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Casos de Telecomunicações e Internet na pauta do Supremo Tribunal Federal

O papel institucional do Supremo Tribunal Federal é significativo na construção de uma jurisprudência sólida sobre os setores de telecomunicações e internet.

O Supremo Tribunal Federal tem diversos casos relevantes sob sua jurisdição constitucional, ora em julgamento, que impactam os setores de telecomunicações e internet.

Exemplificando-se, há o Mandado de Segurança 34.562, rel. min. Luis Barroso, apresentado contra o ato de encaminhamento do projeto de lei 79/16 que altera a Lei Geral de Telecomunicações, sob o fundamento da violação à competência do Plenário do Congresso Nacional para discutir e deliberar sobre o tema. Em liminar, o min. Luis Barroso determinou o não encaminhamento à sanção Presidencial do referido projeto de lei, e ordenou a apreciação da matéria pelo Plenário do Congresso Nacional, por entender violado o art. 58, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição Federal. Até o presente momento, não houve o julgamento do mérito deste Mandado de Segurança.

Outro caso refere-se à Ação Direta por Omissão (ADO 37), apresentada pela OAB, rel. min. Ricardo Lewandowski contra a omissão da Presidência da República e do Congresso Nacional em relação à utilização dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), na realização de investimentos em infraestruturas de redes de telecomunicações e internet.

Destaque-se que os recursos que integram este fundo de telecomunicações decorrem do pagamento de valores pelas empresas de telecomunicações. Alega-se que a lei 9.998/00que trata do FUST voltada à aplicação de recursos públicos na universalização dos serviços de telefonia fixa não corresponde mais às demandas dos usuários, estes preferem o consumo de serviços de internet por banda larga. Daí a falta de sincronia entre a lei e das demandas da população.

O min. relator, em despacho, registrou o seguinte: “Pois bem. A alegada omissão administrativa na formulação, aprovação de implementação das políticas públicas e investimento dos recursos do FUST em suas finalidades, em tese, começaram com a edição da lei 9.998/00. Dessa forma, o transcurso de mais de dezesseis anos justifica que o tema seja examinado diretamente no mérito”. E, prossegue: “Assim, tendo em vista a conveniência de um julgamento único e definitivo, além da evidente relevância da matéria, adoto o procedimento abreviado previsto no art. 12 da lei 9.868/99. Ou seja, o min. relator, ao invés de decidir sobre o pedido de liminar, deliberou por submeter o caso à deliberação por plenário.

Estes dois casos afetam significativamente a realização de novos investimentos privados nos setores de telecomunicações e internet.

Primeiro, a aprovação do projeto de lei 79/16 cria incentivos à realização de novos investimentos em infraestruturas de redes de telecomunicações e internet. A atualização da Lei Geral de Telecomunicações, com a flexibilização do regime jurídico para fins de permitir a substituição das obrigações de pagamento de multas por investimentos em infraestruturas de internet, é condição necessária à realização de novos investimentos privados. A mudança legal possibilita maior segurança jurídica quanto à aplicação dos recursos em infraestrutura de rede pelas empresas prestadoras de serviços de telecomunicações.

Segundo, o contingenciamento dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, para fins de metas do Tesouro Nacional, também é obstáculo à realização de novos investimentos em infraestruturas de redes de telecomunicações. Conforme informações na petição inicial, o total de recursos do FUST arrecadados em 2016 é no valor de R$ 1.464.915.520,00 (um bilhão, quatrocentos e sessenta e quatro milhões, novecentos e quinze mil, quinhentos e vinte reais).

Terceiro, de acordo com informações oficiais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 11,6 milhões de domicílios brasileiros teriam condições de pagar pelos serviços de acesso à internet, no entanto o serviço de conexão à internet não está disponível na localidade. Além disto, 2.325 municípios não possuem fibra ótica em sua infraestrutura de rede, sendo que 58% deles encontram-se nas regiões norte e nordeste. E mais, nos municípios que contam com infraestrutura de rede com fibra ótica apresentam baixa velocidade, em torno de 5% Mbps em média.
Segundo dados da Anatel, 14% da população brasileira não tem acesso aos serviços de internet.

Ora, a inadequação da infraestrutura de telecomunicações é obstáculo para a competividade das empresas brasileiras, bem como à criação de novas empresas, empregos e renda. Igualmente, impacta o mercado de trabalho e a produtividade dos trabalhadores. Também, a falta de infraestrutura ou a sua má qualidade impede o acesso aos serviços públicos básicos, tais como: saúde e educação. Por outro lado, a maior oferta de serviços de 3G e 4G na telefonia móvel permite a intensificação do consumo de pacotes de dados, com utilização de aplicativos de mensagens, tais como o WhatsApp.

Em síntese, é significativo o papel institucional do Supremo Tribunal Federal na construção de uma jurisprudência sólida sobre os setores de telecomunicações e internet, entre outros.

No livro Temas de Direito da Comunicação na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que lancei recentemente no site da Amazon, os referidos casos são analisados. Igualmente, são apresentados outros casos relevantes na perspectiva da regulação setorial dos serviços de internet, telecomunicações, TV e rádio por radiodifusão e TV por assinatura.

O propósito do livro é compartilhar o conhecimento das principais questões afetas ao Direito da Comunicação, sob análise do Supremo Tribunal Federal.

Artigo publicado no site jurídico Migalhas em 17/07/2017.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI262013,21048-Casos+de+Telecomunicacoes+e+Internet+na+pauta+do+Supremo+Tribunal 

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Proteção constitucional e legal ao direito à privacidade dos usuários dos serviços de telecomunicações e internet

O presente artigo trata da proteção constitucional e legal ao direito à privacidade dos usuários dos serviços de telecomunicações e internet.

O propósito é esclarecer os limites constitucionais e legais a respeito da divulgação de dados pessoais, tais como: endereços residenciais e número de telefones fixos e celulares na internet.

Em foco a análise da possível ilegalidade e abusos nas práticas, nas atividades de coleta, armazenamento e divulgação de dados pessoais dos usuários dos serviços de telefonia fixa e móvel e internet.

A Constituição Federal garante o direito fundamental à privacidade, em seu art. 5º, inc. X, garantia esta aplicável a todos os usuários dos serviços de telecomunicações e internet, sejam pessoas naturais ou jurídicas.

Este direito fundamental à privacidade tem aplicabilidade direta em relação aos responsáveis por sites na internet que configurem aplicações. Este direito fundamental vincula os particulares, com o estabelecimento de limites à atuação de terceiros, estranhos à relação jurídica entre prestadora do serviço de telecomunicações e do serviço de conexão à internet, e os respectivos usuários.

Além disto, é importante destacar o direito à privacidade empresarial, o qual assegura às empresas a proteção de seus dados pessoais. Daí a necessidade proteção efetiva aos dados pessoais diante de riscos causados por site que expõe informações pessoais.

Em questão, também o direito  à autodeterminação informativa,  referido pela doutrina jurídica mais moderna, o qual assegura às faculdades quanto ao controle da utilização dos dados pessoais, aí incluídos, o nome, número de telefonia fixa e celular, endereço residencial e endereço de email.

No âmbito internacional, a Resolução das Nações Unidas n. 68, aprovada em dezembro de 2013, trata do direito à privacidade na era digital.

Esta resolução considera ilegal e arbitrária a coleta de dados pessoais, considerado ato do invasivo, e que viola os direitos à privacidade e liberdade de expressão, bem como os valores da sociedade democrática. Também, afirma que as pessoas devem ser protegidas no ambiente online, incluindo o direito à privacidade.

A regulação setorial dos serviços de telecomunicações e serviços de conexão à internet e aplicações trata do tema dos direitos à privacidade dos usuários.

A Lei Geral Telecomunicações, em seu art. 3º, inc. IX, garante o direito à privacidade quanto aos dados pessoais dos usuários dos serviços de telecomunicações.

Também, assegura o direito à reparação dos danos causados pela violação dos direitos dos usuários dos serviços de telecomunicações.

Especialmente, a Lei Geral de Telecomunicações garante o direito do usuário do serviço de telecomunicações à não divulgação, caso o requeira, de seu código de acesso.

Ora, esta regra legal deve ser interpretada conforme a Constituição Federal, especialmente com a devida consideração ao direito fundamental à privacidade.

A divulgação do código de acesso do usuário do serviço de telefonia fixa somente pode ocorrer se houver autorização prévia do mesmo. Se não houver o consentimento prévio do usuário, a divulgação dos seus dados pessoais é evidentemente ilegal.

O direito à privacidade não admite a divulgação pública do nome e do código de acesso, em lista de assinantes, sem o consentimento prévio do  usuário. De nada adianta oferecer ao usuário, a posteriori da divulgação pública dos dados pessoais, a possibilidade  de exclusão de seu nome e código de acesso. Este tipo de prática não é compatível com a Constituição, nem com  a legislação em vigor.

Não se desconhece que a Lei Geral de Telecomunicações, em seu art. 213, dispõe que será livre a qualquer interessado a divulgação, por qualquer meio, de listas de assinantes do serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público em geral.

Ocorre este mesmo dispositivo legal permite a divulgação da lista de assinantes do serviço de telefonia fixa, desde que observados o direito à privacidade e o direito à não divulgação do código do assinante, salvo se houver consentimento.

Ora, a interpretação legal deve ocorrer adequadamente, conforme a delimitação do âmbito normativo da regra. O art. 213 da Lei Geral de Telecomunicação permite às empresas de telecomunicações de lista de assinantes do serviço de telefonia fixa.

Ou seja, há apenas a autorização legal para divulgação de listas telefônicas no sentido tradicional do termo (exemplares impressos, sob a forma física). Isto porque é este o sentido originário da lei, permitir a edição de listas telefônicas impressas, medida mais restrita de divulgação pública da lista de assinantes.

 Além disto, o nome, o endereço e o número do telefone são informações pessoais, não são de interesse público. Encontram-se no âmbito normativo do direito à privacidade. Podem até ter utilidade pública, o que não significa que este tipo de dados pessoais possam ser divulgada,  maciçamente por site acessível a qualquer pessoa. Ou seja, evidente que autoridades públicas podem ter acesso a este tipo de informação, nas hipóteses previstas em lei. Pensar de modo contrário, é simplesmente ignorar a força normativa do direito fundamental à privacidade, o qual vincula a todas as pessoas particulares e os poderes públicos. 

Mas, não há autorização legal para divulgação de lista de assinantes, mediante sites na internet. Ora, este tipo de medida de lista de assinantes digital, publicada em  site, representa a máxima divulgação pública de dados pessoais, tais como: nome, endereços e número de telefones.

Evidentemente, esta prática é contrária à finalidade originária da Lei Geral de Telecomunicações que buscou compatibilizar a proteção ao direito ao usuário do serviço de telecomunicações, mediante com a garantia de não divulgação de seu código de assinante, salvo se houvesse autorização prévia do mesmo. Assim, a divulgação de lista de assinantes, no formato impresso, é evidentemente muito de divulgação restrita do que a publicação da lista em canal digital (site da internet). Daí a irrazoabilidade e desproporcionalidade deste modelo de site de exposição de dados pessoais dos usuários de telecomunicações, diante do direito à privacidade.

Daí porque da interpretação da referida lei não é possível criar uma autorização não contemplada em seu sentido originário. Repita-se o objetivo do legislador foi assegurar a edição de listas telefônicas, sob a forma impressa. Até porque na época da aprovação da Lei Geral de Telecomunicações, no ano de 1997, não havia a plataforma de internet, tal como conhecida nos moldes atuais.

E mais, o art. 213 da Lei Geral de Telecomunicações refere-se unicamente aos serviços de telefonia fixa. Não há autorização para divulgação de lista de assinantes dos serviços de telefonia móvel.

Além disto, é possível a arguição inconstitucionalidade deste art. 213 da Lei Geral de Telecomunicações, por ofensa ao direito fundamental à privacidade, estabelecido na Constituição Federal. Ora, o usuário do serviço de telefonia fixa tem o direito à privacidade quanto à não divulgação de seu código de acesso à rede de telefonia fixa.

Em síntese, é possível o controle da constitucionalidade do art. 213 da Lei Geral de Telecomunicações, diante do direito fundamental à privacidade, no Supremo Tribunal Federal. Há o limite constitucional, representado pelo direito à privacidade, à atividade legislativa. Daí a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 213 da Lei Geral de Telecomunicações, sob a ofensa ao direito à privacidade.

É importante fazer a interpretação mais adequada da Lei Geral de Telecomunicações a respeito do direito à privacidade dos usuários dos serviços de telecomunicações.

Ora, há clareza da Lei Geral de Telecomunicações sob a preponderância do direito à privacidade quanto à não divulgação do código de acesso do usuário nos serviços de telecomunicações.

Assim, a conclusão inafastável é no sentido da necessidade do consentimento prévio do usuário quanto à divulgação de código de acesso, por terceiros, integrante de lista de assinantes.

Na hipótese de divulgação do código de acesso, sem o consentimento prévio do usuário, há violação à Lei Geral de Telecomunicações. Daí o dever de exclusão do código de acesso de usuários de lista de assinantes se não houver autorização dos mesmos.

Além disto, a referida Lei Geral de Telecomunicações trata da hipótese de autorização para divulgação de lista de telefone, na hipótese dos serviços de telefonia fixa, ora sob o regime público.

Não há autorização legal para divulgação  dos números dos celulares dos usuários do serviço móvel pessoal, sob o regime privado. Daí a possível ilegalidade das práticas do site que expõe números de celulares dos usuários do serviço móvel pessoal.

No âmbito infralegal, a Resolução da Anatel 66/1998, que aprova o regulamento sobre divulgação de listas de assinantes e de edição e distribuição de  lista telefônica obrigatória e gratuita.

Ocorre que esta Resolução fundamenta apenas a divulgação de informações sobre assinantes de telefonia fixa.  Não autoriza a divulgação de números de telefones celulares.

Segundo ainda o art. 3º da Resolução 66/98 a prestadora é responsável por assegurar o respeito à privacidade do assinante do serviço de telefonia fixa na utilização de dados pessoais constantes de seu cadastro.

Por outro lado, a Resolução 345/2003 aprova o regulamento sobre fornecimento de relação de assinantes pelas prestadoras do serviço telefônico fixo comutado na modalidade de serviço local.  Esta Resolução trata unicamente da divulgação de lista de assinantes nos serviços de telefonia fixa.

Além disso, a Resolução 477/2007 da Anatel que aprova o regulamento do serviço móvel pessoal garante a não divulgação de seu nome associado a seu código de acesso, salvo expressa autorização. E, ainda, a obter, gratuitamente, mediante solicitação, a não divulgação ou informação do seu código de acesso para a estação de telecomunicações chamada, respeitadas as restrições técnicas.

Assim, é da responsabilidade da prestadora do serviço de telefonia fixa a reparação dos danos causados ao assinante pela inobservância das garantias à privacidade.

Em síntese, há obrigação legal das empresas de telecomunicações quanto à guarda dos dados pessoais dos respectivos usuários. Assim, se houver vazamento do banco de dados sobre os usuários dos serviços de telecomunicações, sob guarda das empresas de telecomunicações, compete a Anatel fiscalizar os procedimentos adotados à relação à proteção da privacidade dos respectivos usuários. Portanto, as empresas de telecomunicações não podem divulgar dados pessoais dos seus clientes, salvo houve consentimento prévio dos mesmos, eis que vinculadas à eficácia normativa do direito fundamental à privacidade.

Com efeito, talvez seja o caso da Anatel revisar a regulação setorial, para maior efetivação dos direitos à privacidade e à proteção dos dados pessoais dos usuários dos serviços de telecomunicações. A propósito, o Regulamento do Marco Civil da Internet dispõe: “Art. 17. A Anatel atuará na regulação, na fiscalização e na apuração de infrações, nos termos da Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997”.

Aliás, nos contratos de consumo dos serviços de telecomunicações e internet devem conter cláusulas claras a respeito da necessidade do consentimento prévio do usuário quanto à divulgação de seus dados pessoais, perante terceiros, sob pena de nulidade.

Também, compete ao Ministério da Justiça apurar a eventual prática contrária à lei brasileira do site que expõe dados pessoais dos usuários dos serviços de telecomunicações e conexão à internet.

E, ainda, na Resolução 632/2014, que aprova o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor dos Serviços de Telecomunicações, há garantia da privacidade na utilização dos dados pessoais dos usuários pela prestadora dos serviços.

O Marco Civil da Internet, igualmente, garante o direito à privacidade, bem como a proteção dos dados pessoais,  dos usuários dos serviços de conexão a internet e aplicações. Esta lei incide sobre os provedores de conexão à internet, bem como os provedores de aplicações.

O site que expõe dados pessoais dos usuários dos serviços de telecomunicações e internet pode ser classificada como aplicação de internet, conforme o Marco Civil da Internet. Isto porque esta aplicação de internet  realiza as atividades de guarda e disponibilização de dados pessoais, assim enquadrável no art. 10 do Marco Civil da Internet.

Segundo o Marco Civil da Internet garante-se o direito do usuário ao não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão e acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei.

Por óbvio, portanto, que o endereço de email do usuário do serviço de conexão à internet integra o âmbito normativo do direito à privacidade, somente podendo ser repassado a terceiros na hipótese de consentimento do seu titular. Daí outra possível ilegalidade do site que expõe os endereços de emails dos usuários dos serviços de conexão à internet.

Além disto, o Marco Civil da Internet é expressamente claro:

“Art. 16. Na provisão de aplicações de internet, onerosa ou gratuita, é vedada a guarda: I – dos registros de acesso a outras aplicações de internet sem que o titular dos dados tenha consentido previamente, respeitado o disposto no art. 7º, ou II – de dados pessoais que sejam excessivos em relação à finalidade para a qual foi dado consentimento pelo seu titular”.

Aqui, é importante destacar a atualidade do Marco Civil da Internet quanto à proteção dos dados pessoais dos usuários das aplicações de internet, especialmente quanto à necessidade de consentimento prévio para a utilização de dados pessoais.

Além disto, é possível a suspensão, bloqueio ou proibição das atividades do referido site que coleta, armanezamento e divulgação de dados pessoais dos usuários, sem o consentimento prévio dos respectivos titulares, por ofensa à legislação brasileira, especialmente por ofender o art. 12 do Marco Civil da Internet.

A título conclusivo, a exposição de dados pessoais dos usuários dos  serviços de telecomunicações e conexão à internet (tais como: e-mail, endereço e celular), por site anônimo na internet, sem o consentimento livre, expresso e informado dos titulares, é ofensiva ao direito à privacidade previsto na  Constituição Federal, no art. 5º, inc. X, à Lei Geral de Telecomunicações e ao Marco Civil da Internet.

Também, configura prática abusiva contra os direitos à privacidade, à vida privada, e à segurança pessoal. Trata-se de prática de invasão à privacidade dos dados pessoais dos usuários dos serviços de telecomunicações e internet, com sérios danos aos direitos fundamentais.

A invasão ao direito fundamental à privacidade fundamenta tanto ações preventivas quanto ações de reparação de danos morais e materiais individuais e coletivas.

Daí porque os responsáveis por site que exponha dados pessoais, ainda que hospedado em território estrangeiro, podem ser objeto de apuração de responsabilidade quanto ofensa à legislação brasileira, bem como responder por eventuais danos materiais e danos morais individuais e à coletividade.

 

Publicado no site jurídico Migalhas em 19-06-2017.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI260468,101048-Protecao+constitucional+e+legal+ao+direito+a+privacidade+dos+usuarios 

 

Publicado no site jurídico Jus Brasil em 19-06-2017

https://ericsonscorsim.jusbrasil.com.br/artigos/469972608/protecao-constitucional-e-legal-ao-direito-a-privacidade-dos-usuarios-dos-servicos-de-telecomunicacoes-e-internet?ref=topbar

 

Publicado no site jurídico www.jus.com.br em 19-06-2017

https://jus.com.br/artigos/58590/protecao-constitucional-e-legal-ao-direito-a-privacidade-dos-usuarios-dos-servicos-de-telecomunicacoes-e-internet

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A questão da criptografia do WhatsApp: julgamento do caso pelo STF sob a perspectiva da segurança das comunicações

O foco do presente artigo é analisar o tema sobre o aplicativo da internet, sob a perspectiva do direito à segurança sobre a inviolabilidade do conteúdo das comunicações/dados pessoais armazenados e transmitidos por aplicativos de internet, diante do interesse público da Justiça brasileira, na investigação policial e instrução penal.

O Supremo Tribunal Federal, na análise da constitucionalidade do bloqueio por ordem judicial do WhatsApp, em relação à ADPF 403 e ADI 55271, fixou algumas questões sobre a criptografia adotada no aplicativo, para debate em audiência pública, a seguir apresentadas:

“1 – Em que consiste a criptografia ponta a ponta (end to end) utilizada por aplicativos de troca de mensagens como o WhatsApp?

2 – Seria possível a interceptação de conversas e mensagens realizadas por meio do aplicativo WhatsApp ainda que esteja ativada a criptografia ponta a ponta (end to end)?

3 – Seria possível desabilitar a criptografia ponta a ponta (ent do end) de um ou mais usuários específicos para que, dessa forma, se possa operar interceptação juridicamente legítima?

4 – Tendo em vista que a utilização do aplicativo WhatsApp não se limita a apenas uma plataforma (aparelhos celulares/smartphones), mas permite acesso e utilização também em outros meios, como, por exemplo, computadores (no caso do WhatsApp mediante o WhatsApp Web/Desktop), ainda que a criptografia ponta a ponta (end to end) esteja habilitada, seria possível ‘espelhar” as conversas travadas no aplicativo para outro celular/smartphone ou computador, permitindo que se implementasse ordem judicial de interceptação de um usuário específico”.2

Em debate na audiência pública, a questão da possibilidade de efetivação de ordem judicial de interceptação da comunicação pelo WhatsApp, para fins de produção de prova em investigações e processos criminais. Primeiro, se possível a interceptação judicial das comunicações na hipótese de ativação da criptografia do aplicativo. Segundo, se possível a interceptação judicial, mediante a desabilitação da criptografia. Terceiro, se possível a interceptação judicial, mediante a cópia das comunicações realizadas pelo aplicativo, por intermédio de outros celulares/smartphones ou computador, de usuário específico. Nesta hipótese, o despacho do Min. Relator da APDF 403, Edson Fachin, com clareza, detalhou que o propósito é saber da possibilidade de interceptação judicial em relação ao conteúdo da comunicação privada de usuário específico do aplicativo.3

Este caso do WhatsApp, sob a jurisdição constitucional do STF além de repercutir, em todo o País, desperta a atenção da comunidade internacional, por envolver questão de cibersegurança. O tema é interessante, pois envolve o direito, novas tecnologias e a segurança na internet (cybersegurança).

O tema da segurança nas comunicações privadas é, ainda, reforçado pelo recente fato do ataque cibernético cometido por hackers em mais de 100 (cem) países, causado pelo vírus ransomware, o qual promove o crime virtual de extorsão, mediante o sequestro de dados de computadores, o quais somente seriam liberados após pagamento em moeda virtual (bitcoin). Segundo noticia a imprensa, a técnica utilizada pelos hackers para a propagação do vírus está baseada em métodos da agência de segurança norte-americana (NSA – National Security Agency), que exploram nas falhas do software Windows, em especialmente a falta de atualização.4 O ataque cibernético despertou ação das agências nacionais de segurança para a realização de investigação internacional sobre o episódio. O Brasil foi afetado pelos ataques cibernéticos.5 Este fato mostra os graves riscos à segurança do fluxo das comunicações privadas, em âmbito mundial.

O foco do presente artigo é analisar o tema sobre o aplicativo da internet, sob a perspectiva do direito à segurança sobre a inviolabilidade do conteúdo das comunicações/dados pessoais armazenados e transmitidos por aplicativos de internet, diante do interesse público da Justiça brasileira, na investigação policial e instrução penal.6

É importante a análise do tema em perspectiva maior, no contexto de três personagens principais: o estado brasileiro, os mercados (empresas e as tecnologias) e a sociedade (garantia de direitos fundamentais à privacidade, à segurança e à inviolabilidade das comunicações. ).

O Estado tem o interesse em aplicar a sua legislação civil e criminal em sua jurisdição, daí a coleta de informações e dados em investigações policiais e processos criminais, mediante ordens judiciais para interceptação das comunicações. A partir de ordem judicial, devidamente motivada, é possível a interceptação da comunicação, para fins de investigação policial ou instrução em processo penal7. Se ocorrer o acesso indevido ao conteúdo das comunicações privadas, sem a necessária ordem judicial, é declarada nulidade da investigação ou do processo penal.8 No âmbito da legislação penal, cumpre destacar a tipificação dos crimes de invasão de dispositivo informático, bem como da interrupção ou perturbação de serviço informático e telemático”.9 Portanto, os ataques cibernéticos, com a invasão de computadores e celulares, configura crime.

O Estado tem a responsabilidade de proteger os direitos fundamentais à privacidade e à inviolabilidade da comunicação. Se a criptografia é a melhor para a segurança das comunicações, então cabe ao Estado incentivar as melhores práticas comerciais para favorecer a criptografia.

Por outro lado, cabe ao Estado brasileiro incentivar a construção de infraestruturas de redes de internet, tais como: satélites, cabos submarinos intercontinentais, fibras óticas, entre outros.10 Cumpre ao Estado assegurar a segurança das comunicações dos três poderes da República. Ao Poder Judiciário compete zelar pela segurança das comunicações de dados no âmbito, por exemplo, dos processos eletrônicos. Também, é necessária a garantia das comunicações de dados das forças armadas. Daí a viabilidade da criptografia como técnica de segurança das comunicações, inclusive do próprio setor público.

Em síntese, o Estado, no exercício de sua soberania, há de promover ações de defesa de sua infra-estrutura de redes de comunicação, bem como ações de inteligência, diante dos graves riscos de guerras e ataques cibernéticos. É da sua responsabilidade institucional adotar medidas de prevenção aos riscos de ataques cibernéticos, bem como efetuar a repressão aos crimes no ambiente da internet.

As empresas provedoras de aplicativo de internet têm interesse em oferecer tecnologias e produtos seguros para os respectivos consumidores. Há a responsabilidade empresarial diante dos consumidores na oferta destes produtos seguros. Em destaque, a vinculação destas empresas provedoras de aplicativos ao regime de direitos fundamentais à privacidade e à inviolabilidade das comunicações previstos na Constituição Federal. Estas empresas de tecnologia demandam parâmetros de regulação setorial, com regras claras e precisas.

Neste sentido, a imposição da obrigação do espelhamento dos conteúdos das comunicações (criação de back-door11) não pode ser feita unicamente por ordem judicial, eis que necessária lei prévia que autorize este tipo de medida para possibilitar o acesso ao conteúdo das comunicações privadas por autoridades responsáveis por investigações e processos penais. E, ainda que aprovada este tipo de medida legislativa, ela pode ser, evidentemente, questionada quanto à sua constitucionalidade.12

As empresas de tecnologias têm interesse em investimentos em infraestruturas de redes de comunicação. Os governos e os legisladores deveriam incentivar protocolos de criptografia mais seguros. A criptografia envolve, ainda, questões de competição internacional de produtos e serviços na economia digital. Países com empresas que ofereçam melhores condições de segurança na rede e em hardwares e softwares são mais competitivos. Quanto maior o nível de segurança oferecido pelas empresas de tecnologia, maior o grau de confiança dos usuários/consumidores. Por sua vez, quanto menor o nível de segurança, maior desconfiança. É evidente que a sociedade, por seus consumidores e cidadãos, tem interesse na proteção de sua privacidade, bem como na segurança na internet.13 A proteção à vida privada, seja das pessoas naturais ou pessoas jurídicas, deve garantida diante de invasões ilegais, seja por parte de autoridades públicas ou terceiros. Deve-se destacar, aqui, o dever estatal de proteção às comunicações pessoais e comunicações empresariais.

Nos EUA, há forte disputa a respeito do estabelecimento de padrões de criptografia. De um lado, as agências de inteligência (FBI) e segurança interna (NSA) buscam a aprovação pelo governo e legislativo de medidas mais favoráveis à descriptografia dos dados.14 A propósito, há intensa polêmica sobre as técnicas de vigilância e monitoramento eletrônico adotadas pela agência nacional de segurança em relação à privacidade das pessoas.15 Assim, há o movimento das empresas de tecnologias e das organizações civis de cidadãos em prol de melhores práticas de criptografia das comunicações privadas.16

No Brasil, em destaque, o regime jurídico do provedor de aplicações de internet, diante da legislação brasileira.17 No Marco Civil da Internet há a previsão dos princípio da segurança e funcionalidade da rede, conforme medidas técnicas compatíveis com padrões internacionais e estímulo ao uso de boas práticas.18

O decreto 8.771/16, que regulamenta o Marco Civil da Internet, dispõe que os provedores de conexão e de aplicações devem, na guarda, armazenamento e tratamento de dados pessoais e comunicações privadas, observar as seguintes diretrizes: (…) IV – o uso de soluções de gestão dos registros por meio de técnicas que garantam a inviolabilidade dos dados, como encriptação ou medidas de proteção equivalentes”. Como se vê, este decreto expressamente trata da medida de encriptação ou equivalente como mecanismo de proteção à segurança de dados, nas comunicações privadas.

Além disto, o decreto 8.771/16 dispõe: “Art. 16. As informações sobre os padrões de segurança adotados pelos provedores de aplicação e provedores de conexão devem ser divulgadas de forma clara e acessível a qualquer interessado, preferencialmente por meio de seus sítios na internet, respeitado o direito de confidencialidade quanto aos segredos empresariais”. Em destaque, aqui, a proteção ao direito à confidencialidade dos segredos empresariais das empresas provedoras de serviços de conexão à internet e aplicações.

O tema da interceptação judicial das comunicações, realizadas pelo WhatsApp, demanda a análise da ponderação do conflito entre os direitos à privacidade, à inviolabilidade da comunicação privada, o direito à proteção e à segurança dos dados pessoais, diante da necessidade da Administração da Justiça, em acessar dados e os conteúdos das comunicações, para fins de investigação policial ou processo penal. Cabe esclarecer a natureza dos dados dos usuários do aplicativo, objeto de requisição judicial, podem ser: i) os dados armazenados em celulares/smartphones ou computadores; ii) o fluxo de dados na comunicação privada; iii) os metadados, tais como: o tempo em que foi escrita a mensagem, o número de telefone ou ID da pessoa que enviou a mensagem, a localização física do emissor e receptor em determinado tempo.

Talvez, a solução possível esteja na distinção entre os dados principais (conteúdos da comunicação privada), em relação aos metadados (informações secundárias). Os dados principais integram o núcleo essencial ao direito à privacidade e à inviolabilidade do direito à comunicação, daí o rigor quanto à quebra do sigilo da comunicação nesta hipótese. De fato, o foco da interceptação judicial é garantir o acesso ao conteúdo das comunicações privadas às autoridades competentes em investigação e instrução penal. Diferentemente, poder-se-ia sustentar que os metadados acima mencionados não fazem parte do núcleo essencial do direito ao sigilo das comunicações, daí o regime jurídico mais flexível em relação aos metadados quanto ao acesso por autoridades públicas. Em verdade, já é possível a requisição por ordem judicial dos metadados, quanto aos registros de conexão à internet e aplicações, conforme o Marco Civil da Internet.

No caso específico em análise, destaque-se que a empresa WhatsApp, em razões apresentadas na ADPF 403, alega a existência de outras alternativas legais para a coleta de dados e informações para fins de investigação policial e/ou instrução penal, daí sustenta a desproporcionalidade da aplicação da sanção da suspensão do aplicativo.

Na perspectiva econômica, a criptografia oferecida aos usuários integra o modelo de negócios da empresa provedora do aplicativo de internet. O produto (software) é, portanto, protegido pela criptografia.19 Ora, o WhatsApp é plataforma de tecnologia baseada na internet. Logo, é da sua responsabilidade oferecer ambiente de segurança para o fluxo das comunicações privadas. Ou seja, sem a criptografia, existem riscos exponenciais de prejuízos aos consumidores, aos negócios e inclusive à própria segurança nacional.

Exemplificando: o risco de atuação de hackers que podem realizar crimes cibernéticos, criando ameaças ao comércio digital. Também, no âmbito do comércio e da indústria, os sérios riscos de espionagem econômica. Daí a necessidade de medidas técnicas em proteção aos dados empresariais.20 A razão econômica é o motivo principal para a adoção da criptografia no aplicativo. Sem a segurança na comunicação de dados é evidente a vulnerabilidade dos usuários do aplicativo.

Ora, a adoção da criptografia pela empresa provedora do aplicativo WhatsApp encontra-se sob o âmbito normativo da livre iniciativa, daí sua liberdade empresarial e liberdade contratual em estabelecer a tecnologia em prol da maior segurança ofertada aos respectivos usuários. Em outras palavras, é inerente o modelo de negócios das empresas de tecnologia a oferta da criptografia. A prática comercial é no sentido de oferecer a melhor segurança para o tráfego de dados dos usuários. O estado regulador não pode proibir esta decisão empresarial. Ao contrário, deve incentivar inovações tecnológicas e práticas comerciais de segurança à proteção dados pessoais e empresariais. Assim, eventual restrição legislativa à criptografia há de ser submetida ao exame de sua constitucionalidade.

No âmbito legal, destaque-se que o Marco Civil da Internet não proíbe a utilização da criptografia das comunicações por aplicativos. Muito pelo contrário, o Marco Civil da Internet protege a liberdade do modelo de negócios, na plataforma da internet. Esta lei garante o direito à privacidade dos dados dos usuários, bem como a inviolabilidade do fluxo das comunicações privadas e a inviolabilidade das comunicações privadas armazenadas.21 A referida lei trata da requisição judicial dos registros de acesso a aplicações de internet, em seus art. 22 e 23.

Assim, o espelhamento das comunicações, realizadas pelo aplicativo, demanda a necessária autorização legislativa. Não é possível ordem judicial de interceptação, sem prévia lei que obrigue ao provedor do aplicativo a realizar o espelhamento do conteúdo das comunicações privadas. Assim, é necessário o devido processo legislativo para criar a obrigação de espelhamento dos conteúdos das comunicações privadas para a empresa provedora do aplicativo, sob pena de ofensa aos princípios da legalidade e segurança jurídica. Neste aspecto, no atual momento, nem o STF, nem ordem judicial, a pretexto de efetivar interceptação judicial, podem impor à empresa provedora do aplicativo a criação do back-door, para acessar ao conteúdo das comunicações privadas criptografadas.

E, ainda, eventual lei brasileira que proíba a criptografia em aplicativos ou que imponha a adoção do back-door, certamente, será alvo de controle de constitucionalidade. Em debate, a possível ofensa aos direito à privacidade e à inviolabilidade das comunicações privadas, ambos protegidos pela Constituição. Esta eventual restrição legislativa à liberdade do modelo de negócios da empresa de aplicativo teria efeitos negativos que transcenderiam as fronteiras nacionais, atingindo o livre fluxo das comunicações, a economia digital e as infraestruturas da internet, entre outros aspectos.

Em outros países, é comum o problema quanto à criptografia da comunicação de dados pelo aplicativo WhatsApp. Os governos, as autoridades de inteligência e de segurança pressionam a empresas para colaborar com as investigações policiais e criminais.22 Daí os desafios mundiais quanto à ponderação entre os bens em conflito: de um lado: privacidade e inviolabilidade das comunicações e, de outro lado, os interesses da justiça, em investigações criminais.

A título conclusivo, ao que parece, a criptografia não é em si mesma ameaça à segurança. Ao contrário, esta tecnologia é garantia à segurança da inviolabilidade das comunicações privadas.

A Constituição Federal garante os direitos à privacidade e à inviolabilidade das comunicações, ressalvada a hipótese de quebra do sigilo, mediante ordem judicial para investigação criminal ou instrução processual penal.23 A legislação em vigor autoriza a quebra do sigilo da comunicação, por aplicativo de internet, por ordem judicial de interceptação. O problema é saber se a criptografia adotada no aplicativo WhatsApp, impede, tecnicamente, a execução da interceptação judicial. Assim, esta é a questão a ser enfrentada na audiência pública no STF. E, também, verificar se habilitada a criptografia, há a possibilidade de espelhamento do conteúdo das comunicações privadas, para entrega dos dados e informações às autoridades competentes.

Ora, é essencial, para a segurança jurídica na aplicação do direito, conhecer a extensão e os limites das obrigações das empresas provedoras de aplicativos em relação à proteção aos direitos fundamentais à privacidade e à inviolabilidade das comunicações. Destaque-se, ainda, que da interpretação da atual legislação em vigor não é possível concluir pela imposição, à empresa provedora do aplicativo, da obrigação de criar back-door que permita o acesso ao conteúdo das comunicações por autoridades encarregadas de investigações criminais ou processos penais. É necessária lei prévia que autorize este tipo de carga obrigacional sobre a empresa de aplicativo. Assim, a mera ordem judicial que imponha este tipo de obrigação, sem o necessário respaldo legal, é ofensiva ao princípio da legalidade.

Ademais, quanto à interpretação da proteção à inviolabilidade das comunicações privadas, é importante a distinção entre os dados principais (conteúdo propriamente dito das comunicações privadas), objeto do núcleo essencial da inviolabilidade das comunicações, em relação aos metadados. Ao que tudo indica, os metadados não se encontram no núcleo essencial da garantia da inviolabilidade das comunicações. A propósito, o Marco Civil da Internet contém algumas diretrizes para a requisição judicial dos registros de conexão e acesso à internet e as respectivas aplicações. Daí porque, em havendo ordem judicial, devidamente fundamentada, contra usuário específico, é legítima a obtenção dos metadados.

Assim, o STF tem a possibilidade de fixar, com clareza e exatidão, o núcleo essencial da garantia fundamental à privacidade e à inviolabilidade das comunicações privadas, bem como as obrigações das empresas provedoras de aplicações de internet, em relação à natureza dos dados requisitados judicialmente, para fins de colaboração com a Justiça brasileira, quando devidamente requisitada por ordem judicial.

____________

  1. No STF, o fundamento principal presente na Arguição da Violação a Preceito Fundamental 403 é a impugnação da decisão que determinou a suspensão judicial do aplicativo WhatsApp em todo o território nacional, em razão do descumprimento da ordem de interceptação judicial do conteúdo das comunicações, sob o argumento da ofensa do direito à comunicação, bem como violação aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Na ADI 5527 requer-se a declaração da inconstitucionalidade de dispositivos legais do Marco Civil da Internet que tratam da sanção de suspensão do aplicativo ou, alternativamente, a interpretação destes artigos legais conforme a Constituição. Como fundamentos principais a ofensa aos direitos à comunicação, à livre iniciativa, defesa do consumidor, entre outros.
  2. O descumprimento à ordem judicial de interceptação de conversas de suspeitos de práticas criminosas ensejou inclusive a prisão do vice-Presidente do Facebook na América Latina, por crime de desobediência.
  3. Até porque não é admissível a a interceptação judicial genérica e aberta, sem a definição do alvo da investigação. Por outor lado, em declaração pública, o ex-Ministro da Justiça Alexandre de Moraes, atualmente Ministro do STF, declarou o governo estava preparando projeto de lei para regular esse tema do acesso judicial a dados das comunicações privadas em aplicativos de internet.
  4. 4. Segundo noticia a imprensa, falhas na atualização do sistema operacional Windows abriram uma janela para a entrada do vírus nos computadores.
  5. 5. Tribunal de Justiça de São Paulo, INSS, empresas privadas, entre outros, segundo noticia a imprensa.
  6. O bloqueio judicial do WhatsApp envolve, também, a análise do direito fundamental à comunicação, bem como a proteção ao sigilo das comunicações. Assim, somente com ordem judicial é possível a quebra do sigilo das comunicações, se atendidos os requisitos legais, em relação à autoria e materialidade do delito. A lei 9.296/96 trata da interceptação de telefônica e telemática.
  7. A Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. XII, dispõe: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A lei 9.296/96 trata das hipótese de interceptação judicial das comunicações. No parágrafo único do art. 1º dispõe que a lei é aplicável à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Este dispositivo legal foi objeto da ADI 1.488-DF, sob o fundamento da violação ao art. 5º, inc. XII. No entanto, o pedido de liminar foi indeferido.
  8. O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência no sentido da nulidade do processo penal em razão da falta de autorização judicial para acesso aos dados do aplicativo WhatsApp.
  9. Ver: lei 12.737/12. Conforme esta lei: “Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido. Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave”, art. 154-A, §3º, do dispositivo invadido. Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave”, art. 154-A, §3º, do Código Penal, na forma da lei 12.737/12.
  10. A título ilustrativo, o governo brasileiro lançou o satélite de comunicações, em parceria com a iniciativa privada, o qual servirá à implantação da rede de banda larga nacional, em áreas remotas. Por outro lado, há, também, a construção de uma rede de cabos submarinos entre o Brasil e a África, para fins de ligação com a Europa. Com a medida, pretende-se evitar que as comunicações de dados entre Brasil e Europa, passem por território norte-americano. Exemplificando: no serviço de email do Google, todas as comunicações privadas dos brasileiros são transmitidas para servidores da referida empresa, espalhados em território norte-americano, ficando neles armazenadas. Assim, o objetivo estratégico é criar rotas de tráfego de dados alternativos, para não depender das redes de comunicação norte-americanas.
  11. Back-door é conhecido como a porta dos fundos do código-fonte do software. É como se fosse uma chave-geral que permitira o acesso à integralidade dos conteúdos das comunicações privadas, realizadas pelo aplicativo.
  12. Como já referido, em declaração pública, o ex-Ministro da Justiça Alexandre de Moraes, atualmente Ministro do STF, declarou o governo estava preparando projeto de lei para regular esse tema do acesso judicial a dados das comunicações privadas em aplicativos de internet.
  13. 13. Na Alemanha, há o reconhecimento pela Corte Constitucional do direito à autodeterminação informativa, diante das novas tecnologias e informação e comunicação, como inerente ao direito geral de personalidade. Assim, a pessoa, ainda que não seja qualificada como proprietária de seus dados, tem assegurada a proteção jurídica adequada contra invasões à sua autodeterminação informativa. Consequentemente, a declaração da inconstitucionalidade de leis que autorizem o monitoramento da vida privada de suspeitos de crimes na internet, mediante técnicas de investigação secreta e remota de computadores. Ver: Menke. Fabiano. A proteção de dados e o novo direito fundamental à garantia da confidencialidade e da integridade dos sistemas técnico-informacionais no direito alemão. Em Direito, inovação e tecnologia, volume 1 (Coordenadores: Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgandg Sarlet e Alexandre Zavaglia P. Coelho). São Paulo. 2015, p. 205-230.
  14. Nos EUA, desde os ataques terroristas de 11 de setembro, houve a intensificação das medidas de vigilância e monitoramento de dados e informações na internet, inclusive a criação da exigência de back-door das empresas de telecomunicações e internet. Segundo consta, há parcerias entre as NSA e as empresas de telecomunicações e internet, com a inspeção, ainda, nas infraestrutura de redes de comunicação, tais como: redes de roteadores, fibras óticas, cabos, plataforma de hardware e sotware, etc. O USA Patriot Act, aprovado no Governo Bush e prorrogado no governo Obama, possibilitava aos órgãos de segurança e de inteligência dos EUA a interceptação de ligações telefônicas e emails de pessoas supostamente envolvidas em atos de terrorismo, sem necessidade de autorização judicial. Houve intensas críticas ao programa de vigilância massiva pelas autoridades norte-americanas, seja em relação a cidadão norte-americanos ou estrangeiros, sem ordem judicial. Foi substituído pelo USA Freedom Act, o qual estabelece novos procedimentos para a coleta de dados e informações em territórios estrangeiros, denominado Foreign Intelligence Surveillance Court (FISC), em atividades ligadas ao terrorismo. Fonte: Wikipedia. Segundo críticos, o estatuto legal é muito amplo, ao ponto de permitir a coleta de metadados das empresas de telecomunicações, em violação aos direitos de privacidade dos cidadãos.
  15. 15. Em debate no direito norte-americano, a Quarta Emenda da Constituição que garante o direito à segurança das pessoas contra ilegais buscas e apreensões, sem mandado judicial e sem motivo razoável.
  16. Castro, Daniel. And Mcquinn. Unlocking Encryption: information security and the rule of law. ITIF. Information tecnology ¶ Innovation Foundation, march 2016, p. 1-50.
    É outro o regime do provedor de serviços de telecomunicações, tais como: telefonia fixa e móvel celular. A Lei Geral de Telecomunicações garante a inviolabilidade e ao segredo da comunicação, ressalvadas as hipóteses e condições constitucionais e legais (art. 3º). Além disto, a referida lei dispõe que: “Art. 72. Apenas na execução de sua atividade, a prestadora poderá valer-se de informações relativas à utilização individual do serviço pelo usuário. §1º. A divulgação de informações individuais dependerá de anuência expressa e específica do usuário. §2º. A prestadora poderá divulgar a terceiros informações agregadas sobre o uso de seus serviços, desde que elas não permitam a identificação, direta ou indireta , do usuário, ou a violação de sua intimidade”. Além disto, a Resolução da Anatel que trata do serviço móvel pessoal prevê a suspensão do sigilo das telecomunicações, nas hipóteses prevista em lei a pedido de ordem judicial de autoridades públicas, em investigações e processos penais.
  17. Por outro lado, há diversas leis federais, e algumas leis estaduais, que tratam do acesso à informação aos dados cadastrais dos usuários dos serviços de telecomunicações. É o caso das leis federais 12.830/13, lei 12.850/13, lei 13.44/16. Estas leis criam obrigações para que as empresas de telecomunicações apresentem dados e informações sobre os respectivos usuários. Daí a impugnação quanto à sua inconstitucionalidade nas ADI 5059, 5063 5642, ora pendentes de julgamento no STF, sob o fundamento da ofensa ao direito à privacidade e ao sigilo das comunicações.
  18. Cf. Art. 3º¬, inc. V.
  19. 19. Há estudos no sentido da contribuição do WhatsApp para o crescimento econômico, nos seguintes aspectos: redução dos custos de producão e aumento da eficiência dos negócios baseados na plataforma internet, melhoramento do serviço ao consumidor, redução dos custos de marketing, eficiência na comunicação entre organizações e investidores e melhoria na prestação de serviços públicos. Ver: Rafert, Greg e Mate, Rosamond. The Global and Country-level economic impacts of WhatsApp.
  20. Cabe lembrar o episódio de invasão ao banco de dados do Yahoo, por hackers, que acessaram o conteúdo de milhares de contas de email.
  21. Cf. Art. 7º, inc. II e III, do Marco Civil da Internet.
  22. A título ilustrativo, o caso do FBI x Apple para o desbloqueio dos códigos de aparelho Iphone. A Apple recusou-se a colaborar com o FBI, sob a alegação ao direito à privacidade. Segundo a empresa, a pretensão do FBI era obter a chave-geral de acesso ao sistema operacional, algo contrário à política de privacidade empresarial. Ao final, o próprio FBI resolveu desbloquear o aparelho de celular/smartphone. Também, na Europa, houve este problema quanto ao acesso à criptografia dos dados no aplicativo do WhatsApp, no caso dos ataques terroristas, em Paris e em Londres.
  23. CF, Art. 5º, inc. XII.

 

Publicado no Site jurídico Migalhas em 06-06-2017.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI259918,71043-A+questao+da+criptografia+do+WhatsApp+julgamento+do+caso+pelo+STF+sob 

 

Publicado no Site: www.administradores.com.br em 06-06-2017.

http://www.administradores.com.br/noticias/tecnologia/por-que-a-justica-esta-preocupada-com-a-criptografia-do-whatsapp/119358/

 

Publicado no Site jurídico: www.jus.com.br em 06-06-2017

https://jus.com.br/artigos/58324/a-questao-da-criptografia-do-whatsapp-julgamento-do-caso-pelo-supremo-tribunal-federal-sob-a-perspectiva-da-seguranca-das-comunicacoes

 

Publicado no Site jurídico: www.jusbrasil.com.br em 07-06-2017

https://ericsonscorsim.jusbrasil.com.br/artigos/466573616/a-questao-da-criptografia-do-whatsapp-julgamento-do-caso-pelo-stf-sob-a-perspectiva-da-seguranca-das-comunicacoes?ref=topbar

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A remuneração pelo licenciamento de programação de TV digital

Desde o dia 30 de março milhares de residências da região metropolitana de São Paulo que assinam os pacotes das operadoras Net, ClaroTV, Oi TV e Sky deixaram de receber o sinal do SBT, RecordTV e RedeTV. A medida foi tomada pela Simba Content, uma joint-venture aprovada pelo Cade em 2016, que reúne as três emissoras abertas e que visa explorar o licenciamento de sua programação digital perante as prestadoras do serviço de TV por assinatura.  Até o momento apenas a Vivo aceitou negociar com a Simba.

As redes de televisão alegam que as empresas de TV por assinatura recusam-se ao pagamento da remuneração pelo licenciamento da programação dos canais da TV digital. Sobre essa questão é de conhecimento público que o pagamento já ocorre com as programadoras internacionais de canais e também com algumas nacionais, como a Globosat. A Lei da Comunicação Audiovisual de acesso condicionado (Lei n. 12485/2011, SeAC), em seu art. 32, inc I, prevê a questão da remuneração da cessão da programação pelos canais de TV aberta às prestadoras do SeAC. O texto da regra legal dispõe sobre a obrigatoriedade de a empresa prestadora do serviço de comunicação audiovisual de acesso condicionado (SeaC), disponibilizar, sem ônus para o assinante, canais de TV aberta, transmitidos em tecnologia analógica.

Em relação à tecnologia digital, há também outra norma da lei da comunicação audiovisual de acesso condicionado (SeaC) que dispõe que a emissora de TV por radiodifusão poderá ofertar sua programação para as prestadoras de TV por assinatura, em condições de direitos iguais e não discriminatórios, conforme acordo comercial entre as partes.

Em síntese conclui-se que as empresas de TV por radiodifusão têm direito sobre o licenciamento de programação audiovisual, razão pela qual são protegidas pela legislação setorial, e, também pela legislação sobre direitos autorais. Com efeito, a rede de televisão realiza intensos investimentos na produção de sua programação (conteúdos artísticos e jornalísticos, entre outros), daí porque terceiros interessados no licenciamento da programação de televisão digital devem solicitar autorização às empresas de TV por radiodifusão, bem como efetuar o respectivo pagamento da remuneração negociada.

Na perspectiva das redes de televisão aberta, há o sério risco de perda de receitas com a diminuição de sua audiência, e do outro lado, há o consumidor que ficará sem o acesso aos canais digitais da TV aberta. Nesta hipótese de ausência de acordo empresarial sobre o licenciamento da programação, o consumidor acessaria ao sinal da TV digital, mediante antenas instaladas em seus televisores. Aliás, o consumidor, ao contratar os serviços de TV por assinatura, cria expectativas legítimas quanto ao recebimento dos canais da TV digital.

A Anatel, segundo informações veiculadas pela imprensa, notificará as empresas de TV por assinatura, com fundamento no Regulamento de Defesa dos Direitos dos Assinantes de TV por assinatura, o qual dispõe que qualquer alteração no plano de serviços deve ser comunicada com antecedência de, no mínimo, 30 (trinta) dias aos assinantes.

Provavelmente, se não houver negociação entre as partes, poderá ocorrer a judicialização do tema. Ao final, o Poder Judiciário, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, fixará a interpretação constitucional e legal da referida lei da comunicação audiovisual de acesso condicionado.

 

Artigo publicado no site www.portaldacomunicacao.com.br  em 26/04/2017.

http://portaldacomunicacao.com.br/2017/04/remuneracao-pelo-licenciamento-de-programacao-de-tv-digital/

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Disputa entre redes de televisão e empresas de TV paga: a remuneração pelo licenciamento de programação de televisão digital (TV aberta)

Possivelmente, se não houver negociação entre as redes de televisão e as empresas de TV por assinatura, poderá ocorrer a judicialização do tema.

O desligamento do sinal de TV analógica desperta controvérsia sobre os preços pelo licenciamento do conteúdo dos canais da TV digital pelas empresas de TV por assinatura. O tema é objeto da regulação setorial do Direito da Comunicação1.

As empresas de TV por radiodifusão pretendem cobrar remuneração pela cessão de sua programação digital às empresas de TV por assinatura. As redes de televisão SBT, Record e Rede TV, criaram a joint venture SIMBA, já aprovada pelo CADE2, para explorar o direito ao licenciamento de sua programação digital perante as prestadoras do serviço de TV por assinatura.

O fundamento jurídico para a criação da joint venture SIMBA das redes de televisão foi a própria Lei da Comunicação Audiovisual de acesso condicionado. As emissoras de televisão aberta informa que apenas uma das empresas de TV por assinatura (Vivo) estabeleceu negociação com as referidas redes de televisão, e decidiu por manter a transmissão da programação da TV digital.

As redes de televisão alegam que as empresas de TV por assinatura recusam-se ao pagamento da remuneração pelo licenciamento da programação dos canais da TV digital. A Lei da Comunicação Audiovisual de acesso condicionado (Lei 12485/11, SeAC), em seu art. 32, inc I, prevê a questão da remuneração da cessão da programação pelos canais de TV aberta às prestadoras do SeAC. O texto da regra legal dispõe sobre a obrigatoriedade de a empresa prestadora do serviço de comunicação audiovisual de acesso condicionado (SeaC), disponibilizar, sem ônus para o assinante, canais de TV aberta, transmitidos em tecnologia analógica.3

Mas, em relação à tecnologia digital, há também outra norma da lei da comunicação audiovisual de acesso condicionado (SeaC) que dispõe que a emissora de TV por radiodifusão poderá ofertar sua programação para as prestadoras de TV por assinatura, em condições isonômicas e não discriminatórias, conforme acordo comercial entre as partes.4 Na hipótese de inexistir acordo comercial entre as partes, é facultado à geradora local de radiodifusão de sons e imagens exigir a distribuição gratuita de sua programação pelas prestadoras do SeaC, na área de prestação do serviço.5

Em síntese, da interpretação da lei da comunicação audiovisual de acesso condicionado conclui-se no sentido da faculdade de as empresas de TV por radiodifusão cobrar ou não remuneração pelo licenciamento do conteúdo de seus canais de televisão digitais. As empresas de TV por radiodifusão têm direito sobre o licenciamento de programação audiovisual, razão pela qual são protegidas pela legislação setorial, e, também pela legislação sobre direitos autorais. Com efeito, a rede de televisão realiza intensos investimentos na produção de sua programação (conteúdos artísticos e jornalísticos, entre outros), daí porque terceiros interessados no licenciamento da programação de televisão digital devem solicitar autorização às empresas de TV por radiodifusão, bem como efetuar o respectivo pagamento da remuneração negociada.

Destaque-se que aguarda decisão final no STF, a ADI 4679/DF em conjunto com as ADIs 4.747, 4.756 e 4.923. O voto do rel. min. Fux, foi no sentido da declaração da constitucionalidade da lei 12.485/11, ressalvada a exceção de seu voto sobre a inconstitucionalidade do art. 25. Esta norma regula a contratação de agência de publicidade brasileira para veiculação de publicidade contratada no exterior.6

Na perspectiva das redes de televisão aberta, há o sério risco de perda de receitas com a diminuição da base de sua audiência, com a não transmissão do sinal de TV digital pelas empresas de TV por assinatura.

Por sua vez, na perspectiva dos consumidores, com o desligamento do sinal analógico, há o risco de ficarem sem o acesso aos canais digitais da TV aberta, no ponto de decodificação do sinal da TV por assinatura. Nesta hipótese de ausência de acordo empresarial sobre o licenciamento da programação, os consumidores acessariam ao sinal da TV digital, mediante antenas instaladas em seus televisores. Aliás, os consumidores, ao contratar os serviços de TV por assinatura, criaram expectativas legítimas quanto ao recebimento dos canais da TV digital.

A Anatel, segundo informações veiculadas pela imprensa, notificará as empresas de TV por assinatura, com fundamento no Regulamento de Defesa dos Direitos dos Assinantes de TV por assinatura, o qual dispõe que qualquer alteração no plano de serviços deve ser comunicada com antecedência de, no mínimo, 30 (trinta) dias aos assinantes.

Possivelmente, se não houver negociação entre as redes de televisão e as empresas de TV por assinatura, poderá ocorrer a judicialização do tema. Ao final, o Poder Judiciário, no STF ou no STJ, fixará a interpretação constitucional e legal da referida lei da comunicação audiovisual de acesso condicionado.

 

_____________

 

1 Sobre o tema, ver: Scorsim. Ericson M. Direito das comunicações. Telecomunicações. Internet. TV por radiodifusão. TV por assinatura, 2016, disponível no site da Amazon.

2 CADE (Ato de Concentração 08700.006723/2015-21).

3 Conforme Lei 12.485/11:

“Art. 32. A prestadora do serviço de acesso condicionado, em sua área de prestação, independentemente de tecnologia de distribuição empregada, deverá tornar disponíveis, sem quaisquer ônus ou custos adicionais para seus assinantes, em todos os pacotes ofertados, canais de programação de distribuição obrigatória para as seguintes destinações:

I – canais destinados à distribuição integral e simultânea, sem inserção de qualquer informação, do sinal aberto e não codificado, transmitido em tecnologia analógica pelas geradoras locais de radiodifusão de sons e imagens, em qualquer faixa de frequências, nos limites territoriais da área de cobertura da concessão;

4 Conforme Lei 12.485/11:

“Art. 32. (…)

  • 12. A geradora local de radiodifusão de sons e imagens de caráter privado poderá, a seu critério, ofertar sua programação transmitida com tecnologia digital para as distribuidoras de forma isonômica e não discriminatória, nas condições comerciais pactuadas entre as partes e nos termos técnicos estabelecidos pela Anatel, ficando, na hipótese de pactuação, facultada à prestadora do serviço de acesso condicionado a descontinuidade da transmissão da programação com tecnologia analógica prevista no inciso I deste artigo.

5 Conforme lei 12.485/11:

“Art. 32. (…)

  • 13. Caso não seja alcançado acordo quanto às condições comerciais de que trata o § 12, a geradora local de radiodifusão de sons e imagens de caráter privado poderá, a seu critério, exigir que sua programação transmitida com tecnologia digital seja distribuída gratuitamente na área de prestação do serviço de acesso condicionado, desde que a tecnologia de transmissão empregada pelo distribuidor e de recepção disponível pelo assinante assim o permitam, de acordo com critérios estabelecidos em regulamentação da Anatel.

6 Até o presente momento, no STF, o voto do Min. Relator das ADI’s sobre a Lei da TV por assinatura é seguido pelos Ministros Luís Roberto Barroso, saudoso Teori

Zavascki e Rosa Weber. O Min. Luiz Edson Fachin considerou a lei totalmente constitucional – inclusive o artigo 25. Aguardam-se os votos dos demais Ministros. Ver: Temas de Direito da Comunicação na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, obra inédita.

Artigo publicado no site jurídico Migalhas em 31/03/2017.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI256617,81042-Disputa+entre+redes+de+televisao+e+empresas+de+TV+paga+a+remuneracao 

Artigo publicado no site Coletiva.net em 13/04/2017

http://coletiva.net/artigos/2017/04/disputa-entre-redes-de-televisao-e-empresas-de-tv-paga-a-remuneracao-pelo-licenciamento-de-programacao-de-televisao-digital-tv-aberta/

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Mudança na Lei Geral de Telecomunicações pelo PL 79/16: a atualização da regulação setorial e do ambiente de negócios de comunicação

O PLC 79/16 propõe a mudança da lei geral de telecomunicações.

O ponto principal da mudança da lei 9.472/97 é a possibilidade de alteração do regime jurídico do serviço de telecomunicações de concessão para autorização, nos termos aprovados pela Anatel.

Os senadores da oposição ingressaram com mandado de segurança no STF (MS 34562), com pedido de liminar, Rel. Min. Teori Zavascki, para impugnar a aprovação do PL 79/16. Argumenta-se que a proposta legislativa deveria ter sido aprovada pelo Plenário do Senado Federal, daí a suposta ofensa ao art. 58, parágrafo 2º, inciso I, da CF. Até o momento da conclusão do presente artigo, o pedido de liminar ainda não havia sido apreciado pelo STF.

Destaque-se que a lei geral de telecomunicações foi aprovada em 1997, ano em que predominavam os serviços de telefonia fixa. Atualmente, diferentemente daquela época, há queda significativa do interesse dos usuários pelos serviços de telefonia fixa, causada principalmente pela oferta de outros serviços de telecomunicações, tais como acesso ao serviço móvel pessoal e internet móvel. Daí a motivação do legislador para a mudança da regulação setorial.

Segundo dados oficiais da Anatel, a internet por banda larga fixa atende somente a metade dos domicílios do País. Daí o grande desafio quanto à inclusão digital, mediante a oferta de serviços por internet banda larga fixa. A oportunidade da mudança legislativa estaria representada pelo valor dos ativos vinculados às concessões de telefonia fixa, pois se deixada a questão para proximidade do término das concessões (2025), o valor econômico dos ativos seria ainda menor, conforme declaração do presidente da Anatel.1

Assim, diante da relevância do tema para a regulação setorial das telecomunicações, e, consequentemente, para o Direito da Comunicação, é que se apresenta o presente artigo.2

A razão principal é a flexibilização do regime jurídico para fins de incentivo a realização de investimentos do setor privado, na criação de infraestrutura de redes de internet, por banda larga.

Ou seja, o propósito da inovação legal é promover a atualização da regulação setorial dos serviços de telecomunicações, no contexto das convergências de redes e serviços de telecomunicações.3 Atualmente, há a oferta conjunta de serviços de voz, dados e televisão por um mesmo grupo econômico. Daí a necessidade de uniformização do ambiente regulatório das empresas que competem no mercado.

Em destaque, algumas questões sobre o novo marco legal das telecomunicações a seguir analisadas.

  1. Da mudança do regime de prestação do serviço de telecomunicações de concessão para autorização.

No PL 79/16 tem como objetivo permitir a Anatel utilizar da figura da autorização administrativa para a outorga dos serviços de telecomunicações, sob o regime privado.

No marco regulatório tradicional do setor de telecomunicações, há previsão do modelo da concessão para outorga dos serviços de telefonia fixa comutada (STFC), sob o regime público.

Basicamente, no regime público da concessão do serviço de telecomunicações há as obrigações de prestação de serviço com universalidade e continuidade.4

No modelo clássico do regime jurídico da concessão, há as características do equilíbrio econômico financeiro, controle da tarifa, reversão dos bens afetados à execução do serviço, intervenção do poder público sobre a concessão. Ao final da concessão, os bens afetados à execução do serviço devem ser devolvidos à União (poder concedente).

Diferentemente, no regime privado da autorização do serviço de telecomunicações não há a incidência desta carga obrigacional, daí a prevalência da livre iniciativa. Neste regime privado, não há: i) reversão de bens, ii) regime de tarifa, iii) nem intervenção administrativa.

Saliente-se que o regime originário da lei geral de telecomunicações possibilita inclusive a coexistência do regime público e regime privado nos serviços de telecomunicações.

Destaque-se que a figura da autorização é o modelo regulatório adotado nos serviços móvel pessoal (telefonia celular), acesso à internet (serviço de comunicação multimídia), serviços de TV por assinatura (serviço de comunicação audiovisual por acesso condicionado).5Portanto, o modelo regulatório da autorização do serviço de telecomunicações é o mais atualizado, pois representa a mais moderna tendência da regulação setorial, em sintonia com as demandas do mercado por flexibilidade no regime jurídico.

De fato, a uniformização da regulação setorial, mediante a adoção do regime da autorização, é mais adequada na perspectiva da competição entre as empresas que atuam na exploração econômica dos serviços de comunicação.

Conforme a proposta de mudança da lei em análise, a Anatel poderá permitir a adaptação do contrato de concessão para o termo de autorização. Como condições para esta adaptação: i) a manutenção da prestação do serviço adaptado e compromisso de cessão de capacidade que assegure esta manutenção, nos termos da regulação da própria agência reguladora; ii) celebração de compromissos de investimentos; iii) apresentação de garantias para a execução do cumprimento das obrigações; iv) adaptação das outorgas para prestação dos serviços de telecomunicações, bem como autorizações de uso de radiofrequências detidas pelo grupo empresarial controlador da concessionária em termo único de autorização serviços.6

Um dos propósitos da mudança legal é incentivar a criação de novos investimentos privados na infraestrutura de rede de internet, por banda larga fixa.

  1. Da competência da Anatel para propor a modificação do regime jurídico da concessão de serviço de telecomunicações para autorização

A Anatel, conforme o projeto de lei em análise, poderá, conforme requerimento da concessionária do serviço de telefonia fixa comutada, autorizar a adaptação do instrumento de concessão para autorização. Assim, com base nos requisitos legais, a agência reguladora analisará as condições para deferir o pedido da conversão da concessão em autorização.

  1. Dos compromissos de investimentos privados em infraestrutura de rede de comunicação de dados

Nos termos do PL, o valor econômico associado à concessão de telefonia fixa reverterá em compromissos de investimentos, com a priorização da implantação da infraestrutura de rede de alta capacidade de comunicação de dados em áreas de competição adequada e a redução de desigualdades, conforme regulação da Anatel.7

Segundo consulta pública da Anatel, as prioridades na definição dos compromissos de investimentos encontram-se: i) expansão das redes de transporte em fibra óptica e em rádio de alta capacidade para mais municípios; ii) ampliação da cobertura de vilas e de aglomerados rurais com banda larga móvel; iii) aumento da abrangência de redes de acesso baseadas em fibra óptica, iv) atendimento de órgãos públicos com prioridade para os serviços de educação e saúde, com acesso à internet em banda larga.8

  1. Da avaliação do conteúdo econômico da concessão do serviço de telefonia fixa

Conforme o projeto de lei, os projetos de investimento, a serem financiados, serão avaliados a partir do valor econômico decorrente das adaptações das concessões do serviço de telefonia fixa comutada. O valor econômico referente à adaptação do instrumento de concessão para autorização será determinado pela Anatel, com indicação da metodologia e dos critérios de avaliação.9

Segundo ainda o projeto de lei, os bens reversíveis utilizados para a prestação de outros serviços de telecomunicações serão valorados na proporção de uso para o serviço concedido.10

  1. Das garantias financeiras ao cumprimento dos compromissos de investimento das empresas de telecomunicações

Nos termos do projeto de lei, a empresa de telecomunicações que requeira a adaptação da modalidade de outorga da concessão para autorização deve apresentar garantias para o cumprimento das obrigações legais. Assim, como modalidades de garantias de cumprimento dos compromissos os seguros-garantias, conforme consulta pública sobre o plano geral de outorgar de serviços de telecomunicações.11

  1. Do direito de uso das frequências do espectro e a autorização.

Nos termos do PL, é condição objetiva para obtenção da autorização de serviço a disponibilidade de radiofrequência necessária, no caso dos serviços que a utilizem. Conforme, também, o PL 79/16, a transferência da autorização de uso de radiofrequências entre prestadores de serviços de telecomunicações dependerá de anuência da Anatel, conforme a regulamentação setorial.12

Para fins de anuência, a ANATEL poderá estabelecer condicionamentos de natureza concorrencial para sua aprovação, tais como limitações à quantidade de radiofrequências transferidas.13

Destaque-se que não há a garantia automática do direito à renovação do uso das frequências. A renovação do direito à frequência depende da configuração do interesse público no caso. Ao que consta, a renovação do direito de uso da frequência é faculdade do poder público outorgado à empresa de telecomunicações. De fato, a frequência do espectro é bem público, cujo direito de uso está condicionado aos requisitos legais, nos termos da lei geral de telecomunicações.

  1. Do regime privado dos bens afetados à execução dos serviços de telecomunicações

No regime privado, há o regime da propriedade privada sobre as infraestruturas de redes de comunicação. Assim, o titular da rede é quem define as condições de uso e exploração econômica.

Mas, o titular da infraestrutura de rede de comunicação está submetido à regulação setorial de telecomunicações. Daí o surgimento de obrigações como a de ceder capacidade de rede de comunicação, em livre condição de mercado, pactuado mediante preço negociado entre as partes.

  1. Da competência da Anatel para atualizar a regulação setorial, bem como fiscalizar a situação de regularidade fiscal das empresas de telecomunicações

Conforme o PL em análise, ao modificar a lei geral de telecomunicações, há a previsão da competência da Anatel para reavaliar, periodicamente, a regulamentação com vistas à promoção da competição e a adequação à evolução tecnológica e de mercado.14

Também, o PL impõe à Anatel o dever de verificar a situação de regularidade fiscal de empresa de telecomunicações, em relação às entidades integrantes da administração pública federal.15

Há, ainda, a previsão legal da competência da Anatel para estabelecer as regras específicas para uso e compartilhamento de redes, bem como medidas assimétricas de mercados de atacado e varejo no setor de telecomunicações.

Na consulta pública da Anatel, na minuta do termo de autorização, há regras sobre as transferências de concessão ou de controle de concessionária do serviço de telefonia fixa comutada que devem seguir o princípio do maior benefício ao usuário e ao interesse social e econômico do país.

Em síntese, o projeto de lei em análise de atualização parcial da lei geral de telecomunicações representa verdadeira evolução em termos de mudança do regime jurídico da concessão para a autorização, no caso do serviço de telefonia fixa, em sintonia, bem com as demandas do mercado por flexibilização do regime jurídico, bem como a adequando-se a regulação setorial dos demais serviços de comunicação, tais como serviço móvel pessoal, conexão à internet (serviço de comunicação multimídia), TV por assinatura (SeaC), também sob o regime da autorização administrativa.

_____________

  1. Cf. O Marco Regulatório das Telecomunicações, 2 de janeiro de 2017, publicado no jornal Valor Econômico.
  2. Sobre o tema, ver: SCORSIM. Ericson M. Direito das Comunicações: Regime Jurídico dos Serviços de Telecomunicações, Internet, TV por radiodifusão e TV por assinatura.
  3. Sobre o tema, ver: voto Conselheiro Rodrigo Zerbone Loureiro sobre a revisão do plano geral de metas de universalização do serviço telefônico fixo comutado prestado no regime público, 31/03/16.
  4. Ver Lei Geral de Telecomunicações (arts. 63 a 65).
  5. Sobre o tema, ver SCORSIM, Ericson M. Direito das Comunicações: Regime Jurídico dos Serviços de Telecomunicações, Internet, TV por radiodifusão e TV por assinatura.
  6. PLC 79/16, art. 2º, que acrescenta o art. 68-A a lei 9.472/97.
  7. PLC 79/16, art. 2º, que acrescenta o art. 68-B, § 3º, a lei 9.472/97.
  8. Anatel, Rel. Conselheiro Relator: Igor Vilas Boas de Freitas, acórdão 4, de 9/1/17.
  9. PLC 79/16, art. art. 2º, que acrescenta o art. 68-B, caput, a lei 9.472/97.
  10. PLC 79/16, art. art. 2º, que acrescenta o art. 68-C, parágrafo único, a lei 9.472/97.
  11. PLC 79/16, art. art. 8º, que acrescenta o art. 68-A, § 3º, a lei 9.472/97.
  12. PLC 79/16, art. art. 8º, que altera o art. 163, § 4º, da lei 9.472/97.
  13. PLC 79/16, art. 8º, que altera o art. 163, § 5º, da lei 9.472/97.
  14. PLC 79/16, art. 3º, que altera o art. 19, inc. XXXII, da lei 9.472/97.
  15. PLC 79/16, art. art. 7º, que altera o art. 133, parágrafo único, da lei 9.472/97.

 

Artigo publicado no site jurídico Migalhas em 24/01/2017.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI252310,41046-Mudanca+na+lei+geral+de+telecomunicacoes+pelo+PL+7916+a+atualizacao

 

Artigo publicado no site www.jornaladvogado.com.br em 04/05/2017

http://jornaladvogado.com.br/mudanca-na-lei-geral-de-telecomunicacoes-analise-do-projeto-de-lei-n-792016/

 

Artigo publicado no site www.cuiabajoje.com.br em 04/05/2017

 

Artigo publicado no site www.administradores.com.br em 06/05/2017

http://www.administradores.com.br/noticias/cotidiano/mudanca-na-lei-geral-de-telecomunicacoes-analise-do-projeto-de-lei-n-792016/118696/

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A proibição do Waze e o direito à comunicação

O poder público pode reprimir as condutas ilícitas dos motoristas, mas isso não autoriza a supressão do direito fundamental à comunicação de todos os cidadãos brasileiros.

O Projeto de Lei 5.596, de 2013, aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, dispõe sobre a proibição do uso de aplicativos, redes sociais e quaisquer outros recursos na internet para alertar motoristas sobre a ocorrência e localização de blitz de trânsito. O projeto de lei será ainda analisado por outras comissões legislativas da Câmara dos Deputados.

Segundo o projeto de lei, o provedor de aplicações de internet tem a obrigação de tornar indisponível o conteúdo associado ao aplicativo ou à rede social. Como sanção pelo descumprimento da regra, o projeto de lei prevê que o infrator terá de pagar multa de até R$ 50 mil, multa também aplicável à pessoa que fornecer informações sobre a ocorrência e localização de blitz para aplicativos, redes sociais ou quaisquer outros recursos na internet.

Em outras palavras, se aprovado este projeto de lei, fica proibida a utilização de aplicativos como o Waze, bem como a criação de páginas nas redes sociais destinadas a alertar os motoristas sobre a ocorrência e localização de blitz de trânsito.

Ora, este projeto de lei é contrário às diretrizes do Marco Civil da Internet, que estabelecem a plena liberdade de expressão, informação e comunicação, no âmbito da cidadania. O projeto de lei atinge em cheio o núcleo essencial do direito fundamental dos cidadãos quanto à utilização de aplicativos de internet. O Marco Civil da Internet ainda garante a plena liberdade dos modelos de negócios na internet e, consequentemente, a liberdade da empresa provedora de aplicações de internet. De fato, a empresa de tecnologia responsável pelo provimento do aplicativo com informações relacionadas ao trânsito não pode ser responsabilizada em lei pela conduta de seus respectivos usuários.

Além disso, há desproporcionalidade entre a medida legislativa e a finalidade por ela buscada (segurança no trânsito), daí a sua potencial inconstitucionalidade. Em vez de se adotar uma medida legislativa, extrema (a proibição do uso de aplicativos e redes sociais para fins de alerta de motoristas sobre ocorrência de blitz de trânsito), o Legislativo poderia adotar medidas de fomento à realização de campanhas educativas relacionadas ao trânsito, especialmente sobre o comportamento dos motoristas.

Sem dúvida alguma, o poder público tem a obrigação de fiscalizar a aplicação das regras do Código Nacional de Trânsito, inclusive com a repressão das condutas ilícitas dos motoristas, mas isso não autoriza a adoção de medida legislativa excessiva, com a supressão do direito fundamental à comunicação de todos os cidadãos brasileiros.

O direito à comunicação por aplicativos é protegido pela Constituição Federal, daí o controle rigoroso quanto ao exame da constitucionalidade de medidas restritivas a direitos fundamentais, tal como o direito à comunicação digital. Tema relevante, que envolve o direito e as novas tecnologias, com alto impacto sobre os cidadãos brasileiros, razão pela qual o referido projeto de lei merece análise bastante cuidadosa.

Ericson M. Scorsim, mestre e doutor em Direito, é advogado especializado em Direito das Comunicações e autor do e-book Direito das Comunicações.
Artigo publicado no jornal Gazeta do Povo em 09/09/2016

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Direitos de transmissão pela TV dos jogos olímpicos, na Lei brasileira

O objetivo do presente texto é apresentar as regras relativas ao direito da radiodifusão e seu impacto na organização da transmissão dos jogos olímpicos principalmente pela plataforma televisão aberta e TV por assinatura.

O Brasil é o país sede dos jogos olímpicos. A tocha olímpica, símbolo da união entre os povos, percorreu diversas cidades brasileiras nas mãos dos atletas.

Os jogos olímpicos são o evento esportivo que será transmitido para, aproximadamente, 5 (cinco) bilhões de telespectadores pela televisão aberta e por assinatura, internet, e telefone celular, por mais de 105 emissoras de TV, para, mais de 200 (duzentos) países. Há a previsão da cifra de 4 (quatro) bilhões de dólares com receitas dos direitos de transmissão dos jogos olímpicos, nas plataformas de televisão aberta e por assinatura, internet e telefone celular, chega a superar.

Para além da importância econômica, os Jogos Olímpicos são relevantes na perspectiva da educação e cultura associados às mais diversas práticas esportivas. O seu legado é despertar a consciência quanto aspectos do corpo e da mente das pessoas. Afinal, os gregos ensinavam: mente sadia em corpo saudável!

Os Jogos Olímpicos são o maior evento desportivo mundial, com a união praticamente todos os povos do planeta e diversas culturas da humanidade. São mais de dez mil atletas de mais de duzentos países que participarão dos jogos olímpicos. A cobertura do evento esportivo será feita por 25 mil jornalistas, segundo noticia a imprensa.

Aqui, registre-se as origens dos Jogos Olímpicos, realizados na cidade de Olímpia, na Grécia, em homenagem aos deuses. Os gregos organizaram os jogos como forma de homenagem da humanidade aos deuses. Aos competidores vitoriosos o êxtase, aos vencidos a agonia da derrota. Como símbolo moderno dos jogos olímpicos, os cincos anéis interligados que identificam os cinco continentes do planeta: América, Europa, Ásia, África e Oceania. O evento em si é símbolo da união fraterna entre os povos.

Para viabilizar a realização da transmissão dos jogos olímpicos, foram feitos investimentos na infraestrutura de telecomunicações, principalmente na capacidade da rede móvel. Também, foram realizados investimentos em redes de fibra óptica, bem como em soluções de rede de comunicações digitais.

A lei 13.284/16 trata das medidas relativas à organização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. Especificamente, a referida lei trata das regras para acesso aos locais oficiais, da captação de imagens e sons e radiodifusão.

Daí o objetivo do presente texto em apresentar as regras relativas ao direito da radiodifusão e seu impacto na organização da transmissão dos jogos olímpicos principalmente pela plataforma televisão aberta e TV por assinatura.

A Lei dos Jogos Olímpicos reconhece que o Comitê Olímpico Internacional (COI) e o Comitê Paraolímpico Internacional são os titulares exclusivos e beneficiários de todos os direitos, títulos e interesses relacionados à imagens e aos sons dos eventos oficiais. Estes direitos incluem as faculdades de usar, explorar, negociar, autorizar e proibir o uso das imagens e sons e os direitos de capturá-los, gravá-los, reproduzi-los, transmiti-los, exibi-los ou disponibilizá-los.

Em razão do direito à proteção à marca dos jogos olímpicos, com reserva da exclusividade de direitos, há uma série de restrições à atividades de marketing e publicitária por pessoas que não têm o direito à exploração da marca comercial.

Além disto, somente o Comitê Olímpico Internacional (COI) e IPC (Comitê Paraolímpico Internacional) têm o direito de autorizar a captação de imagens ou sons de qualquer evento oficial, inclusive em relação aos representantes de imprensa.

Também, na referida lei dos jogos olímpicos, há previsão de que a transmissão, a retransmissão e a exibição, para fins comerciais, por qualquer meio de comunicação, em todos os formatos disponíveis, inclusive pela internet, de imagens ou sons dos eventos oficiais somente poderão ser feitas mediante prévia e expressa autorização escrita do Comitê Olímpico Internacional (COI) e do Comitê Paraolímpico Internacional.

Mas, o COI e o IPC são obrigados a disponibilizar flagrantes de imagens dos eventos oficiais aos veículos de comunicação, interessados em sua retransmissão, inclusive pela internet.

Nesta hipótese legal de cessão do direito à retransmissão dos Jogos Olimpicos, deve-se observar as seguintes condições: i) a retransmissão deve ser destinada à inclusão em noticiário, sempre com finalidade informativa, havendo a proibição da associação dos flagrantes de imagens a qualquer forma de patrocínio, promoção publicidade ou atividade de marketing; ii) a definição de sons e imagens deverá ser de maior padrão de qualidade disponível, garantindo-se, no mínimo, a resolução em televisão de alta definição (HDTV); iii) os veículos de comunicação interessados comunicarão ao COI, ao IPC ou às pessoa por eles indicadas, por escrito, até 72 (setenta e duas) horas antes do início dos Jogos Olímpicos e Jogos Paraolímpicos, a intenção de acesso a conteúdo dos flagrantes de imagens dos eventos oficiais; iii) a retransmissão de sinais de radiodifusão sonora e de sons e imagens ocorrerá somente na programação dos canais e nos meios disponíveis exclusivamente no território nacional.

Uma vez obtida a autorização, os veículos de comunicação não poderão: i) organizar, aprovar, realizar ou patrocinar qualquer atividade promocional, publicitária ou de marketing associada às imagens ou aos sons contidos no conteúdo disponibilizado nos termos do 1º, do art. 13; ii) explorar comercialmente o conteúdo fornecido nos termos do §1º, inclusive em programas de entretenimento, documentários e sítios da internet ou por qualquer outra forma de veiculação de conteúdo.

Além disto, a referida lei dos jogos olímpicos dispõe que o conteúdo disponibilizado aos radiodifusores de sons e imagens solicitantes poderá ser por eles distribuído para suas retransmissoras, as quais se submetem às condições do art. 13 e 14.

O Comitê Olímpico Internacional (COI) e o Comitê Paraolímpico Internacional devem preparar e disponibilizar aos veículos de comunicação interessados os flagrantes dos principais momentos dos eventos oficiais, observando-se os limites mínimos diários de: i) seis minutos das cerimônias de abertura e de encerramento dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos; ii) 21 (vinte e um) minutos das competições desportivas realizadas a cada dia.

Por outro lado, há a regra legal no sentido de que o veículo de comunicação interessado não pode exceder o limite máximo diário de exibição de 15 (quinze) minutos das imagens por ele escolhidas nos flagrantes dos eventos oficiais de que trata o §1º do art. 13. Daí a restrição ao direito à informação por parte da empresa de comunicação que não detém os direitos oficiais sobre a transmissão dos jogos olímpicos.

Também, a lei dispõe que as imagens das cerimônias de premiação e de entrega de medalhas com a participação de atletas brasileiros deverão ser disponibilizadas pelas entidades organizadoras com, no mínimo, 90 (noventa) segundos de duração, os quais serão computados no limite referido no §3º.

Enfim, a Lei dos Jogos Olímpicos retrata a organização de evento histórico transmitido para de bilhões de pessoas ao redor do mundo. A lei contém as regras relativas ao direito à radiodifusão de sons e imagens, bem como os limites ao direito à informação sobre a cobertura jornalística dos jogos. É mais um tema que integra o direito das comunicações, objeto de merecida análise jurídica.

 

Artigo publicado no site jurídico Migalhas em 08/08/2016.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI243507,71043-Direitos+de+transmissao+pela+TV+dos+Jogos+Olimpicos+na+lei+brasileira 

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WhatsApp: o debate sobre o conflito privacidade e segurança

Ao que parece, a proibição da criptografia em lei é medida excessiva. Mas, ao menos, é razoável o debate pelo Estado, mercado e sociedade sobre os limites à criptografia e acesso aos conteúdos das comunicações de dados.

O caso do último bloqueio judicial do WhatsApp merece reflexões. O tema é interessante porque apresenta a conexão entre as fronteiras do Direito e das tecnologias de comunicações. Vale a análise sobre o conflito entre o direito à privacidade dos usuários e a segurança pública, nas situações de investigação policial e ou penal, para fins de obtenção de conteúdo das comunicações de dados no âmbito privado, em cumprimento à determinação da Justiça.

O tema ainda ganhou destaque na imprensa devido à operação da Polícia Federal na investigação em atos preparatórios de terrorismo, às vésperas da Olímpiada. Cabe lembrar que no último caso do bloqueio do WhatsApp, o STF decidiu por manter o seu funcionamento, sob os fundamentos de que a decisão de bloquear o aplicativo de comunicações em todo território nacional, por magistrada do Rio de Janeiro, violava os direitos à liberdade de expressão e de comunicação, o princípio da proporcionalidade, bem como para evitar o estado de insegurança jurídica entre os usuários do aplicativo.

No caso do WhatsApp duas situações de fato devem ser diferenciadas, sob a ótica da legislação. Uma, o uso lícito do aplicativo do WhatsApp nas comunicações de pessoas e empresas, em seu âmbito privado, pela maioria dos cidadãos brasileiros. Outra situação diferente é a utilização ilícita do aplicativo de comunicações para a prática de delitos por algumas pessoas, contra a coletividade.

A Constituição Federal do Brasil, em seu art. 5º, inc. XII, garante o direito à inviolabilidade ao sigilo das comunicações de dados. Mas, como exceção, no mesmo dispositivo, a Constituição trata da hipótese da quebra do sigilo das comunicações de dados nos casos de investigação criminal ou instrução processual penal. Portanto, de acordo com a Carta, a lei pode disciplinar as hipóteses de quebra do sigilo das comunicações, mediante a devida ordem judicial e a garantia do devido processo legal.

Destaque-se que, nos termos do Marco Civil da Internet, em seu art. 15, o provedor de aplicações de internet (como é o caso do WhatsApp) tem a obrigação legal de manter os respectivos registros de acesso às aplicações no período de seis meses. Mas, esse mesmo provedor não tem a obrigação de manter o conteúdo das comunicações armazenado em seu banco de dados. Segundo as empresas de tecnologia, com a ativação da criptografia ponta a ponta, o WhatsApp não possuiria a chave mestra para decifrar o conteúdo das mensagens dos usuários, daí a impossibilidade de entregar informações requeridas à Justiça pelas autoridades investigatórias.

A nova Lei de Combate ao Terrorismo trata das disposições investigatórias e processuais aplicáveis pelas autoridades competentes. Esta lei prevê outros mecanismos, além da quebra do sigilo da comunicação de dados, nas atividades de investigação policial e instrução no processo penal. Decorre disso a tentativa por parte dos governos em criar mecanismos denominados de Backdoor (porta dos fundos), no sentido de permitir a quebra da criptografia adotada nos aplicativos, para fins de segurança pública.

O governo brasileiro declarou a intenção de criar um projeto de lei neste sentido. Por isso há a necessidade de análise rigorosa da constitucionalidade de eventual projeto de lei, quando for encaminhado ao Congresso Nacional, sob a perspectiva do direito à privacidade, bem como da proporcionalidade da medida legislativa.

É saudável o debate sobre o tema, especialmente dos limites à criptografia nos serviços de comunicação de dados, nas hipótese de ilícitos penais. Ao que parece, a proibição da criptografia em lei é medida excessiva. Mas, ao menos, é razoável o debate pelo Estado, mercado e sociedade sobre os limites à criptografia e acesso aos conteúdos das comunicações de dados, em hipóteses precisas e detalhadas em lei. Este debate é fundamental sob a ótica da democracia, principalmente para fins de delimitação do direito à privacidade nas comunicações de dados pelas redes digitais, diante da segurança e interesse da Justiça.

Enfim, este tema sobre a regulação dos aplicativos de comunicações, bem como a imposição de eventuais limites, no interesse da Justiça, é de interesse da sociedade, do mercado e do estado. Daí a pertinência do debate no foro adequado que é o Congresso Nacional.

Ericson M. Scorsim, advogado e consultor em direito público, especializado em direito das comunicações. Doutor em Direito pela USP e autor do e-book “Direito das Comunicações”.
Artigo publicado no jornal Gazeta do Povo em 05/08/2016.

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STJ: julgamento de Recursos Repetitivos de telefonia fixa – Tema 954

O STJ no Resp 1.525.174/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, definiu as questões relacionadas aos serviços de telefonia fixa (tema 954), indenização por dano moral na hipótese de cobrança indevida de valores na alteração de plano de serviços/franquia sem solicitação dos usuários, a serem objeto de julgamento do regime dos recursos repetitivos.

Em decisão de 31/5/16, no Resp 1.574.174/RS, o Min. Relator decidiu que o incidente dos recursos repetitivos envolve questões sobre indenização por dano moral na hipótese de mudança de alteração de plano de serviço/franquia sem solicitação do usuário relacionadas aos serviços de telefonia fixa e internet.

Mas, posteriormente, o próprio Min. Relator Luis Felipe Salomão reviu seu entendimento, em decisão de 22 de junho de 2016, no Resp 1.525.134/RS, e decidiu desafetar do julgamento dos recursos repetitivos a questão relacionada ao direito à indenização por danos morais na hipótese de alteração do plano de serviço/franquia sem solicitação do usuário e os serviços de internet.

Em 24 de junho, a OAB Nacional, com fundamento no art. 44, I, da lei 8.906/94, em petição assinada pelo seu Presidente, requereu a suspensão dos efeitos dos sobrestamento do tema 954, até definição do julgamento do conflito de competência 138.405/DF, em trâmite na Corte Especial do STJ, para saber se a competência para julgamento do caso, se Seção de Direito Privado ou Seção de Direito Público.

Até o momento da finalização do presente texto, o pedido de reconsideração formulado pela OAB ainda não havia sido apreciado.

Para melhor compreensão do caso, o Resp 1.525.174/RS foi interposto por pessoa física contra empresa de telefonia fixa, diante de acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em ação de inexigibilidade de cobrança cumulada com pedido de repetição de indébito, dano moral e responsabilidade civil pela prática de conduta abusiva de alteração unilateral de contrato de telefonia fixa, e instalação e serviços não autorizados pelo usuário.

Aqui, duas perspectivas de análise do caso do tema 954, objeto do julgamento dos recursos repetitivos pelo STJ.

Primeira, a questão processual sobre o rito de julgamento de recursos repetitivos, à luz do CPC/15, inclusive sobre a decisão sobre afetação dos recursos. Com efeito, neste aspecto compete ao STJ definir a questão representativa da controvérsia, para fins de delimitação do tema objeto do julgamento dos recursos repetitivos.

Segunda, a questão de mérito relacionada aos serviços de telefonia fixa, se é cabível o direito à indenização por danos na hipótese de modificação do plano de serviço/franquia de telefonia fixa ou não, bem como quais os dispositivos da legislação aplicáveis à espécie.

As questões relacionadas aos serviços de telefonia fixa objeto de julgamento do Superior de Tribunal de Justiça, definidas no Resp n. 1.525.174/RS, são as seguintes:

a) indevida cobrança de valores referentes à mudança do plano de franquia/plano de serviços sem solicitação do usuário e, respectivamente, o pedido de indenização por danos morais, nos contratos de prestação de serviços de telefonia fixa;

b) ocorrência de dano moral indenizável, em razão da cobrança da alteração do plano de franquia/plano de serviços de telefonia fixa, sem a solicitação do usuário, e a necessidade de comprovação nos autos;

c) definição do prazo de prescricional nas ações de repetição de indébito, nas hipóteses de pagamento maior ou cobranças indevidas, em casos de serviços não contratados, sem a solicitação do usuário, se decenal (art. 205 do Código Civil) ou trienal (art. 206, §3º, IV, do Código Civil);

d) repetição de indébito simples ou em dobro, se, em dobro, se necessária a comprovação da má-fé do credor (art. 42, do Código de Defesa do Consumidor);

e) abrangência da repetição de indébito, se limitada aos pagamentos documentalmente comprovados pelo autor da ação ou se possível que o quantum seja apurado em sede de liquidação de sentença.

Em decisão monocrática, o Min. Rel. Luis Felipe Salomão no Resp n. 1.525.174-RS, determinou a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no território nacional e que tratam do tema 954 (telefonia fixa/modificação unilateral plano de serviço/franquia sem solicitação do usuário/indenização por danos morais/prescrição). Assim, foi determinada a suspensão dos processos em trâmite na Justiça comum, estadual e federal, inclusive Juizados Especiais Cíveis.

O CPC/15, em seu art. 1036, dispõe que na hipótese de multiplicidade de recursos especiais, com fundamento em idêntica questão de direito, o STJ poderá determinar a afetação para julgamento dos recursos repetitivos, com a suspensão dos demais processos que tramitam em outras instâncias.

O julgamento dos recursos repetitivos está fundamentado no art. 1037, inc. II, do CPC/15, o qual exige a identificação com precisão da questão objeto do julgamento e a suspensão dos processos com idêntica questão.

Ao que parece, é positiva a mudança de orientação na decisão do Min. Rel. no Resp n. 1.525.174-RS, no sentido de afetar ao julgamento do rito dos recursos repetitivos somente as questões relacionadas às ações que envolvem a tema da telefonia fixa, excluindo-se do julgamento os casos relacionados à indenização por danos nas hipotese de modificação unilateral dos planos de serviços/franquias nos serviços de internet.

Embora haja semelhança dos temas, para fins de segurança na interpretação do direito, talvez seja aconselhável o julgamento em separado dos recursos relacionados aos casos de indenização por danos na cobrança indevida de valores em casos de alteração de planos de serviços, sem solicitação do usuário, em relação à telefonia fixa e internet, daí o acerto na referida decisão do Min. Relator pela desafetação do tema internet.

O Min. Relator Luis Felipe Salomão no Resp 1.525.174/RS, com fundamento no art. 1038, do CPC/15, determinou a ciência da decisão para Defensoria Pública da União, Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, Federação Brasileira de Telecomunicações – Febratel, e Associações Brasileira de Telecomunicações – Telebrasil e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDE, para se manifestem caso tenham interesse.

No caso da participação Anatel no julgamento dos recursos repetitivos no tema 954, algumas considerações adicionais. De fato, a Anatel tem o potencial interesse jurídico em participar de julgamento de recursos representativos da controvérsia que se repete com milhares de usuários dos serviços de telefonia fixa, bem como com diversas prestadoras de serviços. Também, o interesse da agência reguladora de telecomunicações encontra-se na preservação da interpretação sobre a regulação setorial do tema.

Curiosamente, o tema 954 da telefonia fixa no Resp 1.525.174/RS, no rito dos recursos repetitivos, será analisado pelo STJ sob a perspectiva do direito civil e direito do consumidor.

Em que pese a classificação do tema sobre telefonia fixa e indenização por danos morais na perspectiva do Código Civil e CDC, registre-se que há a existência de regulação setorial sobre os serviços de telefonia fixa, nos termos da Lei Geral de Telecomunicações e em resoluções editadas pelas Anatel.

Há, inclusive, o conflito de competência 138.405/DF, quanto à definição da competência jurisdicional em relação ao prazo prescricional para ajuizamento de ações de indenização por danos morais na hipótese de modificação de plano de serviço/franquia, sem solicitação do usuário, bem como, bem como se a competência para julgamento é das Turmas da Seção de Direito Privado ou da Seção de Direito Público.

Neste caso do conflito de competência 138.405/DF há o parecer do representante do Ministério Público Federal no sentido da competência da Seção Seção do STJ, por entender que se trata de ação judicial de caráter tipicamente privado. No entender do referido parecer, embora uma das partes seja concessionária de serviço público de telefonia fixa, o caso classifica-se como questão de direito privado.

Ora, destaque-se que se concessão ou autorização para a execução do serviço de telefonia fixa, há a incidência da legislação setorial de telecomunicações, juntamente com o Código Civil e Código de Defesa do Consumidor.

Neste aspecto, é importante o diálogo entre o Código Civil, Código de Defesa do Consumidor e a legislação setorial aplicável ao setor de telecomunicações. Este diálogo das fontes serve à coerência e unidade do sistema jurídico, evitando-se eventuais dúvidas na aplicação das regras e princípios de direito.

Quem sabe em futuro próximo possa ocorrer o reenquadramento do tema, à luz do direito das comunicações. Afinal, a especialização do tema justifica o seu tratamento jurídico diferenciado dos demais.

O Resp 1.525.174/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, objeto dos recursos repetitivos (tema 954), é ilustrativo do impacto do CPC no julgamento de recursos repetitivos no setor dos serviços de telefonia fixa, o qual repercute sobre milhares de usuários e diversas empresas prestadoras destes serviços de telecomunicações. Daí a importância do conhecimento pelos profissionais do direito do julgamento do tema 954 pelo STJ dos recursos repetitivos em matéria de telefonia fixa.

Ao final, o STJ, no Resp 1.525.174/RS decidirá sobre o tema 954, objeto do regime dos recursos repetitivos, a existência do direito à indenização por danos morais na hipótese de cobrança de valores indevidos na alteração de planos de serviços/franquias nos serviços de telefonia fixa, bem como prazo de prescrição para ajuizamento da ação entre outras questões derivadas em relação à prova do respectivo direito.

 

Artigo publicado no site jurídico Migalhas em 13/07/2016

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI242281,101048-STJ+Julgamento+de+recursos+repetitivos+de+telefonia+fixa+tema+954