que a operação realizada pela empresa Cambridge Analityca inclusive tenha influenciado o resultado do Brexit, saída do Reino Unido da União Europeia.

4. União Europeia

As autoridades da União Europeia declararam que irão investigar o fato da captura ilegal de dados pessoais na plataforma do Facebook. Em maio, entra em vigor o novo Regulamento Europeu 2016/679 de Proteção aos Dados Pessoais, General Data Protection Regulation. Este Regulamento Europeu contém regras de maior proteção ao direito à privacidade e a proteção aos dados pessoais, exigindo-se o consentimento específico e claro antes da coleta de dados, na hipótese de utilização destes dados pessoais por terceiros.8

Cumpre mencionar que a União Europeia possui Diretiva específica 2016/680, aprovada em 2016 pelo Parlamento e Conselho Europeu, de proteção de pessoas, bem com tratamento de dados pessoais, para fins de prevenção, investigação, detenção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais.

Por sua vez, a União Europeia exige na transferência internacional de dados o mesmo nível de proteção aos dados pessoais quando transferidos para terceiros países. Segundo declaração do Presidente da European Data Protection Supervisor, Giovanni Buttareli:

“Why, therefore, does the EU address itself to questions of security and the surveillance activities of a third country such as the United States in the context of data protection? Because the very same data protection framework which states that personal data may not be transferred to a third contry unless certain safeguards apply (GDPR Article 44) also exempts (GDPR Articule 2 (2) (d) data processing by competente authorities in the Member States for purposes of law enforcement and preventing threats to public security”.

O Parlamento Europeu também convidou o Presidente do Facebook para explicar se os dados de milhões de usuários e não usuários foram coletados de forma indevida e utilizados para manipular o resultado das eleições.

Em debate, pelos eurodeputados a imposição de maiores garantias da privacidade nas comunicações eletrônicas, com limites mais rigorosos no processamento de dados, definindo-se que os mesmos somente podem ser utilizados na hipótese de consentimento, com a garantia de que os metadados (informações websites visitados e localização geográfica) sejam tratados de forma confidencial, vedando-se a transmissão para terceiros.

Cabe mencionar que cada país europeu possui autoridade regulatória de proteção aos dados pessoais.

A título ilustrativo, recentemente a Agência Espanhola de Proteção de Dados impôs multas ao WhatsApp e ao Facebook, cada um no valor de 300.000 (trezentos mil euros), devido a transferência ilegal de dados entre as duas companhias.

Também, cabe destacar a existência de Tratado entre a União Europeia e os Estados Unios que regulamenta a transferência intercontinental de dados (EU-US Privacy Shield), para fins de proteção à privacidade e a proteção dos dados pessoais. Segundo declaração da Comissão Europeia, este acordo protege o direito fundamental dos europeus quando seus dados pessoais são transferidos às companhias norte-americanas. E, ainda, segundo ele, as companhias norte-americanas que pretendam importar dados pessoais da Europa devem seguir obrigações mais robustas na maneira como os dados pessoais são processados, bem como os direitos individuais garantidos.

Conclusões

Enfim, a relevância do tema da coleta e utilização de dados pessoais pelas aplicações de internet (provedores e desenvolvedores de aplicativos), afeta o modelo de negócios das plataformas digitais, bem como de suas relações econômicas com os desenvolvedores de aplicativos.

Também demanda maior atenção do usuário das aplicações de internet sobre os termos de serviços, relacionados aos aplicativos, bem como serviços digitais, principalmente em garantia ao direito à fundamental à privacidade.

E, finalmente, é fundamental o conhecimento sobre a regulação setorial aplicável aos provedores de aplicações de internet e aos desenvolvedores de aplicativos, inclusive as medidas de autorregulação, bem como sobre a proteção de dados pessoais, em cada um dos países mencionados.

______________

1.Ver MP/DFT. Comissão de Proteção dos Dados Pessoais, 1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, Portaria n. 2/2018.

2. Ver MP/DFT, Comissão de Proteção dos Dados Pessoais, 1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, Portaria n. 2/2018.

3. Ver notícia site TSE.

4. Ver site da Federal Trade Comission.

5. Ver: Carta da National Association of Attorneys General de 26.3.2018.

6. Ver: Wall Street Journal, 29.3.2018.

7. A propósito, o UK Data Protection Act assegura o direito à informação, o direito de acesso à informação, o direito de retificar a informação, o direito a apagar a informação, o direito de restringir o processamento da informação, o direito de portabilidade da informação, o direito a não automatização em processos de decisão. Ver: site ICO, Preparing for the General Data Protection Regulation (GDPR).

8. Ver Jornal Oficial da União Europeia.

Artigo publicado em 05/04/2018 no portal jurídico Migalhas. Para consulta, clique aqui.

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Regulação Federal Infraestruturas de Redes de Telecomunicações, Internet e Energia elétrica: a delimitação da legislação municipal sobre o tema

Os municípios brasileiros têm editados leis municipais no sentido de determinar a instalação de redes subterrâneas de cabos de energia elétrica, telefonia e internet.

1 Apresentação.

Nas cidades, as redes de telecomunicações e internet são essenciais às pessoas naturais e pessoas jurídicas. Sem adequada infraestrutura de rede de comunicação, há sérios obstáculos ao efetivo acesso aos serviços de telefonia, dados e internet, bem como à qualidade dos serviços. Dependendo do tipo de rede instalada a qualidade do serviço é diferente.

Por exemplo, se a rede for com cabos de fibra ótica há uma velocidade maior no tráfego de dados, diferentemente da fiação de cobre tradicional. As infraestruturas de rede de telecomunicações e internet são essenciais à prestação dos respectivos serviços de telefonia fixa, móvel e internet. A economia digital depende, fundamentalmente, da qualidade de rede de telecomunicações e internet, bem como a competividade internacional do Brasil diante deste fator importante de produção e circulação de bens. Segundo Yochai Benkler: “The technical conditions of communication and information processing are enabling the emergence of new social and economic practices of information and knowledge production”1.

Os municípios brasileiros têm editados leis municipais no sentido de determinar a instalação de redes subterrâneas de cabos de energia elétrica, telefonia e internet, em substituição às redes aéreas, sob o fundamento de sua competência para legislar sobre o uso e ocupação do solo urbano, bem como urbanismo.

Estas leis municipais têm forte impacto sobre as empresas de infraestruturas de rede (postes, cabos, fios e fibra ótica, antenas), bem como prestadores de serviços, nos setores de internet, telecomunicações, TV por assinatura e distribuidoras de energia elétrica.

Mas, em 2015, foi aprovada a lei federal 13.116/15 com as normas gerais para implantação, instalação e compartilhamento das infraestruturas de redes de telecomunicações. O propósito legal é viabilizar os investimentos na construção de redes de telecomunicações, para o desenvolvimento econômico social do Brasil.

O legislador federal foi sensível à demanda por infraestruturas de rede de telecomunicações e internet, no sentido de promover a inclusão digital, daí a adoção pelo legislador federal de regras uniformes para todo o território nacional. Há, ainda, diversas normas gerais que devem ser aplicáveis no âmbito dos municípios, especialmente aquelas que tratam do procedimento administrativo simplificado quanto ao licenciamento das instalações de redes de telecomunicações.

Este tema da constitucionalidade da legislação estadual e municipal que determina o cabeamento da rede subterrânea de telefonia e energia elétrica, está em análise no Supremo Tribunal Federal.

1) Regulação Federal dos serviços de telecomunicações, internet e energia elétrica: presença do interesse federal

  1. a) Lei federal 13.116/15 sobre as normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações

Nos termos da lei 13.116/15, adota-se como pressuposto a competência exclusiva da União para regular e fiscalizar aspectos técnicos das redes e serviços de telecomunicações. Eis o teor da regra legal:

“Art. 4º. A aplicação das disposições desta Lei rege-se pelos seguintes pressupostos:

II – a regulamentação e a fiscalização de aspectos técnicos das redes e dos serviços de telecomunicações é de competência exclusiva da União, sendo vedado aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal impor condicionamentos que possam afetar a seleção de tecnologia, a topologia das redes e qualidade dos serviços prestados”.

Vale dizer, diante da prevalência da competência federal exclusiva sobre o tema dos aspectos técnicos das redes e serviços de telecomunicações, há a proibição aos estados e municípios de impor condições relacionadas à escolha de tecnologias, topologias das redes e qualidade dos serviços ofertados aos usuários. Ora, a princípio, imposição em lei municipal da rede subterrânea é uma questão técnica e afeta a topologia da rede de telecomunicações, daí o potencial conflito entre a lei municipal e a lei federal.

E, ainda, conforme a Lei das Infraestruturas de Redes de Telecomunicações:

“VII – aos entes federados compete promover a conciliação entre as normas ambientais, de ordenamento territorial e de telecomunicações”.

Diante desta norma geral, exige-se adaptação da legislação municipal às normas gerais da lei federal. Neste aspecto, é necessário revolver o conflito entre lei federal e a lei municipal, na perspectiva do exame da constitucionalidade, sobre o tema da infraestrutura de rede de telecomunicações e internet e os limites à competência legislativa municipal.

Outra regra legal interessante diz respeito a vedação à imposição de contraprestação em razão do direito de passagem em vias públicas, em faixas de domínio e em outros bens públicos de uso comum do povo2. Mas, por outro lado, a lei permite a cobrança de custos necessários à instalação, à operação, à manutenção e à remoção de infraestrutura e equipamentos, pela entidade interessada3.

  1. b) Da garantia à livre iniciativa no âmbito do provimento de infraestruturas de redes de telecomunicações

Na CF, no capítulo da Ordem Econômica, a garantia da livre iniciativa protege o modelo de negócios de infraestrutura de redes de internet, por fibra ótica, em postes ou não, cabos ou fios.

Neste sentido, os municípios, no exercício da competência para legislar sobre interesse local, uso e ocupação do solo urbano, bem como urbanismo, por óbvio devem respeitar o núcleo fundamental da garantia constitucional à livre iniciativa no setor de infraestruturas de redes de telecomunicações e internet.

Daí porque eventuais excessos legislativos municipais, na regulação da infraestrutura de rede de telecomunicações e internet, podem ser impugnados perante o Poder Judiciário.

A Lei das Infraestruturas de Telecomunicações (lei 13.116/15) dispõe que o licenciamento para a instalação de infraestrutura e redes de telecomunicações em área urbana deve obedecer os seguintes princípios: razoabilidade, proporcionalidade, eficiência e celeridade, integração e complementaridade entre as atividades de instalação de infraestrutura de suporte e de urbanização, redução do impacto paisagístico da infraestrutura de telecomunicações, sempre que tecnicamente possível e economicamente viável.

E, ainda, a referida lei 13.116/15 dispõe que as licenças necessárias para instalação de infraestrutura de suporte em área urbana serão expedidas mediante procedimento simplificado, sem prejuízo da manifestação dos diversos órgãos competentes no decorrer da tramitação do processo administrativo.

E, por fim, outro dispositivo legal dispõe que os órgãos competentes não podem impor condições ou vedações que impeçam a prestação de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, nos termos da legislação vigente.

E, ainda, eventuais condições impostas pelas autoridades competentes na instalação de infraestrutura de suporte não podem provocar condições não isonômicas de competição e de prestação de serviços de telecomunicações. Em outras palavras, o poder público municipal não pode promover tratamentos discriminatórios entre os provedores de infraestruturas de suporte às redes de telecomunicações.

  1. c) Do direito de acesso às infraestruturas de redes de telecomunicações, naLei Geral de Telecomunicações

Segundo a Lei Geral de Telecomunicações, ao tratar das redes de telecomunicações:

“Art. 145. A implantação e o funcionamento de redes de telecomunicações destinadas a dar suporte à prestação de serviços de interesse coletivo, no regime público ou privado, observarão o disposto neste Título”.

Vale dizer, tanto os serviços de telefonia fixa quanto o de telefonia móvel, submetem-se à Lei Geral de Telecomunicações.

Ou seja, a Lei Geral de Telecomunicações contém as normas básicas sobre a implantação das redes de telecomunicações. Posteriormente, esta lei foi modificada pela lei 13.116/15 que trata especificamente das normas gerais sobre as infraestruturas de telecomunicações.

Ademais, a Lei Geral de Telecomunicações estabelece o seguinte:

“Art. 146. As redes serão organizadas como vias integradas de livre circulação, nos termos seguintes:

I – é obrigatória a interconexão entre as redes, na forma da regulamentação;

II – deverá ser assegurada a operação integrada das redes, em âmbito nacional e internacional;

III – o direito de propriedade sobre as redes é condicionado pelo dever de cumprimento de sua função social”.

Ora, a Lei Geral de Telecomunicações reconhece o direito de propriedade sobre as redes de telecomunicações, porém condicionado à função social. Neste sentido, o proprietário da infraestrutura da rede de suporte à rede de telecomunicações (cabos, postes, fibras óticas) tem o direito de utilizar de sua propriedade privada, evidentemente, respeitados os contornos da legislação municipal, desde que não se invada a questão técnica da topologia da rede. Em outras palavras, compete ao proprietário da rede definir a sua topologia, bem como as suas condições técnicas.

A empresa que explora o modelo de negócios de infraestrutura de rede de telecomunicação (postes, cabos, fibras óticas, antenas, torres de telefonia, etc) há de ter a segurança jurídica quanto à interpretação da legislação brasileira para realizar investimentos e ofertar os serviços aos respectivos usuários.

  1. d) Interesse local dos municípios na ordenação das cidades e a vinculação às normas gerais sobre as infraestruturas de redes de telecomunicações.

Os municípios detém a competência legislativa para tratar de interesse local, bem como do uso e ocupação do solo urbano.

Mas, eles não detêm a competência legislativa para legislar sobre as instalações de telecomunicações, internet e/ou energia elétrica.

Tanto a CF quanto a legislação federal estabelecem limites à competência municipal quando há interesse federal sobre a infraestrutura de rede de telecomunicações e internet: redes aéreas ou subterrâneas.

Neste aspecto, a legislação municipal há de respeitar os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade. Deste modo, não é admissível interpretar a legislação municipal no sentido de negar o direito ao licenciamento das redes de cabos aéreas, bem como de inviabilizar o modelo de negócios fundado em redes de cabos terrestres.

É necessário compatibilizar, no planejamento urbano, a coexistência da rede de cabos aéreas com a rede de cabos subterrâneas. É necessário a razoável e adequada motivação quanto à negação do direito à instalação rede de cabos, instalados em postes, seguindo-se a adequada fundamentação legal. Em outras palavras, o titular da rede de telecomunicações e internet detém a prerrogativa de definir a arquitetura de sua rede, conforme os princípios da eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, economicidade, entre outros. O poder público não pode, simplesmente, limitar-se à negativa do pedido de licença de instalação de rede.

Afinal, o interesse local do município deve ser compatibilizado com o interesse nacional na instalação de redes de telecomunicações, internet e energia elétrica.

  1. O tema das infraestruturas de rede de telecomunicações e energia elétrica no Supremo Tribunal Federal
  2. a)ADI 4925/SP, Rel. Min. Teori Zavascki: a inconstitucionalidade da lei do estado de São Paulo sobre remoção gratuita de postes pelas empresas distribuidoras de energia elétrica

Na ADI 4925, Rel. o saudoso Min. Teori Zavascki, debate-se a questão da constitucionalidade da lei estadual 12.635/07 de São Paulo que determina a obrigatoriedade da remoção gratuita de postes pelas concessionárias de distribuição de energia elétrica, em relação aos proprietários de terrenos adjacentes. Discutiu-se sobre a competência legislativa privativa da União para legislar sobre energia (art. 22, IV) e para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão, permissão ou serviços e instalações de energia elétrica (art. 21, XII, letra b). Ao final, a ação direta de inconstitucionalidade foi julgada procedente para determinar a inconstitucionalidade do art. 2º da lei 12.635/07 do estado de São Paulo, com fundamento na competência privativa da União para legislar sobre o tema.

Conforme ementa da decisão final do STF: “As competências para legislar sobre energia elétrica e para definir os termos da exploração do serviço do seu fornecimento, inclusive sob o regime de concessão, cabem privativamente à União, nos termos do art. 21, XII, letra b, 22, IV e 175 da Constituição. Precedentes”.

E, segundo ainda, a decisão: “Ao criar, para as empresas que exploram o serviço de energia elétrica no estado de São Paulo, obrigação significativamente onerosa, a ser prestada em hipóteses de conteúdo vago (‘que estejam causando transtornos ou impedimentos’) para o proveito de interesses individuais dos proprietários de terrenos, o art. 2º da lei estadual 12.635/07 imiscuiu-se indevidamente nos termos da relação contratual estabelecida entre o poder federal e as concessionárias”.

Em síntese, prevaleceu o interesse federal quanto à regulação da matéria da infraestrutura de rede de energia elétrica, com a declaração da inconstitucionalidade da lei estadual.

  1. b)ADPF 133, Rel. Min. Luis Fux, Redes de cabos subterrâneas – lei municipal de Paranaguá/PR –

Na ADPF 133, Rel. Min. Luiz Fux, proposta pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, discute-se a compatibilidade da lei municipal de Paranaguá que determina a instalação de redes de cabos subterrâneas, especialmente nas áreas históricas da cidade, com a CF. Em debate, a questão constitucional da competência legislativa privativa da União para legislar sobre instalações de energia elétrica, com a vedação à atuação legislativa municipal.

Em parecer, o MP opinou no sentido da extinção da ação por ausência de legitimidade da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica para propor a ADPF.

E, no mérito, segundo o parecer: “No presente caso, todavia, nem sequer faz menção à prestação de serviços por parte das empresas a que se refere; busca, apenas, preservar os interesses específicos e peculiares daquele município, nos estritos limites do art. 30 da Constituição da República”.

Por sua vez, a Advocacia Geral da União manifesta-se no sentido da inconstitucionalidade formal da lei 2.709/06 do município de Paranaguá – PR, diante da competência privativa da União para legislar sobre energia elétrica e telecomunicações.

Enfim, o tema é controvertido (instalação obrigatória da rede de cabos subterrâneos), daí a necessidade de ponderação adequada entre os bens constitucionais em conflito, especialmente das competências federativas entre a União e o Município.

  1. a)Ação Cautelar 3420/RJ, Redes de cabos de energia elétrica subterrâneos – lei municipal do Rio de Janeiro –

Na Ação Cautelar 3420/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, que analisa a constitucionalidade da lei municipal do Rio de Janeiro que impôs a eliminação do cabeamento aéreo, com a implantação de rede de cabos subterrânea. Segundo a decisão da Min. Relatora, a lei municipal interfere no equilíbrio econômico e financeiro do contrato administrativo entre a União e a concessionária do serviço público de distribuição de energia elétrica, em ofensa ao art. 37, inc. XXI, da CF. A cautelar foi adotada para atribuir eficácia suspensiva a recurso extraordinário, interposto pela empresa distribuidora de energia elétrica. Neste sentido, foram suspensos os efeitos do acórdão recorrido que reconheceu a validade da lei municipal do Rio de Janeiro.

Em síntese, o tema das infraestruturas de redes de internet, telecomunicações e energia elétrica, alvo de leis municipais que determinam a instalação de redes subterrâneas, apresenta diversas questões constitucionais. Requer, também, a necessária interpretação adequada da lei federal 13.116/15 que aprova as normas gerais sobre implantação, instalação e compartilhamento de infraestruturas de redes de telecomunicações e internet.

Neste aspecto, é fundamental conciliar o desenvolvimento urbano das cidades (com considerações sobre a estética urbana e ambiente) com o desenvolvimento econômico-social do País. Neste sentido, é importante que os entes federativos estejam comprometidos com o propósito de ampliar o provimento adequado de infraestruturas de redes de telecomunicações e internet para os brasileiros, bem com o acesso aos serviços de telefonia, dados, internet, por banda larga, e TV por assinatura.

_________________

1 Benckler, Yochai. The Wealth of Networks. How social production transforms markets and freedom. Yale University Press, 2006, p. 33.

2 Lei n. 13.116/2014, art. 12.

3 Lei n. 13.116/2015, art. 12, §1º.

Artigo publicado no portal jurídico Migalhas em 16/03/2018.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI276361,91041-Regulacao+Federal+Infraestruturas+de+Redes+de+Telecomunicacoes

 

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Brasil e Estados Unidos: a jurisdição e aplicação das leis nacionais sobre as empresas de tecnologias e aplicações de internet que atuam no cenário global

O presente artigo tem como a análise de direito comparado entre a jurisdição no Brasil e nos Estados Unidos em dois casos relevantes diante de seu impacto sobre as empresas de tecnologia e aplicações de internet.

Por um lado, no Brasil, as empresas de tecnologia que atuam no Brasil, provedores de aplicações de internet (exemplo: Google, Facebook, Youtube, etc), com sede no exterior, que enfrentam problemas quanto à interpretação da legislação brasileira, especialmente quanto ao procedimento de cumprimento de ordens judiciais que ordenam a apresentação do conteúdo das comunicações privadas armazenadas em seus servidores.

Por outro lado, nos Estados Unidos, as empresas de tecnologia norte-americanas também enfrentam problemas, por exemplo, quanto à requisição de conteúdo de emails aos provedores destes serviços, sendo o conteúdo das comunicações privadas, armazenadas em servidores/datacenters, localizados no exterior.

No Brasil, temos a ADC 51/17 , perante o Supremo Tribunal Federal, cujo objeto é a análise da constitucionalidade do decreto 3.810/01, que promulga o Tratado de Mútua Assistência Judiciária (Mutual Legal Assistance Treaty), entre Brasil e Estados Unidos, a seguir analisado.

De outro lado, nos Estados Unidos, o caso United States versus Microsoft, perante a Suprema Corte dos Estados. Em debate, o tema se o provedor de serviços de email, o qual tem o controle dos dados pessoais, tem a obrigação legal de divulgar o conteúdo da comunicação eletrônica, ainda que o material esteja armazenados em servidores/datacenters, localizados no exterior.

A Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro Nacional), na ADC 51/17, requer a declaração de constitucionalidade do decreto Federal 3.810/01. Este decreto promulgou o Acordo Judiciário-Penal entre o Brasil e os Estados Unidos da América, denominado Tratado de Mútua Assistência Judiciária (Mutual Legal Assistance Treaty). Segundo este ato normativo, o processo de colaboração entre autoridades brasileiras e norte-americanas, em matéria de investigação, inquérito, ação penal, prevenção de delitos, demanda a expedição de carta rogatória entre os países.

Segundo a associação das empresas de tecnologia autora da ação direta de constitucionalidade, muitos tribunais brasileiros não estão aplicando o referido decreto. Daí a apresentação da ação direta de constitucionalidade como instrumento jurídico para requerer a constitucionalidade do referido decreto e, consequentemente, a sua aplicação prática pelos tribunais brasileiros. O referido decreto somente poderia deixar de ser aplicado se houvesse a declaração de sua inconstitucionalidade, o que não foi declarado pelos tribunais brasileiros.

Na prática, empresas de tecnologia, sediadas nos EUA, que prestam serviços de aplicações de internet (exemplo: serviços de email, redes sociais, publicidade digital etc.), no Brasil, estão sendo obrigadas judicialmente a apresentar conteúdo de comunicações privadas entre usuários das aplicações de internet. Na hipótese de descumprimento às ordens judiciais, as empresas provedoras de aplicações de internet são responsabilizadas civilmente, mediante a imposição de multas gravíssimas, e criminalmente seus executivos respondem pelo crime de desobediência à ordem da Justiça.

Argumenta-se que os provedores de aplicações de internet, estabelecidos nos Estados Unidos, submetem-se à lei norte-americana. Neste aspecto, a lei norte-americana impõe limites restritos à entrega pelo provedor de aplicações de internet do conteúdo das comunicações privadas dos usuários (por exemplo: conteúdo de emails).

Assim, a argumentação na ADC 51 é no sentido de que a não aplicação do decreto 3.810/01 pelos tribunais é ofensiva aos princípios constitucionais da soberania, sigilo das comunicações privadas, devido processo legal, igualdade e livre iniciativa.

Argui-se, também, que o Marco Civil da Internet não exclui a aplicação de tratados internacionais nos quais o Brasil seja parte.1 E, no caso em análise, o Tratado de Mútua Assistência Judiciária, na forma do decreto 3.810/01 é classificado como lei em sentido formal, uma vez que foi recepcionado pela ordem jurídica brasileira.

A empresa Facebook ingressou no feito na condição de amicus curiae, na ADC 51.2 Alega que suas atividades encontram-se sob o Electronic Communications Privacy Act. Esta lei norte-americana estabelece o regime de proibição da divulgação do conteúdo das comunicações privadas, armazenadas pelos provedores de serviços de comunicação eletrônica, excetuadas as exceções previstas na própria lei.

Segundo a empresa Facebook Brasil, ela não tem o controle gerencial sobre os dados da empresa Facebook Inc, sediada nos Estados Unidos. Apenas nas hipóteses de emergência (risco de morte e/ou de grave ferimento físico a pessoa), o Facebook Brasil tem fornecido voluntariamente dados às autoridades brasileiras. Assim, o Facebook Inc. encontra-se sujeito à legislação norte-americana, por estar sediada nos Estados Unidos.

Além disso, afirma que o conteúdo das comunicações privadas não pode ser fornecido às autoridades brasileiras diretamente, salvo na hipótese de mandado judicial expedido por tribunal norte-americano. Segundo a empresa, a lei norte-americana não permite que os provedores de aplicações à internet forneçam conteúdo de comunicações privadas diretamente sob ordem judicial brasileira, caso contrário podem ser responsabilizados pelo descumprimento da lei norte-americana.3

Também, resta saber se é possível a extensão da aplicação da lei brasileira, bem como da jurisdição brasileira, sobre empresas sediadas no exterior e, respectivamente, diante da soberania de Estado estrangeiro.

Em síntese, este caso retratado na ADC 51 é interessante na medida em que trata dos princípios constitucionais da soberania, independência entre os Estados, cooperação internacional, princípio da territorialidade da jurisdição, devido processo legal, bem como os direitos à comunicação e à privacidade das comunicações.

Por outro lado, nos Estados Unidos da América, há perante a Suprema Corte norte-americana o caso United States v. Microsoft Corporation.4 Este caso refere-se à hipótese de o governo norte-americano poder, mediante ordem judicial, obter o conteúdo das comunicações privadas armazenadas (exemplo: emails) em computadores/servidores/datacenters situados fora do país.

O caso originário refere-se à investigação do crime de tráfego de drogas, mediante a requisição do governo de ordem para que a Microsoft divulgasse informações de email. A Microsoft recusou-se a entregar o conteúdo do email, sob a alegação de que houve a mudança do local do armazenamento dos emails, para a Irlanda, não sendo admissível a aplicação extraterritorial do Stored Communication Act, lei norte-americana que trata das comunicações eletrônicas.

A propósito, no texto original da petição da Microsoft, sobre a questão apresentada perante a Suprema Corte dos Estados Unidos é a seguinte: “Whether a United States provider of email services must comply with a probable-cause based warrant issued under 18 U.S.C 2703 by making disclosure in the United States of electronic communications within that provider’s control, even if the provider has decided to store that material abroad”. Segundo o governo norte-americano, com fundamento no 18 US.C 2703 é possível que as autoridades norte-americanas requisitem aos provedores de serviços de comunicação eletrônica da divulgação do conteúdos das comunicações, armazenadas nos servidores/datacenters.5

Diferentemente, a Microsoft alega que a lei norte-americana sobre as comunicações eletrônicas é aplicável tão-somente aos atos praticados dentro do território norte-americano. Argumenta-se que o foco da lei norte-americana (Stored Communication Act) é a proteção da segurança das comunicações privadas, daí a confiança dos usuários que os provedores das comunicações eletrônicas armazenem, de modo seguro, o conteúdo das comunicações em servidores eletrônicos. Alega, também, que é provedora dos serviços como MSN, Hotmail e Outlook e armazena milhares de emails dos usuários, em datacenters localizados em mais de 40 (quarenta) países.

Segundo a Microsoft, o Congresso norte-americano não sinalizou no sentido de que o Stored Communications Act deveria ser aplicado extraterritorialmente. Neste sentido, uma ordem de cópia e importação das comunicações armazenadas em território estrangeiro é uma aplicação ilegal e extraterritorial do Stored Communications Act.

Conforme ainda a Microsoft, o Stored Communication Act abrange tão-somente as comunicações armazenadas nos Estados Unidos, pois seu foco é a proteção das comunicações eletrônicas armazenadas e não a divulgação das comunicações privadas. Deste modo, a interpretação da lei que prioriza a divulgação das comunicações eletrônicas é contrária à intenção originária do legislador norte-americano.

Como conclusão final da petição da Microsoft: “For now, the presumption against extraterritoriality limits the SCA, and the warrant issued under it, to communications stored on U.S. soil”. E, ainda, o Congresso norte-americano pode atualizar o Stored Comunication Act, considerando o conflito entre a aplicação da lei e as relações internacionais com outros países, a privacidade dos cidadãos e a competitividade da indústria tecnológica.

A União Europeia, o Reino Unido, Nova Zelândia e Irlanda, solicitaram a participação no caso United States x Microsoft, mediante petição como amicus curiae.

Assim, a título ilustrativo, a União Europeia alega que é apropriada a consideração das leis internas da Comunidade Europeia em relação à proteção de dados pessoais, especialmente em relação aos dados armazenados em seu território. A regulação europeia contém regras específicas sobre a transferência de dados pessoais entre os países, especialmente em relação aos países não europeus.

Neste caso United States v. Microsoft Corporation, perante a Suprema Corte dos Estados Unidos, o InternetLab do Brasil, organização não-governamental, vinculada à Fundação Getúlio Vargas, apresentou petição na condição de amicus curiae.6

Alega o InternetLab que o Brasil é um dos maiores mercados da internet. Empresas de tecnologias norte-americanas como Facebook, Youtube, Google e Microsoft possuem milhões de usuários no Brasil. Afirma, ainda, que aplicação da lei brasileira é rigorosa em relação aos provedores de aplicações de internet, a despeito da lei norte-americana das comunicações eletrônicas que proíbe a entrega dos conteúdos das comunicações privadas pelos provedores de comunicações eletrônicas.

Segundo, ainda, alega-se que o Tratado Internacional de Mútua Assistência Judiciária entre Brasil e Estados Unidos, na forma do decreto 3.810/11, a melhor alternativa jurídica para resolver o conflito entre as leis e as jurisdições brasileira e a norte-americana, bem como para aplicar a leis mais adequada ao caso, respeitando-se a soberania de cada país, o devido processo legal e a privacidade dos usuários das aplicações de internet.

Também, argumenta que o Marco Civil da Internet impede a divulgação do conteúdo das comunicações privadas, garantindo-se o direito à privacidade dos usuários das aplicações de internet. Deste modo, as empresas de tecnologia norte-americanas não podem ser obrigadas a fornecer diretamente o conteúdo das comunicações privadas, sem ordem judicial de uma autoridade norte-americana.7 Conforme a petição, o Marco Civil da Internet possui proteção semelhante àquela do Stored Communication Act dos Estados Unidos.

E, ainda, alega-se que na hipótese de a lei norte-americana Stored Communications Act (SCA) submete-se ao conflito entre duas jurisdições, então a ordem judicial tem aplicação extraterritorial.

Daí a apresentação pelo InternetLab, em sua petição como amicus curiae, da seguinte questão à Suprema Corte dos Estados Unidos: “Whether a United States provider of email services must comply with a probable-cause-based warrant issued under 18 U.S.C § 2703 by making disclosure in the United States of electronic communications whithin that provider’s control, even if the provider has decided to store that material abroad”.

Em outras palavras, a questão apresentada perante a Suprema Corte dos Estados Unidos consiste em saber se uma empresa norte-americana está sujeita à lei brasileira, em relação às comunicações eletrônicas e, simultaneamente, está sujeita ao Stored Communication Act. Nesta hipótese, na aplicação de duas leis sobre as comunicações eletrônicas, coloca a empresa provedora de aplicação de internet numa situação de conflito diante de obrigações diferentes em cada jurisdição: a norte-americana e a brasileira. Daí a necessidade de uma solução, em favor da segurança jurídica na aplicação do direito, diante do conflito de leis e de jurisdições internacionais, no âmbito da internet.

Como conclusão final da petição: “This Court should affirm the judgment of the Second Circuit of Appeals and hold that the warrant issued to Microsoft in this matter was an improper extraterritorial application of 18 U.S.C §2703 (b) (1) (A)”.

Vale dizer, o caso é significativo na medida em que a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos pode repercutir no Brasil, especificamente sobre as empresas de tecnologias provedoras de aplicações de internet que atuam no território nacional, ainda que sediadas no exterior.

A propósito, o Brasil, no âmbito da cooperação internacional entre jurisdições em caso relevante sobre aplicações de internet, também deveria participar do caso United States x Microsoft, perante a Suprema Corte dos EUA, como amicus curiae, tal como fizeram a União Europeia, Irlanda, Nova Zelândia, diante da possível repercussão da decisão da Suprema Corte norte-americana sobre a interpretação de sua lei com impacto sobre as empresas de tecnologia que atuam no cenário global.

Esta participação do Brasil, como Estado soberano, perante a Suprema Corte dos Estados Unidos poderia contribuir com o debate do relevante tema sobre o conflito internacional entre a aplicações de leis diferentes, sobre os provedores de aplicações de internet que atuam no cenário global, especialmente para delimitar o tema da aplicação extraterritorial da lei norte-americana sobre comunicações eletrônicas armazenadas em servidores/datacenters, ainda que situados no exterior em países estrangeiros.

__________

1 Lei 12.965/14, art. 3º, parágrafo único.

2 Ver STF, ADC 51, Requerente: Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação.

3 É o que dispõe o U.S. Stored Communications Act (SCA), o qual proíbe os provedores de serviços de comunicação eletrônica, submetidos à jurisdição norte-americana, de divulgar a comunicação dos respectivos usuários, excetuadas as exceções legais.

4 Supreme Court of the United States. United States of America v. Microsoft Corporation. On writ of certiorari to the second circuit Court of Appeals. Brief of InternetLab Law and Technology Center as amicus curiae in support of respondent.

5 Ver: 18 U.S. Code § 2703 – Required disclosure of customer communications or records. A governmental entity require the disclosure by a provider of electronic communication service of the contents of a wire or electronic communication, that is in electronic storage in an electronic communications system for on hundred and eighty days or less, only pursuant to a warrant issued using the procedures described in the Federal Rules of Criminal Procedure (or, in the case of a State Court), issued using State warrant procedures) by a court of competente jurisdiction. A governmental entity may require the disclosure by a provider of electronic communicatios services of the contents of a wire or electronic communication that has been in a electronic storage in an electronic communications sytem for more on hundred and eighty days by the means available under susection (b) of this section”.

6 Ver: Supreme Court of the United States. United States of America v. Microsoft Corporation. On writ of certiorari to the second circuit Court of Appeals. Brief of InternetLab Law and Technology Center as amicus curiae in support of respondent.

7 Sobre este aspecto da legislação norte-americana das comunicações eletrônicas, o Google foi condenado ao pagamento de multa no valor de R$ 8.5 milhões de dólares em uma ação coletiva promovida por usuários, segundo o argumento de que o provedor violou os direitos à privacidade dos usuários, diante de terceiros.

Artigo publicado no Portal Jurídico Migalhas em 02/02/2018.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI273473,51045-Brasil+e+Estados+Unidos+a+jurisdicao+e+aplicacao+das+leis+nacionais

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Brazil and the United States of America: Jurisdiction and the Application of Domestic Laws on Internet Application and Technology Companies

This article presents a comparative analysis between jurisdiction in Brazil and in the USA in two relevant cases given their impact on internet application and technology companies.

On one hand, in Brazil, the technology companies that provide internet application services (such as Google, Facebook, Youtube, etc.) and have headquarters abroad, face issues regarding the interpretation of the Brazilian laws, especially as to the compliance with court orders to submit the contents of private communications stored in their servers.

On the other hand, in the USA, North American technology companies also face issues such as the requisitioning of email content from these service providers, whereas the content of the private communications are stored in servers abroad.

In Brazil, a Direct Motion of Unconstitutionality was filed before the Brazilian Supreme Court under number 51/2017, for the constitutional review of Decree No. 3810/2001 that enacted the Mutual Legal Assistance Treaty between Brazil and the United States, examined below.

In the USA, there is the case United States versus Microsoft, in progress before the USA Supreme Court. The case debates whether email services providers, which have the control over their users personal data, have the legal obligation to disclose the content of electronic communication, even if the material is stored in servers located outside of the USA.

The Federation of the Associations of Information Technology Companies (“ASSESPRO NACIONAL”) filed a declaratory motion of constitutionality (Adcon No. 51/2017 to have Federal Decree No. 3.810/2001 declared constitutional. This Federal Decree enacted the Mutual Legal Assistance Treaty in Criminal Procedures between Brazil and the United States of America.  Under this legal statute, a letter of request must be issued in cooperation processes between Brazilian and USA authorities in matters of criminal investigation, prosecution, and crime prevention.

According to the technology company association that filed the motion, many Brazilian courts are not applying the said Decree. That is why the Association filed the direct motion of constitutionality, as it is the proper legal instrument to review the constitutionality of the decree and, thus, its practical application by the Brazilian Courts. The only case in which the Decree should not apply is if it is found to be unconstitutional, which has not yet been declared by the Brazilian courts.

What is happening is that the technology companies with headquarters in the USA that provide internet application services (such as email, social media, digital advertising, etc.) in Brazil are being mandated by the courts to submit the contents of private communications between their users. If they fail to comply with such court orders, the internet application providers are held civilly liable, with the application of severe fines, and criminally liable for the crime of contempt of court.

They argue that internet application providers headquartered in the United States are subject to the laws of that country. In this regard, the laws of the USA impose strict limits to the delivery by internet application providers of the contents of private communications between their users (such as emails).

The argument presented in the case ADCON No. 51 is that, by failing to apply Decree No. 3810/2001, the Brazilian courts are violating the constitutional principles of sovereignty, confidentiality of private communication, the due process of law, equality, and free enterprise.

The Plaintiff also claims that the Brazilian Internet Regulatory Framework does not exclude the application of international treaties to which Brazil is party to. In the present case, the Mutual Legal Assistance Treaty, in the form of Decree No. 3810/2001, is deemed to be a formal law, as it has been received by the Brazilian legal system.

Facebook joined the action as amicus curiae (ADCON No. 51).  It claims that its activities are subject to the Electronic Communications Privacy Act.  This North American law forbids the disclosure of the content of private communications stored by the electronic communications services providers, notwithstanding the exceptions set in the law itself.

According to the company Facebook Brasil, it does not have managerial control over the data of the company Facebook Inc., based in the United States. Facebook Brasil only voluntarily provides information to Brazilian authorities in case of emergency (risk of death and/or severe bodily harm to a person). Therefore, Facebook Inc. is governed by the United States laws, as is headquartered in that country.

It also claims that the contents of private communications cannot be directly provided to Brazilian authorities, except with a court warrant issued by a U.S Court. According to the company, U.S law does not allow internet application providers to disclose the content of private communications directly due to a Brazilian court order, otherwise the company may be held liable for violation of the U.S law.

Another question is if it is possible to extend the application of Brazilian laws and the Brazilian jurisdiction to companies with headquarters abroad and, respectively, given the sovereignty of the foreign State.

In sum, the case portrayed in ADCON No. 51 is interesting as it deals with the constitutional principles of sovereignty, independence of States, international cooperation, principle of territoriality of jurisdiction, due process of law, and the rights to communication and to privacy of communication.

As for the United States of America, the case of United States V. Microsoft Corporation  is in progress before the American Supreme Court. This case regards the possibility of the United States government obtaining, through court orders, the contents of private communications, such as emails, stored in computers/servers/datacenters located outside of that country.

The original case refers to a drug-trafficking criminal investigation, in which the Government requested an order for Microsoft to disclose email information. Microsoft refused to deliver the content of the email, claiming that it changed the email storage location to Ireland, and that the Stored Communications Act cannot be applied outside of U.S territory.

Here is an excerpt from the original brief filed by Microsoft before the U.S Supreme Court: “Whether a United States provider of email services must comply with a probable-cause based warrant issued under 18 U.S.C 2703 by making disclosure in the United States of electronic communications within that provider’s control, even if the provider has decided to store that material abroad”. According to the U.S government, grounded on 18 US.C 2703, authorities from that county may require electronic communication providers to disclose the content of communications.

In contrast, Microsoft claims that the American law on electronic communications is applicable only to acts committed within U.S territory. It argues that the Stored Communication Act focuses on protecting the safety of private communications, hence the trust that users have that the electronic communications providers safely store the content of their communications in electronic servers.  It also claims that it offers services such as MSN, Hotmail, and Outlook, storing thousands of user emails in data centers located in over 40 countries.

According to Microsoft, the U.S. Congress did not signal that the Stored Communications Act should be applied outside of U.S territory. Thus, a order to copy and import communications stored in foreign territory is an illegal and extraterritorial application of the Stored Communications Act.

Also, according to Microsoft, the Stored Communications Act comprehends solely communications stored in the United States, as the focus of the statute is to protect electronic communications stored and avoid the disclosure of private communications. So, the focus on the disclosure of electronic communications is contrary to the original intent of the American legislators.

The conclusion: “For now, the presumption against extraterritoriality limits the SCA, and the warrant issued under it, to communications stored on U.S. soil”. Moreover, the U.S Congress may update the Stored Communications Act, considering the conflict between the application of the law and international relations with other countries, the privacy of citizens, and the competitiveness of the technological industry.

The European Union, the United Kingdom, New Zealand and Ireland have requested participation in the case United States x Microsoft by filing an amicus curiae brief.

So, as an illustration of the above, the European Union claims that the proper procedure would be to consider the internal laws of the European Community in relation to the protection of personal data, especially in relation to data stored in its territory. The European regulation contains specific rules on the transfer of personal data between countries, especially in relation to non-European countries.

The Brazilian NGO InternetLab, connected to Fundação Getúlio Vargas, filed a petition as amicus curiae in the United States v. Microsoft Corporation case . It claims that Brazil is one of the largest internet markets. U.S. technology companies such as Facebook, Youtube, Google, and Microsoft have millions of users in Brazil. It also claims that the Brazilian laws related to internet application providers is strictly enforced, despite the American electronic communications law that forbids the delivery of private communications content by electronic communications providers.

The NGO also alleged that the Mutual Legal Assistance Treaty between Brazil and the United States, in the form of Decree No. 3810/2011, is the best legal alternative to solve the conflict between the Brazilian and American laws and jurisdictions, and to apply the laws most appropriate to the case, respecting the sovereignty of each country, the due process of law, and the privacy of the users of internet applications.

Another argument presented by InternetLab is that the Internet Regulatory Framework prevents the disclosure of private communications, guaranteeing the users’ right to privacy. Thus, U.S technology companies cannot be forced to directly provide the contents of private communications without a court order from a U.S court.  The brief claims that the Brazilian Internet Regulatory Framework offers protection similar to the one purported by the United States Stored Communication Act.

Further, it claims that in the case of the Stored Communications Act (SCA), there is a conflict between two jurisdictions, so the court order has extraterritorial application.

Hence the question posed by InternetLab to the United States Supreme Court, as amicus curiae: “Whether a United States provider of email services must comply with a probable-cause-based warrant issued under 18 U.S.C § 2703 by making disclosure in the United States of electronic communications within that provider’s control, even if the provider has decided to store that material abroad”.

In this case, the application of two laws on electronic communications puts the internet application provider in a situation of conflict in light of different obligations in each jurisdiction: the United States and Brazil. Hence the need for a solution that grants legal certainty in the application of the law, given the conflict between international laws and jurisdictions, within the realm of the internet.

The conclusion: “This Court should affirm the judgment of the Second Circuit of Appeals and hold that the warrant issued to Microsoft in this matter was an improper extraterritorial application of 18 U.S.C §2703 (b) (1) (A)”.

It must be said that the importance of this case lies in the fact that the ruling by the United States Supreme Court may have repercussions in Brazil, specifically on internet application providers that operate herein, even if headquartered abroad.

It is our opinion that Brazil, within the realm of international cooperation between jurisdictions in a case relevant to internet applications, should also participate in the United States x Microsoft soft case as amicus curiae, such as the European Union, Ireland, and New Zealand have done, given the possible repercussion of the ruling of the United States Supreme Court on the interpretation of its law that will impact technology companies that operate globally.

_____________

1 See STF (Brazilian Supreme Court), case Adcon 51, Plaintiff: Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação.

2 This is provided in the U.S Stored Communications Act (“SCA”), which forbids electronic communication providers operating under USA jurisdiction to disclose the communications of their respective users, notwithstanding the legal exceptions.

3 Supreme Court of the United States. United States of America v. Microsoft Corporation. On writ of certiorari to the second circuit Court of Appeals. Brief of InternetLab Law and Technology Center as amicus curiae in support of respondent.

4 See: 18 U.S. Code § 2703 – Required disclosure of customer communications or records. A governmental entity may require the disclosure by a provider of electronic communication service of the contents of a wire or electronic communication, that is in electronic storage in an electronic communications system for on hundred and eighty days or less, only pursuant to a warrant issued using the procedures described in the Federal Rules of Criminal Procedure (or, in the case of a State Court), issued using State warrant procedures) by a court of competent jurisdiction. A governmental entity may require the disclosure by a provider of electronic communications services of the contents of a wire or electronic communication that has been in a electronic storage in an electronic communications system for more on hundred and eighty days by the means available under subsection (b) of this section”.

5 Supreme Court of the United States. United States of America v. Microsoft Corporation. On writ of certiorari to the second circuit Court of Appeals. Brief of InternetLab Law and Technology Center as amicus curiae in support of respondent.

6 Under this aspect of the U.S electronic communications statute, Google was sentenced to pay a fine of USD 8,5 million in a class action filed by users, under the argument that the provider violated the users’ right to privacy, before third parties.

Publicado no Portal Jurídico Migalhas em 02/02/2018

http://www.migalhas.com/HotTopics/63,MI273592,61044-Brazil+and+the+United+States+of+America+Jurisdiction+and+the

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Mutual Legal Assistance Treaty between the Brazilian and North American jurisdictions: a review of the constitutionality of the Federal Decree 3.810/01

The Federation of the Associations of Information Technology Companies (“ASSESPRO NACIONAL”) filed a declaratory motion of constitutionality (Adcon No. 51) of Decree No. 3.810/2011. This Federal Decree enacted the Mutual Legal Assistance Treaty in Criminal Procedures between Brazil and the United States of America.1

Technology companies claim that the Brazilian judicial authorities are not applying this Decree, as they request evidence, data, and information directly from the technology companies that have their data are stored in data centers located in the USA, without going through the procedure of issuing letters of request from the Court. The Decree states that the Court must issue a letter of request to solicit documents, evidence, and information located in foreign countries.

This failure of the Brazilian Courts to apply Decree No. 3,810/2011 creates serious problems for technology companies that work in the social network segment, as well as for the providers of internet applications.

And, if these companies do not comply with the court orders requesting documents/data, they may be penalized with heavy fines. There is also a risk of criminal investigation/prosecution related to the crime of disobedience, including the risk of arresting the manager of the company.

Private Communications: The Constitutional Protection of the Fundamental Right to Privacy of Communications

The Brazilian Constitution holds solid guarantees related to private communications. It is worth noting the guarantee of data secrecy, except in the case of breach of secrecy of communication, for the purposes of criminal investigation or prosecution.2So the lower laws (the Brazilian Civil Procedure Code, the Criminal Procedure Code, and the Internet Regulatory Framework) must be interpreted under the perspective of maximizing the effects of this constitutional guarantee with regard to obtaining evidence, information, and data from internet application companies.

The Brazilian Civil Procedure Code and the Brazilian Criminal Procedure Code: International Cooperation in Jurisdictional Exercise

The Brazilian Civil Procedure Code provides that a letter of request will be issued to the foreign court so that it may perform the international legal assistance act related to the case in progress before the Brazilian Courts (Article 237, item II.

The Brazilian Criminal Procedure Code, in its turn, states that the provisions of that statute apply to the ratification of foreign criminal sentences and the issuance and compliance with letters of request for summons, inquiries, and other procedures required for criminal prosecution” (Article 780 Article 783 of the Brazilian Criminal Procedure Code also provides that the letters of request will be sent by the respective judge to the Head of the Department of Justice, to request its enforcement, through diplomatic channels, by the proper foreign authorities.

So Decree 3810/2001 that deals with the Mutual Legal Assistance Treaty between Brazil and the USA is set within this statutory context.

Decree No. 3810/2011: Status of Law

The federal decree under examination is formally a law, hence its effectiveness on Brazilian judicial authorities. It is an act that incorporated the international treaty between Brazil and the USA into the Brazilian legal system. The simplified procedure for requesting data, information, and documents provides for the issuance of letters of request by the Courts, to be enforced with the cooperation of diplomatic agents.3

Internet Application Providers: The Internet Regulatory Framework

According to the Internet Regulatory Framework (Article 10, Paragraph 1) and the decree that regulates it, registration data and access records must be submitted by internet application providers upon proper request by the Brazilian authorities, regardless of any international treaties on the matter. However, regarding the content of private communications, there is no legal authorization for direct request thereof by the Brazilian Courts. It is worth highlighting that internet application providers have a different legal regime than internet connection providers, as per distinction in the Internet Regulatory Framework.

Internet Application Providers’ Business Model

Internet application companies, such as Google, Facebook, WhatsApp, Twitter, etc, which store and collect private communications exchanged by Brazilians, do not usually have data centers in Brazilian territory. They merely use the local infrastructure of the telecommunications network. However, the contents of the private communications are stored in data centers abroad.

The location of the data center is part of the business model of internet application providers, due to economic and strategic reasons, as well as data security and network architecture.

So any Brazilian law that tries to oblige these companies to build data centers in Brazil in order to offer such internet applications may have its constitutionality question, especially given the constitutional guarantee of free enterprise.

In this regard, we must point out how essential the protection of privacy and of the secrecy of private communications is, as they are integral to the business models of technology companies that provide internet applications. The assurance that personal data and the content of private communications will be kept safe and secure is essential to the business models of these technology companies. Their market value depends on proper protection of the private communications of their users and the expectation and trust placed by the user on the protection of the secrecy of such private communications.

Brazilian Sovereignty: Self-delimitation due to Mutual Legal Assistance Treaty

In the present case, as Brazil has signed the Treaty for Mutual Legal Assistance in Criminal Cases with the USA, that contemplates the issuance of letters of request by the Judiciary, then Brazil must comply with this international treaty, in the form of Decree No. 3810/2001, while it is in effect in the Brazilian legal system.

However, the Brazilian Courts (including the Superior Court of Justice) are denying the application of Decree No. 3810/2001, under the argument of the principle of national sovereignty.4 If the effectiveness of the Decree is not certain, then the best legal solution is to have its unconstitutionality declared by the Courts.

It seems that the argument of violation of the sovereignty principle is not enough to justify the failure to apply the federal decree and impose undue burdens to foreign technology companies with headquarters abroad. Much to the contrary, this type of interpretation of the law results in an offense to the sovereignty of the foreign country that is responsible for requesting evidence, data, and information from the companies located in their territory.

Legal Security and the Due Process of Law: the Procedure for Letters of Request for the Purpose of Gathering Evidence in a Police Investigation or Criminal Prosecution.

The direct request by Brazilian Courts of evidence/information for the purposes of criminal investigation or prosecution from internet application providers, without the issuance of a formal letter of request by the Court, violates the principles of the due process of law and of legal security.

The reason is that the Brazilian law defines how cooperation between the Brazilian and foreign jurisdictions should work, in its Decree No. 3810/2001, so the Brazilian authorities are bound to the enforcement of the Brazilian law.

Admissibility of Evidence

According to the Brazilian Constitution, evidence must be properly produced for it to be admissible, for the purposes of criminal investigation. The Constitution expressly states the evidence obtained by unlawful means are not admissible (Article 5, item LVI.

Thus, if Decree No. 3810/2001 is not applied when evidence is gathered from foreign technology companies with headquarters abroad, there is the risk of annulment of that evidence.

Conclusion

In sum, the declaratory motion of the constitutionality pf Decree No. 3810/2001 that approved the International Legal Assistance Treaty between Brazil and the USA, which is now in course before the Brazilian Supreme Court, illustrates the complexity of issues related to the exercise of jurisdiction in Brazil, as well as the enforcement of Brazilian law with regard to the internet and internet application providers with headquarters abroad.

We highlight the international cooperation between the Brazilian and North American courts, for the enforcement of Brazilian laws in the compliance of court orders related to police investigation or criminal prosecutions (gathering of data/evidence), related to internet application users of foreign technology companies located abroad.

_______________

1 The Mutual Legal Assistance Treaty between Brazil and the USA, under the terms of Decree No. 3810/2100 comprehends the following measures: depositions or witness statements; provision of documents, records, and assets; location or identification of people or assets; delivery of documents; transfer of people in custody to give testimony; executing search and seizure warrants; assistance related to the freezing and forfeiture of assets; restitution, fines, etc.

2 Brazilian Constitution, Article 5, item XII.

3 See: Ericson M. Scorsim. Communications Law. Telecommunications, Internet, Broadcast Media, and Pay TV. Author’s Edition. Curitiba: Amazon, 2016.

4 Cases that the Superior Court of Justice failed to apply Decree No. 3810/2001, RMS 44892/SP, 2010, reported by Justice Ribeiro Dantas, tried on April 5, 2016; RMS 466685/MG, reported by Justice Leopoldo de Arruda Raposo, published on April 6, 2015.

Artigo publicado no Portal Jurídico Migalhas Internacional em 11/01/2018.

http://www.migalhas.com/HotTopics/63,MI272273,41046-Mutual+Legal+Assistance+Treaty+between+the+Brazilian+and+North

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A neutralidade da rede nos Estados Unidos e no Brasil

O caminho adotado pela FCC nos Estados Unidos não é, necessariamente, aquele que deve ser seguido pelo Brasil

A agência reguladora do setor de comunicações nos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês), por três votos a dois, afastou a regra da neutralidade da internet – ao mudar a própria definição do serviço de acesso à internet, o ente regulador impôs uma série de consequências práticas. À época do governo Obama, a FCC havia classificado o serviço de conexão à internet como serviço de telecomunicações, o que obrigava os provedores de banda larga a uma carga de obrigações regulatórias mais pesadas, como a proibição do bloqueio de sites e aplicativos, da degradação da velocidade de navegação ou do pagamento extra para que determinados aplicativos ofereçam vídeos em alta definição – a neutralidade da rede consiste justamente nesse tratamento igualitário entre os pacotes de dados pelos provedores.

Mas agora, com a nova mudança da interpretação da neutralidade da rede, a internet banda larga passou a ser classificada como serviço de informação, o que proporciona um regime regulatório mais leve para os provedores. Na prática, como consequência da decisão da FCC, os provedores poderão bloquear determinados sites ou aplicativos, alterar a velocidade de acesso e cobrar taxas adicionais pelo acesso a linhas mais rápidas de tráfego de dados, pagando-se pelo tráfego prioritário de determinados pacotes de dados. Por exemplo, os serviços de download ou streaming de vídeos de alta definição poderão ter preços maiores para os usuários e consumidores.

Em seu voto, o presidente da FCC, Ajit Pai, destacou que a mudança da interpretação da legislação norte-americana para fins de classificação do serviço de conexão à internet – como serviço de informação e não mais como serviço de telecomunicações – contribui para os consumidores e promove a competição. Assim, os provedores de banda larga teriam mais incentivos para construir redes, especialmente em áreas não atendidas pela internet por banda larga. Daí a restauração do marco regulatório mais suave em relação à internet por banda larga, em substituição à regulação mais intensa. Mas há o risco de a decisão da FCC ainda ser impugnada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, para verificação de sua constitucionalidade.

No Brasil, o ambiente da regulação setorial dos serviços de conexão à internet é diferente daquele dos Estados Unidos. Aqui, o princípio da neutralidade da rede, que garante o tratamento isonômico entre os pacotes de dados pelos provedores, está consagrado no Marco Civil da Internet. Por sua vez, as exceções ao princípio da neutralidade estão no Decreto 8.771/2016, que regulamenta o Marco Civil da Internet. O tratamento discriminatório ou a degradação do tráfego na internet somente estão autorizados excepcionalmente, na hipótese de requisitos técnicos indispensáveis à prestação de aplicações de internet ou para priorizar serviços de emergência.

Diferentemente dos Estados Unidos, no Brasil o serviço de conexão à internet é classificado como serviço de valor adicionado à rede de telecomunicações, nos termos da Lei Geral de Telecomunicações (artigo 61, parágrafo 1.º). O acesso à internet não é, portanto, serviço de telecomunicações: pela Anatel, a conexão à internet é classificada como serviço de comunicação multimídia. Segundo o Marco Civil, a internet é “o sistema constituído de conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes”, segundo o artigo 5.º, inciso I. E, ainda, conexão à internet é “a habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP”.

Ora, os serviços de conexão à internet, para serem ofertados aos usuários, dependem da infraestrutura de rede de telecomunicações: cabos, fios, fibras óticas, torres e antenas, satélites etc. Mas a internet não se confunde com a camada física dessa infraestrutura. Daí a diferenciação, na legislação brasileira, entre o serviço de telecomunicações em relação ao serviço de valor adicionado à rede de telecomunicações – a propósito, os modelos de negócios das telecomunicações são diferentes dos modelos de negócios dos serviços de valor adicionado; inclusive o regime tributário é diferente. Daí a oportunidade da diferenciação legal do regime regulatório das duas atividades econômicas.

No Brasil, qualquer mudança na concepção do princípio da neutralidade da rede depende de alteração do Marco Civil da Internet; a simples alteração do decreto que regulamentou o Marco Civil não bastaria para quebrar a neutralidade, eis que há a vinculação ao princípio da estrita legalidade. Por outro lado, uma eventual atualização do Marco Civil diante da tendência da “internet das coisas” (comunicação digital entre máquinas), com aplicações industriais em diversos setores econômicos, há de ser devidamente debatida no Congresso Nacional. Diante das diferenças econômicas, culturais e jurídicas entre os países, em relação ao ambiente regulatório da internet, o caminho adotado pela FCC nos Estados Unidos não é, necessariamente, aquele que deve ser seguido pelo Brasil.

Artigo publicado no jornal Gazeta do Povo em 28/12/2017.

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/a-neutralidade-da-rede-nos-estados-unidos-e-no-brasil-6d3ax05k4injkeglnfafjlzsx 

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Acordo de Cooperação internacional entre a jurisdição brasileira e a norte-americana: análise da constitucionalidade do decreto federal 3.810/01

Na ação declaratória de constitucionalidade (Adcon 51) referente ao decreto 3.810/01 é ilustrativo da complexidade das questões relacionadas ao exercício da jurisdição nacional, bem como da aplicação da lei brasileira, no âmbito da plataforma da internet e das empresas de tecnologia provedoras de aplicações de internet, sediadas no exterior.

A Federação das Associações das empresas de tecnologia da informação – ASSESPRO NACIONAL ingressou no Supremo Tribunal Federal com ação declaratória de constitucionalidade (Adcon 51) do decreto 3.810/11. Este decreto federal promulgou o Acordo de Assistência Judiciário-penal entre o Brasil e os Estados Unidos da América –Mutual Legal Assistance Treaty.1

Alega-se que as autoridades jurisdicionais brasileiras deixaram de aplicar o referido decreto, na medida em que requisitam provas, dados e informações às empresas de tecnologia, sendo que os dados encontram-se armazenados em data center localizados nos EUA, sem observar o procedimento de expedição de cartas rogatórias pelo Poder Judiciário. Nos termos do referido decreto, é necessária a expedição de carta rogatória, para fins de requisição de documentos, provas, informações, localizados em território estrangeiro.

Esta não aplicação do decreto 3.810/2011 pelos próprios tribunais brasileiros cria sérios problemas para as empresas de tecnologias e que exploram o segmento de redes sociais, bem como para os provedores de aplicações de internet.

E, se deixarem de cumprir ordens judiciais de requisição de documentos/dados podem ser sancionadas com pesadas multas. Há também o o risco de investigação/processo penal para responder pelo crime de desobediência, inclusive o risco de prisão do dirigente da empresa.

Das comunicações privadas: a proteção constitucional ao direito fundamental à privacidade da comunicação

Constituição do Brasil contém sólidas garantias às comunicações privadas. Em destaque, a garantia da inviolabilidade do sigilo de dados, excetuada a hipótese de quebra do sigilo da comunicação na forma legal, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.2 Ou seja, a legislação infraconstitucional (Código de Processo CivilCódigo de Processo Penal e Marco Civil da Internet) relativa à obtenção de prova, informação e dados, diante das empresas de aplicações de internet, deve ser interpretada na perspectiva da maximização dos efeitos desta garantia constitucional.

O Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal: a cooperação internacional no exercício da jurisdição

O Código de Processo Civil dispõe que será expedida carta rogatória, para que o órgão jurisdicional estrangeiro pratique ato de cooperação jurídica internacional, relativo a processo em curso perante órgão jurisdicional brasileiro, no seu art. 237, inc. II.

Por sua vez, o Código de Processo Penal dispõe que sem prejuízo de convenções ou tratados, aplicar-se-á o disposto neste título à homologação de sentenças penais estrangeiras e à expedição e ao cumprimento de cartas rogatórias para citações, inquirições e outras diligências necessárias à instrução de processo penal”, conforme seu art. 780. Também, o art. 783 do Código de Processo Penal dispõe que as cartas rogatórias serão, pelo respectivo juiz, remetidas ao ministro da Justiça, a fim de ser pedido o seu cumprimento, por via diplomática, às autoridades estrangeiras competentes.

Diante deste contexto normativo é que está situado o decreto 3.810/2001 que trata do Acordo de Assistência Judiciária em matéria penal entre o Brasil e os Estados Unidos.

O decreto 3.810/01: status de lei

O decreto federal em análise tem formalmente a natureza de lei, daí a sua eficácia sobre as autoridades jurisdicionais brasileiras. Trata-se de ato de incorporação no direito brasileiro do acordo internacional entre o Brasil e os EUA, celebrado no âmbito da cooperação internacional. No procedimento simplificado para requisição de dados, informações, documentos há a previsão do instrumento das cartas rogatórias, expedidas pelo Poder Judiciário, e cumpridas mediante a colaboração dos agentes diplomáticos.

Provedores de Aplicações de Internet: o Marco Civil da Internet

Conforme o Marco Civil da Internet (art. 10, §1º), bem como o decreto de sua regulamentação, dados cadastrais e registros de acesso devem ser apresentados pelos provedores de aplicações de internet, se devidamente solicitados pelas autoridades brasileiras, independentemente de ato de cooperação internacional. Mas, na hipótese de conteúdo da comunicação privada não há esta autorização legal para requisição direta pela autoridade jurisdicional brasileira. Cumpre destacar que o regime jurídico dos provedores de aplicações de internet é diferente do regime dos provedores dos serviços de conexão à internet, conforme distinção efetuada no próprio Marco Civil da Internet.3

Modelo de negócios dos provedores de Aplicações de Internet

As empresas provedoras de aplicações de internet (tais como: Google, Facebook, WhatsApp, Twitter, etc), que armazenam e coletam as comunicações privadas dos brasileiros, não possuem, via de regra, data center em território nacional. Elas limitam-se à utilização da infraestrutura de redes de telecomunicações local. Mas, o conteúdo das comunicações privadas encontra-se no exterior, armazenados em data center.

Ora, a localização do data center integra o modelo de negócios dos provedores de aplicações de internet, por razões estratégicas e econômicas e por razões de segurança dos dados, bem como da arquitetura da rede.

Daí porque eventual lei brasileira que venha a impor a construção de data center no Brasil para fins de oferta de aplicações de internet poderia ser questionada quanto à sua constitucionalidade, especialmente diante da garantia constitucional da livre iniciativa.

Neste aspecto, cumpre destacar a fundamentalidade da proteção à privacidade e à confidencialidade das comunicações privadas, como parte integrante do modelo de negócios das empresas de tecnologia que são provedoras de aplicações de internet. A garantia da segurança e proteção aos dados pessoais, bem como o conteúdo das comunicações privadas, é essencial ao modelo de negócios destas empresas de tecnologia. A sua valorização no mercado depende da adequada proteção às comunicações privadas dos usuários das aplicações de internet; da expectativa e confiança depositada pelo usuário na proteção à confidencialidade das comunicações privadas.

Soberania brasileira: autodelimitação por acordo internacional de cooperação judiciária

No caso em análise, se o Brasil assinou o acordo de cooperação de assistência judiciário em matéria penal com os EUA, que prevê o procedimento de expedição da carta rogatória pelo Poder Judiciário, então está obrigado a respeitar este ato de cooperação internacional, na forma do decreto 3.810/01, enquanto em vigor no ordenamento jurídico brasileiro.

Entretanto, os tribunais brasileiros estão a negar a aplicação ao decreto 3.810/01, em destaque o próprio Superior de Justiça4, sob o fundamento do princípio da soberania nacional. Ora, se há discordância quanto à validade do referido decreto, então a melhor solução jurídica seria a declaração de sua inconstitucionalidade pelos tribunais.

Ao que parece, o argumento da violação do princípio da soberania não é suficiente para justificar o afastamento do decreto federal e impor constrangimentos indevidos às empresas de tecnologias estrangeiras, sediadas no exterior. Ao contrário, este tipo de interpretação da legislação implica na afronta à soberania do Estado estrangeiro, responsável final por requisitar provas, dados e informações, à empresa situada em seu território.

Segurança Jurídica e Devido Processo Legal: o procedimento da carta rogatória, para fins de obtenção de prova em investigação policial e/ou instrução penal

A requisição direta por autoridade judicial brasileira de provas/informações, para fins de investigação penal e/ou instrução penal, em relação à empresa provedora de aplicação de internet, sem a observância do rito da expedição da carta rogatória pelo Poder Judiciário, viola os princípios do devido processo legal, bem como da segurança jurídica.

Isto porque se a própria legislação brasileira define o rito de colaboração entre a jurisdição nacional e a estrangeira, na forma do decreto 3.810/2001, então as autoridades nacionais estão vinculadas ao cumprimento da lei brasileira.

Validade da Prova: investigação penal/instrução penal

Ora, segundo a Constituição Federal, a produção da prova há de ser válida, para efeitos de investigação criminal. Textualmente, a Constituição dispõe que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, em seu art. 5º, inc. LVI.

Daí porque se não observado o decreto n. 3.810/2001, na coleta de prova perante empresa de tecnologia estrangeira, com sede no exterior, mediante o rito da carta rogatória, há o risco de nulidade na desta produção de prova, em investigação policial e/ou instrução penal.

Conclusão final

Em síntese, na ação declaratória de constitucionalidade (Adcon 51) referente ao decreto 3.810/01, que aprova o Acordo de Assistência Judiciária em matéria penal, entre o Brasil e os Estados Unidos, ora em trâmite no Supremo Tribunal Federal, é ilustrativo da complexidade das questões relacionadas ao exercício da jurisdição nacional, bem como da aplicação da lei brasileira, no âmbito da plataforma da internet e das empresas de tecnologia provedoras de aplicações de internet, sediadas no exterior.

Em destaque, a cooperação internacional entre a jurisdição brasileira e a norte-americana, para fins da aplicação da lei brasileira, para fins de cumprimento de ordens judiciais em investigação policial e/ou instrução penal (coleta de dados/provas), em relação aos usuários de aplicações de internet, que se valem dos serviços das empresas de tecnologia estrangeiras, situadas no exterior.
________________

1
 O acordo de Assistência Judiciária em matéria penal entre o Brasil e os EUA, nos termos do Decreto n. 3.810/2001, abrange as seguintes medidas: tomada de depoimentos ou declarações de pessoas; fornecimento de documentos, registros e bens, localização ou identificação de pessoas ou bens, entrega de documentos, transferência de pessoas sob custódia para prestar depoimento, execução de pedidos de busca e apreensão, assistência relacionada à imobilização e confisco de bens, restituição, cobrança de multas, etc.

2 Constituição do Brasil, art. 5º, inc. XII.

3 Ver: Ericson M. Scorsim. Direito das Comunicações. Telecomunicações, Internet, TV por radiodifusão e TV por assinatura. Edição do Autor. Curitiba: Amazon, 2016.

4 Casos de não aplicação do Decreto n. 3.810/2001 pelo STJ, RMS 44892/SP, 2010, Rel. Min. Ribeiro Dantas, data julgamento 05/04/2016, RMS 466685/MG, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJ/PE), publicação 06/04/2015.

Artigo publicado no Portal Jurídico Migalhas em 18/12/2017.

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Net neutrality: the regulatory debate on its flexibility in the USA and Brazil

In the United States of America, the decision on the flexibility of net neutrality is on the agenda of the Federal Communications Commission, under the leadership of the Republican Ajit Pai. According to the President of the FCC: “President Trump and Congress have appropriately invalidated one part of the Obama-era plan for regulating the Internet. Those flawed privacy rules, which never went into effect, were designed to benefit one group of favored companies, not online consumers”.[1]

The purpose of the new regulatory policy of the FCC is to reinstate broadband internet services classification as an information service and not as telecommunications services (common carriers). Classifying internet connection services as common carrier leads to obligations to third parties, especially the guarantee of equal competition.  Thus, with the FCC regulation in force, there are rules preventing broadband providers from blocking or slowing down broadband internet connection services. If the regulatory change is passed by the FCC, internet access services providers will have more freedom to set prices, for the purposes of compensation for the use of the telecommunications’ infrastructure network. The new regulatory policy would be especially created to pass transparency rules for internet connection providers, to know which websites or applications pay an additional value for high-speed streaming, and the monitoring of net neutrality would be done by the Federal Trade Commission. 

The FCC Fact Sheet – Restoring Internet Freedom claims that the current regulation does not encourage new investments in the telecommunications’ infrastructure network.[2]  If the new regulation is passed, telecommunication services’ operators such as Comcast, Verizon and AT&T would be able to determine which online websites their clients can consume, as well as block or favor the traffic of certain contents.

This potential change to internet regulation in the USA resulted in a debate on net neutrality in Brazil. The highlight here is the internet of things phenomenon (digital communication between machines) as an argument for reviewing the Brazilian Internet Regulatory Framework.

Here are some considerations on this debate on net neutrality being held in the USA and Brazil.  Internet regulation deeply affects telecommunications companies, internet access providers, internet applications providers, the new business models of technology companies, and online content providers. Therefore, this regulation impacts different markets within the internet platform. It has a particular impact on the entertainment, audiovisual, and commercial advertisement markets.

From an economic perspective, the core issue of the controversy is broadband internet consumption and its pricing: who should foot the bill and how much should that bill be. Should consumption be measured and priced accordingly, so that the more bandwidth consumed, the greater the payment? For example, major video consumers (movies, sitcoms, television programs) would pay more for bandwidth consumption. The alternatives to the regulatory treatment of the issue are: ensure market freedom, that is, the companies negotiate freely, through commercial agreements, on the payment for data packet traffic; or the sector’s regulation, preserving net neutrality.   

In Brazil, internet connection services are not telecommunications services. It is an added-value service to the telecommunications network, as determined in the General Telecommunications Act, Article 61, paragraph (1).

Here in Brazil, unlike in the USA, net neutrality is legislated by a law, the Internet Regulatory Framework. The issue in the USA was regulated through mere interpretation of the law by the Federal Communications Commission. Because of this, the classification of internet access services as a telecommunications service is being questioned in court.

According to the international press, Netflix has entered into a business agreement with one of the owners of telecommunications networks to ensure the flow of data traffic related to its audiovisual content. 

In Brazil, the principle of net neutrality stated in the Internet Regulatory Framework ensures equal treatment in the transportation of data packets between users. That law forbids internet access providers from discriminating data packet traffic. This ensures that the internet environment remains favorable to innovative business models, based on the digital economy.

Without net neutrality, there are greater risks to new digital enterprises and the potential for higher prices to be charged by the owners of the infrastructure networks from internet application providers and the consumers. 

If the principle of net neutrality, expressly stated in the Internet Regulatory Framework, is revoked or modified, there are serious risks to the digital business environment, as well as a cost increase to internet application consumers.

The internet of things, based on the communication between machines, with significant market potential, is a future trend that deserves proper attention by Brazilian legislators. Thus, considering this new reality, the Internet Regulatory Framework may need adjustments. 

To ensure legal certainty in investments in the internet of things, any changes to the Internet Regulatory Framework should be done through a bill.

Decree No. 8771/2016, that regulates the Internet Regulatory Framework, is assertive regarding the exceptional nature of any discrimination or degradation of internet traffic, due to technical requirements essential to the provision of the application’s services or prioritization of emergency services.

Under this argument related to the internet of things, one must know if devices such as automobiles and traffic lights can be connected, as this would be reason enough to be characterized as emergency services prioritization, in this case related to urban traffic, an exceptional case for the flexibility of the net neutrality principle, under the terms of the Decree that regulates the Internet Regulatory Framework. Anyhow, one must only interpret the decrees in accordance with the law, without creating exceptions not stated therein.   

There is another issued to examined. At first glance, there seems to be now legal prohibition to the provision of free data traffic on social networks.  Thus, this business practice does not harm net neutrality, as it does not harm consumers, much less the internet applications providers.

Note that there are similarities and differences in how net neutrality is dealt in Brazil and in the USA. The similarity is due to the greater purpose of ensuring net neutrality to guarantee that it is accessible by all. The difference is in the fact that net neutrality in the USA exists only in a regulatory act by the Federal Communications Commission. Here in Brazil, net neutrality is supported by an actual law, namely, the Internet Regulatory Framework.

Within the Brazilian context, the National Telecommunications Agency (ANATEL) has the power to monitor compliance with the principle of net neutrality, as defined in the Internet Regulatory Framework and the Decree that regulates it. In the USA, however, the FCC created the norm by interpreting the North American laws on this industry.

In sum, the Brazilian Internet Regulatory Framework and the Decree that regulates it represent significant and progressive historical landmarks for Brazilian Law.

Changes to the regulation of the internet to adjust and update it to new demands are possible, of course, by enactment of a new bill. ANATEL, as the regulatory agency of this industry, cannot decide on the matter without proper legal grounds, given the principle of strict legality present in Brazilian Law, unlike law in the USA. The changes to the regulatory policy of net neutrality that may occur in the USA does not necessarily imply changes here in Brazil. Perhaps this matter deserves more reflection and debate within our country. 


[1]See: FCC.

[2] FCC Fact Sheet. Restoring Internet Freedom, Declaratory, Report and Ordem, WC Docket n. 17-108.