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Concessão de serviço de televisão por radiodifusão, liberdade de expressão e produção de conteúdos por terceiros ou em regime de coprodução

O regime jurídico da concessão do serviço de televisão por radiodifusão, fundado nas garantias constitucionais da livre manifestação do pensamento e da informação, permite a veiculação de programas com conteúdo cultural-religioso pela concessionária.

SUMÁRIO: 1. Legislação aplicável às concessionárias de serviços de televisão por radiodifusão. 2. Sentido e alcance da expressão “publicidade comercial” presente na Lei n. 4.117/1962 e no Decreto n. 52.795/1963. 3.  Veiculação de conteúdo de autoria de terceiros, em coprodução, pela concessionária do serviço de televisão por radiodifusão. 4. Direitos e deveres da concessionária do serviço de televisão por radiodifusão. 5. Regime constitucional da TV privada por radiodifusão: os direitos fundamentais à liberdade de expressão, à liberdade de comunicação, à liberdade de culto religioso e à liberdade de radiodifusão. 5.1. Liberdade de expressão (art. 5º, inc. IV) e Liberdade de comunicação (art. 5º, inc. IX).  5.2. Liberdade de culto religioso (art. 5º, inc. VI). 5.3. Da Comunicação Social. Garantias constitucionais à livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação: a proibição à censura na veiculação de programas com conteúdo cultural-religioso pela concessionária do serviço de televisão por radiodifusão. 5.4. Da liberdade de radiodifusão da empresa concessionária do serviço de televisão. 5.5 Princípios da Produção e Programação das emissoras de televisão no art. 221 da Constituição. 5.6. Penalidades das Leis n. 8.987/1995 e n. 8.666/1993 não se aplicam à concessionária do serviço de televisão por radiodifusão. 6. De lege ferenda: atualização das normas sobre infrações e sanções aplicáveis às concessionárias dos serviços de televisão por radiodifusão do setor privado, nos aspectos de produção de conteúdo por terceiros e respectiva veiculação. 7. Conselho de Comunicação Social: manifestação sobre eventual iniciativa de atualização das infrações e penalidades. 8. Conclusão.


 1. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL ÀS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO

A empresa de televisão privada, na condição de concessionária do serviço de televisão por radiodifusão (radiodifusão de sons e imagens), está vinculada ao regime jurídico da Lei n. 4.117/1962.[3] Segundo esta, o serviço de radiodifusão é aquele destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo a radiodifusão sonora e a televisão.[4] O serviço de televisão por radiodifusão (radiodifusão de sons e imagens) é objeto de concessão sob regime jurídico especial.[5] O regime do serviço de televisão por radiodifusão, prestado por empresa privada, é definido por aquela lei específica, com regras e princípios diferentes dos adotados no regime geral das concessões de serviços públicos, previstos na Lei n. 8.987/1995. A concessão do serviço de televisão por radiodifusão, portanto, não se amolda à figura clássica da concessão de serviço público.[6]

No âmbito legislativo, a própria Lei Geral de Concessões de Serviços Públicos, em seu art. 41, preceitua expressamente sobre a sua não aplicação aos serviços de radiodifusão de sons e imagens.[7] Ou seja, a Lei Geral de Concessões delimitou, claramente, o seu âmbito de incidência de modo a não alcançar a concessão do serviço de televisão por radiodifusão. Uma vez remarcado o alcance da Lei Geral de Concessões ao serviço de televisão por radiodifusão, é necessária a adequada apreensão do sentido das normas contempladas na Lei n. 4.117/1962.

É fundamental, igualmente, a compreensão da natureza do ato de outorga do serviço de televisão por radiodifusão (de sons e imagens). De acordo com o regime jurídico desenhado na Lei n. 4.117/1962, o poder concedente (no caso, a União) delega à iniciativa privada o direito à exploração do serviço de radiodifusão de sons e imagens, inclusive o direito de transmitir os programas de televisão, por meio da radiodifusão. Esse direito à transmissão de programação televisiva é exercido por meio do uso do canal de frequências do espectro. A outorga da concessão do serviço de televisão por radiodifusão tem como objeto principal o direito à transmissão dos programas televisivos.[8] A identidade do serviço de televisão por radiodifusão decorre de técnica de prestação mediante sua utilização como meio de transmissão dos sinais de vídeo e áudio. Essa transmissão de programação televisiva ocorre por ondas terrestres hertzianas, em uma infraestrutura de rede de antenas.[9]

Compete à União gerir e outorgar o direito do uso das frequências do espectro necessárias para a execução dos serviços de radiodifusão. As frequências do espectro são uma espécie de bem público,[10] cujo uso pode ser privado, público ou estatal. A responsabilidade da concessionária do serviço de televisão por radiodifusão é a de assegurar a transmissão da programação, nos padrões técnicos definidos pelo poder público.[11]

A propósito do conceito de transmissão, inerente ao serviço de televisão, por radiodifusão, o Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.944/DF, ao decidir pela constitucionalidade do Decreto que instituiu o padrão de TV digital, afirmou:

“A televisão digital, comparativamente com a TV analógica, não consiste em novo serviço público. Cuida-se da mesma transmissão de sons e imagens por meio de ondas radioelétricas. Transmissão que passa a ser digitalizada e a comportar avanços tecnológicos, mas sem perda da identidade jurídica”.[12] – gn.

Ao final, o STF, na mesma ADI 3.944/DF, decidiu que o Decreto n. 5.820/2006, que adotou o Sistema Brasileiro de TV Digital, “(…) não outorga, não modifica, nem renova concessão, permissão ou autorização de serviço de radiodifusão de sons e imagens”. [13] O que é valioso destacar desse julgamento é a identidade jurídica do serviço de televisão por radiodifusão, a partir do elemento “transmissão de sons e imagens”.

Vale dizer, o poder concedente, no caso a União, tem a competência para disciplinar os aspectos técnicos relacionados à forma de prestação do serviço de televisão por radiodifusão. Não há, todavia, na Lei n. 4.117/1962, aplicável à concessão do serviço de radiodifusão, regras sobre os programas de televisão, pois as atividades relacionadas à produção de conteúdo não são objeto da concessão do serviço de radiodifusão.[14] A produção de programas de televisão é uma atividade protegida no âmbito normativo da liberdade de radiodifusão da empresa concessionária.[15]

Obviamente, a Lei n. 4.117/1962 há de ser interpretada a partir da Constituição de 1988.[16] Tratando-se de uma lei recepcionada pela Lei Fundamental, a sua interpretação está condicionada à observância dos princípios e regras constitucionais específicos sobre os serviços de televisão por radiodifusão.[17]

O Documento Constitucional faz a distinção entre o regime dos serviços de telecomunicações (art. 21, inc. XI) e o regime dos serviços de radiodifusão de sons e imagens (art. 21, inc. XII, letra “a”). Esta divisão entre o setor de telecomunicações e o setor da radiodifusão decorre da Emenda Constitucional n. 8/1995. Portanto, há a Lei Geral de Telecomunicações,[18] editada sob o contexto da Constituição pós-Emenda Constitucional n. 8/1995, e existe a Lei n. 4.117/1962, anterior à Constituição, que dispõe dos serviços de televisão por radiodifusão. Esta, porém, foi recepcionada pela Constituição, segundo reconhece a jurisprudência do STF.[19]

Reprise-se que, enquanto o serviço de televisão por radiodifusão integra o regime da Comunicação Social, o serviço de telecomunicações dele não faz parte.[20] No âmbito da Comunicação Social, há regras de proteção à difusão de conteúdos, com limites expressos à regulação estatal das mensagens transmitidas pelos veículos de comunicação social. A Constituição, no seu art. 223, reconhece o gênero “serviço de televisão por radiodifusão”, e as seguintes espécies: “radiodifusão privada”, “radiodifusão pública” e a “radiodifusão estatal”.[21]

Sobre a questão da aplicação da técnica de concessão de serviço público para regular os serviço de televisão por radiodifusão, na ADPF 130, tratando da não recepção da Lei da Imprensa, o Min. Relator Carlos Ayres Britto escreveu:

“Não menos certo, porém, que essa diferenciação entre mídia impressa e mídia radiodifusora e televisiva (eletrônica, dissemos), atende à consideração de que somente as duas últimas é que são constitucionalmente tipificadas como serviços públicos, próprios da União Federal. Serviços públicos sempre titularizados pela União, frise-se, porém complementarmente prestados pela iniciativa privada, mediante contratos de concessão, ou permissão, tanto quanto por ato unilateral e precário de autorização. É como está alínea a do inciso XI do art. 21 da nossa Lei Fundamental, em combinação com a cabeça do art. 223 da mesma Carta Magna (…).”

Em que pese a manifestação do STF cuidando do serviço de televisão por radiodifusão sob a técnica regulatória da concessão, há abertura do texto constitucional para que o legislador defina o modelo regulatório adequado à espécie. Tal conclusão decorre da interpretação mais atualizada do princípio da complementaridade dos três sistemas de radiodifusão: o privado, o público e o estatal.

A Constituição não exige a qualificação legislativa de todas as espécies de serviços de televisão por radiodifusão sob o regime do serviço público. Por isso, a conclusão decorre de uma interpretação harmônica e sistemática da competência legislativa da União para regular os serviços de radiodifusão (art. 21, inc. XII), à luz do regime da Comunicação Social, previsto nos arts. 220, 221, 222, 223 e 224, da CF. A Constituição possibilita ao legislador a definição de quais são as atividades de radiodifusão que podem ser submetidas ao regime econômico privado, e não ao regime de serviço público na sua forma clássica.[22] Parte-se do pressuposto de que os serviços de televisão por radiodifusão substanciam atividades que devem ser repartidas e compartilhadas entre o mercado, a sociedade e o Estado. Daí a configuração constitucional de televisões privadas, televisões públicas e televisões estatais.

Quanto à competência administrativa para fiscalizar os serviços de radiodifusão e os serviços de telecomunicações, a legislação respeita a diferenciação regulatória entre os dois serviços.  O serviço de televisão por radiodifusão é objeto de fiscalização pelo Ministério das Comunicações, enquanto o serviço de telecomunicações é fiscalizado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Pela lei, esta apenas detém competência para fiscalizar aspectos técnicos do serviço de televisão por radiodifusão, mas não dispondo de poder para fiscalizar infrações às regras relativas à edição e à veiculação da programação da televisão por radiodifusão.[23]

No capítulo da Comunicação Social (Capítulo V), a Constituição prevê o regime especial do serviço de televisão por radiodifusão. A Constituição contém regras sobre: (i) as outorgas dos serviços de radiodifusão pelo Poder Executivo, de modo conjugado com o Congresso Nacional;[24] (ii) a propriedade das empresas de radiodifusão de sons e imagens;[25] (iii) os princípios da produção e programação das emissoras de televisão;[26] (iv) o cancelamento judicial do ato de outorga;[27] (v) o princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal.[28]

Aqui, são importantes breves considerações sobre o princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal.[29] Esse princípio contém as bases para a organização da Comunicação Social que se faz em três setores diferentes de regimes jurídicos de televisão por radiodifusão: TV privada, TV pública e TV estatal. Trata-se de um princípio setorial de organização e garantia do pluralismo de emissoras de televisão e do pluralismo de conteúdos audiovisuais, no âmbito da Comunicação Social.[30]

Portanto, a concretização legislativa da complementaridade dos sistemas de radiodifusão demanda o cumprimento do dever de respeitar as diferenças constitucionais entre a TV privada, a TV pública e a TV estatal, todas espécies de serviços de radiodifusão.

Desse modo, o setor privado de radiodifusão, regulado pela Lei n. 4.117/1962, é integrado por empresas privadas, com finalidade lucrativa, financiadas pela publicidade comercial. O serviço de televisão privada não é sustentado com recursos decorrentes da cobrança de tarifas dos usuários, tal como ocorre no serviço público tradicional.[31] Portanto, ao contrário do regime das demais concessões de serviços públicos, não há uma receita pública para o financiamento dos serviços da concessionária de televisão por radiodifusão privada.

Diversamente, o setor público de radiodifusão é integrado por uma empresa pública de comunicação (Empresa Brasil de Comunicação – EBC), sem finalidade lucrativa, e com financiamento proveniente da publicidade institucional. Seu regime é definido na forma da Lei n. 11.652/2008 e não comporta a publicidade comercial como forma de suporte financeiro.[32] Registre-se que a Lei da radiodifusão pública (Lei n. 11.652/2008) não adota sequer o modelo de concessão para a delegação da prestação do serviço de radiodifusão à Empresa Brasil de Comunicação – EBC.[33]

Da ideia de complementaridade dos sistemas de radiodifusão decorre não ser possível aplicar ao setor da radiodifusão privada um regime jurídico mais rigoroso do que aquele aplicável à radiodifusão pública. Vale dizer, a empresa pública (no caso, a Empresa Brasil de Comunicação – EBC), responsável pela execução do serviço de radiodifusão pública, não deve ter regime jurídico menos exigente comparativamente ao da empresa privada, responsável pelo serviço de televisão por radiodifusão de natureza comercial. Dessa forma, em princípio, justifica-se um regime de maior restrição à espécie de radiodifusão pública (serviço público).

Daí, repita-se, o dever fundamental da adoção de tratamentos normativos diferentes entre as diversas espécies de serviços de televisão (a privada, a radiodifusão pública e a radiodifusão estatal).[34] Nesse sentido, os sistemas de radiodifusão público e estatal representam as verdadeiras espécies de serviços públicos na matriz clássica do Direito Administrativo.

Partindo-se dessa premissa fundamentada no art. 223, da Constituição, ao sistema de radiodifusão privado não pode ser aplicado o tradicional regime de concessão de serviço público sem as necessárias cautelas quanto à sua adequada interpretação constitucional, sob pena de violação direta do regime dos direitos fundamentais à liberdade de expressão, à liberdade de comunicação social e à liberdade de radiodifusão.[35] Por conseguinte, existem limites constitucionais na proteção à liberdade de radiodifusão que afastam interpretações no sentido de se aplicar, de modo automático, as regras relativas à concessão de serviços públicos aos serviços de televisão por radiodifusão do setor privado.

Em outras palavras, os direitos fundamentais, compondo o bloco de constitucionalidade, restringem a interpretação da legislação quando se trata de justificar a atribuição de prerrogativas ao poder concedente para o controle do conteúdo da programação de televisão. Aliás, essa interpretação no sentido de assegurar a interferência no conteúdo da programação de televisão por radiodifusão não tem sequer fundamento na Lei n. 4.117/1962, que disciplina o regime do serviço de televisão por radiodifusão no setor privado.[36]

Em síntese, a Constituição Federal contém as bases do regime jurídico dos serviços de televisão por radiodifusão. A partir dos fundamentos constitucionais é que a Lei n. 4.117/1962, definidora do regime especial da concessão do serviço de televisão por radiodifusão, deve ser interpretada.[37]


2. SENTIDO E ALCANCE DA EXPRESSÃO “PUBLICIDADE COMERCIAL” PRESENTE NA LEI N. 4.117/1962 E NO DECRETO N. 52.795/1963

Cumpre analisar, agora, se a regra que trata do limite legal à veiculação de publicidade comercial, na programação de televisão por radiodifusão, tem o efeito de proibir a veiculação de conteúdo específico, inclusive de cultural-religioso, pela concessionária do serviço de televisão por radiodifusão.

A Lei n. 4.117/1962, no art. 124, fixa que o tempo destinado na programação das estações de radiodifusão à publicidade comercial não poderá exceder de 25% (vinte e cinco por cento) do total da programação da emissora de televisão. De modo semelhante, o Decreto n. 52.795/1963, que aprova o Regulamento do Serviço de Radiodifusão, em seus arts. 28, 12, letra “d”, e 67, reproduz esse limite ao máximo de 25% (vinte cinco por cento) do tempo destinado à publicidade comercial na programação diária das emissoras de televisão por radiodifusão.[38]

A definição do sentido e do alcance do termo “publicidade comercial”, previsto no art. 124 da Lei n. 4.117/1962, é fundamental para a correta aplicação da norma. “Publicidade comercial” é termo associado à difusão de mensagens por empresas com a finalidade de vender produtos e serviços para os consumidores ou de promover a sua imagem/marca. Portanto, a publicidade comercial está relacionada à difusão de mensagens e informações com conteúdos publicitários sobre produtos e serviços.[39]

O sentido do termo “publicidade comercial”, constante do art. 124, da Lei n. 4.117/1962, relaciona-se aos conteúdos publicitários para a comercialização de produtos e serviços ofertados pelos anunciantes, especialmente mediante agências de publicidade. Por conseguinte, partindo-se de dados da realidade para a interpretação do texto normativo verifica-se que a publicidade comercial é uma atividade econômica que envolve relações entre o anunciante, a agência de publicidade e o veículo de comunicação social.[40] Dentro desse contexto, o veículo de comunicação social é o meio que difunde a mensagem publicitária aos consumidores. Em razão disso, o art. 124, da referida lei, alcança unicamente a comunicação publicitária, destinada à venda de produtos e serviços para os consumidores no serviço de televisão por radiodifusão. Logo, os conteúdos culturais-religiosos, veiculados pela concessionária de televisão por radiodifusão, não fazem parte do termo publicidade comercial, razão pela qual estão excluídos do âmbito normativo do art. 124 da Lei n. 4.117/1962.

Ademais, a finalidade do art. 124, da Lei n. 4.117/1962, é restringir a quantidade de conteúdos publicitários. A finalidade dessa restrição legal à publicidade comercial, no limite de 25% do tempo da programação de televisão por radiodifusão, é assegurar a proteção do público que assiste à televisão, uma vez que limita o tempo de exposição das pessoas aos conteúdos publicitários. Tal dispositivo legal sobre a publicidade comercial na televisão por radiodifusão, diversamente da publicidade comercial em outros veículos de comunicação social, deve respeitar o tempo de programação da televisão.[41]

A propósito dessa distinção, a Lei n. 4.117/1962 utiliza o termo “publicidade política”, para diferenciar da “publicidade comercial”.[42] Ou seja, dispôs-se sobre o gênero publicidade, com a diferenciação entre a publicidade comercial e a publicidade política.  A natureza da publicidade (se comercial ou não), então, não pode ser ignorada quando da interpretação do texto legal.

Segundo Jónatas Machado: “A distinção entre publicidade comercial e não comercial, a despeito das zonas cinzentas a que possa dar lugar, continua a fazer sentido”.[43] A Constituição, no §4º, do art. 220, refere-se à possibilidade de restrição legislativa à propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias.[44] Também o seu art. 22, inc. XXIV dispõe sobre a competência legislativa privativa da União para disciplinar a propaganda comercial.

Ou seja, a partir das normas constitucionais é possível extrair um sentido mínimo para o termo propaganda/publicidade comercial, com a sua associação às atividades de vendas de produtos e serviços para os consumidores.[45] Tanto a Lei n. 4.117/1962, quanto o Decreto n. 52.795/1963, adotam o termo publicidade comercial para o efeito de proibir as emissoras de televisão por radiodifusão a veicularem conteúdos publicitários acima do limite dos 25% (vinte e cinco por cento) do tempo de programação diária. Dessa maneira, o sentido das normas, na Lei e no Decreto, sobre a publicidade comercial não alcança a veiculação de programas de televisão pelas concessionárias de serviços de televisão por radiodifusão.

3.  VEICULAÇÃO DE CONTEÚDO DE AUTORIA DE TERCEIROS, EM COPRODUÇÃO, PELA CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO

A Lei n. 4.117/1962 estabelece as obrigações das concessionárias dos serviços de radiodifusão de sons e imagens quanto à programação dos conteúdos do seguinte modo:

“Art. 38. Nas concessões, permissões ou autorizações para explorar serviços de radiodifusão, serão observados, além de outros requisitos, os seguintes preceitos e cláusulas: (…) d) os serviços de informação, divertimento, propaganda e publicidade das empresas de radiodifusão estão subordinadas às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão, visando aos superiores interesses do País. (…) h) as emissoras de radiodifusão, inclusive televisão, deverão cumprir sua finalidade informativa, destinando um mínimo de 5% (cinco por cento) de tempo para transmissão de serviço noticioso.”

As letras d e h do artigo 38 não proíbem a concessionária do serviço de televisão por radiodifusão de veicular conteúdo de autoria de terceiros e coproduzido pela própria concessionária. Trata-se de uma regra com obrigação positiva que vincula a concessionária do serviço de televisão por radiodifusão quanto à transmissão de conteúdo mínimo de serviço noticioso. Ressalte-se que não há, na Lei n. 4.117/1962, dispositivo com proibição à veiculação pela concessionária de conteúdo de programas de televisão produzido por terceiros.

Ademais, no Decreto n. 52.795/1963, que aprova o Regulamento do Serviço de Radiodifusão, não há, também, regra que proíba a veiculação de conteúdo de autoria de terceiros. O referido Decreto, no art. 67, §2º, reproduz tão-somente o dispositivo que obriga a veiculação de um mínimo de 5% (cinco por cento) do horário de programação para a transmissão de serviço noticioso.

Por outro lado, o Decreto n. 52.795/1963, em seu art. 3º, dispõe que os serviços de radiodifusão têm finalidade educativa e cultural, nos aspectos informativo e recreativo e de interesse nacional.[46] Ora, o art. 3º, do Decreto n. 52.795/1963, deve ser interpretado em conjunto com o art. 28. O art. 28, item 11, obriga a concessionária do serviço de televisão por radiodifusão a subordinar os programas de informação, divertimento, propaganda e publicidade às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão.[47]

Os dispositivos do Decreto n. 52.795/1963 (arts. 3º e 28, item 11) não proíbem a veiculação pela concessionária de radiodifusão de sons e imagens do conteúdo coproduzido com terceiro. Elas apenas condicionam, na programação, o atendimento à finalidade educativa e cultural. Além disso, a interpretação do Regulamento da Radiodifusão, na forma do Decreto n. 52.795/1963, há de ser realizada a partir do disposto na Lei n. 4.117/1962, especialmente daquelas regras que garantem a liberdade de radiodifusão da concessionária do serviço de televisão por radiodifusão. Aqui, o decreto há de ser interpretado conforme a lei, e esta conforme a Constituição.[48]


4. DIREITOS E DEVERES DA CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO

Como referido anteriormente, o regime da concessão do serviço de televisão por radiodifusão de sons e imagens é definido na forma da Lei n. 4.117/1962, cujas regras dispõem sobre aspectos técnicos das atividades relacionadas à transmissão dos programas de televisão. Há, também, na Lei n. 4.117/1962, regras sobre a organização da programação de televisão, como: (i) o limite de 25% (vinte por cento) de publicidade comercial no tempo da programação (art. 124); e, (ii) a obrigação de veicular 5% (cinco por cento) de conteúdos de serviços noticiosos (art. 38, letra “h”).

A interpretação das regras da Lei n. 4.117/1962 sobre a organização dos programas de televisão não pode conduzir à agressão ao direito da concessionária quanto à escolha dos conteúdos a serem veiculados. Com efeito, há aqui uma distinção fundamental para a correta interpretação da legislação aplicável à espécie: de um lado, (i) a regulação técnica do serviço de televisão por radiodifusão, como, por exemplo: infraestrutura de redes de antenas, uso do canal de frequências, potência das estações de radiodifusão, etc., autorizada pela legislação específica. De outro lado, (ii) a regulação do conteúdo da programação de televisão, algo vedado pela Constituição e pela lei setorial.[49]

A Lei n. 4.117/1962, portanto, não define o conteúdo da grade da programação da televisão por radiodifusão. Também o Poder Concedente (União), não pode definir o conteúdo da programação. Tanto que não há na lei, nem na sua regulamentação, limite à difusão de conteúdos. Se a autoridade administrativa, competente para fiscalizar os serviços de radiodifusão, definir o conteúdo da programação de televisão, poderia ocorrer censura à liberdade de expressão, à liberdade de comunicação social e à liberdade religiosa. Ressalte-se que a Constituição limita-se a atribuir à União a competência para exercer a classificação, para efeito indicativo, de programas de televisão, conforme o art. 21, inc. XVI. Essa autorização constitucional para a classificação indicativa da programação televisiva jamais possibilitará a regulação dos conteúdos dos programas de televisão; caso contrário manifestar-se-ia o cerceamento à liberdade de radiodifusão.[50]

Sobre o tema, Jónatas Machado esclarece:

“Entende-se constituir a liberdade de conformação da programação um corolário da liberdade de radiodifusão e, mais remotamente, da liberdade de expressão em sentido amplo. A liberdade de radiodifusão conhece um dos seus pontos nevrálgicos na liberdade de programação – embora esteja longe de se esgotar nela -, entendida como direito de defesa do espaço público comunicativo contra o Estado, e nalguma medida, através do Estado. (…). A soberania editorial dos operadores (de televisão) protege-os de todas as interferências por parte dos poderes públicos.” [51]

O direito da concessionária do serviço de televisão por radiodifusão à definição do conteúdo de sua programação decorre das garantias constitucionais da liberdade de expressão, da liberdade de comunicação, da liberdade de radiodifusão e da própria legislação específica aplicável ao setor de radiodifusão.

De fato, o direito da concessionária do serviço de televisão por radiodifusão à definição da programação televisiva tem fundamentos constitucionais. A emissora de televisão por radiodifusão na condição de empresa privada, com fundamento na liberdade de comunicação social, na propriedade privada, na autonomia privada e na autonomia editorial, tem o direito à gestão da produção de conteúdos e programação televisiva. Ao se basear em sua liberdade de radiodifusão (de liberdade de produção e programação), a emissora tem o direito à liberdade de contratar (escolher as pessoas contratadas, a forma de contratar e as cláusulas contratuais) e de celebrar acordos adequados à produção e à veiculação de conteúdos televisivos.[52]

A Lei n. 4.117/1962 respeita o campo reservado à autonomia privada da emissora de televisão por radiodifusão privada, quanto à gestão de seus contratos de produção e programação. Do ponto de vista normativo, a concessionária do serviço de televisão por radiodifusão tem o direito de preservar a sua linha editorial diante do conteúdo produzido em regime de coprodução com terceiros, daí a necessidade da aprovação editorial.

A concessionária do serviço de televisão por radiodifusão, portanto, não é obrigada a produzir diretamente todo o conteúdo da programação. A Lei n. 4.117/1962, recepcionada pela Constituição Federal, não estabelece este tipo de obrigação para a emissora de televisão por radiodifusão do setor privado.

Com o ato de outorga da concessão, a concessionária de televisão detém o direito de explorar o serviço de radiodifusão. Dessa maneira, ela tem o direito de decidir sobre a gestão da produção e da programação de televisão. Vale dizer, a concessionária detém a autonomia para decidir por produzir internamente seus programas ou produzir em regime de coprodução, assegurada a sua responsabilidade pelo controle do conteúdo editorial. Trata-se do exercício da liberdade interna da empresa de radiodifusão quanto à auto-organização e à definição das linhas de programação.[53] Nesse aspecto, prevalece a autonomia privada da concessionária (e a liberdade interna da empresa de radiodifusão), o que lhe garante, por sua vez, a autonomia quanto à gestão da produção e da programação de televisão.[54]

A Constituição Federal, em seu art. 221, §1º e §2º, ao tratar da propriedade das empresas de radiodifusão, garante aos brasileiros, obrigatoriamente, a gestão das atividades, bem como a responsabilidade editorial sobre o conteúdo programação.[55] Isto é, a regra constitucional condiciona a gestão da empresa de televisão privada por radiodifusão – responsabilidade pela administração e orientação intelectual – a cargo privativo de brasileiro nato ou naturalizado há mais de dez anos.[56] Afora essa questão, não há regra constitucional que proíba a veiculação, pelas concessionárias do serviço de televisão por radiodifusão, de conteúdo produzido por terceiros, no regime de coprodução.

Daí a necessidade de vinculação da interpretação da legislação ao princípio da estrita legalidade, no sentido de que somente a lei (desde que proporcional) pode criar obrigações para a concessionária do serviço de televisão por radiodifusão. De lege ferenda, a questão da veiculação do conteúdo cultural-religioso pela concessionária do serviço de televisão por radiodifusão pode ser, em tese, modificada e debatida no âmbito do Congresso Nacional, mediante propostas de alteração da legislação da radiodifusão do setor privado.[57] Expectativas de mudança da lei da televisão por radiodifusão do setor privado são legítimas, mas somente o Congresso Nacional detém a competência constitucional para mudar a legislação dos serviços de televisão por radiodifusão e, isso, nos estritos limites autorizados pelo Constituinte.


5. REGIME CONSTITUCIONAL DA TV PRIVADA POR RADIODIFUSÃO: OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, À LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO, À LIBERDADE DE CULTO RELIGIOSO E À LIBERDADE DE RADIODIFUSÃO

A Constituição Federal, em seu art. 5º e incisos, estabelece direitos, liberdades e garantias fundamentais individuais e coletivos. Tais normas constitucionais são aplicáveis às pessoas naturais e às pessoas jurídicas.

Desse modo, cumpre saber se a veiculação de programas de televisão com conteúdo cultural-religioso está protegida no âmbito normativo da liberdade de expressão (art. 5º, inc. IV), da liberdade de comunicação (art. 5º, inc. IX) e da liberdade de culto religioso (art. 5º, inc. VI).

5.1. LIBERDADE DE EXPRESSÃO (ART. 5º, INC. IV) E LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO (ART. 5º, INC. IX)

O serviço de televisão por radiodifusão tem como finalidade a veiculação de programas com conteúdos audiovisuais inseridos em uma grade de programação. A expressão e a comunicação de programas de televisão com conteúdo cultural e religioso encontram-se protegidas no âmbito normativo das liberdades de expressão e de comunicação. Há plena proteção constitucional à difusão de programas de televisão que expressem e comuniquem ideias, pensamentos, opiniões e sentimentos religiosos, bens culturais, etc. Não há restrição constitucional à veiculação por emissora de televisão por radiodifusão desta espécie de conteúdo.

Sobre a precedência das liberdades de pensamento e de expressão, diante de outros bens constitucionais, na ADPF 130, o Ministro Relator Carlos Ayres Britto registrou: “Liberdades que não podem se arredar pé ou sofrer antecipado controle nem mesmo por força do Direito-lei, compreensivo este das próprias emendas à Constituição, frise”.[58]

Os contratos privados, celebrados entre a concessionária de televisão por radiodifusão e entidade religiosa para a veiculação e coprodução de programas de conteúdo cultural-religioso, estão protegidos no âmbito normativo das liberdades de expressão e de comunicação, ambas garantidas pela Constituição Federal. Assim, a negação do direito à veiculação de programas de televisão, com conteúdo cultural-religioso, implica em ofensa à liberdade de expressão e à liberdade de comunicação.

5.2. LIBERDADE DE CULTO RELIGIOSO (ART. 5º, INC. VI)

A Constituição protege a liberdade de culto religioso em seu art. 5º, inc. VI. Dois aspectos da garantia fundamental merecem análise. De um lado, a proteção às pessoas que participam no local do culto religioso, em ambiente público ou ambiente privado. A norma constitucional de proteção à liberdade religiosa tem a finalidade de evitar quaisquer impedimentos ou perturbações aos atos de culto.[59] Ao Estado corresponde, portanto, o dever de proteger o exercício da liberdade de culto religioso, independentemente do ambiente onde ocorra o exercício desta liberdade constitucional.

De outro lado, a norma constitucional de proteção à liberdade de culto religioso é aplicável à transmissão do culto religioso por emissoras de televisão por radiodifusão privadas. O âmbito normativo do art. 5º, inc. IV, da CF, é amplo o suficiente para proteger o exercício de liberdade de veiculação de programas de televisão culturais-religiosos. A difusão dessa espécie de programa televisivo é uma forma de concretização da liberdade de comunicação religiosa de ideias, opiniões e sentimentos religiosos e de possibilidade de propagação da fé das pessoas.

Segundo Jónatas Machado:

“Num contexto constitucional de liberdade religiosa e de separação das confissões religiosas do Estado, em que a religião é um dos elementos de uma sociedade civil dinâmica e aberta, a iniciativa privada e a autonomia contratual podem e devem ser colocadas ao serviço da liberdade religiosa.” [60]

5.3. DA COMUNICAÇÃO SOCIAL. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DA CRIAÇÃO, DA EXPRESSÃO E DA INFORMAÇÃO: A PROIBIÇÃO À CENSURA NA VEICULAÇÃO DE PROGRAMAS COM CONTEÚDO CULTURAL-RELIGIOSO PELA CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO

A Constituição, no capítulo da Comunicação Social, consagra a ampla proteção à liberdade de pensamento, criação, expressão e informação, nos meios de comunicação social. Segundo a Lei Fundamental, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição (art. 220, caput). Em outro dispositivo, a Constituição veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (art. 220, §2º).

Sobre a vinculação entre a Comunicação Social e a liberdade de expressão e de comunicação, o Min. Relator Carlos Ayres Britto decidiu na ADPF 130:

“O que faz de todo o capítulo constitucional sobre a comunicação social um melhorado prolongamento dos preceitos fundamentais da liberdade de manifestação do pensamento e de expressão em sentido lato. Comunicando-se, então, a todo o segmento normativo prolongador a natureza jurídica do segmento prolongado; que é a natureza de ‘DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS’, tal como se lê no título de n. II, da nossa Constituição.”[61]

Com efeito, na referida ADPF 130, o STF concluiu, com fundamento no art. 220, §1º, pela não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição de 1988. O dispositivo dispõe que nenhuma lei poderá causar embaraço à plena liberdade de informação jornalística. Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes, a respeito da interpretação do dispositivo constitucional, assim se manifesta: “Ao mesmo tempo em que prescrevem a não restrição dessas liberdades, tais textos não apenas permitem, como obrigam a intervenção legislativa no sentido de sua promoção e efetividade”.[62]

Note-se que, no caso dos serviços de televisão por radiodifusão, com regime constitucional próprio em razão de sua peculiar natureza técnica (distinto do regime da imprensa em geral), a Constituição trata da sua disciplina por meio de lei federal. No caso, a Lei n. 4.117/1962, como dito, é o veículo legislativo do regime jurídico do serviço de televisão por radiodifusão do setor privado.

A atividade de veiculação de programas de televisão de conteúdo cultural-religioso de autoria de entidade religiosa, em regime de coprodução com a concessionária de televisão por radiodifusão, encontra-se protegida no âmbito normativo do caput do art. 220. De acordo com esse dispositivo constitucional, não pode ocorrer restrição ao pensamento, à criação, à expressão e à informação. Daí o fundamento para a proteção da produção e da veiculação por emissoras de televisão do conteúdo cultural-religioso. Desse modo, a proibição administrativa, legislativa ou judicial da veiculação, pela concessionária do serviço de televisão por radiodifusão, de programas com conteúdo cultural-religioso, caracteriza censura de natureza ideológica.

5.4. DA LIBERDADE DE RADIODIFUSÃO DA EMPRESA CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO DE TELEVISÃO

A base constitucional da liberdade de radiodifusão decorre do âmbito normativo das liberdades de expressão em sentido amplo e da liberdade de comunicação social.[63] A liberdade de radiodifusão assegura o exercício de direitos, liberdades e garantias necessárias à produção dos programas de televisão e à programação. A liberdade de radiodifusão está a serviço da comunicação social que atenda o maior número de pessoas, das mais diversas classes sociais, etnias e dos mais variados tipos de interesses. Portanto, a liberdade de radiodifusão é a regra que deve prevalecer, sendo exceções as restrições ao seu respectivo exercício, cuja existência e vigência estão condicionadas à previsão legislativa. Assim, segundo esclarece Jónatas Machado: “A realização da liberdade de radiodifusão encontra-se relacionada com os demais direitos fundamentais, como sejam os direitos de propriedade, iniciativa económica, liberdade contratual, bem como as liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços.”[64]

Na Constituição, a norma que trata da competência legislativa da União (art. 21, inc. XII, letra “a”), serve para disciplinar o regime de acesso e de prestação do serviço de radiodifusão, desde que compatível com o núcleo essencial da liberdade de radiodifusão e com o bloco de constitucionalidade. Nesse sentido, as restrições ao exercício do serviço de televisão por radiodifusão, prestados por uma empresa privada, devem ser limitadas à proteção de direitos e interesses protegidos no âmbito constitucional.

No âmbito infraconstitucional, há o reconhecimento do exercício da liberdade de radiodifusão na forma da Lei n. 4.117/1962. Essa lei, que define o regime da concessão da radiodifusão, condiciona o exercício da liberdade de radiodifusão da concessionária e, estabelece, inclusive, as infrações e penalidades aplicáveis. Assim, é reconhecida a liberdade interna da empresa de radiodifusão quanto à gestão da produção e da programação de televisão, conforme seu estatuto editorial, pois a liberdade de radiodifusão é de titularidade da empresa privada de radiodifusão.

Sobre essa questão, José Alexandrino explica:

“A produção económica de programas e a recepção ou consumo de programas e mensagens gozam de um âmbito alargado: a primeira, por não se verem razões especiais que a devam condicionar; a segunda, por beneficiar da proteção concedida pela liberdade de recepção e pela garantia institucional do pluralismo.”[65]

Nesse mesmo sentido, o âmbito normativo dos direitos à liberdade de expressão de radiodifusão e de liberdade de programação assegura à empresa de televisão por radiodifusão a possibilidade, nas palavras de J. J. Gomes Canotilho e Jónatas Machado, de “emitir qualquer programa, independentemente do seu conteúdo ou qualidade, sendo esta matéria reserva da empresa de radiodifusão”. Segundo os autores: “Subjacente a esta reserva de actividade televisiva, ou reserva de empresa de radiodifusão, está a garantia da liberdade de conformação da programação dos operadores e o princípio da liberdade perante o Estado, em matéria de comunicação social”.[66]

Sobre o exercício da liberdade de radiodifusão pelas concessionárias dos serviços de televisão por radiodifusão, cabe destacar o voto do Ministro Relator Carlos Ayres Britto, na ADPF n. 130:

“Atente-se para as novelas da televisão brasileira e demais programações em canal aberto. Não há censura prévia quanto à exposição de capítulos, cenas, fatos, mas os temas polêmicos ou de mais forte quebra de paradigmas culturais são retratados com perceptível cuidado.”[67]

No âmbito infraconstitucional, a Lei n. 4.117/1962, em seu art. 52, preceitua que a liberdade de radiodifusão não exclui a punição dos que praticarem abusos no exercício. Há também a previsão, em seu art. 72, de que a autoridade que impedir ou embaraçar a liberdade de radiodifusão ou da televisão fora dos casos autorizados em lei, incidirá, no que couber, na sanção do art. 322 do Código Penal.[68] O Decreto n. 52.795/63, em seu art. 169, repete o teor da regra de proteção à liberdade de radiodifusão contra interferências abusivas de autoridades.

A título conclusivo, há um regime de concessão especial aplicável ao serviço de televisão por radiodifusão privado, delimitado na Lei n. 4.117/1962, que reconhece a liberdade de radiodifusão da empresa concessionária e que lhe assegura o direito à definição dos conteúdos da programação de televisão.

5.5. PRINCÍPIOS DA PRODUÇÃO E PROGRAMAÇÃO DAS EMISSORAS DE TELEVISÃO NO ART. 221 DA CONSTITUIÇÃO

A Constituição, no capítulo da Comunicação Social, estabelece os princípios da produção e programação das emissoras de televisão (art. 221).

Um dos princípios aplicáveis aos serviços de radiodifusão de sons e imagens é a preferência por finalidades culturais na produção e programação (art. 221, inc. I). Outro princípio, que orienta a produção e a programação das concessionárias do serviço de televisão por radiodifusão, é o da promoção da cultura nacional e regional, com o estímulo à produção independente para sua divulgação (art. 221, inc. II). Um terceiro princípio a ser seguido pelas emissoras de televisão, em sua produção e programação, consiste no respeito aos valores éticos da pessoa e da família (art. 221, inc. IV).[69]

A produção e a programação da televisão por radiodifusão ostentam dimensão cultural relevante. A televisão por radiodifusão é uma fonte de acesso à cultura, daí a relevância da abertura da concessionária do serviço de radiodifusão à produção de programas de autoria de terceiros.

5.6. PENALIDADES DAS LEIS N. 8.987/1995 E N. 8.666/1993 NÃO SE APLICAM À CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO

Como referido anteriormente, os serviços de televisão por radiodifusão de sons e imagens estão submetidos a regime de concessão especial. Há um ordenamento jurídico setorial sobre os serviços de televisão por radiodifusão, devido à especialidade da matéria, reconhecida na Constituição.[70] Vale dizer, os serviços de televisão por radiodifusão estão submetidos a um Direito setorial especial, diverso do Direito geral, como é o caso do direito administrativo clássico.

Com efeito, a partir do critério da especialidade que orienta a aplicação das leis, há a prevalência da lei específica sobre os serviços de televisão por radiodifusão. Ademais, a especialidade do tratamento normativo dos serviços de televisão por radiodifusão decorre da própria Constituição Federal.[71] Em síntese, as normas setoriais dos serviços de radiodifusão devem prevalecer sobre as normas gerais das concessões de serviços públicos.

A Lei n. 8.987/1995 dispõe sobre o regime geral de concessão e permissão de serviços públicos. Esta lei é expressamente clara quanto à sua não incidência sobre os serviços de radiodifusão de sons e imagens. Observe-se a literalidade do texto legal: “Art. 41. O disposto nesta Lei não se aplica à concessão permissão e autorização para o serviço de radiodifusão de sons e imagens”.

Portanto, extrai-se expressa e diretamente, do art. 41 da Lei n. 8.987/1995 a exclusão de sua aplicação à concessão dos serviços de radiodifusão. Sendo assim, esta lei determina a prevalência do regime de concessão especial do serviço de radiodifusão, na forma da Lei n. 4.117/1962. Desse modo, é impossível juridicamente a interpretação no sentido de se aplicar as penalidades da Lei n. 8.987/1995 à concessionária do serviço de televisão por radiodifusão.

Por outro lado, a título ilustrativo, a Lei Geral de Telecomunicações, seguindo a lógica da regulação dos serviços por ordenamento setorial especial, dispõe sobre seu exclusivo âmbito de incidência nas concessões, permissões e autorizações do serviço de telecomunicações. A Lei Geral de Telecomunicações expressamente excluiu a aplicação das Leis n. 8.666/1993 e Lei n. 8.987/1995 sobre os serviços de telecomunicações.[72] Vale dizer, a especialidade da matéria (telecomunicações, que demanda a sua regulação em legislação setorial), exclui a incidência do regime geral de concessões e licitações.

Vale ressaltar que a Lei Geral de Telecomunicações atribui à Anatel a fiscalização dos aspectos técnicos das estações de radiodifusão de sons e imagens.[73] Daí porque a concessionária do serviço de televisão por radiodifusão, a princípio, submete-se às infrações e às sanções catalogadas na Lei n. 9.472/1997, aplicáveis pela Anatel, no aspecto técnico.[74]

Por outro lado, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 8.666/1993) contém normas gerais para licitações e contratos da Administração Pública.[75] A Lei de Licitações e Contratos Administrativos aponta a solução na hipótese de conflito com legislação específica sobre concessão. Ou seja, a lei das normas gerais sobre licitações e contratos administrativos define o seu âmbito de não incidência. Segundo a Lei n. 8.666/1993: “Art. 124. Aplicam-se às licitações e aos contratos para permissão ou concessão de serviços públicos os dispositivos desta Lei que não conflitem com a legislação específica sobre o assunto”.

Como referido anteriormente, o serviço de televisão por radiodifusão é disciplinado por legislação específica, representada pela Lei n. 4.117/1962, a qual estabelece as penalidades a serem aplicadas às concessionárias dos serviços de televisão por radiodifusão. Nesse aspecto, há conflito entre a Lei n. 8.666/1993 e a legislação específica da radiodifusão, razão pela qual a aplicação exclusiva da Lei n. 4.117/1962 faz-se necessária.

Frise-se que os princípios da estrita legalidade e da tipicidade impedem a aplicação de penalidades fora das hipóteses tipificadas expressamente na lei específica que disciplina o serviço de radiodifusão de sons e imagens. Também, o princípio da segurança jurídica tem o efeito de impedir a interpretação da legislação de modo incoerente, pois isso fragilizaria juridicamente a concessionária quanto à legislação incidente sobre suas atividades e a tipificação das infrações e penalidades.

Sanções aplicáveis aos serviços de televisão por radiodifusão somente podem ser aquelas da Lei n. 4.117/1962. Interpretar a legislação federal de modo a forçar sua aplicação, para fins de incidência da legislação geral sobre concessões de serviço público e licitações e contratos administrativos, implica a negativa de vigência à legislação específica do setor de radiodifusão. Ou seja, há plena vinculação dos serviços de televisão por radiodifusão às infrações e às penalidades previstas, na forma da Lei n. 4.117/1962.[76] Com isso, ocorre a plenitude da eficácia do princípio do devido processo legal, o qual determina a incidência de sanções à concessionária do serviço de televisão por radiodifusão, previstas na referida lei setorial.

6. DE LEGE FERENDA: ATUALIZAÇÃO DAS NORMAS SOBRE INFRAÇÕES E SANÇÕES APLICÁVEIS ÀS CONCESSIONÁRIAS DOS SERVIÇOS DE TELEVISÃO POR RADIODIFUSÃO DO SETOR PRIVADO, NOS ASPECTOS DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO POR TERCEIROS E RESPECTIVA VEICULAÇÃO

A Lei n. 4.117/1962, como referido, não proíbe a concessionária do serviço de televisão por radiodifusão de veicular conteúdo da programação televisiva coproduzido em parceria com terceiros. A veiculação de conteúdo autoral de terceiros não substancia infração tipificada na Lei n. 4.117/1962, razão pela qual nenhuma penalidade pode ser aplicada à empresa concessionária do serviço de televisão por radiodifusão por esta conduta.  Com efeito, enquanto não alterada a referida lei da radiodifusão, para fins de tipificação da veiculação de programa produzido por terceiros como infração, não é admissível a sua interpretação extensiva para sancionar a concessionária. Também, o Judiciário não pode criar um limite para a concessionária de televisão quanto à veiculação de programa de terceiros, sem a previsão legal da infração.[77]

De lege ferenda, a questão sobre a veiculação pela concessionária de televisão por radiodifusão de conteúdo autoral coproduzido por terceiros pode ser modificada no âmbito legal. Daí porque é recomendável o debate deste tema no âmbito do Congresso Nacional, o qual detém a competência legislativa para modificar a legislação dos serviços de televisão por radiodifusão.

Compete ao Congresso Nacional dispor sobre a modificação da lei aplicável sobre o setor privado de televisão por radiodifusão, para o fim de restringir, proibir ou permitir a prática de produção, programação e a veiculação pela concessionária de televisão por radiodifusão de conteúdo coproduzido por terceiros.[78] Caso o Congresso entenda que a ausência de norma que proíba a veiculação pela concessionária de conteúdo coproduzido por terceiros, na Lei n. 4.117/1962, constitui problema, poderá alterar o tratamento legislativo da matéria.

É da competência do Congresso Nacional deliberar se adotará a seguinte tese como infração praticada por concessionária do serviço de televisão por radiodifusão: “Veicular programa de conteúdo produzido por terceiros, acima do limite legal”. Igualmente, caberá ao Congresso Nacional estipular a sanção específica para esta espécie de infração: “Pena: Multa no valor de X”. Ao que parece, a aplicação de uma multa em valor substancial é mais eficaz do que a aplicação das penalidades de cassação ou suspensão da emissora.

A eventual iniciativa que, tratando do limite à produção e à veiculação de programas coproduzidos por terceiros, modificar a Lei n. 4.117/1962 há de respeitar o núcleo essencial das liberdades de radiodifusão, de comunicação social e de produção e programação das emissoras de televisão. Não pode, por isso, a lei federal invadir o núcleo do direito fundamental à escolha dos conteúdos dos programas televisivos pelas emissoras. Daí a necessidade de equilíbrio entre a liberdade de radiodifusão e liberdade de programação das emissoras de televisão, com o estabelecimento do limite à produção e à veiculação de programas televisivos por terceiros. Além disso, a proposta legislativa deve dispor de modo preciso, claro e determinado, sob pena de ofensa aos princípios da estrita legalidade, da segurança jurídica e do devido processo legal.

Atualmente, conforme a legislação do setor de radiodifusão, o teto máximo da multa aplicável às concessionárias dos serviços de televisão por radiodifusão é pequeno.[79] É fundamental que as sanções sejam proporcionais e adequadas à natureza da infração, imputada à concessionária, nem aquém da gravidade do ilícito administrativo (que sequer inibam a conduta ilícita da concessionária), nem além do necessário para restabelecer o cumprimento da legalidade no setor da radiodifusão.[80]

Por outro lado, de acordo com a legislação da radiodifusão em vigor, a competência para aplicar a multa à concessionária do serviço de televisão por radiodifusão é do Ministério das Comunicações. Diversamente, a prática regulatória em outros setores de serviços regulados, as sanções pelo descumprimento da legislação setorial são aplicadas por uma agência reguladora independente, como é o caso da regulação dos serviços de telecomunicações e a aplicação das penalidades pela Anatel. Daí porque, de lege ferenda, a competência para a aplicação da multa à concessionária do serviço de televisão por radiodifusão deveria ser conferida a uma agência reguladora, eventualmente a à própria Anatel.[81]


7. CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL: MANIFESTAÇÃO SOBRE EVENTUAL INICIATIVA DE ATUALIZAÇÃO DAS INFRAÇÕES E PENALIDADES

Eventual iniciativa de lei atualizando a legislação da radiodifusão com a previsão e determinação de infrações e penalidades aplicáveis às concessionárias do serviço de televisão por radiodifusão em virtude de excesso de conteúdo produzido por terceiros reclamará a manifestação do Conselho da Comunicação Social.[82]

A Constituição, no capítulo da Comunicação Social, instituiu o Conselho de Comunicação Social (art. 224), na qualidade de órgão auxiliar do Congresso Nacional nos temas relacionados à Comunicação Social. Trata-se, portanto, de órgão integrante do Poder Legislativo, com funções de aconselhamento em matérias da Comunicação Social. Nos termos da Lei n. 8.389/1991, o Conselho de Comunicação Social tem competências para realizar estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações encaminhadas pelo Congresso Nacional, relacionadas ao capítulo da Comunicação Social.[83] Sua atuação incide sobre temas relacionados aos meios de comunicação social: serviços de televisão e rádio por radiodifusão, serviços de TV por assinatura, imprensa, diversões e espetáculos públicos.[84] É composto por 13 (treze) pessoas representantes das empresas de rádio, televisão, imprensa escrita, categorias dos jornalistas, radialistas, artistas, cinema e vídeo e da sociedade civil, e um engenheiro com notório conhecimento na comunicação social.[85] Os membros do Conselho de Comunicação Social e respectivos suplentes são eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional, para o exercício de mandato de dois anos, sendo permitida uma recondução.[86]

Especialmente, na forma da Lei n. 8.389/1991, o Conselho de Comunicação Social tem competências para, entre outras questões, opinar sobre projetos de lei relacionados à: liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, produção e programação das emissoras de rádio e televisão, finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas da programação das emissoras de rádio e televisão, promoção da cultura nacional e regional, e estímulo à produção independente e à regionalização da produção cultural, artística e jornalística, monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social,[87] complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal de radiodifusão, defesa da pessoa e da família de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto na Constituição Federal, propriedade de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens, outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais que se referem à comunicação social.[88]

O Conselho de Comunicação Social não tem competência legislativa, nos termos da Constituição e da lei de sua criação. Os estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações preparados pelo Conselho servem apenas para subsidiar os trabalhos do Congresso Nacional no setor da Comunicação Social. Trata-se de competência de natureza consultiva e auxiliar para o Poder Legislativo, no âmbito do processo legislativo e no âmbito do processo de outorga, renovação e não-renovação das concessões, bem como no processo de fiscalização dos serviços de televisão por radiodifusão.[89] O Conselho de Comunicação Social não dispõe de competência legislativa, regulatória e fiscalizatória sobre os serviços de televisão por radiodifusão, nem de competência para outorgar os serviços de radiodifusão.

Não obstante, o Congresso Nacional deve considerar, no processo legislativo e nos debates parlamentares, as opiniões manifestadas pelo Conselho de Comunicação Social. Vale dizer, as considerações apresentadas pelo Conselho de Comunicação Social devem integrar, formalmente, o trâmite do processo legislativo, até por força do princípio do devido processo legal. Por outro lado, no âmbito das outorgas, renovações ou não renovações das concessões de radiodifusão, as opiniões do Conselho de Comunicação Social constituem requisito de validade das decisões do Congresso Nacional.[90]

Os pareceres do Conselho de Comunicação Social, embora não vinculem o Congresso Nacional, possuem valor jurídico na medida em que servem como diretriz à atuação parlamentar, seja no processo legislativo, seja nos procedimentos de outorga, renovação ou não renovação das concessões de radiodifusão.

O Conselho de Comunicação Social tem relevante papel definido pela Constituição,  o qual está detalhado na Lei n. 8.389/1991. Espera-se que o Conselho de Comunicação Social seja ainda mais efetivo no cumprimento de sua missão constitucional, contribuindo para o aprimoramento do processo legislativo nos temas da comunicação social, bem como para a melhor fiscalização das outorgas e renovações das concessões dos serviços de radiodifusão. Sua missão constitucional consiste na contribuição para a efetivação da democracia comunicativa no País, com as garantias de acesso à pluralidade e à diversidade dos meios de comunicação social, e da concretização dos direitos à liberdade de expressão, informação e comunicação social, e direito à cultura brasileira.[91]


8. CONCLUSÃO

Por conseguinte, percebe-se que a concessionária de serviço de televisão por radiodifusão está submetida à normativa da Lei Federal n. 4.117/1962 (radiodifusão e sons e imagens). Desse modo, não são aplicáveis à concessionária as penalidades previstas nas Leis Federais n. 8.987/1995, 8.666/1993 e 12.846/2013. As sanções aplicáveis nesse regime setorial enquadram-se nas disposições da Lei n. 4.117/1962 e do Decreto n. 52.795/1963.

Entende-se que a veiculação de programas de televisão, mesmo com eventual conteúdo cultural-religioso, ainda que em contrato de coprodução, não caracteriza infração à Lei n. 4.117/1962 (arts. 34, 38, alínea “d” e 124) ou ao Decreto n. 52.795/1963 (arts. 3, 10, 28, item 12, alínea “d”). No mesmo sentido, o termo “publicidade comercial”, previsto no art. 124 da Lei n. 4.117/1962 e no art. 28, item 12, alínea “d”, do Decreto n. 52.795/1963, está associado à veiculação de conteúdo publicitário pela televisão por radiodifusão, caracterizado pela difusão de mensagens e informações sobre produtos e serviços, para estimular a oferta, a venda e o consumo de bens econômicos para os consumidores e o público em geral. Tal definição não alcança os programas de televisão produzidos por terceiros ou veiculados em regime de coprodução. Nestes termos, a concessionária pode veicular conteúdo coproduzido com terceiros, visto que a normativa setorial do serviço de radiodifusão por televisão não restringe a possibilidade, o que não caracteriza, por isso, hipótese de transferência irregular da concessão do serviço.

O regime jurídico do setor de radiodifusão por televisão, particularmente no que concerne à veiculação de programas coproduzidos por terceiros, precisa, parece claro, ser atualizado. O Congresso Nacional não pode se furtar a essa tarefa. A discussão no Parlamento dar-se-ia, por exigência constitucional, com o auxílio do Conselho de Comunicação Social e, obviamente, de toda a sociedade. Poderá o Legislador, nesse caso, estabelecer condições para a veiculação de programas coproduzidos ou produzidos por terceiros, inclusive limites máximos no quadro de programação e, sendo o caso, definir percentuais mais generosos de programação dedicados aos conteúdos regionais e noticiosos. Não poderá, entretanto, o Congresso Nacional, uma vez estabelecidos os limites por categoria de programação, censurar conteúdos, cuja escolha compõe a esfera de liberdade da concessionária, uma vez satisfeitos os parâmetros constitucionais.


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NOTAS

[3] A Lei n. 4.117/1962, conhecida como Código Brasileiro de Telecomunicações, originariamente continha regras sobre os serviços de telecomunicações e os serviços de radiodifusão. Em suas raízes históricas, a Lei n. 4.117/1962 decorre de projeto de lei de origem no Parlamento, com o objetivo de criar garantias jurídicas formais à liberdade dos radiodifusores contra os abusos do Estado. Daí o surgimento da lei formal para a organização da execução dos serviços de radiodifusão. O projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional teve 52 (cinquenta e dois) vetos do então Presidente da República João Goulart. Todos os vetos foram derrubados pelo Congresso Nacional. O texto original da Lei n. 4.117/1962 foi modificado pelo Decreto-Lei n. 236/1967, que alterou os arts. 24 e 53. Posteriormente, a Lei Geral de Telecomunicações, na forma da Lei n. 9.472/1997, deu novo tratamento normativo aos serviços de telecomunicações, ao revogar os dispositivos da Lei n. 4.117/1962 que dispunham sobre serviços de telecomunicações e manter apenas os preceitos relacionados aos serviços de radiodifusão.

[4] A Lei Geral de Telecomunicações (Lei n. 9.472/1997) foi aprovada pelo legislador para regular os serviços de telecomunicações, excluindo-se os serviços de radiodifusão de seu âmbito de aplicação, excetuados os aspectos técnicos destes mesmos serviços. Dessa maneira, a Lei n. 9.472/1997, que trata sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, dispõe: “Art. 215. Ficam revogados: I – A Lei n. 4.117, de 27 de agosto de 1962, salvo quanto a matéria penal não tratada nesta Lei e quanto aos preceitos relativos à radiodifusão”. – grifos nossos

[5] Cf. a Lei n. 4.117/1962: “Art. 32. Os serviços de radiodifusão, nos quais se compreendem os de televisão, serão executados diretamente, pela União ou através de concessão, autorização ou permissão”.

[6] Cf. Gaspar Vianna: “O Direito de Telecomunicações, embora se tenha utilizado da teoria geral das concessões e permissões, não obedeceu aos conceitos tradicionalistas do Direito Administrativo. Criou uma modalidade própria, partindo daquele instituto, com elementos próprios e de serventia específica”. (Direito de telecomunicações. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976). Sobre o assunto, Ericson Scorsim afirma: “A concessão do serviço público de televisão por radiodifusão, não se amolda ao instituto clássico da concessão, pois a existência de prerrogativas administrativas em favor da organização da disciplina e da fixação do conteúdo do serviço, naturais à concessão, é incompatível com o exercício da liberdade de comunicação social das emissoras de televisão”. (TV digital e Comunicação Social: aspectos regulatórios. TVs pública, estatal e privada. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 341). Neste mesmo sentido, Miguel Seabra Fagundes, em artigo clássico sobre o tema da concessão no âmbito da radiodifusão, intitulado “O Regime Legal do Rádio e da Televisão em face da Constituição Federal”: “Aqui, o instituto da concessão será o mesmo em nome, porém o significado particular, especialíssimo, do objeto ao qual se aplica, impõe entendê-lo em termos novos e próprios”. (Revista de Direito Administrativo. n. 65. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, julho-setembro de 1961, p. 52).

[7] Cf. a Lei n. 8.987/1995 (Lei de Concessões de Serviços Públicos): “Art. 41. O disposto nesta Lei não se aplica à concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão de sons e imagens”.

[8] O Decreto n. 5.820/2006, que trata da implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital, em substituição ao padrão de transmissão analógico, dispõe sobre a obrigatoriedade de adoção do SBTVD-T (Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre), pelas concessionárias e autorizadas dos serviços de radiodifusão de sons e imagens (art. 3º). Este padrão digital de televisão por radiodifusão possibilita à concessionária a transmissão digital em alta definição (HDTV), em definição padrão (SDTV), com a possibilidade de transmissão digital simultânea para recepção fixa, móvel e portátil (art. 6º).

[9] Ver SCORSIM, Ericson. TV digital e Comunicação Social…, p. 97.

[10]Cf. Art. 157, da Lei n. 9.472/97.

[11]Sobre a história legislativa em torno da Lei n. 4.117/1962, o projeto de lei n. 3.330/1957, do Deputado Prado Kelly, anexo ao Projeto 3.547/57 do Senado Federal, que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações, teve parecer sobre os modelos à época existentes para a organização do serviço de radiodifusão, onde é mencionada a distinção: “O terceiro dos sistemas ora estudados distingue-se dos demais pela nítida separação entre o serviço técnico e o serviço de programas. O primeiro sempre pertence ao Estado”. (Parecer da Comissão de Transportes, Comunicações e Obras Públicas, em 11.12.1957). Esse projeto legislativo serviu à elaboração da Lei n. 4.117/1962. Documento obtido no site da Câmara dos Deputados.

[12] Voto do Relator Min. Ayres Britto.

[13] Segundo o voto da Min. Carmén Lúcia, na ADI 3.944/DF, a concessionária do serviço de televisão por radiodifusão está obrigada a adotar o padrão digital na transmissão, para melhorar a forma de prestação do serviço ao público.

[14] Sobre o assunto, SCORSIM, Ericson. TV Digital e Comunicação Social…, p. 74-75.

[15]A título comparativo, a Lei n. 12.485/2011, que trata dos serviços de TV por assinatura (serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado), adota definições para os termos produção e programação. Produção é a atividade de elaboração, composição, constituição ou criação de conteúdos audiovisuais em qualquer meio de suporte (art. 2, inc. XVII). Programação é a atividade de seleção, organização ou formatação de conteúdos audiovisuais apresentados na forma de canais de programação, inclusive nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado (art. 2, inc. XX). Além disto, o modelo do regime jurídico de TV por assinatura, adotado na lei, regula as atividades nas camadas de produção, programação, empacotamento e distribuição. Na Lei da TV por assinatura há regras diferentes dependendo da natureza da atividade econômica prestada pelas empresas do segmento de comunicação social de acesso condicionado. A Lei n. 12.485/2011, aprova o regime de cotas de conteúdo brasileiro na prestação do serviço de TV por assinatura de, no mínimo, 3h30min (três horas e trinta minutos) dos conteúdos veiculados no horário nobre, sendo metade produzida por produtora brasileira independente, conforme dispõe seu art. 16.

[16] Sobre o tema, Jorge Miranda esclarece: “As normas legais e regulamentares vigentes à data da entrada em vigor da nova Constituição têm de ser reinterpretadas em face desta e apenas subsistem se conforme as suas normas e os seus princípios” (Manual de direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Coimbra editora, 2007, p. 327). Também: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 6. ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 70.

[17] Segundo a jurisprudência do STF, a Lei n. 4.117/1962 foi recepcionada pela Constituição. Isto não impede o questionamento quanto à constitucionalidade de alguma norma específica desta mesma lei.

[18] Na Lei Geral de Telecomunicações, há a possibilidade de aplicação dos regimes público e privado sobre os serviços de telecomunicações. Daí a coexistência entre o regime público (concessões do serviço de telefonia fixa) e o regime privado (autorização do serviço de telefonia móvel/serviço móvel pessoal). Cada espécie de regime contém obrigações e direitos específicos para as concessionárias e autorizatárias dos serviços de telecomunicações.

[19] Ver: ADI-MC 561/DF, Rel. Min. Celso de Mello. Também, nos julgamentos sobre a constitucionalidade do artigo 38, letra “e”, da Lei n. 4.117/1962, que obriga às emissoras de radiodifusão de sons a transmitir o programa “Voz do Brasil”, o STF decidiu no sentido da recepção dessa regra legal pela Constituição de 1988. Ver: RE n. 571.353 AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 31.05.2011, AGREG no Recurso Extraordinário n. 679.672/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 25.03.2014,  entre outros. O âmbito de incidência do art. 38, letra “e”, da Lei n. 4.117/1962, limita-se aos serviços de rádio (radiodifusão sonora). Nesse caso, a Lei n. 4.117/1962 criou a obrigação, para as emissoras de rádio privadas, da transmissão do programa oficial “Voz do Brasil”, produzido pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ou seja, na hipótese do serviço de radiodifusão sonora há previsão expressa na Lei n. 4.117/1962 sobre a obrigação aplicável à programação das emissoras de rádio comercial no sentido de transmitir, obrigatoriamente, o programa oficial “Voz do Brasil”.

[20] Excetuada a hipótese do serviço de TV por assinatura, espécie de serviço de telecomunicações, sobre o qual incidem os princípios da produção e da programação de televisão do art. 221, da CF.

[21]Cf. Art. 223, caput, da CF.

[22]Sobre o assunto, Ericson Scorsim propõe a seguinte classificação: “os serviços de televisão devem ser classificados como: (i) serviço privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal); ii) serviço público não privativo (sistema de radiodifusão público), e iii) atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado). (TV digital e Comunicação Social…, p. 272). Nesse sentido, Marçal Justen Filho, ao explicar a necessidade da interpretação correta do art. 21, inc. XII, letra “a”, da competência legislativa para organizar os serviços de radiodifusão conclui: “Existem duas ponderações complementares relativamente à regulamentação por meio de lei sobre as atividades referidas no art. 21 da CF/88. A primeira reside em que a lei ordinária pode estabelecer que as atividades ali referidas serão exploradas sob regime econômico privado, sem se configurar como serviço público”. (Curso de direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2014, p. 735).

[23] Cf. Art. 211, da Lei Geral de Telecomunicações. Entretanto, ressalte-se, no âmbito infralegal, a Portaria n. 958, de 26 de setembro de 2014, da Gerência de Suporte à Fiscalização da Anatel, aprovou o procedimento de fiscalização do cumprimento das obrigações acerca do conteúdo veiculado ou transmitido por estações dos serviços de radiodifusão e de telecomunicações.  Esta Portaria decorre do Convênio n. 01/2011, de 08 de agosto de 2011, firmado entre o Ministério das Comunicações e Anatel, para o fim de delegar a atribuição de fiscalização pela agência reguladora sobre os serviços de radiodifusão (aspectos de conteúdo da programação). Segundo a cláusula segunda deste Convênio: “Não se inclui no âmbito deste Convênio a delegação de competência para aplicação de sanção resultante da conclusão do processo de apuração de infração”.

[24] Cf. Art. 223, Art. 49, inc. XII, da CF.

[25] Cf. Art. 222, da CF.

[26] Cf. Art. 221, da CF.

[27] Cf. Art. 223, da CF.

[28] Sobre o tratamento especial à radiodifusão na Constituição, ver BARROSO, Luís Roberto.  Constituição, Comunicação Social e as Novas Plataformas Tecnológicas. In: Temas de Direito Constitucional. t. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 83-116.

[29] Sobre o princípio constitucional da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, ver: SCORSIM, Ericson. TV Digital e Comunicação Social…, p. 256.

[30] TV privada é representada pelas emissoras de televisão por radiodifusão comercial; a TV pública é exemplificada pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) que transmite a TV Brasil e a TV estatal (TV Justiça, TV Câmara e TV Senado).

[31] SCORSIM, Ericson. TV digital e Comunicação Social…, p. 109.

[32] Sobre a distinção entre os setores de radiodifusão pública e a radiodifusão estatal, ver: SCORSIM, Ericson. TV digital e Comunicação Social…, p. 111-117.

[33] Entre a União e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), encarregada da veiculação do canal TV Brasil, há apenas um contrato de prestação de serviços de radiodifusão. Ou seja, à empresa privada de televisão por radiodifusão é aplicado o regime de concessão; enquanto à empresa pública de televisão não é aplicado o regime da concessão. Daí a necessidade, para fins de unidade e coerência do ordenamento jurídico, a interpretação do regime de concessão aplicável ao serviço de televisão por radiodifusão privada, em termos compatíveis com a própria definição legal, na forma da Lei n. 4.117/1962, que assegura a liberdade de radiodifusão da concessionária. A Lei n. 11.652/2008, que trata dos princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua administração indireta, dispõe que, dentre os objetivos da radiodifusão pública, está a garantia de espaços na programação para a exibição de produções regionais e independentes (art. 3º, inc. V); a promoção de parcerias e o fomento da produção audiovisual nacional, com a contribuição à expansão de sua difusão (art. 3º, inc. VII). Essa lei atribuiu a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), empresa pública de prestação de radiodifusão pública, a responsabilidade de garantir os mínimos de 10% (dez por cento) de conteúdo regional e de 5% (cinco por cento) de conteúdo independente em sua programação semanal, em programas a serem veiculados no horário compreendido entre 6 (seis) e 24 h (vinte e quatro horas).

[34] No âmbito do setor público da radiodifusão, cite-se a Lei n. 9.612/1998 que trata das rádios comunitárias, isto é, disciplina os serviços de radiodifusão sonora.

[35]O gênero serviço público de televisão por radiodifusão é composto por três espécies: a radiodifusão privada, a radiodifusão pública e a radiodifusão estatal. Portanto, quanto aos emissores de televisão, têm-se as TVs privadas, TVs públicas e as TVs estatais. Quanto ao meio de transmissão, há a TV por radiodifusão (ondas terrestres hertzianas), a TV a cabo, e a TV por satélite. Quanto ao padrão técnico de transmissão, há a TV analógica e a TV digital. Em outra classificação, há as espécies: TV aberta (TV por radiodifusão) e a TV por assinatura (cabo, satélite, etc.). Cada modalidade de serviço de televisão é disciplinada por um regime jurídico específico, daí a necessidade de análise cuidadosa para saber qual é exatamente o regime aplicável conforme a espécie de televisão. Sobre o tema, conferir: SCORSIM, Ericson. TV digital e Comunicação Social…, p. 95-115.

[36] Distinta é a regulação dos serviços de TV por assinatura. A Lei da TV por assinatura (Lei n. 12.485/2011), que dispõe sobre o serviço de comunicação audiovisual de acesso condicionado, trata expressamente do regime de cotas de conteúdo brasileiro na programação dos canais de televisão paga. Isto é, essa legislação expressamente exige determinado tipo de conteúdo na programação da televisão por assinatura. Doutro modo, no caso do serviço de televisão por radiodifusão, a Lei n. 4.117/1962 não proíbe a veiculação do conteúdo cultural-religioso.

[37] Comparando-se a regulação dos serviços de televisão por radiodifusão com a regulação dos serviços de televisão por assinatura, nota-se que a Lei da TV por assinatura abandona o modelo clássico de concessão de serviço público. O legislador classifica o serviço de televisão por assinatura como espécie de atividade econômica em sentido estrito. Desse modo, a lei da TV por assinatura adota o regime de outorga por autorização administrativa para a prestação dos serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado, cuja expedição se faz pela ANATEL. A questão da constitucionalidade do regime privado na TV por assinatura, especialmente sobre a necessidade ou não de realização de licitação para a outorga dos respectivos serviços, é objeto de impugnação na ADI n. 4756/DF, ora sob julgamento do STF, Rel. Min. Luiz Fux, ajuizada pela Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA), com pedido de interpretação do art. 29 da Lei n. 12.485/2011, conforme os artigos 21, inc. XI, 175, caput, e 37, caput, XXI, da CF. Até a conclusão deste artigo, o Rel. Min. Fux votou pela constitucionalidade da Lei n. 12.485/2011, à exceção da declaração de inconstitucionalidade do seu art. 25, o qual determina a contratação de agência de publicidade brasileira, na hipótese de contratação no exterior de publicidade para veiculação nos canais internacionais dos serviços de TV por assinatura, realizados no Brasil. O Voto do Relator foi acompanhado pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, e Rosa Weber. O Min. Fachin considerou constitucional o art. 25 da Lei n. 12.485/2011. Faltam ainda votar os Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso Mello e Carmen Lúcia, até da data da conclusão deste artigo.

[38]Cf. Decreto n. 52.795/1963 (Regulamento da Radiodifusão): “Art. 28. As concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão, além de outros que o Governo julgue convenientes aos interesses nacionais, estão sujeitas aos seguintes preceitos e obrigações: (…) 12 – na organização da programação: (…) d) limitar ao máximo de 25% (vinte e cinco por cento) do horário de sua programação diária o tempo destinado à publicidade comercial”.

[39] Na Constituição Federal, é outro o sentido de publicidade adotado no âmbito da Administração Pública. Há, no art. 37, §1º, regras específicas para a divulgação dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos. Trata-se da regra sobre a “publicidade institucional” dos órgãos públicos.

[40] Sobre os agentes da publicidade: anunciante, agência de publicidade e veículos, ver: DIAS, Lucia Ancona Lopes de Magalhães. Publicidade e direito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 29.

[41] Neste aspecto, a Constituição de 1988, no inc. II, §3º, do art. 220, atribui à lei a competência para estabelecer os meios legais que garantam à pessoa ou à família a possibilidade de defesa diante de programas ou programações de rádio e televisão contrária ao art. 221, bem como em face da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

[42] Cf. a Lei n. 4.117/1962: “Art. 41. As estações de rádio e de televisão não poderão cobrar, na publicidade política, preços superiores aos vigor, nos 6 (seis) meses anteriores, para a publicidade comum”. Ainda, na Lei n. 11.652/2008, que trata dos princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública, explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua administração indireta, há a seguinte regra: “O tempo destinado à publicidade institucional não poderá exceder 15% (quinze por cento) do tempo total de programação da EBC” (art. 11, §2). A Lei n. 11.652/2008 garante à Empresa Brasil de Comunicação (EBC) a arrecadação de receitas com publicidade institucional de entidades de direito público e de direito privado, com a proibição de veiculação de anúncios de produtos e serviços.

[43] Machado, Jónatas. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social: Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 454.

[44] Sobre o tema, CLÈVE, Clèmerson Merlin. Proscrição da propaganda comercial do tabaco nos meios de comunicação de massa, regime constitucional da liberdade de conformação legislativa e limites da atividade normativa de restrição a direitos fundamentais. In: Soluções Práticas de Direito. v. I, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 83. Para os fins do presente artigo, os termos publicidade e propaganda tem sentido equivalente, ambos têm o sentido associado à venda de produtos e bens aos consumidores. A nota relevante é identificar o sentido do termo publicidade comercial, constante da Lei n. 4.117/1962, para saber da legalidade da veiculação de conteúdo-religioso na programação de televisão da concessionária do serviço de televisão por radiodifusão.

[45] A título ilustrativo, segundo Antoni Rubí Puig: “discurso comercial ou comunicação comercial como toda expressão realizada a iniciativa de uma empresa ou outro participante no tráfego mercantil com a finalidade de promover seus serviços, produtos ou imagem entre os consumidores finais, distribuidores ou, inclusive, entre os próprios empregados (…)”. (Publicidade y libertad de expresión. Navarra: Editorial Aranzadi (Thomson/Civitas), 2008, p. 33). Sobre a interpretação do sentido do termo “propaganda comercial”, adotado pela Constituição, Tércio Sampaio Ferraz Junior esclarece: “A propaganda comercial tem por objeto a publicidade de produtos e serviços em veículos ou processos de comunicação. O primeiro sentido de propaganda comercial é tornar público, isto é, comum e transparente. Propaganda comercial sem exteriorização não é propaganda enquanto atividade econômica. (…) O segundo sentido da propaganda, enquanto atividade comercial é, nestes termos, a venda através de meios de comunicação de massa. É a comunicação da informação do produto por intermédio daqueles meios, com o propósito de vendê-los”. – grifos nossos (Parecer sobre projeto de lei com restrições à publicidade comercial de produtos fumígeros. In: Garantias constitucionais à liberdade de expressão. São Paulo: Conar, 2000, p. 10-20).

[46] Cf. Decreto n. 52.795/1963: “Art. 3º. Os serviços de radiodifusão têm finalidade educativa e cultural, mesmo em seus aspectos informativo e recreativo, e são considerados de interesse nacional, sendo permitida, apenas a exploração comercial dos mesmos, na medida em que não prejudique esse interesse e aquela finalidade”.

[47] Cf. Decreto n. 52.795/1963: “Art. 28. As concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão, além de outros que o Governo julgue convenientes aos interesses nacionais, estão sujeitas aos seguintes preceitos e obrigações: (…) 11 – subordinar os programas de informação, divertimento, propaganda e publicidade às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão;

[48] Sobre a relação entre a lei e o regulamento, ver: CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. 3. ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 319-322.

[49] Sobre a distinção entre a regulação técnica e a regulação comportamental ver, MACHADO, Jónatas; BRITO, Iolanda Rodrigues. Curso de Direito da Comunicação Social. Lisboa: Wolters Kluwer Portugal, 2013, p. 164-165.

[50] Neste aspecto, o voto do Min. Dias Toffoli, na ADI 2.404/DF, ao tratar da interpretação da norma constitucional sobre a classificação indicativa dos programas de televisão, concluiu pela inconstitucionalidade da regra do Estatuto da Criança e do Adolescente que estabelece penalidade às empresas de radiodifusão por exibirem programas em horário diverso do autorizado. Segundo o voto do Min. Dias Toffoli: “O que se faz, nesse caso, não é classificação indicativa, mas restrição prévia à liberdade de conformação das emissoras de rádio e de televisão, inclusive acompanhada do elemento repressor, de punição.

[51] Cf. MACHADO, Jónatas. Liberdade de programação televisiva: notas sobre os seus limites constitucionais negativos. In: SARLET, Ingo Wolfgang; MICHELMAN, Frank I…et alii (Org.). Direitos fundamentais, informática e comunicação: algumas aproximações. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 119. Também o voto do Min. Dias Toffoli, na ADI 2.404/DF, reconhece que a liberdade de programação “é essencial à construção e consolidação de uma esfera de discurso público qualificada”.

[52] Sobre a autonomia privada e a liberdade de programação da concessionária do serviço de televisão por radiodifusão, ver: SCORSIM, Ericson. Comunicação social e democracia: regime jurídico dos serviços de televisão aberta. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin (Org). Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 514. Um exemplo de concretização da autonomia privada das emissoras de televisão por radiodifusão é a formalização de contratos de afiliação entre as emissoras de televisão comercial “cabeças-de-rede” com as emissoras afiliadas para a transmissão da programação para todo o território nacional. Diversamente, uma empresa pública, como é o caso da Empresa Brasil de Comunicação, tem restrições à gestão que decorrem do próprio regime da radiodifusão pública, definido na forma da Lei n. 11.652/2008. Na gestão pública da EBC, há restrições à autonomia, eis que aplicável o regime de direito público, na sua formulação clássica, com as prerrogativas estatais, licitações e contratos administrativos, e limites à programação de televisão.

[53] Sobre a questão da liberdade interna da empresa de radiodifusão, Jónatas Machado explica: “Em causa está a liberdade de auto-organização e de definição das principais linhas programáticas que se pretende seguir. Esta implica a possibilidade de determinar os níveis de programação informativa, cultural ou de entretenimento que se pretende adoptar e de estruturar as correspondentes grelhas (grades de programação). Estas dimensões dependem do direito de propriedade, da autonomia contratual e associativa e da iniciativa económica privada, os quais devem ser vistos como direito constitucional concretizado, internamente relacionados com as liberdades de comunicação”. (Liberdade de expressão…, p. 629).

[54] Sobre o tema Ericson Scorsim delineia: “Portanto, ainda que seja aplicável este regime (serviço público), importante registrar que isto não implica na negação das garantias constitucionais das empresas privadas que protegem sua autonomia privada e liberdade de comunicação social. A emissora comercial é uma concessionária, mas nem por isso a União está autorizada a lhe impor obrigações não previstas na Constituição, na lei ou impor deveres excessivos em relação às empresas”. Comunicação social e democracia: regime jurídico dos serviços de televisão aberta. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin (Org.). Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 512.

[55] Cf. Constituição Federal, art. 222, §§1º e 2º.

[56] Ver BARROSO, Luís Roberto. Constituição, Comunicação Social e as novas Plataformas Tecnológicas…, p. 93.

[57] A propósito, há projeto de lei de 2015, da Deputada Jandira Feghali, a respeito da regulamentação do inciso III do art. 221 da Constituição, para o fim de estabelecer os percentuais de regionalização da produção cultural, artística e jornalística das emissoras de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Segundo este projeto de lei, a veiculação de programas de conteúdo religioso fica limitado a 20% (vinte por cento) das quotas de veiculação obrigatória na programação diária das emissoras de televisão por radiodifusão.

[58] Cf. STF, ADPF n. 130, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. 01.04.2009.

[59] Sobre o tema, conferir: MACHADO, Jónatas. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva. Dos Direitos da verdade aos direitos dos cidadãos. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 231.

[60] Cf. MACHADO, Jónatas. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva…, p. 391. A propósito, Jónatas Machado narra nesse livro o questionamento em Portugal do contrato entre a SIC e a Igreja Universal do Reino de Deus para a transmissão de programa de televisão de natureza religiosa. Segundo o autor: “(…) em nosso entender, uma correta solução do problema não passa apenas pela análise, e termos estritamente administrativistas, dos termos do contrato de concessão celebrado entre o Estado e a SIC e da questão de saber se a mensagem religiosa é ou não publicidade. Em sede jurídico-constitucional, o direito à liberdade religiosa é construído com um âmbito alargado. Este facto tem relevo não apenas na perspectiva do que se deva considerar como religião ou confissão religiosa para efeitos de sua aplicação, mas também do ponto de vista da maximização das possibilidades de concretização do direito em causa. A nossa Constituição, rejeitando claramente qualquer teoria da regulamentação das liberdades, impõe a subordinação da lei aos direitos fundamentais. Daí decorre que a questão relevante não é a de saber se uma determinada conduta está ou não a coberto da lei. Diferentemente, ela prende-se com saber: a) se essa conduta, mesmo que tenha se desenvolvido à margem da lei; isto é, sem lei ou contra a lei, se subsume ou não a um direito, liberdade e garantia; b) se ela põe em causa, de forma intolerável, direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Neste processo de ponderação de bens é a lei que tem que ceder primeiro e não os direitos, liberdades e garantias. Ora, do ponto de vista fáctico parece pelo menos poder afirmar-se que a utilização, ao longo de largos meses, de tempo de emissão televisiva por parte da Igreja Universal do Reino de Deus revelou que o mesmo está longe de comprometer, de forma intolerável, direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Assim, prima facie, pode muito bem ter surgido aqui uma nova forma de realização de direitos, liberdades e garantias, não inicialmente prevista pelo legislador, mas que este deve agora acomodar. Se assim de facto aconteceu, a conduta em causa ficará a coberto da aplicabilidade directa dos direitos, liberdades e garantias até que venha ser objeto de enquadramento legal. Em nosso entender, bastante mais graves do que situações como esta, em que certos comportamentos são considerados ilegais embora protegidos pela Constituição, são algumas situações de privilégio da confissão dominante por nós referidas, construídas ao abrigo da lei mas destituídas de qualquer fundamento constitucional.” (Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva…, p. 391). – grifos nossos.

[61] Cf. STF, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. 01.04.2009.

[62] MENDES, Gilmar Ferreira. O significado da liberdade de imprensa no Estado democrático de direito e seu desenvolvimento jurisprudencial pelas Cortes constitucionais. In: Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. Estudos de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 639.

[63] MACHADO, Jónatas. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social: Coimbra: Coimbra Editora, p. 613.

[64] MACHADO, Jónatas. Liberdade de expressão…, p. 627.

[65] Cf. ALEXANDRINO, José. Estatuto Constitucional da Actividade de Televisão: Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 161.

[66] Cf. CANOTILHO, J.J. Gomes; MACHADO, Jónatas. Reality Shows e liberdade de programação. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 28-32.

[67] Cf. STF, ADPF n. 130, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. 01.04.2009.

[68] Reprise-se que a Lei n. 4.117/1962 está fundamentada, em suas raízes históricas, na proteção à liberdade de radiodifusão, eis que decorrente de projeto de lei originário do Parlamento, e com o objetivo de criar garantias jurídicas formais à liberdade dos radiodifusores contra os abusos do governo. Daí o surgimento da lei formal para organização da execução dos serviços de radiodifusão. O projeto de lei teve 52 (cinquenta e dois) vetos pelo então Presidente da República João Goulart. Todos os vetos foram derrubados pelo Congresso Nacional.

[69] Estes princípios constitucionais da produção e programação de televisão catalogados no art. 221, embora previstos na Constituição de 1988, não foram regulamentados pelo legislador no âmbito da radiodifusão do setor privado. Apesar desse fato, tais princípios podem ser invocados e aplicados, para fins de proteção às concessionárias de televisão privadas por radiodifusão, em práticas contratuais voltadas à difusão da produção de programas culturais-religiosos de autoria de terceiros. Distintamente, no serviço de radiodifusão pública, a Lei n. 11.652/2009 estabelece alguns parâmetros para a concretização destes princípios constitucionais, especialmente o art. 221, inc. II e III. Igualmente, no caso da regulação dos serviços de TV por assinatura a Lei n. 12.485/2011 contém alguns parâmetros para a concretização dos princípios constitucionais, especialmente o art. 221, inc. II.

[70] A prestação do serviço de televisão por radiodifusão envolve o exercício de valiosos direitos fundamentais, presentes na comunicação social. Com efeito, a atividade de televisão trata do exercício dos direitos fundamentais à liberdade de expressão, liberdade de comunicação, liberdade de radiodifusão, direito à cultura, liberdade religiosa, entre outros. Daí a incompatibilidade entre as regras do regime geral das concessões de serviços públicos, as quais autorizam a modificação unilateral do conteúdo da prestação do serviço público, e o regime especial da radiodifusão, cuja veiculação de conteúdos está diretamente amparada nos referidos direitos fundamentais. A Constituição veda a regulação de conteúdos, excetuadas as hipóteses de proteção aos direitos fundamentais, como é caso da defesa dos direitos de personalidade diante das programações de televisão. O que é admissível é a regulação das infraestruturas de redes de radiodifusão sob os aspectos técnicos na transmissão de sons e imagens.

[71]  Cf. Arts. 22, inc. IV, 48, inc. XII, 49, inc. XII, 220, 221, 222, 223 e 224, da Constituição do Brasil.

[72] Cf. Lei n. 9.472/1997: “Art. 210. As concessões, permissões e autorizações de serviço de telecomunicações e de uso de radiofrequência e as respectivas licitações regem-se exclusivamente por esta Lei, a elas não se aplicando as Leis n. 8.666, de 21 de junho de 1993, n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, n. 9.074, de 7 de julho de 1995, e suas alterações. Parágrafo único. Caberá à Agência a fiscalização, quanto aos aspectos técnicos, das respectivas estações”.

[73] Cf. Lei n. 9.472/1997: “Art. 211. A outorga dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens fica excluída da jurisdição da Agência, permanecendo no âmbito de competências do Poder Executivo, devendo a Agência elaborar e manter os respectivos planos de distribuição de canais, levando em conta, inclusive, os aspectos concernentes à evolução tecnológica. Parágrafo único. Caberá à Agência a fiscalização quanto aos aspectos técnicos, das respectivas estações”.

[74] No âmbito infralegal, há Convênio n. 01/2011, de 8 de agosto de 2011, entre o Ministério das Comunicações e a Anatel no que tange à atribuição para a agência reguladora da fiscalização dos serviços de radiodifusão em aspectos de conteúdo da programação.  A Portaria n. 958, de 26 de setembro de 2014, da Anatel aprovou Procedimento de Fiscalização do cumprimento das obrigações acerca do conteúdo veiculado ou transmitido por estações dos serviços de radiodifusão. Na hipótese de descumprimento da legislação, é aberto um processo de apuração de infração (PAI). Assim, à Anatel fiscaliza e realiza a instrução dos processos administrativos relacionados ao conteúdo da programação dos serviços de radiodifusão. Porém, ao Ministério das Comunicações compete a aplicação das sanções administrativas para as concessionárias dos serviços de radiodifusão.

[75] O âmbito de incidência da Lei n. 8.666/1993 trata das licitações e os contratos dos entes federativos, inclusive autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mistas, quanto à contratação de obras, serviços, compras, alienações e locações, conforme prevê seu art. 1, parágrafo único. Sobre o tema, Marçal Justen Filho comenta: “Tal como apontado acima, é problemático submeter as concessões e permissões às estritas regras contidas no diploma em exame. Deverão ser aplicadas as diversas disposições legais na medida em que sejam compatíveis com as características de cada instituto. O parágrafo único destaca a peculiaridade das contratações que não envolvem desembolso para a Administração Pública, o que afasta a incidência de regras estritamente vinculadas aos gastos públicos e à lei orçamentária. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 961).

[76] Cf. Lei n. 4.117/1962.

[77] Destaque-se que o Ministério Público tem relevante papel quanto à fiscalização das outorgas dos serviços de televisão por radiodifusão, bem como para fiscalizar eventuais ilegalidades praticadas na programação e na publicidade comercial veiculada pelas concessionárias. Daí o cabimento de ações civis públicas para apurar infrações contra a legislação dos serviços de radiodifusão e pleitear a aplicação de penalidades em relação às concessionárias dos serviços de televisão por radiodifusão. Existem inúmeros exemplos de ações propostas pelo Ministério Público para a defesa dos direitos das crianças e adolescentes em relação à classificação indicativa da programação televisiva, a proteção dos direitos dos idosos, dos consumidores em relação à publicidade comercial na televisão, respeito à direito à liberdade religiosa,  direito à informação atualizada em programa jornalístico, etc. Ver: www.prsp.mpf.mp.br, item Comunicação.

Mas, a atuação do Ministério Público está evidentemente condicionada aos limites da própria Lei aplicável aos serviços de radiodifusão, se a Lei não proíbe, não pode o Ministério Público, nem o Judiciário proibir a veiculação pela concessionária de programação coproduzida por terceiros.

[78] Sobre a competência constitucional privativa da União para legislar sobre serviços de radiodifusão, ver art. 22, IV, da Constituição. Sobre a competência do Congresso Nacional para dispor sobre os serviços de radiodifusão (art. 48, inc. XII, da Constituição).

[79] A Lei n. 4.117/1962 prevê a aplicação de multas para as concessionárias do serviço de televisão por radiodifusão, cujos valores devem ser atualizados de 3 (três) em 3 (três) anos, conforme índices de correção monetária (art. 59, §3º). Por sua vez, a Portaria n. 294, do Ministério das Comunicações, de 30 de janeiro de 2015, estabelece como valor máximo de multa por infração à Lei n. 4.117/1962, o valor de R$ 89.053,71 (oitenta e nove mil e cinquenta e três reais e setenta e um centavos).

Diversamente, é outro o tratamento normativo da questão no setor da TV por assinatura. Segundo a Lei n. 12.485/2011, que dispõe sobre os serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado:

“A multa poderá ser imposta isoladamente ou em conjunto com outra sanção, não devendo ser inferior a R$ 2.000,00 (dois mil reais) nem superior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) para cada infração cometida”. Em síntese, ao que parece, a legislação  do setor da radiodifusão confere proteção insuficiente à sua própria efetivação, na medida em que estabelece patamar pequeno de multa aplicável à concessionária de televisão por radiodifusão que sequer inibe a prática de infrações.

[80] Na Lei 4.117/1962 como penalidades às infrações cometidas pelas concessionárias, além das multas, há previsão da suspensão por até 30 (trinta dias) e cassação (art. 59). Esta lei preceitua que a penalidade é imposta conforme  a gravidade da falta, antecedentes, e reincidência (art. 61).

[81] Sobre a proposta de atribuição da competência regulatória dos serviços de televisão por radiodifusão à Anatel, ver SCORSIM. Ericson. TV Digital e Comunicação Social. Aspectos regulatórios. TVs pública, estatal e privada. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2008 p. 360-363. Ver, também, SCORSIM. Ericson Meister. Comunicação social e democracia: regime jurídico dos serviços de televisão aberta. In: CLÈVE, Clèmerson (Org). Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 520-521.

[82] Sobre o Conselho de Comunicação Social, ver: SCORSIM, Ericson Meister. Em defesa da regulação dos serviços de televisão por radiodifusão. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo n. 249, setembro/dezembro 2008, p. 51-52.

[83] Cf. Lei n. 8.389/1991, em seu art. 2º.

[84] O Conselho de Comunicação Social também pode se manifestar sobre temas ligados à internet. Esta conclusão decorre em razão de interpretação evolutiva do texto constitucional, e da menção aos meios de comunicação social eletrônica, por força da Emenda Constitucional n. 36/2002, razão pela qual pode-se incluir os temas relacionados à Internet, no âmbito do Conselho de Comunicação Social, especialmente das conexões com os serviços de  televisão e rádio por radiodifusão, bem como TV por assinatura, e imprensa (sites das empresas jornalísticas).

[85] Cf. Cf. Lei n. 8.389/1991, em seu art. 4º.

[86] Cf. Cf. Lei n. 8.389/1991, em seu art. 4º, §4º.

[87] Sobre este aspecto da concorrência no setor da comunicação social audiovisual, destaque-se a criação de empresa joint-venture entre as Redes de Televisão SBT, Record e RedeTV para vender sua programação às empresas de TV por assinatura. Com base na Lei n. 12.485/2011, as emissoras de TV por radiodifusão sustentam a tese da cobrança pelo fornecimento de sua programação nos serviços de TV por assinatura, devido ao encerramento da gratuidade da disponibilização dos conteúdos em decorrência da mudança do padrão de transmissão analógico para o digital. A matéria está sob a análise do CADE, e, também, deverá ser oportunamente analisada pela Anatel.

[88] Cf. Lei n. 8.389/1991, em seu art. 2º, e nas suas respectivas letras.

[89] Neste aspecto, o art. 224 da Constituição que prevê a instituição do Conselho de Comunicação Social, deve ser interpretado com o art. 223, da CF, o qual trata das competências sobre as outorgas, renovação e não renovação das concessões dos serviços de televisão por radiodifusão, pelo Poder Executivo, de modo conjugado com o Congresso Nacional.

[90] A título ilustrativo, a Lei n. 8.977/1995, que disciplinava os serviços de TV a cabo, previa a exigência do Poder Executivo submeter os atos regulatórios do serviço de TV a cabo ao parecer do Conselho de Comunicação Social.  Alguns sustentaram à época, a inconstitucionalidade do dispositivo legal por violação ao princípio da independência e harmonia entre os poderes.

Atualmente, a nova Lei da TV por assinatura (Lei n. 12.485/2011), dispõe: “Art. 42. A Anatel e a Ancine, no âmbito de suas respectivas competências, regulamentarão as disposições desta Lei em até 180 (cento e oitenta) dias da sua publicação, ouvido o parecer do Conselho de Comunicação Social. Parágrafo único. Caso o Conselho de Comunicação Social não se manifeste no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento das propostas de regulamento, estas serão consideradas referendadas pelo Conselho”.  Sobre este aspecto, o Conselho de Comunicação Social se manifestou sobre a proposta do Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado (Serviço de TV por assinatura), e sobre o Regulamento da Gestão da Qualidade das Prestadoras dos Serviços de TV por assinatura, ambos da Anatel.

[91] A título ilustrativo, o Conselho de Comunicação Social apresentou pareceres sobre os seguintes temas tratados em projetos de lei: direito de resposta, classificação indicativa da programação de televisão, flexibilização do horário do programa a Voz do Brasil, inclusão de legenda oculta na programação das emissoras de televisão, liberdade de expressão no período eleitoral, etc. Também, o Conselho de Comunicação Social apreciou a proposta de Emenda à Constituição sobre a obrigatoriedade da exigência de formação de nível superior em jornalismo para o exercício da profissão. E, apresentou Relatório sobre as atividades da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

 

Artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Público, v.50, p. 41 – 70, 2015.

 

Artigo publicado no site jurídico https://jus.com.br/ em 17/09/2015

https://jus.com.br/artigos/42883/concessao-de-servico-de-televisao-por-radiodifusao-liberdade-de-expressao-e-producao-de-conteudos-por-terceiros-ou-em-regime-de-coproducao/3

 

Artigo publicado na página pessoal: https://independent.academia.edu/EricsonMeisterScorsim em 2015.

https://www.academia.edu/15822531/Concess%C3%A3o_de_servi%C3%A7o_de_televis%C3%A3o_por_radiodifus%C3%A3o_liberdade_de_express%C3%A3o_e_produ%C3%A7%C3%A3o_de_conte%C3%BAdos_por_terceiros_ou_em_regime_de_co-produ%C3%A7%C3%A3o

 

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Direito dos Consumidores de TV por assinatura e de Internet

Ericson Meister Scorsim

É uma grande honra participar do II Simpósio dos Direitos dos Consumidores nas Telecomunicações, e em especial do Painel Direito dos Consumidores dos Serviços de TV por Assinatura e de Internet, em Porto Alegre, evento Coordenado pelo Ministério Público Federal – RS e Organizado pelo Fórum Latino Americano de Defesa do Consumidor.

Há mais de 20 anos estudo as questões jurídicas relacionadas com a atividade televisiva, e, assim, parabenizo a iniciativa quanto à realização deste Simpósio, porque possibilita a entrada deste relevante tema na agenda pública nacional de discussões dos direitos dos consumidores.

O ambiente regulatório das comunicações é integrado por diversas leis. O legislador diferencia a regulação dos serviços de telecomunicações (telefonia fixa e telefonia móvel)[1], serviços de radiodifusão (rádio e televisão, aqueles destinado à recepção direta e livre pelo público em geral)[2],  serviços de radiodifusão pública[3], serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado (TV por assinatura)[4]. Os serviços de acesso à Internet, classificados como serviço de comunicação multimídia (e também como serviços de valor adicionado), não são propriamente regulados por lei, mas tão-somente por uma Resolução da Anatel.[5]

Há uma nova Lei da TV por assinatura: a Lei n. 12.485/2011, que trata dos Serviços de Comunicação Audiovisual de Acesso Condicionado, e desencadeou intensas polêmicas e demandará atendimento e conhecimento a respeito dos direitos do consumidor nela previstos.

O foco da exposição está nos direitos dos assinantes nos Serviços de TV por assinatura, estabelecidos pela Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual e alguns dos direitos garantidos pelo Regulamento dos Serviços de TV por assinatura. Esta lei permitiu a entrada das empresas de telecomunicações nos serviços conhecidos como TV por assinatura que, a partir de então, serão classificados como serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado. Com isto, possibilitou-se a oferta conjunta de serviços na modalidade triple play: telefonia, TV por assinatura e internet.[6]

Há um cenário de fragilidade na defesa do consumidor diante das grandes corporações privadas. Espera-se que, a partir de maior conscientização a respeito de seus direitos e de estruturação dos órgãos de defesa, seja possível melhorar esta situação. Há décadas atrás o Procon não se ocupava da TV por assinatura;  as questões corriqueiras estavam ligadas à  cobrança do varejo, serviços de água, da luz, serviços financeiros. Porém com a acessibilidade e o barateamento dos serviços de TV por assinatura houve intensificação  dos problemas, sendo que as estruturas de atendimento ao consumidor tornaram-se inadequadas para suportar demandas crescentes.

A Defesa do Consumidor envolve um valor essencial, que é a proteção de uma pessoa, de algo ligado à sua vida, ao seu bem-estar.  A complexidade decorre do volume de informações que dificulta o entendimento do consumidor sobre a legislação; ademais, por exemplo, existem centenas  planos de serviço de telefonia móvel; é um cenário caótico para o consumidor.

No ambiente regulatório, cada serviço de comunicação esta submetido a um regime jurídico distinto. Nas telecomunicações, os serviços de telefonia fixa estão classificados no regime público (concessão), os serviços de telefonia móvel estão sujeitos ao regime privado (autorização). Os serviços de comunicação audiovisual (TV por assinatura) estão no regime privado.  Também, os serviços de acesso à Internet estão no regime privado. Por sua vez, a TV por radiodifusão comercial (TV aberta) encontra-se regulada no regime de concessão de serviço público.[7]
Lembre-se que o foco do painel é a explanação dos direitos dos consumidores nos serviços de  TV por assinatura.

A Lei da Comunicação Audiovisual é inovadora porque, em primeiro lugar, ela abandonou o regime de direito público. Anteriormente, a Lei da TV a cabo[8], agora revogada pela Lei da Comunicação Audiovisual, adotava impropriamente a figura da concessão de serviço público.  Antes,  a regulação da TV a cabo baseava-se na técnica da concessão; considerava-se a TV por assinatura como serviço público. Porém, da interpretação desta lei revogada notava-se um paradoxo. A Lei da TV a cabo previa liberdade de preços, regime de competição, livre iniciativa, mas o legislador veio a corrigir esta distorção jurídica ao adotar o regime de autorização na Lei da Comunicação Audiovisual. Qual é a consequência disso? No regime privado, que é o da autorização, não há obrigação de universalidade e de continuidade dos serviços. Isto gera problemas políticos e jurídicos. Basta observar a disputa entre o governo e as empresas de telecomunicações quanto à exploração dos serviços de banda larga, que estão no regime privado, para impor metas de universalização do atendimento. A empresa no regime de autorização dos serviços não tem, via de regra,  legalmente a obrigação de executar serviços em todo o território nacional. Somente, as empresas estarão obrigadas à universalização na hipótese de formalização de compromisso com o governo.

A Lei da Comunicação Audiovisual promoveu o ordenamento das atividades econômicas ligadas ao mercado audiovisual, daí a adoção de regras diferentes para a produção, empacotamento, programação e distribuição de conteúdos. A responsabilidade dos distribuidores é entregar o conteúdo audiovisual no domicilio do assinante. Ademais, os serviços de distribuição de conteúdo audiovisual são fiscalizados pela Anatel.

A Lei da Comunicação Audiovisual prevê 4 (quatro) direitos dos assinantes em seu art. 33; a lei da TV a cabo previa de 2 (dois) direitos.  Será que nova lei da comunicação audiovisual protege adequadamente o consumidor? Qual é o contexto de surgimento desta lei? Os movimentos de consumidores se organizaram e estavam devidamente representados lá no Congresso Nacional no momento da discussão parlamentar? Enfim, ficam as perguntas para a reflexão.

O primeiro dos direitos contidos na Lei da Comunicação é o de conhecer, previamente, o tipo de programação exibida, o que abrange informação sobre o gênero, horário, público destinatário, pacotes de serviços, preços, entre outras.[9]

Outro direito legal é o da contratação dos serviços de instalação e manutenção com a distribuidora de conteúdo audiovisual.[10]  De certo modo, a distribuidora tornar-se a responsável pela execução destes serviços para o assinante. Ainda que ela terceirize parte destas atividades, a distribuidora será a responsável legal pela prestação adequada dos mencionados serviços.

Outro direito legal do assinante consiste em relacionar-se apenas com a prestadora do serviço de acesso condicionado.[11] O objetivo é centralizar a relação jurídica com a prestadora,  para fins de facilitação do acesso do consumidor à unidade de atendimento. São três os serviços que podem ser ofertados por uma mesma empresa: telefonia, televisão e internet.  Com isto evita-se que o consumidor fosse obrigado a resolver  problemas em cada um destes serviços com empresas diferentes.

Em relação ao direito de acesso gratuito aos contratos[12], via de regra, se o consumidor acessar o site da prestadora do serviço de comunicação audiovisual, encontrará minuta do contrato. Mas aqui há um grave problema: devido a modelagem desse contrato; ele dificilmente consegue entender as cláusulas contratuais. A experiência da leitura do contrato de serviços de TV por assinatura, do regulamento da Anatel e da lei não facilita o conhecimento  dos direitos. Há, ainda, muita linguagem técnica que impossibilita a compreensão pelo leigo. Neste cenário como assegurar a conscientização a respeito dos direitos? Anteriormente, havia um problema recorrente nos contratos, que era a utilização da letra miúda na redação de suas cláusulas; agora há a tipografia maior, só que não resolve o problema da compreensão, pois não há um padrão de clareza na linguagem dos contratos e nos textos dos sites. Como fica então a efetividade do  direito à informação?

Como ação exemplar,  cita-se a atuação do Ministério Público, que demandou a mudança no padrão de atendimento do consumidor por telefone, inclusive com a modificação das frases utilizadas pelo pessoal encarregado do atendimento do consumidor.

Outro direito legal do assinante é a opção de contratar exclusivamente os canais de distribuição obrigatória.[13] Em outras palavras, garante-se o direito de acesso a estes  canais de distribuição obrigatória. públicos. São os canais de radiodifusão das TVs comerciais, os canais públicos: TV Senado, TV Câmara, TV Justiça, TVs Comunitárias, entre outros. Se o consumidor quiser apenas assistir à TV Senado, ele tem a possibilidade de assinar apenas um pacote básico que contenha a TV Senado e TV Justiça.

Qual é o problema? É que esta opção tem um custo. É preciso pagar uma assinatura básica para acessar aos canais públicos.  Para assistir à TV Justiça, TV Câmara ou TV Senado é necessário ter o serviço de TV por assinatura. Nem todas as cidades brasileiras têm acesso gratuito a estes canais públicos na TV aberta.

Outro direito legal é o acesso a dispositivo de bloqueio de canais de programação[14]; o distribuidor dos conteúdos audiovisuais tem que oferecer esse dispositivo no decodificador, para que os pais possam controlar a programação, as cenas de violência e sexo. Existe lei federal específica que trata da utilização de tecnologia de bloqueio, que os televisores devem vir equipados com esse tipo de dispositivo, mas agora a lei impõe como obrigação dos distribuidores, aqueles que entregam o conteúdo audiovisual no domicilio do assinante.[15]

Outro direito legal é o da não discriminação entre os usuários.[16] Se a operadora resolver privilegiar os assinantes dos pacotes Premium em detrimento dos assinantes da TV Justiça, da TV Câmara, que possuem um plano básico, haverá tratamento discriminatório, algo vedado pelo legislador.

No âmbito do Regulamento de Proteção aos Assinantes, entre outros direitos, garante-se o direito consiste no prévio conhecimento das condições contratuais. A prestadora dos serviços deve informar as cláusulas contratuais sobre fidelização, periodicidade, preços, forma de atendimento ao consumidor e assim por adiante. Ademais, a conquista do direito de  resposta escrita às reclamações é um grande avanço. Também a garantia da opção da contratação sem fidelização; o consumidor pode escolher se quer cláusula de fidelidade ou não, e essa cláusula é de no máximo 12 meses.

Há também o direito legal à informação prévia da alteração dos canais.  Um jornal veiculado hoje, da capital gaúcha, noticiou que uma das operadoras cancelou um dos seus canais da programação, e assim o consumidor ficou à mercê da vontade da operadora. Nessa hipótese de cancelamento de canal, há regra que  garante o acesso a canal semelhante ou, alternativa, garante-se a opção de rescisão do contrato. Então, devido a oferta da programação variar conforme as leis do mercado, deve-se, no mínimo, informar o consumidor,  de modo antecipado, a respeito destas mudanças nos canais. E garantir a presença do canal escolhido na grade de programação por um período mínimo. O consumidor contrata um pacote de canais de programação, o qual tem um canal de esportes que transmite, por exemplo, o Campeonato da Libertadores da América. O canal é transmitido por um tempo,  porém alguns meses depois, o consumidor deixa de recebê-lo. Ora, muitas vezes o consumidor contratou o serviço de TV por assinatura por causa deste específico canal. Daí a necessidade de sua proteção, eis que criada uma expectativa legítima quanto à continuidade da programação.

Outro dispositivo da lei da comunicação audiovisual trata do direito à continuidade dos serviços e à manutenção dos preços pelas prestadoras dos serviços de TVC, MMDS, DHT e TVA.[17]  Há regras de transição e de adaptação para estas empresas. Por exemplo, a concessionária do serviço de TV a cabo torna-se uma empresa autorizada a prestar o serviço de comunicação audiovisual. Neste período de adaptação, o legislador garante o preço dos serviços em nível igual ou inferior. Ou seja, o preço dos serviços pode até não baixar, mas não pode aumentar, e o serviço não pode ser interrompido.

Por outro lado, existem muitos direitos dos assinantes no Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura.[18] Essa resolução é anterior à lei da comunicação audiovisual, mas ainda se encontra em vigência, eis que seu conteúdo foi ratificado pela Resolução Anatel 581, de 26 de março de 2012, que aprovou o Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado.[19]  O Regulamento é muito mais protetivo à situação do consumidor do  que a lei.  

O Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura contém em seu Art. 3 um bloco de direitos que oferece garantias concretas de defesa do consumidor.

Este Regulamento garante os seguintes direitos:

–         acesso aos serviços de televisão por assinatura, com padrões de qualidade e regularidade adequados a sua natureza em sua Área de Prestação de Serviço, conforme condições ofertadas ou contratadas;

–         liberdade de escolha de sua Prestadora e Plano de Serviço;

–         não discriminação quanto às condições de acesso e fruição do serviço, desde que presentes as condições técnicas necessárias, observado o disposto na regulamentação vigente;

–         prévio conhecimento das condições de contratação, prestação, fidelização, e suspensão dos serviços, especialmente, dos preços cobrados, bem como a periodicidade e o índice aplicável, em caso de reajuste;

–         inviolabilidade e segredo da comunicação entre Assinante e Prestadora, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas;

–         não suspensão do serviço em sua solicitação, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização ou por descumprimento de condições contratuais;

–         respeito a sua privacidade nos documentos de cobrança e na utilização de seus dados pessoais pelas prestadoras do serviço;

–         obtenção de resposta às solicitações de informações e às reclamações apresentadas junto às Prestadoras do serviço, podendo o Assinante exigir que a resposta seja dada por escrito;

–         direito de petição contra as Prestadoras do serviço perante o órgão regulador e os organismos de defesa do consumidor;

–         reparação dos danos causados pela violação de seus direitos;

–         adequada prestação do serviço que satisfaça às condições de regularidade, respeito no atendimento, cumprimento de normas  e prazos procedimentais;

–         acesso às  Prestadoras para encaminhamento de reclamações, solicitações de informações e serviços e sugestões;

–         restabelecimento da prestação dos serviços: em até 48 (quarenta e oito) horas, contadas a partir da quitação dos débitos pendentes; ou em até 24 (vinte e quatro) horas, a partir da comprovação da quitação ou de erro de cobrança nos termos da legislação vigente.

–         acesso às informações relativas a sua pessoa constantes de registros ou banco de dados de prestadores de serviços;

–         obtenção de informações precisas sobre local e horário de funcionamento dos centros de atendimento das Prestadoras;

–         acesso à tramitação e informações por escrito sobre as decisões proferidas e respectiva motivação;

–         recebimento do documento de cobrança contendo os dados necessários à exata compreensão do serviço prestado;

–         recebimento adequado dos serviços de instalação, manutenção e retirada dos equipamentos necessários à recepção dos sinais;

–         não ser obrigado ou induzido a adquirir bens ou equipamentos que não sejam de seu interesse, salvo diante de questão de ordem técnica, para fruição do serviço;

–         obtenção gratuita de informações sobre os canais e a programação oferecida;

–         devolução, em dinheiro, das quantias pagas em decorrência de cobrança indevida, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido dos mesmos encargos aplicados pela prestadora aos valores pagos em atraso;

–         suspensão temporária do serviço contratado, quando solicitada, nos termos do disposto no artigo 12;

–         substituição, sem ônus, dos equipamentos instalados no endereço do Assinante e necessários à prestação do serviço, em caso de incompatibilidade técnica ocasionada por modernização da rede da Prestadora, que impeça a fruição do serviço;

–         substituição,  sem ônus, dos equipamentos da Prestadora instalados no endereço do assinante, necessários à prestação do serviço, em caso de vício ou fato do produto;

–         comunicação prévia da inclusão do nome do Assinante em cadastros, banco de dados, fichas ou registro de inadimplentes;

–         rescindir, antecipadamente, sem ônus, o contrato quando constatado descumprimento de obrigação contratual ou legal por parte da Prestadora;

–         ter acesso, por meio eletrônico, correspondência ou pessoalmente, a se critério e sem qualquer ônus, ao conteúdo das gravações das chamadas por ele efetuadas ao Centro de Atendimento da Prestadora, em até 10 (dez dias).

 

Uma observação quanto ao ponto extra. A lei não garante a gratuidade do ponto extra. Divulga-se que é sem ônus, mas não é verdade. Por força de deliberação da Anatel, permite-se a operadora cobrar os serviços de instalação, a ativação e do serviço de manutenção; e também cobrar pelo aluguel/comodato do conversor/decodificador dos sinais de televisão, então não há propriamente ponto extra gratuito.[20]

Além disto, a aprovação pela Anatel das Regras com as Metas de Qualidade dos Serviços de TV por Assinatura, por intermédio de Resolução[21], é um grande avanço em termos de proteção do consumidor. A agência reguladora criou parâmetros para verificar a qualidade dos serviços, a partir de índices de reclamação, boleto, cobrança, etc.

A Anatel tem a responsabilidade quanto à regulamentação da lei da comunicação audiovisual e a fiscalização do serviço de distribuição de conteúdos. Entre outras funções,  compete à agência reguladora aferir a qualidade técnica do sinal entregue aos assinantes.

A Ancine  é a responsável pela regulamentação das regras relacionadas à produção do conteúdo audiovisual, especialmente daquelas que tratam das quotas obrigatórias de conteúdo nacional na programação das televisões comerciais, de incentivo à produção audiovisual brasileira.[22] O objetivo das regras das quotas é incentivar a entrada de conteúdo brasileiro na programação, algo saudável para democratização do mercado audiovisual e a produção independente. É importante a proteção à cultura, à pluralidade, e à diversidade que existe no Brasil; conteúdos plurais e diversos com qualidade devem ser vistos na televisão brasileira.

Verifica-se a incoerência das políticas culturais relacionadas à  exibição de filmes. Quanto dinheiro público foi gasto com renúncia fiscal para apoio ao cinema nacional! Só que os filmes brasileiros não entraram na TV brasileira. Por décadas o dinheiro do contribuinte foi utilizado na produção das obras audiovisuais sem haver janelas de exibição nas emissoras de televisão. Diante disto, é importante, por um período temporário, este regime de quotas; muito embora se saiba da polêmica que o tema comporta.

Enfim, o consumidor dos Serviços de TV por assinatura tem direitos na Lei de Comunicação audiovisual, no Regulamento de Proteção ao Assinante da TV por assinatura. Além disto, também ele pode contar com o Código de Defesa do Consumidor.

Registre-se que houve avanços no serviço de atendimento ao consumidor por telefone, mas é claro que é preciso avançar mais.  Este tema será objeto de painel específico, daí porque não será aqui abordado. Atualmente, é fundamental adaptar os serviços de proteção ao consumidor em função da evolução da tecnologia de informação e das comunicações.  Daí a necessidade de mecanismos de atendimento online do consumidor pelos Procons, com a criação de estruturas e ferramentas adequadas que facilitem o acesso do cidadão aos serviços de orientação e defesa. No cenário de processos judiciais eletrônicos, porque não processos administrativos eletrônicos?

Quanto ao direito dos usuários dos serviços de acesso à Internet, o painel anterior tratou deste assunto. Há várias questões envolvidas: velocidade contratada, qualidade do sinal recebido, desnecessidade de contratação do serviço, universalização dos serviços de banda larga, neutralidade da rede, segurança dos dados pessoais, etc.[23]

Para encerrar, nas últimas décadas, o Brasil amadureceu institucionalmente e democratizou o consumo; há mais e melhores direitos para os consumidores; há o regime de responsabilidade das empresas. Porém há muito ainda a ser feito, especificamente  quanto à tutela dos direitos no âmbito audiovisual. Entre os desafios está a política pública de comunicação sobre os direitos, educação do consumidor e sua inclusão digital multimídia. Por exemplo: o site da Anatel avançou; mas não é um site funcional para o consumidor e para o cidadão.

O site da Federal Communications Commission – FCC, a agência reguladora das comunicações dos EUA é bom em termos  de navegação e visualização dos conteúdos. O Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC, também tem um site muito bom de comunicação visual. O desafio portanto é melhorar e facilitar os sites dos órgãos ligados à defesa do consumidor, e, respectivamente, da apresentação e agrupamento das informações disponíveis.

Outros dos  desafios é a Educação Digital no contexto multimídia. Educar crianças e adolescentes quanto aos direitos. A TV é um meio tradicional, que embora atinja o grande público, depara-se com quedas expressivas em sua audiência. A TV (e a atenção do consumidor) concorre com computadores, tablets, notebooks, smartphone. Novos tempos demandam outro modelo de educação que utilize, de modo inteligente, os avanços tecnológicos.

Algumas tendências no mercado dos serviços de TV por assinatura que poderão trazer problemas na aplicação dos direitos dos consumidores.

Por exemplo, as modificações nas programações audiovisuais e o aumento do preço dos pacotes de canais. Ademais, como estratégia comercial, as operadoras poderão cobrar mais dos canais em alta definição, HDTV, e menos nos canais de definição padrão. A operadora poderá estabelecer dois níveis de qualidade na resolução das imagens e impor preços diferentes?

Outro possível problema está no acesso aos canais públicos e estatais, TV Câmara, TV Justiça. O Brasil vive a transição do modelo de transmissão analógico para o digital. A Anatel terá que verificar a qualidade do sinal recebido pelo consumidor. Por exemplo, uma determinada TV Câmara Legislativa Municipal tem uma dada qualidade em seu sinal de vídeo e áudio.  A distribuidora pode decidir por não distribuir  o sinal da TV Câmara porque o mesmo é tecnicamente ruim. O prejudicado com esta estória é o cidadão.

Quanto à digitalização do sinal de televisão, para essa migração do analógico para o digital, a lei da comunicação audiovisual estabeleceu como obrigação da distribuidora o must carry; o dever de carregar o sinal analógico das empresas de radiodifusão comercial. Nesta hipótese  a lei impõe a cessão gratuita e onerosa do sinal do sinal para as distribuidoras. Porém se a TV comercial já transmitir o sinal digital então deverá ocorrer acordo comercial com a distribuidora.[24]

Há ainda o problema do volume de áudio nos intervalos comerciais das emissoras de televisão. Existe uma lei que regulamenta a questão do áudio, mas é uma lei aplicável à radiodifusão. Como fica a TV por assinatura? A Anatel deve cuidar disso.

O Brasil avançou em termos de proteção aos direitos dos consumidores nos serviços de TV por assinatura, mas precisa progredir mais. Discute-se ainda a qualidade técnica do sinal e dos serviços. Porém o Brasil precisa amadurecer e discutir a qualidade do conteúdo audiovisual. Que espécie de programação de televisão é necessária para o Brasil, para fins de educação, cultura e entretenimento e que pode contribuir para o desenvolvimento  das pessoas, da sociedade e do mercado?

Muito embora, não seja fácil definir o que seja qualidade, é importante o debate público sobre o tema. O Código de Defesa do Consumidor não disciplina a responsabilidade pela qualidade de serviço? É só a entrega do sinal, ou o conteúdo audiovisual exibido para o consumidor? A Lei da Comunicação Audiovisual atribui competência para a Ancine fiscalizar a aplicação das regras sobre as cotas nacionais, a partir daí talvez ocorra maior debate sobre a qualidade da programação das tevês.[25]

Quanto ao relacionamento entre Internet e TV, há a questão da neutralidade da rede de banda larga e sua utilização para distribuição de conteúdo audiovisual. Por exemplo, nos Estados Unidos a  maior operadora de TV a cabo – Comcast, oferece serviços de TV a cabo e serviços de Internet. A operadora, vez que proprietária da infraestrutura de comunicações, pode direcionar o fluxo de transmissão de dados em sua rede.  Na medida em que o usuário acessa à Internet ele deixa de ver propaganda comercial associada à programação veiculada na televisão. Daí o potencial interesse econômico da operadora no controle do acesso do usuário à internet e direção  de sua atenção para sites de parceiros comerciais.

Enfim, os órgãos de defesa do consumidor possuem grande responsabilidade quanto à efetivação dos direitos. Este Simpósio simboliza  união, reflexão, debate público de relevantes temas nacionais. O Rio Grande do Sul é o exemplo da vanguarda em termos culturais, de cultura jurídica, cultura cidadã; que esse movimento possa se espalhar por todo o território nacional, numa articulação mais efetiva entre os demais órgãos de defesa do consumidor, a Anatel e o Congresso Nacional. Além disto, a Lei da Comunicação Audiovisual tratou de questões estruturais do mercado. Ela poderia ter sido mais generosa com os consumidores se ampliasse o rol de seus direitos.

Por outro lado, como exemplo de didática na apresentação de direitos, o designer Siegel Gale, cujo trabalho está focado no design da comunicação no ambiente digital, criou o Acordo Simplificado sobre Cartões de Crédito (Simplified Credit Card Agreement). Um documento eletrônico exibido no ambiente digital que contém direitos básicos nos acordos em dívidas financeiras. O objetivo da criação do documento é a simplificar o acesso às informações relevantes.[26] Este exemplo fica como sugestão para a Anatel simplificar e melhorar a visualização em seu site, assim como os demais sites ligados aos órgãos de defesa do consumidor. Que possa servir como ilustração da necessária adaptação da leitura dos contratos no cenário de navegação na  internet. É fundamental o cuidado com a arquitetura da informação no modelo de organização dos sites. O objetivo maior é garantir a síntese e a simplificação visual, de modo tópico, para facilitar o entendimento dos consumidores brasileiros a respeito de seus direitos legais.


[1] A Lei 9.472/97 trata dos serviços de telecomunicações e da criação da Anatel. Em seu art. 60, parágrafo primeiro, dispõe que telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. O seu art. 61 lei dispõe que o serviços de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

[2] A Lei 4.117/62 dispõe sobre os serviços de radiodifusão (rádio e televisão).

[3] A  Lei 11.652/2008 trata dos objetivos e princípios aplicáveis os serviços de radiodifusão pública e  da criação da Empresa Brasil de Comunicação.

[4]  Cf. a Lei 12.485/2011 disciplina os serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado.

[5] Cf. Resolução Anatel 272/2001.

[6] A Lei da Comunicação Audiovisual afastou uma proibição da Lei da TV a Cabo de 1997, que impedia a entrada das teles no mercado de TV por assinatura. O Brasil tem um mercado de TV por assinatura, segundo os dados da Anatel, que fatura R$ 14 bilhões de reais. Hoje, em março de 2012, surpreendentemente, temos 12 milhões de assinantes e uma população total impactada pelos serviços de TV por assinatura em torno de 40 milhões, numa média de 3 pessoas por domicílio. Há mais de 5.000 municípios; um dos desafios é a universalização da TV por assinatura.  A tendência, portanto, é o crescimento do consumo dos serviços.

[7] Para os efeitos da presente exposição, TV Digital é a TV por radiodifusão. Conferir, também: Decreto 5.820/2006 que dispõe sobre a implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital – Terrestre – SBTVD, e contém regras de transição da transmissão analógica para a digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens.

[8] Ver Lei 8.977/95, ora revogada pela Lei 12.485/2011.

[9] Art. 33, I, da Lei 12.485/2011.

[10] Art. 33, II, da Lei 12.485/2011.

[11] Art. 33, IV, da Lei 12.485/2011.

[12] Art. 33, V, da Lei 12.485/2011.

[13] Art. 33, VI, da Lei 12.485/2011.

[14] Art. 11, parágrafo terceiro, da Lei 12.485/2011.

[15]  Cf. Lei 10.222/2001.

[16] Art. 34 da Lei 12.485/2011.

[17] Art. 37, parágrafo terceiro, da Lei 12.485/2011. TVC é TV a cabo. MMDS é Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal. DTH é o serviço de distribuição de sinais de televisão e de áudio por assinatura via satélite. TVA é o serviço especial de televisão por assinatura.

[18] Ver Resolução 488/2007.

[19] Em 26.03.2012, a Anatel editou a Resolução 581/2012 que aprovou o Regulamento dos Serviços de Comunicação Audiovisual e manteve os direitos do Regulamento de Proteção aos Direitos dos Assinantes dos Serviços de TV por assinatura, previstos na Resolução 488/2007.

[20]  A questão do ponto extra está disciplinada na Súmula 9/2010 da Anatel.

[21] Ver Resolução 411/2005.

[22] Em 25.5.2012, a Ancine, na tarefa de regulamentar a lei da comunicação audiovisual, baixou a Instrução Normativa n. 100 e 101.

[23] A Resolução 272/2001, que aprova o Regulamento do Serviço de Comunicação Multimidia, contém os direitos dos usuários dos serviço de acesso à Internet.

[24] Cf.  Art. 32, parágrafo segundo, da Lei 12.485/2011, o qual está sendo questionado  na ADIn 4.756/DF, ajuizada  pela Associação Brasileira de Radiodifusores – Abra, ora pendente de julgamento no STF, que  alega que o artigo legal é inconstitucional porque fere o direito autoral das empresas de radiodifusão sobre a programação e o princípio constitucional da livre iniciativa.

[25] No Estado do Rio Grande Sul, um dos pioneiros doutrinadores, o Procurador da República Domingos Dresch da Silveira, escreveu uma obra jurídica sobre o controle da qualidade da programação da televisão.

[26]  Nos mecanismos de busca da internet encontra-se facilmente este documento do autor Siegel Gale que o criou no contexto da crise financeira norte-americana.

II Simpósio dos Direitos dos Consumidores nas Telecomunicações: textos completos das palestras, dos debates, dos TACs e das principais normas, Porto Alegre: Editora Age, pág. 131-145, 2013.

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Serviço de televisão por assinatura e licitação

Ericson Meister Scorsim

Resenha – Embargos de Declaração – Omissão – Tribunal ad quem que não se manifesta em acórdão acerca do argumento de que a licitação para a exploração de serviço de televisão por assinatura seria inexigível por inviabilidade de competição, ante a possibilidade de sua exploração por todos os interessados que preencham as condições impostas pela lei.

1. Síntese do Recurso Especial

No Recurso Especial n. 1.153.443 – DF, por maioria, deliberou que a questão jurídica relacionada à exigência de licitação para a outorga dos serviços de televisão por assinatura por satélite (DTH) não foi decidida pelo acórdão recorrido do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, razão pela qual deu provimento ao recurso em razão da omissão, nos termos do art. 535, do CPC, determinando-se a nulidade do acórdão do tribunal a quo.

2. Contexto dos Fatos

Registre-se a importância do histórico dos fatos para a compreensão do julgamento do STJ.

Em 1996, o Ministério das Comunicações editou portarias administrativas para fins de outorga de permissão para exploração do serviço de telecomunicações DTH (direct to home) às empresas TVA Sistema de Televisão S/A, Globo Comunicação e Participações S/A. A outorga aconteceu antes da vigência do Decreto n. 2.196/96 que tratou dos serviços de distribuição de sinais de televisão e de áudio por satélites.

Uma ação popular questionou a legalidade das referidas portarias, sob a alegação da ausência de regular procedimento licitatório prévio à outorga dos serviços  acima mencionados.

A sentença julgou improcedente do pedido dos autores populares.  Acolheu-se o entendimento de que em razão da natureza especial do serviço não seria aplicável a exigência legal das licitações.

Em remessa oficial, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região declarou a nulidade das portarias questionadas, determinando-se a realização do procedimento licitatório  no prazo de noventa dias, pois o mesmo seria indispensável à exploração do serviço de televisão por assinatura, via satélite, objeto da ação. Segundo o acórdão recorrido, devido à ausência de regulamentação do serviço de telecomunicações, que utiliza a tecnologia DTH, no momento da edição das portarias, não poderia ter ocorrido a outorga de permissão para sua exploração. Vale dizer, a outorga da exploração do serviço somente poderia acontecer após a edição de regulamentação da matéria.

3. Questão Central : a exigência da licitação nos serviços de TV por assinatura via satélite não foi decidida pelo tribunal a quo

A questão central consiste na ofensa causada pelo acórdão recorrido do tribunal a quo ao art. 25 da Lei 8.666/93, eis que no caso não poderia ser exigida a licitação por inviabilidade de competição. Em razão da natureza do serviço de DTH haveria a possibilidade de sua exploração por todos os interessados que preencham as condições impostas pela lei.

Nos termos do voto do Relator para o acórdão Min. Mauro Campbell Marques, seguido pela maioria dos Ministros, esta questão não foi decidida no acórdão recorrido, daí a sua nulidade e necessidade de novo julgamento pelo tribunal o quo.

De modo divergente, o voto do Min. Cezar Asfor Rocha manifestou-se: “o fundamento do acórdão regional foi a da exigência de licitação, por isso que, mesmo não havendo a imposição legal desse procedimento administrativo, ainda assim deveria se observar a seleção pública, porquanto, ao que disse a Corte, essa exigência resultaria da própria Carta Magna de 1988 (arts. 21, XI, 37, XXI, e 175).

E, ainda, o Min. declarou que a outorga dos serviços estaria enquadrada no art. 25 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, “porque o serviço de TV, prestado no Sistema DTH, não comporta concorrência entre diversos agentes privados prestadores”.  Em seu voto, deliberou pelo provimento do recursos das empresas para declarar a legalidade das portarias do Ministério das Comunicações.

Ademais, o voto do Min. Delgado afirmou: “Tratando-se – como se trata neste caso – de atividade, serviço ou obra do interesse da administração pública, em que não ocorre o mecanismo da competição entre diversos prestadores ou a concorrência entre eles, a licitação se mostra incabível, por lhe faltar o elemento finalístico específico, que é a escolha da melhor da proposta, quando há mais de uma (ou várias) posta à seleção administrativa”.

4. Conclusões

Lateralmente, o acórdão do STJ salientou as diferenças de regimes jurídicos entre os serviços de TV por assinatura por satélite, dos serviços de TV a cabo e dos serviços de radiodifusão (televisão aberta), porém limitando-se à análise da incidência do art. 25 da Lei 8.666/93. Porém, a grande questão a ser discutida (e não foi por que não alegada),  é sobre o afastamento integral da aplicação da Lei 8.666/93 aos serviços de telecomunicações por satélite. Isto porque eles constituem atividade econômica em sentido estrito. Serviço de TV por satélite não é serviço público. Estes não são ofertados para a administração pública, mas tão-somente para seus respectivos assinantes. E, ainda, poder-se-ia questionar a própria constitucionalidade da exigência de licitação para a prestação dos serviços de TV por satélite. Todavia, esta questão poderia ser discutida no Resp por razões processuais, mas em outras vias processuais.

Revista de Direito das Comunicações, vol. 6, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, RDCom, pág. 246-262, julh-dez, 2012.

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TV por assinatura – Serviço de Acesso Condicionado – Lei da Comunicação Audiovisual

Ericson Meister Scorsim

Lei da Comunicação audiovisual: Análise dos serviços de distribuição dos canais de programação obrigatórios e as implicações no setor de radiodifusão.

1. Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual de acesso condicionado: considerações preliminares. 2. Definição Legal dos serviços de distribuição de conteúdo audiovisual. 3. Oferta dos Serviços de Televisão por assinatura e outros serviços de telecomunicações. 4. Regime de Autorização Administrativa. 5. Adaptação obrigatória à lei dos atuais prestadoras dos serviços de TV por assinatura. 6. Autorização para uso de frequência. 7. Liberdade empresarial de distribuição de conteúdo audiovisual, condicionada à regulação da Anatel. 8. Restrição à inserção de publicidade ou conteúdo audiovisual pela distribuidora sem o consentimento do titular do canal de programação ou do conteúdo veiculado. 9. Distribuição pelas prestadoras do serviço de conteúdos empacotados por empresas credenciadas pela Ancine. 10. Direito de acesso dos assinantes aos canais de distribuição obrigatória. 11. Espécie de Canais obrigatórios. 11.a) Canais das geradoras locais de radiodifusão de sons e imagens transmitidos em tecnologia analógica. 11.b) Canais Legislativos. 11.b.1) TV Câmara. 11.b.2) TV Senado. 11.b.3) Canais das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores. 11.c) Canal do STF. 11.d) Canal da Radiodifusão Pública. 11.e) Canal oficial do Poder Executivo federal. 11.f)  Canal educativo e cultural. 11.g) Canal Comunitário. 11.h) Canal de Cidadania. 11.i) Canal Universitário. 12. Proibição de Anúncios, Comercialização dos intervalos ou de publicidade comercial nos canais não privados. 13. Cessão gratuita e obrigatória das programações das TVs comerciais. 14. Afastamento legal da responsabilidade da distribuidora pelo conteúdo da programação dos canais obrigatórios. 15. Distribuidora não tem obrigação de fornecer infraestruturas para as atividades de produção, programação ou empacotamento. 16. Dever das programadoras de custeio e de entrega do sinal nas instalações da distribuidora, conforme normatização técnica. 17. Dever de ofertar conjunta e sequencial dos canais obrigatórios. 18. Inviabilidade técnica ou econômica como causa da não obrigatoriedade da distribuição de parte ou totalidade dos canais. 19. Proteção à programação dos canais obrigatórios. 20. Critérios de qualidade técnica do sinal transmitido, conforme regulamentação da Anatel. 21. Canais das geradoras locais transmitidos em tecnologia digital. 21.a) Oferta da programação digital e a faculdade de descontinuidade do sinal analógico. 21.b) Proibição da distribuição do sinal de radiodifusão fora dos limites territoriais da área de concessão. 21.c) Vedação da distribuição do sinal de outra geradora integrante de rede nacional dentro da área de concessão. 21.d)  Distribuição do sinal nas localidades aonde não exista concessão do serviço de radiodifusão. 22. Competência da Anatel na resolução dos conflitos.

 1.    Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual de acesso condicionado: considerações preliminares

O Brasil adotou novo regime jurídico para os serviços de televisão por assinatura, com a edição da Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual de acesso condicionado, qual seja, a Lei 12.485, de 12 de setembro de 2011. Aprovou-se o modelo de regulação por serviços conforme a natureza da atividade econômica: a produção, a programação, o  empacotamento e a distribuição do conteúdo audiovisual.[1]

Anteriormente à vigência desta lei, a regulação era baseada na tecnologia, razão pela qual existiam tratamentos normativos diferentes para os Serviços de TV a cabo (TVC), Serviços de Distribuição de Canais Multiponto Multicanal (MMDS), Serviços de Distribuição de Sinais de Televisão e Áudio por satélite (DTH) e o Serviço Especial de Televisão por assinatura  (TVA).[2]

A Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual de acesso condicionado disciplina o conjunto de atividades que permite a emissão, a transmissão e a recepção de imagens acompanhadas ou não de sons que resulta na entrega de conteúdo audiovisual exclusivamente para os assinantes.[3]

O Serviço de Comunicação Audiovisual de acesso condicionado, conhecido como SeAC, é uma espécie serviço de telecomunicações de interesse coletivo submetido ao regime privado da autorização administrativa. A sua função é distribuir conteúdos audiovisuais em pacotes, canais nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado e canais de distribuição obrigatória, por meio de tecnologias, processos, meios eletrônicos e quaisquer protocolos de comunicação.[4]

A Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual não é aplicável, a princípio, aos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Estes são destinados à recepção direta e livre pelo público em geral e não são condicionados ao pagamento de assinatura.[5] Porém, existem dispositivos da referida lei relacionados à radiodifusão quando ela se refere às fronteiras com os serviços de telecomunicações e na distribuição de canais obrigatórios.[6]

Registre-se que a Lei facilitou a entrada das empresas de telecomunicações no mercado de distribuição de conteúdo audiovisual, até então explorado pelas prestadoras dos serviços de TV a cabo e de TV por satélite. Em termos de política pública buscou-se incentivar a entrada das teles para viabilizar os serviços de internet por banda larga, já que as mesmas possuem amplas redes de telecomunicações.[7]

Em contrapartida, o legislador buscou a divisão equilibrada entre os mercados de radiodifusão e de telecomunicações, ao separar as estruturas econômicas em termos de controle societário e de acesso a determinados conteúdos.[8] Objetivou-se evitar a competição desleal no setor de comunicação audiovisual de acesso condicionado em virtude da assimetria de poder econômico das empresas de telecomunicações comparativamente com as empresas de comunicação.

A Lei em análise aprovou a regra da distribuição obrigatória dos canais de televisão comerciais. Entretanto, estabeleceu tratamento normativo diferente para a entrega da programação audiovisual no formato analógico ou digital. Cabe destacar que o setor radiodifusão encontra-se em período de transição devido à implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital, o qual deverá ser concluído até 2016, com a finalização das transmissões analógicas.[9]

O ato legislativo em questão disciplinou a distribuição obrigatória dos canais  legislativos e dos canais do STF, de radiodifusão pública, do Poder Executivo federal, educativo e cultural, comunitário, de cidadania e universitário. Na legislação anterior, somente os serviços de TV a cabo é que estavam obrigados a distribuir os canais obrigatórios, ficando livres deste ônus as operadoras de TV por satélite.[10]

A regulação e a fiscalização das atividades de distribuição dos canais ficaram sob a responsabilidade da Anatel.[11] Por sua vez, a Ancine ficou encarregada de regular e fiscalizar as atividades de programação e empacotamento dos canais.[12]

Além disto, a Lei estabelece um conjunto de regras de partilha de ônus, deveres, direitos e proibições para as distribuidoras em relação às programadoras, empacotadoras e canais de distribuição obrigatória.

Registre-se, ainda, que diversos dispositivos desta lei estão sendo questionados no âmbito do STF em diferentes Ações Diretas de Inconstitucionalidade, não havendo até o presente momento nenhuma decisão a respeito da validade dos artigos impugnados.[13]

O foco deste artigo é a análise dos dispositivos legais que tratam da distribuição de conteúdo pelas prestadoras do serviço de acesso condicionado e seus reflexos no mercado de radiodifusão.

2.    Definição legal dos serviços de  distribuição de conteúdo audiovisual

 O serviço de distribuição é integrado pelo conjunto de atividades de entrega, transmissão, veiculação, difusão ou provimento de pacotes ou conteúdos audiovisuais a assinantes por intermédio de quaisquer meios eletrônicos.[14] A responsabilidade do distribuidor recai sobre os serviços de comercialização, atendimento ao assinante, faturamento, cobrança, instalação e a manutenção de dispositivos de recepção dos sinais de áudio e vídeo.[15]

A prestadora do serviço de acesso condicionado é aquela que detém a outorga da autorização administrativa e relaciona-se diretamente com o assinante.

Resta saber da aplicabilidade da Lei 12.485/2011 aos serviços de distribuição de conteúdo audiovisual em plataformas via internet. Ao que parece, o objetivo do legislador é regular os serviços de distribuição de conteúdo audiovisual executados mediante canais de programação, de venda avulsa de programação ou de vídeo por demanda programado. A finalidade legal é disciplinar os serviços de distribuição baseados em canais de programação.[16]

Diferentemente, os serviços de distribuição de vídeos online não se confundem com os serviços de distribuição de canais de programação. Assemelham-se mais aos serviços de uma locadora virtual. Assim, neste caso não há propriamente apresentação de conteúdo audiovisual sob a forma de canais de programação, razão pela qual, a princípio, os mesmos não estariam enquadrados na lei em análise.[17]

Além disto, tais serviços de distribuição de vídeo pela plataforma internet  não configuram propriamente serviço de televisão por assinatura, eis que estes pressupõem uma atividade ordenada e em sequência temporal de programas de televisão.[18] O fato de ser cobrada uma assinatura pelos serviços também é irrelevante. Daí porque, a princípio, a lei não deve alcançar esta espécie de serviço de distribuição de obras audiovisuais.

3.    Oferta dos Serviços de Televisão por assinatura e outros serviços de telecomunicações

 A prestadora do serviço de acesso condicionado, além dos serviços de televisão por assinatura, pode ofertar outros serviços de telecomunicações, tais como: telefonia ou acesso à internet.[19]

A oferta conjunta de serviços de telecomunicações pode ser realizada pela mesma empresa ou por intermédio de parcerias comerciais com outras prestadoras, respeitadas as condições específicas de cada serviço de telecomunicações, o que impõe à prestadora o dever de firmar contrato específico por serviço com cada assinante.[20]  Não pode haver barreira não justificada que impeça a contratação individualizada pelo consumidor de cada espécie de serviço de telecomunicações que integre a oferta conjunta dos serviços.[21]

Entretanto, a prestadora não pode  condicionar a oferta do SeaC ao consumo casado de qualquer bem ou serviço, prestado por um intermediário ou parceiro, coligado, controlado, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.[22]

 A oferta dos serviços é regulada pelo Regulamento da Anatel que trata da proteção aos direitos dos assinantes e pelo Código de Defesa do Consumidor. Há um bloco de legalidade favorável à efetivação dos direitos dos consumidores em relação aos serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado.

  4.    Regime de Autorização administrativa

 O novo modelo regulatório dos serviços de televisão por assinatura está baseado na figura da autorização administrativa.[23] Trata-se de regime único aplicável a estes serviços, independentemente da tecnologia de distribuição dos sinais. Não existem limites quanto ao número das autorizações, excetuada a hipótese de impossibilidade técnica ou, excepcionalmente, quando houver excesso de competidores que comprometa a prestação do serviço.[24]

O serviço de comunicação audiovisual é uma atividade econômica submetida à regulação do poder público.  Não é, portanto, serviço público submetido ao regime da concessão. Sua prestação depende de prévia autorização da Anatel.

A autorização é qualificada como ato vinculado, oneroso e por prazo indeterminado. São estabelecidas condições objetivas e subjetivas para sua obtenção, conforme disposição da Lei Geral de Telecomunicações. Seu preço é estabelecido em regulamentação específica, o qual não inclui o preço pelo direito de uso das radiofrequências.[25]

A extinção da autorização somente acontecerá nas hipóteses de cassação, caducidade, decaimento, renúncia ou anulação.  Não há o condicionamento de sua vigência a termo final.[26] Alerte-se que eventual expropriação do direito de uso da frequência implicará em indenização adequada.

A questão relevante surge da mudança do regime jurídico dos serviços de TV por assinatura. Na ADI 4679, ora em julgamento no STF, alega-se que tal alteração implicou em violação à regra que prevê a titularidade estatal sobre os serviços públicos, estabelecida no art. 21, inc. XI, da Constituição da República.[27]

Discorda-se, aqui, desta tese veiculada na ADI 4679, pois a Constituição não define o regime jurídico da televisão por assinatura, muito embora contenha princípios sobre a produção e programação das emissoras de radiodifusão e  que posteriormente foram estendidos para os meios eletrônicos. De fato, não há como confundir o regime da televisão por assinatura com o da televisão por radiodifusão. O legislador detém a prerrogativa para, com fundamento na discricionariedade normativa, qualificar os serviços de comunicação social por assinatura como espécie de atividade econômica sujeita ao regime da autorização administrativa. Mesmo na vigência da lei anterior, os serviços de TV a cabo já estavam submetidos aos princípios que disciplinam as atividades econômicas em geral. Impropriamente, a lei da TV a cabo referiu-se à figura da concessão de serviço público, porém, o seu intuito era respeitar a livre iniciativa no setor, com restrito condicionamento dos serviços. Além disto, também os serviços de televisão por assinatura por satélite, antes da vigência da Lei 12.485/2011, já eram submetidos ao regime privado.[28]

5.    Adaptação obrigatória à lei dos atuais prestadores dos serviços de TV por assinatura

 A Lei da Comunicação Audiovisual garante a continuidade da vigência das atuais outorgas (concessões e autorizações) dos prestadores dos referidos serviços, até o seu respectivo prazo de validade, porém determina a adaptação aos condicionamentos referentes à programação e ao empacotamento dos canais. Ressalva-se a competência da Anatel para regulamentar o uso e à administração do espectro de radiofrequências.[29]

As atuais prestadoras do TVC, MMDS, DTH e TVA, desde que atendidas as condições objetivas e subjetivas previstas na  lei, podem solicitar à agência a adaptação de suas outorgas conforme os termos de autorização para prestação do serviço, após a entrada em vigor do regulamento do serviço de acesso condicionado.[30]

A outorga de autorização do SeAC está condicionada à não detenção de outorgas dos serviços de TVC, MMDS, DTH e TVA pela interessada ou por suas controladas, controladoras ou coligadas. E, também, à adaptação de todas as outorgas destes serviços, conforme o termo de autorização para prestação do SeAC e o disposto no 2 e 6 do art. 37 da Lei.[31]

O direito de uso de radiofrequência fica garantido pelos prazos remanescentes referenciados nos atos de outorga, observada a legislação vigente e a regulamentação da agência, para a continuidade dos serviços.[32]

A adaptação dos atos de outorga à nova legislação não gera compensação financeira às prestadoras dos serviços de televisão por assinatura.[33]

Na ADI 4679 argumenta-se que a mudança do regime jurídico é ofensiva à  garantia constitucional do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos estabelecida no art. 37, XXI, da Constituição. [34]

Sem dúvida alguma, a modificação legislativa, com a imposição da adaptação obrigatória das outorgas, acarreta custos, riscos e ônus à atividade empresarial.

A questão é saber da constitucionalidade da medida legislativa que afasta o direito à compensação financeira pelos danos sofridos com a mudança do marco regulatório do setor.

A jurisprudência brasileira é no sentido da inexistência de direito adquirido à preservação do regime jurídico. O legislador, fundamentado em sua competência constitucional, pode deliberar e mudar o regime jurídico aplicável a determinado setor econômico. Ou seja, as regras do jogo podem ser mudadas. A questão é saber da validade e aplicação destas regras para situações em que danos ocorrem para os particulares. Portanto, ainda que não esteja configurado o direito adquirido à não mudança do status jurídico, há o direito à indenização pelos danos sofridos pela atividade empresarial advindo do ato legislativo estatal, ainda que o mesmo seja lícito. Além disto, a Constituição protege o ato jurídico perfeito diante do advento que legislações contra ele incompatíveis, garantia constitucional esta que não pode ser suprimida, seja por lei ou muito menos por ato infralegal. Ora, no caso em análise, se as empresas fizeram investimentos em instalações, equipamentos, expansão dos serviços, atendimento aos clientes, então se deve respeitar o direito patrimonial à recuperação dos danos econômicos. Tanto o princípio da segurança jurídica quanto o da proteção à confiança legítima são pilares estruturantes de um Estado Democrático de Direito que impedem ações arbitrárias e destruidoras do patrimônio das empresas.[35]

 6.    Autorização para uso de frequência

A autorização de uso de radiofrequência é ato administrativo vinculado que assegura o direito à utilização da radiofrequência nos termos da regulamentação vigente.[36] As frequências são qualificadas normativamente como bem público, cuja alocação, distribuição e uso são disciplinadas pela Anatel.[37]

Para os serviços que dependem do uso da faixa de frequência há uma regulamentação específica, condicionada também ao regime da prévia autorização da Anatel. As condições para utilização encontram-se no Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequências.[38]

O uso ineficiente da faixa de frequências, total ou parcial, caracteriza descumprimento de obrigação, segundo regulamento específico da agência.[39]

A Anatel detém a competência para impor restrições, limites ou condições para empresa ou grupos empresariais na obtenção, prorrogação do prazo e transferência da autorização do uso de frequências, para promover a competição e impedir a concentração econômica no mercado.[40]

A agência possui a prerrogativa para condicionar a expedição da autorização para o uso das radiofrequências à concordância pela interessada de compromissos em favor do interesse da coletividade.[41]

A legislação em vigor ainda ressalva que, a qualquer tempo, a destinação de radiofrequências ou faixas poderá ser alterada, conforme exigências ditadas em nome do interesse público ou o cumprimento de tratados internacionais.  Assegura-se prazo adequado e razoável para a efetivação desta mudança.[42]

Ora, a inevitável demanda por frequências diante da evolução de novas aplicações tecnológicas e, consequentemente, o aumento dos conflitos quanto à utilização das radiofrequências por diferentes usos e tecnologias.  É que a  evolução tecnológica possibilita a otimização do uso das frequência, daí o conflito entre um padrão mais antigo e outro mais moderno.

É o caso, por exemplo, da disputa quanto ao uso das frequências entre as empresas operadoras do serviço televisão por assinatura baseada na tecnologia MMDS e as empresas de telefonia móvel interessadas em oferecer serviços de banda larga. A Resolução 544/2010 da Anatel trata da alteração da destinação das radiofrequências nas faixas de 2.170 MHz e de 2.500 MHz a 2.690 MHZ. Entre outras questões, o ato normativo modificou a destinação de determinadas faixas de frequências tradicionalmente reservadas para os serviços de MMDS para possibilitar o uso do serviços de internet por banda larga móvel, conhecida como geração 4G.[43]

7.    Liberdade Empresarial da Distribuição de conteúdo audiovisual, condicionada à regulação da Anatel

 A Lei da Comunicação Audiovisual dispõe que a atividade de distribuição de conteúdo audiovisual é livre para as empresas criadas sob a legislação nacional, com sede e administração no Brasil.[44]

Porém, submete-a ao atendimento de diversos princípios  fundamentais, a seguir identificados: liberdade de expressão e de acesso à informação, promoção da diversidade cultural e das fontes de informação, produção e programação, promoção da língua portuguesa e da cultura brasileira, estímulo à produção independente e regional, estímulo ao desenvolvimento social e econômico do País, liberdade de iniciativa, mínima intervenção da administração pública e defesa da concorrência.[45]

Ou seja, a atividade econômica de comunicação social está condicionada ao regime dos direitos fundamentais contemplados na Constituição da República.[46] Portanto, a adoção de políticas públicas favoráveis à efetivação destes direitos tem o condão de condicionar a autonomia privada das empresas de comunicação audiovisual, respeitado evidentemente o núcleo essencial da liberdade empresarial.

8.    Restrição à inserção de publicidade ou conteúdo audiovisual pela distribuidora sem o consentimento do titular do canal de programação ou do conteúdo veiculado

As distribuidoras e as empacotadoras não podem, direta ou indiretamente,  colocar ou associar publicidade ou conteúdo audiovisuais nos canais de programação ou nos conteúdos audiovisuais avulsos veiculados, sem a autorização prévia e expressa do titular do canal de programação ou conteúdo transmitido.[47]

Trata-se de norma de proteção dos direitos econômicos das programadoras. Ora,  a programadora pode realizar investimentos na produção das obras audiovisuais escalonadas em sua programação ou, simplesmente, adquirir os direitos relativos aos programas de televisão. A empresa detém o direito à utilização econômica dos bens audiovisuais, com a maximização de seus benefícios. Para compensar os custos incorridos ela tem a prerrogativa de inserir peças publicitárias durante a programação televisiva, difundindo-as perante seu público-alvo. O direito à publicidade, associada ao conteúdo da programação, é um dos instrumentos de financiamento dos custos da programação. Por sua vez, a distribuidora tem seus custos ressarcidos pela cobrança das assinaturas ou pelo pagamento da programação ou canais avulsos, seus ganhos vêm da prestação de serviços. Em virtude disto ela não pode indevidamente se aproveitar dos investimentos efetuados pelas programadoras e ganhas com os produtos.

Além disto, a norma protege o direito autoral dos titulares das obras audiovisuais.  A obra não pode ser modificada, reproduzida ou difundida sem o consentimento do autor. Daí porque o distribuidor não tem permissão legal para distribuir os conteúdos audiovisuais independentemente da vontade do titular do direito autoral.

A Lei da Comunicação Audiovisual determina a realização de acordo comercial entre as partes para tratar da questão dos direitos relativos à  veiculação da publicidade comercial. Tais direitos se violados ensejam ações para a  remoção dos atos ilícitos ou reparações por danos sofridos.

9.    Distribuição pelas prestadoras do serviço de acesso condicionado de conteúdos empacotados por empresas credenciadas pela Ancine.

A atividade de empacotamento está sujeita ao credenciamento perante a Ancine. Impõe-se o prazo de até trinta dias para deliberação pela agência, se não houver manifestação contrária pelo órgão regulador então o credenciamento será considerado aprovado.[48]

Na ADI 4679 questiona-se a constitucionalidade da atribuição de competência regulatória à Ancine e a exigência do prévio credenciamento, sobre as atividades de comunicação audiovisual de acesso condicionado. Alega-se o ferimento da livre iniciativa, a liberdade de expressão e de comunicação e a reserva legal de lei federal.[49]

A questão controvertida, a ser dirimida pelo STF, consiste em saber se o legislador pode estabelecer regime de licenciamento da atividade econômica ligada à produção, ao empacotamento e à programação de conteúdo audiovisual.

A princípio a resposta é positiva, pois o legislador detém a competência para, a partir das regras constitucionais, impor um marco regulatório sobre esta espécie de atividade econômica e atribuir a função regulatória a uma agência reguladora.[50] Saliente-se a existência de opinião divergente daqueles que entendem que a Ancine não pode exercer a regulação do setor audiovisual, mas tão-somente atividades ligadas ao fomento das atividades econômicas.

O legislador pretende evitar a distribuição irregular de conteúdos por empresas que não sejam credenciadas na Ancine. Adicionalmente, impõe-se o dever das distribuidoras de identificar as empacotadoras dos canais ofertados ao público. Proíbe-se, ainda, a oferta de pacotes de canais aos assinantes contrários ao disposto na própria lei.[51]

 10. Direito de Acesso dos assinantes aos canais obrigatórios

A Lei da Comunicação Audiovisual impõe a distribuição obrigatória de diversos canais de programação a seguir analisados. Trata-se de regra fundamental para a promoção da diversidade e da pluralidade de fontes de informação disponíveis para o público e que serve à construção de um ambiente audiovisual democrático em nosso País.

Aos assinantes é assegurada a opção de contratar exclusivamente, ainda que de modo oneroso, tais canais que fazem parte do plano básico. A não disponibilização dos canais obrigatórios configura infração da prestadora.[52]

A garantia do direito à recepção aos canais obrigatórios está prevista em regra específica que dispõe que qualquer pessoa pode exigir a ação da Anatel para, por meio de esclarecimentos, ou por determinações aos entes regulados, resolver conflitos e problemas que frustem a distribuição dos canais de programação obrigatórios. Tais conflitos podem ser submetidos à mediação ou à arbitragem, nos termos do regime interno.[53]

11. Espécies de canais de distribuição obrigatória

 11.a) Canais das geradoras locais de radiodifusão de sons e imagens transmitidos em tecnologia analógica

A Lei da Comunicação Audiovisual garante-se a distribuição do sinal analógico, de modo integral e simultâneo, das geradoras locais de televisão por radiodifusão, em qualquer faixa de frequências, dentro dos limites territoriais da área de cobertura da concessão, cuja oferta deve acontecer desde o início da prestação comercial do serviço.[54]

Em outras palavras, independentemente da faixa de frequências ocupada, exige-se a distribuição do canal sem interrupções e simultaneamente à transmissão pela rede de radiodifusão.

Há a equiparação com as geradoras locais de radiodifusão das retransmissoras que atuam em regiões de fronteira que promovam inserções locais de programação e publicidade, inclusive as que operem na Amazônia Legal, para fins de atendimento no art. 32, §15, da lei.[55]

11.b) Canais legislativos

11.b.1) TV Câmara

A Lei assegura a distribuição de um canal reservado para a Câmara dos Deputados, para a documentação dos seus trabalhos, com preferência para a transmissão ao vivo das sessões.[56] Trata-se da TV Câmara, cuja organização está sob a responsabilidade da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e a gestão da Secretaria de Comunicação Social.

11.b.2) TV Senado

A Lei estabelece a distribuição de um canal reservado para o Senado Federal, para a documentação dos seus trabalhos, especialmente a transmissão ao vivo das sessões.[57] Trata-se da TV Senado, órgão de comunicação organizado pela Mesa Diretora do Senado e sob a gestão da Secretaria de Comunicação Social.[58]

Faculta-se a transmissão da programação dos dois canais em um único canal, se houver decisão do Congresso Nacional neste sentido.[59]

11.b.3) Canais das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores

 Estabelece-se a distribuição obrigatória de um canal legislativo municipal/estadual de compartilhamento entre as Câmaras de Vereadores, situadas na área de serviços da prestadora, e a Assembleia Legislativa do respectivo Estado ou para destinação da Câmara Legislativa do Distrito Federal, com a finalidade de divulgar os trabalhos parlamentares e, preferencialmente, a transmissão ao vivo das sessões.[60]

Cumpre destacar que os canais legislativos são instrumentos fundamentais para a democracia brasileira.  Modernamente, a vitalidade da democracia deliberativa depende da comunicação política e o uso adequados dos meios de comunicação. Tais canais servem ao conhecimento da agenda política nacional, estadual e local, dos debates e trabalhos parlamentares, do processo legislativo, das políticas públicas, da fiscalização dos governos e à efetivação de direitos. Com esta medida de visibilidade possibilita-se o aperfeiçoamento das instituições e do exercício do direito de voto pelos cidadãos, inclusive mediante o exercício da liberdade de crítica quanto à qualidade dos discursos e atuação dos parlamentares.

11.c) Canal do STF

 A Lei reserva um canal ao Supremo Tribunal Federal para a divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos serviços essenciais à Justiça, tais como: o Ministério Público, a Defensoria Pública e Advocacia.[61] Registre-se que a TV Justiça, desde sua criação, afirmou-se como um canal relevante para a visibilidade e compreensão do funcionamento do sistema judiciário brasileiro e a conscientização a respeito dos direitos e deveres dos cidadãos, dos governos, empresas e instituições. Trata-se de órgão que tem prestado relevantes serviços de comunicação a respeito do trabalho judicial para o País. No texto legal, diferentemente do tratamento normativo dado ao canal da Câmara e do Senado, não há a referência a transmissão ao vivo das sessões, o que, evidentemente, não impede que no exercício de sua autonomia constitucional o Poder Judiciário delibere por esta modalidade de programação, o que tem acontecido e contribuído para o conhecimento dos principais julgamentos de repercussão nacional.[62]

 11.d) Canal da Radiodifusão Pública

 A Lei prevê um canal reservado a prestação dos serviços de radiodifusão pública pelo Poder Executivo federal.[63] O canal é o da TV Brasil, sob a responsabilidade operacional da Empresa Brasil de Comunicação e coordenação da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.[64] Este meio de comunicação está a serviço da universalização dos direitos à informação, à comunicação, à educação e à cultura, entre outros. Os serviços de radiodifusão pública são disciplinados por lei específica.[65]

A Empresa Brasil de Comunicação tem como uma das suas atribuições  a formação da Rede Nacional de Comunicação Pública. O objetivo é criar um sistema de distribuição em rede dos canais públicos a partir de uma infraestrutura comum, valendo-se da radiodifusão. Para alcançar esta finalidade, prevê-se a criação de um operador único para o transporte dos canais públicos.

11.e) Canal oficial do Poder Executivo federal

 Assegura-se um canal especializado como emissora oficial do Poder Executivo federal.[66] Trata-se da TV NBR, cujo compromisso é a divulgação das ações e das políticas públicas do governo e da administração pública federal.

Este veículo de comunicação insere-se no contexto das ações de comunicação do Poder Executivo atreladas aos seguintes objetivos: oferecer amplo conhecimento à sociedade das políticas e programas do Poder Executivo federal; divulgar os direitos do cidadão e os serviços colocados à sua disposição, estimular a participação da sociedade no debate e na formulação de políticas públicas, disseminar informações sobre assuntos de interesse público dos diferentes segmentos sociais e promover o Brasil no exterior.[67]

11.f) Canal educativo e cultural

 Este canal de programação serve à realização dos direitos à educação e à cultura, sendo de responsabilidade do Governo Federal. Sua função é trabalhar o desenvolvimento e aperfeiçoamento do ensino à distância de alunos e capacitação de professores. Atribui-se a transmissão de produções culturais e programas regionais.[68]

g) Canal Comunitário

Trata-se de meio de comunicação social reservado para entidades não governamentais e sem fins lucrativos.[69] A TV comunitária é de titularidade, gestão e controle da sociedade, pertencente ao setor público não-estatal. Garante-se a liberdade de utilização e o uso compartilhado deste canal pela comunidade, para realização dos direitos dos cidadãos à liberdade de expressão, informação, cultura e comunicação social.

11.h) Canal de Cidadania

O canal de cidadania destina-se à transmissão das programações das comunidades locais, sob a organização do Governo Federal. De acordo com a redação do texto serve à divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões, e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal.[70] O Canal da Cidadania é objeto de consignação de frequências para exploração direta pela União, sob a coordenação do Ministério das Comunicações. Admite-se a realização de convênios com entes da administração pública direta e indireta em âmbito federal, estadual e municipal, bem como entidades das comunidades locais, para viabilização das programações.[71]

  E, ainda, o canal de cidadania deve servir como meio de oferta e promoção de aplicações de serviços públicos de governo eletrônico no âmbito federal, estadual e municipal. Em sua programação, prioritariamente, o meio de comunicação deve atender, entre outros, aos seguintes princípios e objetivos: propiciar a formação crítica do indivíduo para o exercício da cidadania e da democracia, expressar a vontade das diversidades de gênero, étcnicoracial, cultural e social brasileiras, promovendo o diálogo entre as múltiplas identidades do País, promover a universalização dos direitos à informação, à comunicação, à educação e à cultura, bem como dos outros direitos humanos e sociais.[72] 

11.i) Canal Universitário 

 Garante-se o canal para compartilhamento de uso entre as instituições de ensino superior situadas no Município ou Municípios da área da prestação do serviço de comunicação de acesso condicionado. Impõe-se uma ordem de priorização no atendimento da seguinte maneira: 1) universidades; 2) centros universitários e 3) demais instituições de ensino superior. Deve ser instituída uma entidade representativa das instituições de ensino superior para fins de coordenação da utilização do referido canal, com autonomia diante de qualquer outra entidade ou de interesses financeiros, religiosos, familiares, político-partidários ou comerciais.[73]

12. Da proibição de anúncios, comercialização dos intervalos ou de publicidade comercial nos canais não privados

Os canais não privados, isto é, os estatais e públicos não podem veicular publicidade comercial, eis que sua própria natureza jurídica impede a comercialização de espaços publicitários junto da programação.[74]

O objetivo é proteger a natureza institucional destes canais e, concomitantemente, evitar a competição indevida entre os estatais e os públicos com os canais comerciais por receitas do mercado publicitário. Com isto, evita-se o desvio de finalidade na gestão do canal de programação público e (ou) estatal.

Os canais não privados estão autorizados a realizar patrocínio de programas, eventos e projetos sob a forma de apoio cultural. Nos termos da Lei 11.652/2008 entende-se como apoio cultural o  “pagamento de custos relativos à produção de programação ou de um programa específico, sendo permitida a citação da entidade apoiadora, bem como de sua ação institucional, sem qualquer tratamento publicitário”.[75] 

Na ADI 4703 questiona-se a constitucionalidade do referido dispositivo legal, por supostamente ferir o art. 220, incisos I e II, e o art. 221 da Constituição, ao impedir o desenvolvimento das TVS comunitárias diante da proibição de obtenção de receitas com publicidade comercial.

Ora, tal alegação é descabida, pois o legislador detém a prerrogativa de, ao aprovar regras de organização dos canais comunitários, proibir a percepção de receitas com publicidade comercial[76]e, ao mesmo tempo, permitir a arrecadação de receitas derivadas de apoio cultural.[77]  Muito embora seja proibida a publicidade comercial, cumpre destacar que tais entidades podem arrecadar receitas a título de publicidade institucional.[78]

13. Cessão gratuita e obrigatória das programações das TVs comerciais

 A Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual obriga que as geradoras locais cedam gratuitamente o sinal aberto e não codificado em tecnologia analógica às distribuidoras.[79] A finalidade da regra é garantir a entrada dos canais comerciais de radiodifusão no sistema de prestação de serviços de acesso condicionado.[80]

Tal norma é questionada sob o ângulo de sua constitucionalidade na ADI 4756.[81] Argumenta-se que esta obrigação legal é ofensiva ao direito à proteção ao autor e à livre iniciativa. Segundo a autora da ação, a exigência de disponibilização gratuita da programação pelas empresas de radiodifusão, ou seja, de conteúdos produzidos ou adquiridos, viola o direito destas empresas, pois os custos e investimentos na aquisição da programação não serão ressarcidos pelas prestadoras do serviço de acesso condicionado. Além disto, afirma-se que o  fornecimento compulsório dos canais abertos comerciais implicará no abusivo financiamento das prestadoras de serviço de acesso condicionado que poderão cobrar dos seus respectivos assinantes.[82]

A lei de direitos autorais garante às empresas de radiodifusão o direito exclusivo de autorizar ou proibir a retransmissão e a reprodução de suas emissões.[83]  Ao que tudo indica, este fundamento  não por si só suficiente para impedir a distribuição dos canais de televisão por radiodifusão. O interesse privado deve ceder antes o interesse público da coletividade em receber os referidos sinais de televisão.

Assim, será constitucional a exigência legislativa de cessão obrigatória da programação em tecnologia analógica das emissoras de televisão por radiodifusão? Ao que parece, a finalidade da medida legal é a de preservar a essencialidade dos serviços de televisão por radiodifusão, tradicionalmente qualificados como serviços públicos, garantindo-se a recepção do sinal audiovisual mesmo nos sistemas de TV por assinatura. Daí a justificativa para a restrição legislativa à liberdade de iniciativa e ao direito autoral conexo das empresas de radiodifusão.[84]

14. Afastamento legal da responsabilidade da distribuidora pelo conteúdo da programação dos canais obrigatórios

 A Lei da Comunicação Audiovisual afasta da distribuidora qualquer responsabilidade sobre a veiculação dos conteúdos nos canais obrigatórios. A pessoa que se sentir ofendida pelo conteúdo deve responsabilizar o canal de programação e não a distribuidora. Parte-se do pressuposto de que o distribuidor não tem controle do conteúdo da programação, razão pela qual não poderia ser responsabilizado.[85] Vale dizer, a responsabilidade recai sobre os produtores e, eventualmente, sobre os empacotadores e programadores dos canais.

15.  A distribuidora não está obrigada a fornecer infraestruturas para as atividades de produção, programação ou empacotamento

A responsabilidade quanto aos custos, obras e serviços relacionados às infraestruturas auxiliares às atividades de produção, programação ou empacotamento pertencem aos agentes que atuam nestes segmentos e não à distribuidora. Isto decorre da segmentação realizada pela própria lei das atividades inerentes aos serviços de acesso condicionado, quais sejam: produção, programação, empacotamento e distribuição.[86] Caso contrário, haverá verdadeiro enriquecimento ilícito por parte das produtoras, programadoras e empacotadoras.

16. Dever das programadoras de custeio e entrega do sinal nas instalações da distribuidora, conforme normatização técnica 

 Estabelece-se a regra da responsabilidade das programadoras quanto ao custeio e entrega do sinal nas instalações da prestadora do serviço de acesso condicionado. A Anatel é quem estabelece as normas técnicas relacionadas à transmissão e à recepção do sinal audiovisual que se violadas ensejarão a aplicação de sanções para o infrator.[87]

17.  Dever de oferta conjunta e sequencial dos canais obrigatórios

Os canais devem ser ofertados em bloco e em ordem numérica, sendo vedada a colocação de outros canais de programações. Deve-se, no entanto, respeitar a alocação dos canais no serviço de televisão por radiodifusão na forma analógica ou digital. Ao que parece, o objetivo legal é garantir o direito à informação do público e facilitação do acesso à programação dos canais obrigatórios.[88]

Dispensa-se do cumprimento do sequenciamento dos canais na hipótese de inviabilidade técnica ou econômica, devidamente comunicada à Anatel, a qual poderá concordar ou não, no prazo máximo de noventa dias, contados do recebimento do comunicado.  Os motivos da dispensa devem ser tornados públicos pela agência reguladora.[89]

18. Inviabilidade técnica ou econômica como causa da não obrigatoriedade da distribuição de parte ou da totalidade dos canais

 Uma das exceções à regra da obrigatoriedade da distribuição dos referidos canais ocorre nas hipóteses de inviabilidade técnica ou econômica devidamente comprovada e aferida pela Anatel. Quando for constatado que os meios de distribuição são inapropriados para o transporte dos canais, em algumas ou em todas as localidades servidas pela prestadora dos serviços de comunicação de acesso condicionado, dispensa-se a obrigatoriedade da distribuição.[90]

Quando determinada a não obrigatoriedade da distribuição de parte dos canais, a agência reguladora decidirá quais canais deverão ser ofertados pelas distribuidoras aos assinantes.  Nesta hipótese, de acordo com o texto legal, deve-se priorizar, após as geradoras locais de conteúdo nacional ao menos um canal religioso em cada localidade, caso existente, na data da promulgação desta Lei. O legislador, ao tratar da impossibilidade de entrega dos canais obrigatórios, garantiu, primeiro, a preferência pela entrada do sinal das geradoras locais de conteúdo nacional, e, sucessivamente, os canais religiosos. A Lei, entretanto, não define o que seja canal religioso.[91]

O Regulamento do Seac estabelece os critérios para a verificação da dispensa da distribuição dos canais de programação de distribuição obrigatória: inexistência de rede de telecomunicações ou outro mecanismo apto a disponibilizar o canal, inexistência de empresa programadora credenciada pela Ancine, limitação técnica da capacidade da estação quanto ao número de canais de programação disponíveis para o serviço e possibilidade de impacto econômico significativo, devidamente comprovado, com eventual substituição de canais de programação.[92]

Além disto, o citado Regulamento, nesta hipótese de inviabilidade técnica ou econômica de distribuição do canal de radiodifusão, refere-se o carregamento de um canal da geradora local de radiodifusão de sons e imagens, pertencente a um conjunto de estações, sejam geradoras locais ou retransmissoras. Exige-se deste canal a presença em todas as regiões geopolíticas do país que alcance, ao menos, um terço da população brasileira e pelo provimento da maior parte da programação por uma das estações para as demais, o que implicará o carregamento de, ao menos, um canal de geradora de geradora de cada um dos demais conjuntos de geradoras e retransmissoras.[93]

19. Proteção à programação dos canais obrigatórios

 A prestadora do serviço não pode alterar a natureza das programações dos canais obrigatórios, excetuada a oferta de modalidade avulsa de conteúdo pelo distribuidor. Protege-se, assim, o direito à programação das estações geradoras comerciais e os dos canais estatais e públicos.[94]

Ora, a liberdade de programação constitui direito essencial dos referidos veículos de comunicação e consiste na ordenação sequencial de conteúdos audiovisuais destinados ao público. Trata-se, em verdade, da liberdade editorial do órgão de comunicação de coleta, seleção, edição e difusão das matérias a serem difundidas.  A liberdade de programação é um direito derivado das liberdades de expressão, de informação e de comunicação social.[95]

20. Critérios de qualidade técnica do sinal transmitido e recepcionado, conforme regulamentação da Anatel

A Anatel tem competência normativa para fixar os critérios de qualidade na distribuição dos canais obrigatórios. É que sem um padrão mínimo há o sério risco dos assinantes de receber os canais com baixa qualidade ou sequer recebê-los.[96]

A prestadora dos serviços de distribuição é a responsável pela recepção do sinal das geradoras locais de radiodifusão. Exige-se da prestadora, em sua área de abrangência de atendimento, a disponibilização para o assinante da programação das geradoras locais de seu município quando os sinais das emissoras atingir os limites do município, com nível de intensidade de campo que seja possível a recepção nas estações da prestadora. Se o sinal não chegar até a estação com nível de intensidade adequado, então a prestadora poderá instalar sistemas destinados à melhoria da qualidade da recepção dos sinais. Na hipótese de chegada, com o nível mínimo de intensidade, do sinal de duas geradoras com o mesmo conteúdo básico da programação, então deve ser ofertado aos assinantes, nos municípios situados na área de abrangência do atendimento, o sinal da geradora local que detenha a outorga neste município.[97]

Nos serviços de distribuição dos canais obrigatórios, a prestadora deve seguir critérios isonômicos e não discriminatórios na recepção, tratamento e escolha das taxas de compressão, multiplexação e distribuição desses sinais, com reflexo na taxa de transmissão. A prestadora está obrigada a distribuir em seus sistemas os sinais das geradoras locais com qualidade semelhante àquela dos sinais livremente recebidos de cada geradora por suas estações.[98]

21.  Canais de programação das geradoras locais transmitidos em tecnologia digital

21.a) Oferta da programação digital, garantida a faculdade de descontinuidade do sinal analógico

A geradora local de radiodifusão comercial pode ofertar programação na tecnologia digital para as distribuidoras, de modo isonômico e não discriminatório, conforme acordo comercial entre as partes e respeitadas as condições técnicas da Anatel. Se houver a transmissão do sinal na tecnologia digital, então será facultado à distribuidora a suspensão da transmissão analógica.[99] Com esta medida, garante-se a reserva da capacidade de transporte dos canais da distribuidora, não sobrecarregando-a indevidamente e desnecessariamente com canais adicionais.[100] E, também, a Lei preserva a liberdade de mercado ao incentivar uma solução negociada entre as partes.

Em caso de desacordo comercial, a geradora poderá exigir que a sua programação digital seja distribuída, de modo gratuito, na área de prestação do serviço de acesso condicionado, observada a compatibilidade entre a tecnologia de transmissão e de recepção do sinal.  Estabelece-se um regime de atendimento preferencial à radiodifusão. Nesta hipótese de cessão da programação digital não haverá pagamento pela distribuidora pela utilização do sinal, estando desobrigada de entregar aos assinantes a programação em tecnologia analógica.[101]

21.b) Proibição da distribuição do sinal de radiodifusão fora dos limites territoriais de sua área de concessão, se assim decidir a geradora  

 Nos termos da legislação em vigor, a concessionária do serviço de radiodifusão comercial, após o devido procedimento licitatório e a celebração de um contrato administrativo com a União, detém o direito à radiodifusão do sinal com sua programação em determinada área geográfica. As geradoras possuem o direito à emissão e à radiodifusão do sinal de televisão.[102]  Este direito, todavia, não é exclusivo, pois outras geradoras também podem concorrer no mercado e executar os serviços de radiodifusão em uma mesma base territorial.[103]

A regra em análise dispõe a respeito da proteção do sinal televisivo da geradora local que integra uma rede nacional. A medida legislativa preserva o modelo de negócios da radiodifusão baseada na estrutura de rede. Faculta-se à geradora proibir a distribuição de seu sinal, que transporte sua programação, para além do território da concessão.[104]

 21.c) Vedação da distribuição do sinal de outra geradora integrante de rede nacional dentro da área de concessão

 No mesmo dispositivo legal permite-se à geradora impedir a distribuição pela prestadora do sinal de outra geradora, que integre a mesma rede nacional, nos limites territoriais alcançados pela transmissão de seus sinais.[105]

O objetivo da norma é evitar a recepção pelo público de sinais de televisão em duplicidade, emitidos por duas geradoras, integrantes da mesma rede nacional, que apresentem a mesma programação audiovisual na mesma área geográfica. Evita-se a competição desleal entre duas emissoras (evitando-se a disputa por receitas do mesmo mercado publicitário) e, simultaneamente, preserva-se a regra do âmbito territorial da concessão para a exploração dos serviços de radiodifusão.  E, também, protege-se os contratos de afiliação firmados entre as emissoras integrantes da rede nacional, evitando-se conflitos entre as empresas afiliadas.

21.d) Da distribuição do sinal nas localidades aonde não exista concessão do serviço de radiodifusão de sons e imagens

A distribuidora tem o dever de distribuir o sinal da geradora ou retransmissora de radiodifusão na tecnologia analógica, ainda que na localidade não haja concessão dos serviços de radiodifusão, desde que o sinal alcance os limites territoriais da respectiva localidade com nível adequado de intensidade de campo. Veda-se, no entanto, a veiculação em duplicidade das mesmas programações no mesmo âmbito territorial.[106]

22. Da competência da Anatel na solução de conflitos

Na hipótese de desacordo entre a geradora e a distribuidora quanto às condições de realização dos serviços de distribuição dos canais de programação na tecnologia digital, pode ser acionada a Anatel para esclarecer as dúvidas ou resolver conflitos relacionados à negociação da programação, os quais poderão ser submetidos à mediação ou à arbitragem.[107]

As partes devem informar à agência as cláusulas da negociação e as razões de desacordo, e outras informações julgadas relevantes pela autoridade. Atribui-se à Anatel a competência para determinar cautelarmente a distribuição, sem ônus, do canal de programação da geradora local.[108]

Lembre-se que a regulamentação assegura o direito de reclamação por qualquer interessado quanto ao cumprimento da regra legal de distribuição dos canais obrigatórios.[109]

Evidentemente que não havendo solução consensual, cada uma das partes interessadas pode acessar o Poder Judiciário para dirimir o conflito e defender seus direitos.

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[1] Ver Lei 12.485/2011 que modifica MP 2.228-1, Lei 8.977/95 e Lei 9.472/97.

[2] Ver Direito anterior: Serviços de TV a cabo (Lei 8.977/95), Serviço Especial de Televisão por Assinatura (Decreto 95.744/88), Serviços de Distribuição de Sinais de Televisão é Áudio por satélite (Decreto 2.195/97), Serviços de Televisão por MMDS (Decreto 2.196/97)

[3] Ver Lei 12.485, de 12 de setembro de 2011.

[4] Art. 3º, inc. XXIII, da Lei 12.485/2011.

[5] Art. 1 da Lei 12.485/2011.

[6] Os serviços de radiodifusão ainda são regidos pela Lei 4.117/62.

[7] No art. 37 da Lei 12.485/2011 prevê-se a adaptação dos contratos de concessão de serviço telefônico para eliminar restrições à prestação do serviço de TV a cabo.

[8] Por exemplo, o art. 6 da Lei 12.485/2011 dispõe o seguinte:

“As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, bem como suas controladas, controladoras ou coligadas, não poderão, com a finalidade de produzir conteúdo audiovisual para sua veiculação no serviço de acesso condicionado ou no serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens: I – adquirir ou financiar a aquisição de direito de exploração de imagens de eventos de interesse nacional; e II – contratar talentos artísticos nacionais de qualquer natureza, inclusive direitos sobre obras de autores nacionais. Parágrafo único. As restrições de que trata este artigo não se aplicam quando a aquisição ou a contratação se destinar exclusivamente à produção de peças publicitárias”.

[9] O Decreto 5.820/2006, que trata do Sistema Brasileiro de TV Digital, contém regras para a transição do padrão analógico para o digital, estabelecendo a transmissão simultânea do sinal analógico e digital durante o período de transição, para evitar a descontinuidade abrupta das transmissões. Ao final deste período as transmissões analógicas devem ser encerradas.

[10] A título ilustrativo, uma consumidora buscou judicialmente obrigar a Sky a distribuir os canais analógicos de televisão. Porém, à época dos fatos não havia obrigação legal para a operadora dos serviços de TV por assinatura por satélite distribuir estes canais, razão pela qual não foi reconhecido o direito da consumidora. Conforme precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na Apelação 9264746-61.2005.8.26.0000, julgado em 17 de março de 2011, Relatado pelo Des. Walter Zeni, 32ª Câmara de Direito Privado.

[11] A regulamentação da Lei 12.485/2011 feita pela Anatel encontra-se na Resolução 581/2012 que aprova o Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC).

[12] Até o momento da conclusão deste artigo a Ancine não aprovou o regulamento da prestação dos serviços de comunicação audiovisual.

[13] Até o momento da finalização deste artigo, o STF não julgou as ADIs 4679, 4703 e 4756 que impugnam diversos artigos da Lei da Comunicação Audiovisual.

[14] Art. 2, inc. X, da Lei 12.485/2011

[15] Art. 2, inc. X, da Lei 12.485/2011.

[16] Nos termos da lei da comunicação audiovisual a programação é a “atividade de seleção, organização ou formatação de conteúdos audiovisuais apresentados na forma de canais de programação, inclusive nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado”. Vide art. 2, inc. XX, da Lei dos Serviços  de Comunicação Audiovisual.

[17] Canal de programação é o resultado da atividade de programação que consiste no arranjo de conteúdos audiovisuais organizados em sequência linear temporal com horários predeterminados, conforme preconiza o art. 3, inc. V, do Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado da Anatel.

[18] Para a compreensão das diferentes formas de distribuição de conteúdo audiovisual, consultar: Scorsim, Ericson Meister. TV Digital e Comunicação Social: aspectos regulatórios. TVs pública, estatal e privada. Belo Horizonte, Ed. Fórum, 2008.

[19] Art. 75 do Regulamento  do Serviço de Acesso Condicionado

[20] Idem.

[21] Idem.

[22] Art. 74 do Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado da Anatel.

[23] No regime privado o serviço está submetido aos princípios gerais das atividades econômicas. Neste caso não há as obrigações de universalização dos serviços e continuidade de sua prestação características nucleares do regime público.

[24]  Art. 11 do Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado.

[25] Art. 10, 12, 15, 15 e 17 do Regulamento.

[26] Ver o Art. 46 do Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado.

[27]  ADI 4679 ajuizada pelo Partido Democratas – DEM, ora em julgamento pelo STF, sob a Relatoria do Min. Luiz Fux.

[28] Para uma análise mais aprofundada do anterior regime jurídico dos serviços de TV a cabo, consultar: Scorsim. Ericson Meister. Regime Jurídico do Serviço de Televisão a cabo. Dissertação de Mestrado, apresentada na Faculdade de Direito da UFPR, 2002, obra inédita.

[29] Art. 37, inc. 1, da Lei 12.485/2011.

[30]  Art. 37, inc. 2, da Lei 12.485/2011. Reitere-se que a regulação dos serviços de TV por assinatura anterior à nova lei era baseada na tecnologia utilizada para a distribuição do sinal e em diferentes atos e figuras normativas. Deste modo, as prestadoras do serviço de TV a cabo submetiam-se ao regime da concessão. As prestadoras do serviço de distribuição de canais multiponto multicanal – MMDS e do serviço de distribuição de sinais de televisão e de áudio via satélite – DTH submetiam-se ao regime da autorização.

[31]  Art. 13 do Regulamento do SeAC.

[32] Art. 81 do referido Regulamento do SeAC.

[33] Art. 37, § 5º, da Lei 12.485/2011.

[34] Na ADI 4679 requer-se a interpretação conforme à Constituição  do art. 29 da Lei que trata do livre exercício da atividade de distribuição do serviço de acesso condicionado para garantir a exigência da prévia licitação para outorga dos serviços.

[35] Cumpre registrar que no julgamento da ADI 3944 o STF declarou a validade do Decreto que impôs para as concessionárias do serviço público de televisão por radiodifusão a mudança do padrão analógico para o digital, sob os argumentos da necessidade de atualização e eficiência dos serviços. Conforme voto do Ministra Carmén Lúcia: “… quando o serviço precisa ser prestado com mais eficiência em benefício do interesse púlbico – o que, de resto, é expresso no artigo 161 da lei e que foi transcrito -, o poder público tem a obrigação de detemrinar e o concessionário de aceitar”. É verdade que neste caso, em nenhum momento, discutiu-se eventual indenização às concessionárias pelos custos decorrentes da adoção da tecnologia digital.

[36] Ver o Art. 163, inc. I, da Lei 9.472/97.

[37] Conforme o Art. 157 da Lei 9.472/97.

[38]  Capítulo VI do Regulamento do SeAc.

[39]  Art. 41 do Regulamento do SeAC.

[40] Art. 44 do Regulamento do SeAc.

[41] Art. 45 do Regulamento do SeAC.

[42] Art. 161, parágrafo único, da Lei 9.472/97.

[43] As razões para a normatização da Resolução 544/2010 são as seguintes: (i) a utilização da tecnologia digital na prestação do MMDS que possibilita a execução do serviço com menor quantidade de espectro; (ii) o crescimento dos serviços de TV por assinatura, via Cabo ou DTH, e a diminuição do número de assinantes e a redução da demanda dos serviços de televisão por assinatura via MMDS; (iii) crescimento do número de assinantes e o aumento da demanda por serviços de banda larga móvel e (iv) a conveniência em criar ambiente favorável à realização de novos investimentos, competição e a diversidade de serviços diante da atratividade da faixa de radiofrequências de 2.500 MHz a 2.690 MHz.

Ao que parece, as tradicionais empresas de MMDS que já possuem autorização para o uso de frequências para a prestação dos serviços de televisão por assinatura se quiserem participar da licitação para prestar serviços de internet móvel (4G) terão que renunciar à autorização originária. Ainda pendente de deliberação pela Anatel é a continuidade ou não dos serviços de TV paga na faixa de frequências de 2,5GHz, tradicionalmente ocupada pelas empresas de MMDS. A princípio, a orientação é no sentido atribuir o direito ao uso das faixas dos 2,5 GHz com o condicionamento à continuidade do serviço de TV paga. Estipula-se que eventuais custos com realocações de frequências serão pagas aos operadores do MMDS, devem ser pagas pelos vencedores da licitação, conforme previsto no Edital da Licitação da Anatel para outorga do direito de uso da faixa de radiofrequências na subfaixa 2500 MHz a 2690 MHz e/ou subfaixa de 451 MHz e de 461 MHz a 468 MHz, até o momento de conclusão do deste artigo ainda aberto.

[44] Art. 29 da Lei da Comunicação Audiovisual.

[45]  Art. 3º da Lei da Comunicação Audiovisual.

[46] Ver Scorsim, Ericson. Direitos Fundamentais e Atividade de Televisão. Brasília: Revista de Informação Legislativa, 2009.

[47] Art. 31 da Lei 12.485/2011.

[48] Art. 12 da Lei 12.485/2011.

[49]  Adi 4679 ajuizada pelo Partido Democratas – DEM, ora em julgamento no STF.

[50] Sobre a experiência internacional  na regulação dos serviços audiovisuais, ver Scorsim. Ericson Meister. TV Digital e Comunicação Social: aspectos regulatórios. Belo Horizonte, Ed. Fórum 2008.  Outra questão diferente é saber que os parâmetros regulamentares adotados em resoluções ou instruções normativas da Ancine são legais e constitucionais.

[51]  Art. 31, §1º e §2º, da Lei 12.485/2011.

[52] Art. 78, inc. IX, da Resolução 581/2012, que aprova o Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado.

[53] Os direitos e as obrigações dos assinantes do SeAc são disciplinados pelo Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura e pela Lei Geral de Telecomunicações.

[54] Nos termos do Regulamento do SeAc, a estação geradora é a entidade de direito público ou privado que explora ou executa o serviço de radiodifusão de sons e imagens, excluídas as retransmissoras e repetidoras. Geradora local é aquela do município para o qual foi outorgado o serviço de radiodifusão de sons e imagens.

Fica o registro de que quando acabar a transmissão analógica no final do período de transição para a consolidação da TV Digital esta regra da Lei 12.485/2011 não terá mais efeito, ou seja, encerra-se a obrigação de carregamento dos canais analógicos.

[55] Art. 32, §15, da Lei 12.485/2011.

[56] Art. 32, inc.  II, da Lei de Comunicação Audiovisual.

[57] Art. 32, inc. III, da Lei 12.485/2011.

[58] Formalmente, a TV Senado foi criada pela Resolução 24, de 1995, sob a supervisão da Secretaria de Comunicação Social. No Ato da Comissão Diretora do Senado Federal n. 12, de 2011, ficou autorizada a TV Senado a operar uma rede de retransmissoras em sinal digital aberto em todo o território nacional, conforme o disposto no Decreto 5.820/2006. A Comissão Diretora adota parâmetros para a cobertura e a transmissão ao vivo da TV Senado. O objetivo da medida é estabelecer critérios para escolha da Comissão Parlamentar para que sua reunião seja transmitida ao vivo.

[59] Art. 32, §1º da Lei de Comunicação Audiovisual.

[60] Conforme exigência da legislação eleitoral os canais legislativos são obrigados a veicular propaganda eleitoral no período das eleições.

[61]  Art. 32, incs. I e IV, da Lei 12.485/2011.

[62]  O Conselho Estratégico da TV Justiça cuida de estabelecer as diretrizes de organização e funcionamento da Justiça, enquanto o Comitê Editorial está encarregado de definir e aprovar padrões de programações, verificando seu cumprimento.

[63] Os objetivos dos serviços de radiodifusão pública estão contemplados na Lei 11.652/2008.

[64] Ver Art. 2, inc. VII, da Lei 12.485/2011.

[65] O art. 29 da Lei n. 11.652/2008 também prevê a distribuição dos canais de programação obrigatória da EBC, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Supremo Tribunal Federal e  da emissora oficial do Poder Executivo.

[66] Art. 32, incs.  I e VI, da Lei 12.485/2011.

[67] Conforme disposto no Decreto n. 6.555/2008.

[68] Art. 32, incs. I e VII, da Lei 12.485/2011. No Decreto n. 5820/2006, que trata da TV Digital, garante-se à União o Canal de Cultura e o Canal de Cidadania.  Por sua vez, no âmbito da Lei 12.485/2011, estabelece-se um único Canal Educativo e Cultural.  Do conflito entre a referida  lei e o mencionado decreto, prevalece a supremacia da lei.

De acordo com a Portaria Interminesterial 651/99 os programas educativos-culturais são “aqueles que, além de atuarem conjuntamente com os sistemas de ensino de qualquer nível ou modalidade, visem à educação básica e superior, à educação permanente e formação para o trabalho, além de abranger as atividades de divulgação educacional, cultural, pedagógica e de orientação professional, sempre de acordo com os objetivos nacionais”.

[69] Art. 32, inc. VIII, da Lei da Comunicação Audiovisual.

[70] Art. 32, inc. IX da Lei da Comunicação Audiovisual.

[71] Portaria n. 189/2010 que estabelece as diretrizes da operacionalização do Canal de Cidadania.

[72] Idem.

[73] Art. 67 do Regulamento do SeAc. Este ato normativo prevê as normas de compartilhamento dos canais universitários.

[74] Conforme disposto no art. 32, §5º, da Lei da Comunicação Audiovisual. As diferenças entre os canais públicos e os estatais podem ser estudadas no livro TV Digital e Comunicação Social: aspectos regulatórios. Belo Horizonte, Ed. Fórum, 2008.

[75] Art. 11 da Lei 11.652/2008.

[76] Nos termos da legislação aplicável à espécie, propaganda é “qualquer forma remunerada de difusão de idéias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado”. Vide Lei 4.680/1965.

[77]  ADI 4703 ajuizada pela Associação Brasileira dos Canais Comunitários – ABCOM, ora em julgamento no STF, sob a Relatoria do Min. Cezar Peluzo.

[78] Nos termos do Decreto 6.555/2008, a publicidade institucional é a que se destina a divulgar atos, ações, programas, obras, serviços, campanhas, metas e resultados dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal, com o objetivo de atender ao princípio da publicidade, de valorizar e fortalecer as instituições públicas, de estimular a participação da sociedade no debate, no controle e na formulação de políticas públicas e de promover o Brasil no exterior”.

[79]  Art. 32, inc. I, §2º, da Lei 12.485/2011.

[80] De modo análogo, o art. 48 da Lei da Radiodifusão (Lei 4.117/62) estabelece que nenhuma estação de radiodifusão pode transmitir ou utilizar, total ou parcialmente, as emissões de outras estações, sem prévia autorização.

[81] ADI 4756 ajuizada pela Associação Brasileira de Radiodifusores – ABRA, Rel. Min. Luiz Fux, ora pendente de julgamento no STF.

[82] Tal discussão a respeito da constitucionalidade das regras must-carry (dever de carregamento do sinal da televisão aberta) ocorreu na Suprema Corte dos Estados Unidos da América à luz da Primeira Emenda Constituição: Turner Broadcasting Sistem, Inc. v. Federal Communications Comission, conhecido como caso Turner I. De um lado, os radiodifusores sustentaram a validade da obrigatoriedade da transmissão dos canais pelas operadoras de TV a cabo. De outro lado, as operadoras de TV a cabo defenderam a invalidade destas regras. Lá decidiu-se pela constitucionalidade das regras must-carry por se entender que se tratava de medida adequada à preservação da radiodifusão, com a multiplicação de fontes de informação e a promoção da justa competição no mercado de programação televisiva.  Ver Carter, T. Barton, Franklin, Marc. E Wright. Jay. The First Amendment and the Fourth Estate. The Law of Mass Media, Ninth Edition, New Yourk: Foundation Press, 2005, p. 912-950.

[83] Art. 95 da Lei 9.610/1998.

[84] Para uma visão crítica das regras must-carry consultar: Hazlett. Digitizind “Must-Carry” under Turner Broadcasting v. FCC (1997). Chicago: The Supreme Court Economic Review, volume 8, 2000.

[85] Art. 32, inc. I, §3º, da Lei 12.485/2011.

[86] Art. 32, inc. I, §3º, da Lei 12.485/2011.

[87] Art. 32, inc. I, §4º, da Lei 12.485/2011.

[88] Art. 32, §6º da Lei em análise.

[89] Idem.

[90] Art. 32, I, §6º e §7º da Lei 12.485/2011.

[91] Art. 32, inc. I, §8, da Lei 12.485/2011.

[92] Art. 53, III, da Resolução 581/2012.

[93] Art. 52, §2º, da Lei 12.485/2012.

[94]  Art. 32, §17 da Lei 12.485/2012.

[95] No voto do Min. Dias Toffoli proferido na ADI 2.404, que trata da classificação indicativa da programação das televisões, ao invocar Canotilho e Jónatas Machado, ficou registrado o seguinte: “a  liberdade de programação como uma das dimensões da liberdade de expressão em sentido amplo, sendo essencial para a construção e consolidação de uma esfera de discurso público qualificada”. Apenas, registre-se a existência de diferenças substantivas entre a liberdade de programação dos canais privados e dos canais públicos. Estes, em razão de sua própria natureza, submetem-se a um regime jurídico de maior condicionamento constitucional e legislativo. Os canais privados desfrutam de um regime de autonomia privada mais amplo e protegido das liberdades de expressão, de informação e de comunicação social.

[96] Art. 32, inc. I, §17, da Lei 12.485/2011.

[97] Ver: Arts. 58, parágrafo único, 59 e 60, da Resolução 581/2012.

[98] Art. 56, parágrafo único, da Resolução 581/2012.

[99] Art. 32, §12, da Lei 12.485/2011.

[100] O carregamento dos canais depende do número de estações a serem transportadas e dos limites de capacidade de transporte da rede da distribuidora.

[101] Art. 32, §13, da Lei 12.485/2011.

[102] As repetidoras e as retransmissoras possuem funções distintas daquelas atribuídas às geradoras, submetendo-se a regime jurídico diferenciado.

[103] O modelo de negócios radiodifusão é nacional. Há a emissora cabeça-de-rede nacional, situada nos grandes centros econômicos do País que, via de regra, produz a quase totalidade da programação. Nos Estados-membros estão localizadas as emissoras afiliadas que, celebram contratos de afiliação com as entidades centrais, a fim de distribuir o sinal no âmbito local. Por analogia, ainda que seja um exemplo diferente relacionados à uma atividade econômica em sentido estrito, nos contratos de distribuição de produtos e de serviços existem cláusulas de divisão territorial em que o fornecedor, por intermédio do instrumento contratual, promove a divisão do território (área geográfica) entre os integrantes de sua rede comercial. Há, por exemplo, cláusulas de impedimento de atuação para outras áreas além daquelas objeto do contrato, com a proibição de vendas fora do território delimitado, mantendo-se a exclusividade de um determinado parceiro comercial. Vide: Forgioni, Paula. Contrato de Distribuição, segunda edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 200-202.

[104] Art. 32, §16, da Lei 12.485/2011.

[105] Art. 32, §16, da Lei 12.485/2011.

[106] Art. 32, §21, da Lei 12.485/2011.

[107] Art. 57 do Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado. Entre as atribuições legais da Anatel está a de “compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviços de telecomunicações”, conforme disposto no art. 19, inc. XVII, da Lei 9.472/97.

[108] Art. 63 do Regulamento do SeAc.

[109] Art. 57 do Regulamento do SeAC.

Revista de Direito das Comunicações, v.5, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais – RDCom, pág. 65-96, jan-jun, 2012.

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A noção de serviço público e os sistemas de radiodifusão: Análise crítica dos serviços de televisão

Ericson Meister Scorsim

Sumário: 1.1 Apresentação – 1.2 Concepção clássica do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público privativo do Estado – 1.2.1 Marco Legislativo (Lei nº 4.117/62) – 1.2.2 Enfoque doutrinário – 1.2.3 Jurisprudência: julgados do STF, STJ e TSE – 1.2.3.1 Supremo Tribunal Federal – 1.3 Relativização da aplicação do conceito de serviço público ao serviço de televisão e seus novos contornos – 1.3.1 Expressões “atividade econômica” e “serviço público” no texto constitucional – 1.3.2 Princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão: serviço de televisão por radiodifusão como uma atividade compartilhada entre Estado, sociedade e mercado – 1.3.3 Serviço público privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal) – 1.3.3.1 Panorama geral – 1.3.3.2 A comunicação institucional como um dos fundamentos dos setores estatais de radiodifusão: federal, estadual e municipal – 1.3.3.3 Princípios e objetivos do sistema de radiodifusão estatal nos termos da Lei nº 11.652/2008 – 1.3.3.4 Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – 1.3.3.5 As televisões educativas: o tradicional enquadramento no sistema de  radiodifusão estatal – 1.3.3.5.1 Âmbito federal: a abertura ao modelo das organizações sociais – 1.3.3.5.2 Âmbito estadual: os casos do Rio Grande do Sul e São Paulo – 1.3.3.6 Âmbito municipal – 1.3.4 Proposições – 1.3.4.1 Operacionalização do sistema de radiodifusão estatal – 1.3.4.2 Parâmetros para a conceituação da televisão estatal – 1.3.4.3 Enquadramentos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) no setor  estatal – 1.3.4.4 Necessária desvinculação das televisões educativas no sistema estatal – 1.3.4.5 Gestão associada dos serviços públicos de comunicação institucional mediante a TV por radiodifusão – 1.3.5 Serviço público não privativo do Estado (sistema de radiodifusão público) – 1.3.5.1 Caracterização – 1.3.5.2 Televisões comunitárias – 1.3.5.3 Proposições – 1.3.5.3.1 Medidas de operacionalização e articulação do sistema de radiodifusão público – 1.3.5.3.2 Conceito de televisão pública – 1.3.5.3.3 Revisão do conceito de televisão educativa – 1.3.5.3.4 Compreensão de televisão comunitária – 1.3.5.3.5 Forma jurídica das entidades sociais: alguns critérios essenciais – 1.3.5.3.6 Financiamento das televisões públicas: educativas e comunitárias – 1.3.6 Atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado) – 1.3.6.1 Liberdade de radiodifusão – 1.3.6.2 Aplicação do regime de mercado ao serviço de televisão por radiodifusão: fundamentos e a necessária regulação estatal – 1.3.6.3 Disciplina da propriedade privada – 1.3.6.4 Participação estrangeira na mídia – 1.3.6.5 Proposições – 1.4 Regime jurídico dos serviços de televisão – 1.4.1 Regimes público e privado – 1.4.2 Reflexão sobre a utilização da concessão de serviço público ao sistema de radiodifusão privado – 1.4.3 Aplicação da autorização administrativa no sistema de radiodifusão privado – 1.4.4 Extensão dos princípios da produção e programação da radiodifusão à TV por assinatura e aos demais serviços de televisão – 1.4.5 Concretização da exigência de meios legais em defesa da pessoa e da família diante da programação de televisão ( arts. 220, §1º, e 221, incisos I a IV, CF) – 1.5.6 Atribuição da competência regulatória sobre os serviços de televisão por radiodifusão à Anatel – 1.5 Reflexos do Sistema Brasileiro de Televisão Digital sobre o regime jurídico dos serviços de televisão por radiodifusão – 1.5.1 Ausência de previsão normativa do conceito de serviço de televisão por radiodifusão digital – 1.5.2 Definição do objeto do ato de outorga: a questão dos serviços de televisão digital de alta definição e/ou de definição padrão – 1.5.3 Instituição do operador da rede de difusão: a distinção entre as atividades de transporte de sinais e de programação audiovisual – 1.5.4 Direitos dos consumidores

1.1   Apresentação

O primeiro capítulo versou sobre o conceito de televisão por radiodifusão, comparando-o e diferenciando-o diante dos demais serviços de televisão (TV por assinatura) e de telecomunicações. A partir da delimitação conceitual do serviço de televisão por radiodifusão é imprescindível estabelecer o seu regime jurídico, o que será feito mais à frente.

A compreensão da noção de serviço público está atrelada à evolução histórica do Estado, sendo que este é um sistema regulador na sociedade (e não da sociedade)[1], razão pela qual ele cumpre um papel essencial quanto à sua respectiva disciplina e organização em favor da realização dos direitos fundamentais. Estes, em vez de serem garantidos pelo aparelho estatal, podem ser ameaçados por ele, como também pelos próprios meios de comunicação. Daí a necessária função do ordenamento jurídico de proteger os referidos direitos fundamentais[2].

Aqui não se descarta o provimento estatal de serviços públicos. Contudo, tal tarefa há de ser devidamente delimitada. Tal atividade deve conviver ao lado das funções de regulação e de fomento ás iniciativas privada e social na comunicação por radiodifusão. Nesse sentido, o Estado regulador atua diante dos serviços públicos e das atividades econômicas em sentido estrito.

A categoria serviço público no âmbito doutrinário é construída com base em três critérios: o subjetivo, o objetivo e o formal[3]. Partindo-se desse enfoque será apresentada a releitura da interpretação clássica que qualifica o serviço de televisão por radiodifusão como uma modalidade de serviço público privativo do Estado, cuja prestação pode ser direta, pela União, ou indireta, mediante concessão, permissão ou autorização[4]. É necessária a relativização deste conceito tradicional de serviço público, para adaptá-lo à evolução histórico-social e tecnológica, mostrando os seus  respectivos contornos perante os serviços de televisão, especialmente diante da Constituição.

O livro propõe um novo modelo de serviço de televisão por radiodifusão, orientando pelo principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, previsto no art. 223 da Constituição Federal, que dispõe o seguinte:

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. (grifo nosso)

Sustenta-se que o serviço de televisão é uma atividade compartilhada entre o Estado, a sociedade e o mercado. Não deve ocorrer a qualificação, em caráter exclusivo, do serviço de televisão como uma das modalidades de serviço público privativo do Estado. Ao contrário, defende-se a possibilidade de delimitação do âmbito de aplicação do conceito de televisão, da seguinte maneira: serviço público privativo do Estado, serviço público não privativo, atividade econômica em sentido estrito e o exercício, de modo direto, dos direitos fundamentais pelos próprios cidadãos. Portanto, em vez de um olhar singular sobre tema, apresenta-se uma visão plural a respeito da organização dos serviços de televisão por radiodifusão[5].

Nesse sentido, inexiste uma única modalidade de serviço de televisão, mas diversas espécies submetidas a vários regimes jurídicos que se manifestam diferencialmente nos sistemas privado, público e estatal. Em outras palavras, a técnica de serviço público é uma das modalidades de organização do setor televisivo, contudo, ela não é a única alternativa autorizada pela Constituição para a regulação de todos os três sistemas de radiodifusão. Há, ainda, a possibilidade de sua aplicação no caso do sistema de radiodifusão estatal. E, também, é admissível o afastamento da noção de serviço público em relação ao sistema de radiodifusão privado, classificando o serviço de televisão como uma atividade econômica em sentido estrito[6].

Faz-se necessária a flexibilização do regime jurídico então utilizado ao serviço de televisão por radiodifusão, para permitir, por via de revisão do marco regulatório[7], a coexistência dos regimes público e privado. Vale dizer, a doutrina clássica promoveu a generalização da ideia de “reserva de estabilidade” no campo da radiodifusão[8]. Em função disso, o propósito deste trabalho é o de defender a relativização da aplicação do conceito de serviço público de televisão, a partir de sua incidência em relação aos três sistemas de radiodifusão, delimitando-se aos seus contornos.

A seguir será apresentado o entendimento clássico a respeito da classificação do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público privativo do Estado.

1.2   Concepção clássica do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público privativo do Estado

1.2.1          Marco legislativo (Lei nº 4.117/62)

A Lei nº 4.117/62, ao tratar da classificação dos serviços de telecomunicações quanto aos seus fins, dispõe o seguinte:

Art. 6º. Quanto aos fins a que se destinam, as telecomunicações assim se classificam:

a)       Serviço público, destinado ao uso do público em geral;

b)       Serviço público restrito, facultado ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço público de telecomunicações;

c)        Serviço limitado, executado por estações não abertas à correspondência pública e destinado ao uso de pessoas físicas ou jurídicas nacionais. Constituem serviço limitado entre outros: 1) o de segurança, regularidade, orientação e administração dos transportes em geral; 2) o de múltiplos destinos; 3) o serviço rural; 4) o serviço privado;

d)       Serviço de radiodifusão, destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo a radiodifusão sonora e televisão;

e)       Serviço de rádio-amador […];

f)        Serviço especial, relativo a determinados serviços de interesse geral, não abertos à correspondência pública […][9] (grifos nossos)

Como se observa, a legislação distingue entre os serviços públicos e os serviços de radiodifusão. Aliás, em várias ocasiões ela emprega as expressões “serviços públicos de telecomunicações” (art. 29, letra “e”), serviços públicos de telégrafos, de telefones interestaduais e de radiocomunicação (art. 10, I, letra “b”) e “serviços de radiodifusão”, não havendo a utilização do termo “serviço público de radiodifusão”.

O serviço de televisão é uma modalidade de serviço de radiodifusão de competência da União, “destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral”, podendo ser executado diretamente por ela ou, indiretamente, por outros entes estatais ou empresas privadas, mediante concessão, permissão ou autorização.

O modelo brasileiro de TV por radiodifusão prevê as seguintes espécies de serviços de televisão por radiodifusão: televisões comerciais com fins lucrativos (integradas pelos serviços de radiodifusão de sons e de imagens e retransmissão e repetição de televisão) e as televisões educativas sem fins lucrativos (integradas pelos serviços de radiodifusão de sons e de imagens e de retransmissão de sinais de televisão)[10].

A seguir serão apresentadas algumas reflexões relacionadas ao entendimento tradicional sobre a qualificação do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público.

1.2.2         Enfoque doutrinário

O ponto de partida da análise reside na consideração do aspecto subjetivo do serviço público de televisão por radiodifusão, isto é, a questão em torno da titularidade[11] sobre a atividade de transmissão e de programação de televisão por ondas hertzianas[12].

Em regra, na visão clássica, o serviço público está associado à titularidade estatal, ou seja, à competência do Estado relativa à organização, à gestão e ao controle de um serviço público[13]. Nesse caso, a iniciativa privada até pode executar o serviço público, desde que em regime de concessão, permissão ou autorização. O poder público não é obrigado a delegar o serviço público à iniciativa privada; o ato de delegação, em princípio, é discricionário[14]. Como explica Celso Antônio Bandeira de Mello: “Não se deve confundir a titularidade da prestação do serviço. Uma e outra são realidades jurídicas visceralmente distintas” [15].

Há relativa discricionariedade legislativa quanto à criação de novos serviços públicos, ainda que não previstos pela Constituição, todavia, esta tarefa encontra-se vinculada aos parâmetros constitucionais, sob pena de violação ao princípio da livre iniciativa e ao princípio da subsidiariedade da ação estatal[16].

Segundo Celso Antônio de Mello:

[…] são elas (as emissoras de radiodifusão de sons e imagens e não as operadoras de serviços de televisão por assinatura) as colhidas por um regime que, de direito, as encaixa em um quadro típico de serviço público, por força do qual o Estado brasileiro dispõe de base normativa para enquadrá-las devidamente nada mais requerendo senão a vontade política de fazê-lo[17].

Umas das consequências direta da qualificação da atividade como serviço público é a seguinte: “Quando se afirma tratar-se de serviço público deve ficar claro que o Estado jamais pode dele se desligar, ficando a seu cargo, eternamente, a tarefa de fiscalizar o seu satisfatório cumprimento.”[18] Outro reflexo é apontado por Marçal Justen Filho: “Daí decorre que o serviço público, por ser de titularidade pública, será prestado nas condições estabelecidas pelo ente político que for seu titular”.[19]

Há os seguintes modos de gestão: estatal (aquela efetuada por organizações de direito público que integram a administração pública – exemplos: órgãos administrativos ou autarquias) e privada (aquela efetuada por organizações de direito privado ou organizações privadas do setor público – exemplos: fundações e sociedades comerciais) [20].

Quanto ao aspecto objetivo, o serviço público “é atividade indispensável à consecução da coesão social e sua noção há de ser construída sobre as ideias de coesão e de interdependência social” [21]. Tal ideia aplica-se ao caso dos serviços de televisão por radiodifusão. Entende-se que esta modalidade de televisão serve “às necessidades de toda coletividade – e não de um ínfimo segmento dela que se encontra no ápice da pirâmide social” [22]. Trata-se de um serviço de interesse nacional com finalidade educativa, cultural, informativa e artística [23]. Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, o serviço de televisão por radiodifusão serve à

valorização do que é nacional (representado pelos interesses das empresas brasileiras em face das empresas pertencentes a grupos estrangeiros) e o empenho no desenvolvimento nacional, cuja garantia, aliás, está expressamente referida como um dos objetivos fundamentais da República (art. 3º, II) [24].

Para Eros Roberto Grau, o serviço de televisão serve à promoção da “universalização da identidade sócio-cultural brasileira, a comunicação social viabilizada pelas empresas de radiodifusão sonora e de sons e imagens é, em última instância, instrumental da concreção da soberania nacional” [25].

Quanto ao aspecto formal, aplica-se regime jurídico-administrativo. O Estado, a partir do quadro constitucional, no exercício da competência legislativa (atuação do Parlamento) e da competência regulamentar (Presidente da República e Ministério das Comunicações), é quem define o marco regulatório do setor de televisão por radiodifusão.

Entretanto, o referido regime pode ser derrogado parcialmente por regras de direito privado[26].

A Constituição do Brasil contempla um regime especial para o setor de radiodifusão, integrando-o no capítulo dedicado à comunicação social (arts. 220, §3º, II, §5º, 221, 222, 223 e 224). Em virtude da importância da matéria para a sociedade brasileira e para o Estado Democrático de Direito é que resolveram os constituintes destinar um conjunto de regras e princípios para o setor de radiodifusão. Segundo Eros Grau: “[…] essa atividade é prestada mediante delegação do Poder Público, ademais estando em um regime jurídico especial, demarcado pela própria Constituição” [27].

Em síntese, para o entendimento clássico, como o serviço de televisão por radiodifusão é um serviço público privativo do Estado, então, sua execução por agentes particulares depende de um ato de delegação: a concessão, a permissão ou a autorização. Mais à frente será examinada a necessária flexibilização do regime jurídico no contexto da proposição de um novo modelo de ordenação dos serviços de televisão.

O foco da doutrina brasileira tradicional em torno do estatuto do serviço de televisão por radiodifusão está centralizado na competência privativa da União para legislar sobre o setor de radiodifusão (arts. 22, IV, 48, XII, da CF) e em sua competência administrativa para “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens” (arts. 21, XII, e 49, XII, CF). E mais, o entendimento ampara-se na regra que assegura ao “[…] Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (art.175, CF).

A visão clássica merece revisão, justamente porque se fundamenta exclusivamente na compreensão sobre o serviço de televisão a partir das competências estatais. É importante a interpretação sistemática do texto constitucional que considere todas as normas que afetam a regulação da atividade de televisão por radiodifusão. Não é admissível o entendimento no sentido de que as normas, especialmente, aquela que trata do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão (art. 223, CF) [28].

Pelo contrário, é imprescindível a ponderação das normas que defendem interesses conflitantes, para o fim de dar cumprimento aos objetivos do Estado Democrático, garantindo o desenvolvimento de novas tecnologias, o aparecimento de novos canais de comunicação social e atuação harmônica e equilibrada dos operadores estatais, públicos e privados, na oferta de programação de televisão para os cidadãos brasileiros.

A seguir será analisada a jurisprudência tradicional a respeito do tema, a partir de alguns julgados do STF, do STJ e do TSE, que abordam a questão referente aos serviços públicos, análise importante para a intelecção do novo modelo proposto.

1.2.3         Jurisprudência: julgados do STF, STJ e TSE

1.2.3.1    Supremo Tribunal Federal

Em verdade, existem poucos julgados na jurisprudência brasileira sobre os serviços públicos no âmbito das instâncias especiais; o número é ainda menor em se tratando da classificação do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público.

No STF, pode-se citar, mesmo no contexto anterior à atual Constituição, o voto do Ministro Relator Célio Borja, proferido na Representação nº 1.320-1 – Mato Grosso do Sul, no sentido de qualificar o serviço de radiodifusão como uma das modalidades de serviços públicos privativos da União:

A radiodifusão sonora e a de sons e imagens (televisão) compreendem-se no âmbito das telecomunicações, cuja exploração compete com exclusividade à União (Constituição, art. 8º, XV, “letra a”). Trata-se, portanto, de um serviço público federal, que pode ser executado diretamente ou delegado a empresas privadas[29].

O STF decidiu na ADIN nº 261-8 (Distrito Federal), Rel. Ministro Celso de Mello, em 23 de agosto de 1995, que a noção conceitual de telecomunicações prevista na Lei 4.117/62 foi recepcionada pela Constituição. Nesse sentido, o voto do relator tem o seguinte teor:

Tenho pra mim, presentes essas considerações que a noção conceitual de telecomunicações – não obstante os sensíveis progressos de ordem tecnológica registrados nesse setor constitucionalmente monopolizado pela União Federal – ainda subsiste com o mesmo perfil e idêntico conteúdo, abrangendo, em consequência, todos os processos, formas e sistemas que possibilitam transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons e informações de qualquer natureza. Em uma palavra: o conceito técnico-jurídico de serviços de telecomunicações não se alterou com o advento da nova ordem constitucional[30].

Além disso, a referida decisão faz expressa diferenciação entre a noção de serviço público e a de serviço de radiodifusão, presente na Lei nº 4.117/62. Eis parte do voto:

A Lei nº 4.117/62, como visto, ao mencionar os serviços de telecomunicações, classificou-os – quanto aos fins a que se destina – em serviços público, serviço público restrito, serviço limitado, serviço de radiodifusão, serviço de radioamadores e serviço especial, Vê-se, daí, que a classificação legal dos serviços de telecomunicações claramente distinguiu e destacou, do serviço público, o serviço limitado, conceituando este último como aquele “executado por estações não abertas à correspondência pública e destinado ao uso de pessoas físicas ou jurídicas nacionais […]” (art. 6º, c).

O STF esclarece, ainda na mesma ADIN nº 561-8, que a “reserva de estatalidade” atinge tão-somente os serviços públicos de telecomunicações. Eis a fundamentação da decisão:

É por essa razão que a nossa melhor doutrina – Caio Tácito, Miguel Reale, Ives Gandra da Silva Martins e Manoel Gonçalves Ferreira Filho – , ao sustentar, a uma só voz, que a Lei nº 4.117/62 e os atos que a regulamentaram foram recebidos pela nova Constituição, com a qual guardam a necessária relação de compatibilidade material e formal (e com o que subsistem vigentes as próprias formulações conceituais que enunciam e contêm), também acentua, especialmente em face do que prescreve o art. 6º do Código Brasileiro de Telecomunicações, e tendo presente a reserva de estatalidade fixada pelo art. 21, XI, da Carta Federal, que, para esse específico efeito, serviço público de telecomunicações não abrange senão aquele que é destinado ao uso das pessoas em geral, excluídos, portanto, de sua disciplina restritiva, os serviços limitados, cuja natureza periférica os remete ao tratamento jurídico mais aberto, consagrado pelo art. 21, inciso XII,a, da Carta da República[31].

Daí a conclusão do relator no sentido de limitar a “reserva de estatalidade” tão-somente aos serviços públicos de telecomunicações, da seguinte forma:

Foi por essas razões que o Presidente da República – tendo presente a reserva de estatalidade proclamada exclusivamente para a hipótese contemplada no  art. 21, XI, da Constituição, e objetivando implementar, mesmo em se tratando de exploração de serviços públicos de telecomunicações, a possibilidade de intervenção de empresas meramente privadas – formalizou, perante o Congresso Nacional, mas sem qualquer reflexo sobre o tratamento  normativo mais favorável dispensado aos serviços limitados de estatalidade nos domínios da ordem econômica – quer porque não se integram ou vinculam à pessoa política da União, quer  porque não se subsumem à noção doutrinária de duplo do Estado – apenas incide na hipótese única, de radical singularidade, pertinente à exploração dos serviços públicos de telecomunicações, tais como definidos na Lei nº 4.117/62 (art. 6º, a) e referidos no preceito inscrito no art. 21, XI, do texto constitucional.

Esta decisão será importante quando do exame crítico da qualificação tradicional do serviço de televisão por radiodifusão como um serviço público privativo do Estado, conforme exposição mais à frente. Isto porque o STF destacou que a “reserva de estatalidade” está assegurada pela Constituição tão-somente aos serviços públicos de telecomunicações e não aos serviços de radiodifusão. Ainda mais, “a reserva de estatalidade” no campo da radiodifusão é afastada em função do principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, razão pela qual o presente trabalho propõe uma nova visão sobre o modo de disciplina dos serviços de televisão por radiodifusão.

1.2.3.2    Superior Tribunal de Justiça

No julgamento do Mandado de Segurança nº 5.307/DF, o STJ decidiu que os serviço das denominadas “televisões educativas” são serviços públicos. Eis parte de sua decisão, expressa por sua ementa:

Os serviços de radiodifusão sonora de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações constituem, por definição constitucional, serviços públicos a serem explorados diretamente ou pela União ou mediante concessão ou permissão, cabendo à lei dispor sobre a licitação, o regime das empresas concessionárias e permissionárias e o caráter especial do respectivo contrato (art. 175, parágrafo único, I, da C. Federal).

[…]

As TVs educativas, cujos serviços que exercem são regidos por normas de direito público e sob regime jurídico específico, não desenvolvem atividades econômicas sob regime empresarial e o predomínio da livre iniciativa e da livre concorrência e não estão jungidas ao sistema peculiar ás empresas privadas, que  é essencialmente lucrativa. Não se inclui no conceito de atividade econômica, ainda que potencialmente lucrativa (v.g. serviços de radiodifusão sonora), mas, se sujeita a uma disciplina cujo objetivo é realizar o interesse público[32].

1.2.3.3    Tribunal Superior Eleitoral

Além disso, no âmbito do TSE, o atual Ministro do STF Sepúlveda Pertence, na qualidade de Procurador-Geral Eleitoral, manifestou-se mediante parecer no sentido da qualificação dos serviços de televisão como serviços públicos privativos do Estado. O entendimento assim se expressa:

É que as telecomunicações – inclusive a radiodifusão, que compreende a televisão (art. 32, C. Br. Telec.) – constituem, no Brasil como no mundo todo, um serviço público. Não o descaracteriza a admissão, entre nós, da sua exploração privada, que se faz “mediante autorização ou concessão” federal (art. 8º, XV, a, CF). Concessionárias, as emissoras de radiodifusão – ao contrário das empresas jornalísticas – ainda, na área da divulgação noticiosa, não exercem atividade privada, de liberdade garantida, mas sim, ainda que mediante delegação, uma atividade estatal, dado que erigida em serviço público, por disposição constitucional explícita. Cuidando-se de um serviço público, parece indisputável possa a União restringir a liberdade de informação do concessionário, tanto mais quanto a restrição se oriente no sentido de garantir valor constitucional eminente, qual a preservação do regime democrático contra o abuso do poder econômico, tanto mais de reprimir, quanto seja praticado no exercício de atividade estatal delegada[33].

Uma vez apresentada a compreensão tradicional, nos âmbitos da legislação, doutrina e jurisprudência, cumpre demonstrar a proposição de um novo modelo de televisão, com a relativização da aplicação do conceito de serviço público ao setor de televisão e, consequentemente, mostrar os novos contornos para a categoria.

1.3   Relativização da aplicação do conceito de serviço público ao serviço de televisão e seus novos contornos

1.3.1     Expressões “atividade econômica” e “serviço público” no texto constitucional

Uma parte da doutrina entende que o serviço público é uma modalidade de atividade econômica, sendo esta um gênero que contempla também a atividade econômica em sentido estrito. Não há, é importante destacar, uma oposição absoluta entre os dois fenômenos, pelo contrário, ambos possuem natureza comum[34].

Tal diferenciação parte das expressões constantes do texto da Constituição do Brasil.

De um lado, a Constituição dispõe que “incumbe ao poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (art. 175, grifo nosso).

De outro, a Carta preceitua: “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei” (art. 173, grifo nosso). E mais, a Constituição define as hipóteses excepcionais de monopólio estatal sobre a atividade econômica em sentido estrito (art. 177).

Além disso, há o dispositivo que prevê o seguinte: “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei” (art. 170, parágrafo único).

Por sua vez, a expressão “serviço público” é encontrada na parte referente à disciplina da administração pública (art. 37, § 3º, I), ao sistema tributário (art. 145, II) e à saúde (art. 198) e no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (art. 2º, §1º – “meios de comunicação de massa cessionários de serviço público” – e art. 66 – “serviços públicos de telecomunicações”). E, ainda, a Constituição, quando trata da saúde, refere-se ao termo “serviços de relevância pública” (art. 197).

Para além do sentido jurídico da expressão “serviço público” referida na Carta Constitucional, cuida apontar que o termo “serviço” é proveniente da ciência econômica[35] e designa uma atividade de produção e de prestação de utilidades para os consumidores. Já a palavra “público”,  ora representa os destinatários dessas respectivas prestações efetuadas por pessoas que desempenham as atividades econômicas, ora representa a figura do Estado  responsável pelo cumprimento do serviço.

A junção desses dois elementos para formar a expressão “serviço público” assume uma significação particular no campo jurídico, eis que implica na adoção de um regime especial para os serviços de televisão por radiodifusão. Em verdade, quando a Constituição refere-se às expressões televisão (arts. 220, § 3º, II, 221) e radiodifusão (arts. 222 e 223), em nenhum momento, há a associação com o termo “serviço público”.  Nem mesmo no texto da Lei nº 4.117/62 há essa conexão direta entre os dois termos, pois em nenhuma parte ela emprega o vocábulo “serviço público de radiodifusão” ou “serviço público de televisão”.

A doutrina e a jurisprudência brasileira tradicionais promovem a classificação do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público privativo do Estado, por entenderem que a norma contida no art. 21, XX, letra “a”, da Constituição estabelece a reserva de titularidade dos serviços públicos ao Estado.

Com o devido respeito à referida posição, sustenta-se que não deve ocorrer a reserva absoluta de todas as modalidades de serviços de televisão em titularidade da União.

Em virtude disso, a seguir será demonstrado que os serviços de televisão não configuram uma atividade exclusiva do Estado, o que se faz a partir do desenvolvimento do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal.

1.3.2     Princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão: serviço de televisão por radiodifusão como uma atividade compartilhada entre Estado, sociedade e mercado

O princípio[36] da complementaridade dos sistemas de radiodifusão (privado, público e estatal), contido no art. 223 da Constituição, exige um novo modelo de disciplina dos serviços de televisão para além do paradigma clássico voltado unicamente ao serviço público de televisão por radiodifusão, associado à reserva da atividade em favor do Estado[37].

O novo modelo, que ora se defende, considera que os serviços de televisão devem ser classificados como: (i) serviço público privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal); (ii) serviço público não privativo (sistema de radiodifusão público); e (iii) atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado).

A Constituição impõe a complementaridade entre os setores de televisão por radiodifusão privado, público e estatal, o que, evidentemente, implica harmonia e colaboração entre as estruturas de comunicação social. Em outras palavras, garante-se o equilíbrio apropriado entre os campos de comunicação social com funções diferenciadas, porém, complementares, haja vista as diferenças de fundamentos, evitando-se, assim,  distorções arbitrárias no processo de comunicação social[38].

Trata-se de uma manifestação particular do princípio do pluralismo no campo da comunicação social por meio da radiodifusão em prol da estruturação policêntrica do sistema de radiodifusão, isto é, em favor da diversidade das fontes de informação e da multiplicidade de conteúdos audiovisuais para a sociedade brasileira. Vale dizer, a interpretação da referida norma constitucional deve ser feita com base no princípio do pluralismo nos seus âmbitos quantitativo (pluralidade de estruturas organizacionais comunicativas) e qualitativo (pluralidade de conteúdo audiovisual diverso). Assim deve ser porque tal norma tem por função a oferta equilibrada de programas de televisão nos setores privado, público e estatal, cabendo ao Estado a adoção de normas e procedimentos para cumprir tal tarefa, que logo a seguir serão expostos[39].

A organização dos sistemas de televisão por radiodifusão há de ser feita pelo Estado, no exercício de sua função regulatória (art. 174), conforme os objetivos da regulação[40]. Há, aqui, uma forte conexão entre o princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão e o conceito de regulação[41]. A ideia de complementaridade representa a negação de uma relação de hierarquia entre os sistemas de radiodifusão; e, por consequência, requer a funcionalidade integrada dentro do sistema de comunicação social.

O princípio da complementaridade exige, ainda, a fixação de  critérios de facilitação do acesso prioritário às frequências do espaço eletromagnético pelo setor público e pelo setor estatal. Isto porque, em face da hegemonia da radiodifusão privada em nosso País, há o dever de que as frequências disponíveis para uso de canais de televisão sejam, preferencialmente, outorgadas aos setores estatal e público (aqueles responsáveis pela prestação de serviços públicos privativos e não privativos do Estado), pois em relação aos mesmos existem maiores exigências em favor dos interesses públicos e das obrigações constitucionais. Trata-se de uma medida de correção das oportunidades comunicativas no interior da comunicação social, sendo que a própria noção de regulação é que ampara tal medida de planejamento administrativo quanto à gestão do espaço radioelétrico, voltada ao equilíbrio entre os sistemas[42].

Enfim, a atribuição prioritária de frequências justifica-se em razão da prestação do serviço público. Este, é importante destacar, não se limita à correção das falhas estruturais e/ou conjunturais do sistema de radiodifusão privado (mercado de televisão). A sua função consiste em atuar mesmo quando o sistema comercial, hipoteticamente, funciona bem. Vale dizer, a existência do regime de serviço público de televisão não está atrelada ás falhas do mercado (um paradigma liberal); ao contrário, sua causa originária encontra-se em razões que o transcendem, alcançando bens não-econômicos que necessitam de difusão perante o público em geral, daí a exigência do desempenho da função estatal de distribuição dos bens, por exemplo, culturais.

Os serviços públicos consistem em importante mecanismo de garantia dos direitos fundamentais[43]. Alerte-se, contudo, que não se trata do único meio de satisfação dos mesmos. Nesse sentido, o serviço público de televisão é uma das formas de realização dos direitos à liberdade de expressão, liberdade artística, informação (inclusive informação jornalística), culturais, à educação e à comunicação social, entre outros[44].

No sistema de radiodifusão estatal, há maior espaço para a realização do direito dos cidadãos à informação de caráter institucional e, ao mesmo tempo, de cumprimento do dever do Estado em termos de comunicação institucional. Isto implica na possibilidade de criação e manutenção de canais de televisão para atendimento da referida obrigação.

Já o sistema de radiodifusão público possibilita a concretização dos direitos à educação e à cultura, por intermédio das televisões educativas, e especialmente, no caso das televisões comunitárias, o exercício direto pelos cidadãos das liberdades de expressão e de comunicação social. Vale dizer, o sistema público é o âmbito, por excelência, para a realização dos direitos sociais relacionados à educação e à cultura.

Por sua vez, no sistema privado há maior autonomia privada das emissoras de televisão quanto à execução dos aludidos direitos em função de sua liberdade de radiodifusão e, consequentemente, sua liberdade de programação. Os princípios constitucionais catalogados no art. 221 da CF, relacionados à produção e à programação das emissoras de rádio e televisão consistem em manifestação especial dos direitos fundamentais à liberdade de expressão artística, à educação, à cultura e à informação  jornalística, livre iniciativa e dignidade da pessoa humana, o que será visto mais à frente em item específico[45].

O eixo da estruturação dos três sistemas de radiodifusão consiste na liberdade de comunicação. Esta manifesta-se, de modo especial, no campo da comunicação social (arts. 220 a 224, da CF), no entanto, não se confunde com a liberdade de comunicação pessoal ou de âmbito coletivo (art. 5º, IX, CF). Com efeito, é sintomático que o princípio da complementaridade esteja contemplado no capítulo constitucional dedicado à Comunicação Social. Portanto, em virtude disso, os “sistemas de comunicação de massa” atuam como mecanismos de realização das liberdades comunicativas asseguradas aos cidadãos e à sociedade. Tais liberdades servem tanto à autodeterminação individual quanto à autodeterminação democrática do povo brasileiro. Daí a imprescindibilidade da pluralidade das fontes de informação em um País proclamado como Estado Democrático de Direito em garantia da livre formação da opinião pública[46].

A Constituição faz referencia aos serviços de radiodifusão. Isto, porém, não quer significar que todos os serviços de radiodifusão possam ser qualificados como serviço público de radiodifusão. A simples previsão da atividade em determinado artigo constitucional não implica necessariamente em sua classificação como serviço público[47].

A Carta Magna assegura a competência do poder público para organizar e prestar serviços públicos (art. 175) e, de outro lado, confere competências à União, de natureza legislativa (arts. 22, IX, 48, XII) e administrativa (arts. 21, XII, letra “a”, 49, XII).

Nesse contexto, compete à Administração Pública a outorga das concessões, permissões e autorizações para prestação dos serviços de televisão por radiodifusão, sendo que a concessão depende da colaboração do Congresso Nacional (art. 223 e 49, XII, CF). Há um vínculo orgânico entre a noção de serviço público e a administração pública, inafastável mesmo na hipótese de delegação estatal da execução à iniciativa privada[48]. Compete á Administração, ainda, a correta ordenação das frequências radioelétricas, a fim de assegurar o respectivo uso pelos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, sendo que essa tarefa hoje é atribuída à Anatel, nos termos da Lei nº 9.472/97 (art. 157).

Tais normas relativas às competências estatais devem ser interpretadas sob o ângulo do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, contido no art. 223 da CF[49].

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o Estado tem a obrigação de prestar e de conceder o serviço de televisão:

Isto porque o art. 223 determina que, na matéria, seja observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Se esta complementaridade deve ser observada, o Estado não pode se ausentar da atuação direta em tal campo, nem pode deixar de concedê-los, pena de faltar um dos elementos do trinômio constitucionalmente mencionado[50].

O reconhecimento do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público privativo do Estado não implica, necessariamente, execução estatal. Se quiser, o Estado pode delega-lo à iniciativa privada. Não há, no entanto, obrigatoriedade de transferência da prestação aos particulares,  conforme a Lei nº 4.117/62 (art. 10).

Quanto à participação do poder público em relação às comunicações por televisão, Marçal Justen Filho destaca:

O Estado não pretende (nem nunca pretendeu) assumir direta e imediatamente o desempenho das comunicações televisivas. A atuação estatal brasileira no âmbito dos serviços de televisão é absolutamente secundária. O que se verifica (e muito tenuamente) é uma intervenção regulatória destinada a restringir o poder produzido a partir do controle dos meios de comunicação de massa[51].

O art. 21 da Constituição, ao prever as competências materiais privativas da União, não trata apenas de serviços públicos, pois engloba inclusive atividades econômicas[52]. Há a abertura do texto para que a lei discipline o setor de radiodifusão, dividindo-o adequadamente entre os três sistemas de radiodifusão e, também, estabelecendo as hipóteses de serviços públicos e de atividades provadas de radiodifusão. Alguns serviços de televisão por radiodifusão devem ser qualificados como serviços públicos privativos do Estado, enquanto outros não se sujeitam a essa classificação jurídica[53].

No âmbito do STF, pode-se citar como paradigmático o caso concernente à conclusão no sentido de que a mera referência constitucional a uma determinada atividade não significa a sua qualificação como serviço público. Trata-se do julgamento sobre uma questão envolvendo serviços de transporte aquaviário, disciplinado pelo art. 21, XII, letra “d”, da Constituição Federal. Ao interpretar o referido dispositivo o Ministro Nelson Jobim relatou: “A CF não obriga a União a essa exploração. A norma constitucional é de distribuição de competência federativa. Não é uma regra que crie dever ou obrigação” [54].

E mais, como já demonstrado, o STF decidiu na ADIN nº 561-9 que a Constituição de 1988 assegurou a “reserva de estatalidade” aos serviços públicos de telecomunicações (texto original do art. 21, XI), porém, não em relação aos serviços de radiodifusão. Em razão disso, é que foi editada a Emenda Constitucional nº 08/95 rompendo o monopólio quanto à prestação dos serviços de telecomunicações e distinguindo-o dos serviços de radiodifusão.

Passa-se a discorrer sobre alguns dispositivos da nova Lei Geral de Telecomunicações que são fundamentais para a compreensão do novo modelo de televisão por radiodifusão, que ora se propõe. Trata-se de um paradigma de referência para o presente trabalho, razão pela qual é justificado seu estudo analítico[55].

A nova Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97) superou o modelo clássico de organização do setor na medida em que não se pautou na noção de serviço público de telecomunicações. Pelo contrário, o dispositivo contém o conceito de serviço de telecomunicações (art. 60), para então estabelecer as suas respectivas modalidades conforme os interesses atendidos (serviços de interesse coletivo e serviços de interesse restrito conforme seu art. 62). A lei ainda delega poderes ao poder Executivo para, entre outras disposições, por meio de decreto “instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público, concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado” (art.18).

Além disso, ela prevê que os serviços de telecomunicações podem ser prestados nos regimes público, privado e concomitantemente nos regimes público e privado (art.65, incisos I a III).

O regime público dos serviços de telecomunicações refere-se “àquele prestado mediante concessão ou permissão, com atribuição a sua prestadora de obrigações de universalização e de continuidade” (art. 63, parágrafo único). Tal regime é aplicável aos serviços de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União compromete-se a assegurar (art. 64). Contudo, ele não incide nos serviços de telecomunicações de interesse restrito (art. 67).

O regime privado dos serviços exige a observância dos princípios gerais que regem a atividade econômica (art. 126), sendo que a sua respectiva prestação depende de prévia autorização administrativa, esta um ato vinculado à observância de condições objetivas e subjetivas previstas na lei (art. 131 a 133).

Por sua vez, conforme a mesma lei é possível a coexistência da aplicação dos regimes público e privado aos serviços de telecomunicações (art.65, II), nos âmbitos nacional, regional, local ou em áreas determinadas (art.65, § 2º), desde que assegurada a viabilidade econômica de sua prestação no regime público (art. 66).

Além disso, ela dispõe o seguinte: “As modalidades de serviço serão definidas pela Agência em função de sua finalidade, âmbito de prestação, forma, meio de transmissão, tecnologia empregada ou de outros atributos” (art.69).

Vários dispositivos da Lei nº 9.472/97 foram objeto de questionamento quanto a sua constitucionalidade junto ao STF, por intermédio da Medida Cautelar em ADIN nº 1.668-5. Tal decisão é extremamente útil para o presente trabalho na medida em que foi reconhecida a possibilidade da aplicação dos regimes público e privado aos serviços de telecomunicações, reconhecendo-se a viabilidade jurídica da utilização da autorização enquanto ato administrativo vinculado.

Quanto ao art. 18, inc. I, da lei que prevê a competência do Poder Executivo para tratar, por intermédio de decreto, da modalidade de serviço no regime público, o STF, por maioria de votos entendeu pela constitucionalidade do artigo, eis que não haveria violação à competência legislativa assegurada à União para tratar da matéria (arts. 21, inc. XI, e 48, inc. XII, da CF)[56].

Quanto ao art. 65, III, da mesma lei, que trata da possibilidade de  coexistência dos regimes jurídicos público e privado, o então Ministro Nelson Jobim afirmou o seguinte:

[…] não vejo inconstitucionalidade alguma no fato de cada modalidade de serviço estar destinada à prestação exclusivamente no regime público, do regime privado, ou, concomitantemente, a ambos os regimes, sem qualquer exclusão.  Agência poderá definir, e, em alguns casos concretos, há o interesse público no sentido de que um serviço possa ser, ao mesmo tempo privado – forma pela qual poderá ser financiado – e aberto ao público[57].

O referido entendimento foi acompanhado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, que lavrou seu voto nos seguintes termos:

Não me parece, à vista da alteração constitucional do inciso XI do art. 21 da Constituição, que haja a impossibilidade essencial de que o serviço, por ser de interesse coletivo, seja prestado em regime público, como está na lei, e, concomitantemente, em regime privado. É esta, má ou boa, a inspiração da revisão constitucional[58].

Quanto ao art. 69 da lei, o Ministro Nelson Jobim manifestou-se no sentido de que a norma não é uma espécie de delegação legislativa. Eis suas palavras:

Não se está criando modalidade nova ou definindo-se juridicamente, mas tecnicamente, tendo em vista o âmbito da prestação, o universo de personagens, “a forma, meio de transmissão, tecnologia empregada ou de outros atributivos”, a definição se aquele tipo de serviço terá de ser prestado no sentido de acesso global ou público, se será possível fechar-se privadamente ou se poderá ser concomitante de ambos[59].

Enfim, os apontados artigos da Lei Geral de Telecomunicações que interessam, para os fins de presente trabalho, foram declarados constitucionais pelo STF, assegurando a validade do novo modelo de organização do setor de telecomunicações, com a coexistência dos regimes público e privado.

Em síntese, a nova Lei Geral de Telecomunicações rompeu com vários dogmas jurídicos em relação à teoria dos serviços públicos. O primeiro, em relação à abertura do setor de telecomunicações à atuação dos agentes econômicos privados e à possibilidade de aplicação do regime de competição. O segundo, referente à não qualificação de todos os serviços de telecomunicações como serviços públicos, com o reconhecimento de serviços de telecomunicações em caráter privado. O terceiro, pertinente à flexibilidade do regime jurídico aplicável às modalidades de serviços de telecomunicações: privado, público e misto, conforme decisão do órgão competente. O quarto, concernente à utilização da concessão para a prestação de serviços no regime público e da autorização no regime privado, esta sendo qualificada como um ato administrativo vinculado[60].

Importante destacar que a entrada em vigor da Lei nº 9.472/97 despertou forte polêmica no cenário brasileiro, especialmente com a utilização da figura da autorização para a prestação de serviços de telecomunicações. De um lado, há aqueles que defendem que os serviços públicos somente podem ser prestados, mediante o regime de concessão e/ou permissão, daí a inadmissibilidade do uso da autorização. De outro, há aqueles que sustentam que a lei não adotou um modelo estatal e monopolista na exploração dos serviços de telecomunicações, razão pela qual podem ser prestados no regime de direito público e/ou no regime de direito privado. A questão específica do uso da autorização no campo dos serviços de radiodifusão será vista mais à frente[61].

Defende-se aqui que o serviço de televisão por radiodifusão deve ser qualificado como um serviço público privativo do Estado em relação ao sistema estatal de radiodifusão, aquele voltado à realização, basicamente, da comunicação institucional, porém não unicamente.

Contudo, no caso do sistema de radiodifusão público, os serviços de televisão são compartilhados, sendo a titularidade comum entre o Estado e as entidades sociais, sem fins lucrativos.

A doutrina tem reconhecido alguns casos de serviços públicos não privativos, como é o caso da saúde e da educação. Segundo Eros Roberto Grau, em sua interpretação originária, trata-se de atividade econômica que tanto pode ser desenvolvida pelo Estado, como serviço público, quanto pelo setor privado. Quando os serviços. Quando os serviços forem prestados pela iniciativa privada, tratar-se-á de atividade econômica em sentido estrito. Por sua vez, quando forem prestados pela União, Estados ou Municípios, então, será a hipótese de serviço público[62].

Posteriormente, o autor reviu seu entendimento para afirmar que a distinção entre os serviços públicos não privativos dos serviços públicos privativos reside no fato de que os “ primeiros podem ser prestados pelo setor privado independentemente de concessão, permissão ou autorização, ao passo que os últimos apenas poderão ser prestados pelo setor privado sob um desses regimes”. Segundo ele, “há, portanto, serviço público mesmo nas hipóteses de prestação dos serviços de educação e saúde, em qualquer  hipótese, quer estejam sendo prestados pelo Estado, quer por particulares, configuram serviço público – serviço público não privativo”[63].

Nesse sentido, o serviço público de televisão aproxima-se do regime dos serviços sociais, especialmente aqueles relacionados à educação e à cultura. As atividades educacionais e culturais não são atividades exclusivas de Estado, razão pela qual há a plena abertura à participação da  iniciativa privada (em verdade, iniciativa da sociedade), mediante organizações integrantes do terceiro setor.

Por exemplo, a Constituição prevê a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação” (art. 23, V). Contudo, ela não impede a participação da iniciativa privada os campos cultural e educacional.

No que se refere à educação, a Carta Magna especialmente estabelece que “o ensino é livre iniciativa privada, atendida as seguintes condições: cumprimento das normas gerais da educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público” (art. 209, I, II).

Quanto à cultura, a Constituição dispõe a respeito do dever do Estado de garantir o exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, com apoio e incentivo à valorização e a difusão das manifestações culturais (art. 215), estabelecendo que a lei criará o Plano Nacional de Cultura com vistas ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público, para os seguintes fins: defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro: produção, promoção e  difusão de bens culturais, formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões, democratização do acesso aos bens de cultura e sua respectiva valorização (art. 215, § 3º, incisos I a IV)[64].

Ademais, prevê que o próprio mercado interno integra o patrimônio nacional[65]  e será incentivado para viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico e o bem-estar da população (art. 219).

No presente trabalho, são apresentados as seguintes proposições em relação aos serviços de televisão por radiodifusão: (i) sistema de radiodifusão estatal (serviço público privativo do Estado – serviços de comunicação institucional); (ii) sistema de radiodifusão privado (televisões comerciais – atividade econômica em sentido estrito); e, finalmente, (iii) sistema de radiodifusão público (televisões educativas e televisões comunitárias – serviço público não privativo e atividade voltada ao exercício, demo do direto, de direitos fundamentais).

A assertiva é no sentido de que o serviço de televisão por radiodifusão não deve ser considerado como uma atividade exclusiva do Estado e qualificada unicamente como serviço público privativo. Ao lado dessa modalidade, há ainda, o serviço público não privativo integrante do sistema de radiodifusão público.

Além disso, propõe-se que o sistema de radiodifusão de natureza comercial seja qualificado pelo legislador como uma atividade econômica, a ponto de alcançar o sistema de radiodifusão privado[66]. A publicatio não é passível de generalização a ponto de alcançar o sistema de radiodifusão privado[67].

Isto porque o regime de serviço não corresponde mais à evolução histórico-social. Desde as suas origens, o serviço de televisão por radiodifusão tem sido caracterizado como uma espécie de serviço público. Contudo, tal regime não impediu a prática constante de abusos do poder político e poder econômico, e a configuração de um estado de falta de democratização da mídia, conforme visto no capítulo primeiro. Daí a necessidade de revisão desse histórico paradigma.

As emissoras de televisão comerciais adotam pressupostos de mercado, eis que seu mecanismo de financiamento consiste em receitas derivadas da publicidade comercial. Elas, além do poder econômico, desfrutam de um poder simbólico capaz de afetar significativamente a sociedade.

A mudança de enfoque (substituição do modelo de serviço público pelo de atividade econômica regida pelo regime privado) não é uma mera troca de palavras. Pelo contrário, o objetivo é o de justamente possibilitar o equilíbrio entre o poder do Estado e o poder da mídia, por intermédio do ordenamento jurídico. Se há um mercado, então, deve ser a ele aplicado um regime voltado à eficiência. Mas não só, eis que, para  além das preocupações econômicas, existem valores não econômicos que precisam ser tutelados na comunicação social, mediante os serviços de televisão.

Com isso, pretende-se evitar o uso indiscriminado da noção de serviço público a todas as modalidades de serviços de televisão, em detrimento do equilíbrio entre os sistemas de radiodifusão no contexto de uma sociedade plural e comunicativa, adotando-se um regime mais adequado à dinâmica do mercado[68].

A proposta de um novo modelo visa garantir a estruturação policêntrica do sistema de radiodifusão, mediante os três pólos de difusão de conteúdo audiovisual: as televisões comerciais, estatais e públicas. Nesse contexto, para evitar a referida sobrevalorização da “reserva de estatalidade” do setor de radiodifusão, busca-se a compreensão do serviço público, considerando-se o aspecto subjetivo plural, de valorização equilibrada do Estado, da sociedade e do mercado em relação à comunicação social por radiodifusão.

Seguem-se, nos tópicos seguintes, os desdobramentos das referidas propostas.

1.3.3     Serviço público privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal)

1.3.3.1    Panorama geral

A conhecida “televisão pública”, gênero que abrange as “televisões educativas”, tradicionalmente, está vinculada, aos poderes públicos, em regra, à União e aos Estados. Sua forma jurídica é diversificada, conforme seu âmbito, se federal ou estadual (em geral: autarquias e/ou fundações).

Na visão clássica, elas são elementos constitutivos do sistema de radiodifusão estatal, sem a necessária autonomia em relação ao governo. Além disso, o seu paradigma está baseado na centralização de poderes em mãos da União em detrimento das demais instâncias federativas.

A seguir, será delimitado o sistema de radiodifusão estatal em seus diversos âmbitos: federal, estadual e municipal, demonstrando-se a necessária instituição de um novo marco jurídico que assegure o espaço adequado para a transmissão de canais de televisão para a realização da comunicação institucional dos poderes públicos da República Federativa do Brasil.

1.3.3.2    A comunicação institucional como um dos fundamentos dos setores estatais de radiodifusão: federal, estadual e municipal

Umas das finalidades do setor estatal de radiodifusão é a realização da comunicação social de interesse público[69]. Seu fundamento específico encontra-se na regra constitucional  que garante a realização da publicidade institucional pela administração pública com a divulgação dos “atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos” com “caráter educativo, informativo ou de orientação social”, em observância do princípio da impessoalidade (art. 37, § 1º)[70].

A comunicação institucional, além de abranger o poder Executivo, alcança o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Trata-se de um dever de Estado, o que inclui, obviamente, os três poderes republicanos[71]. Sustenta-se aqui, caso haja viabilidade técnica e interesse público, que todos os poderes públicos republicanos possam receber a outorga para a prestação de serviço de radiodifusão. Não se admite que a outorga restrinja-se apenas ao poder Executivo, o que implicaria violação ao principio da harmonia e colaboração entre os poderes.

No âmbito federal, há a previsão do sistema de comunicação social da administração pública, o qual a Radiobrás – Empresa Brasileira de Comunicação , pessoa jurídica de direito privado, organizada sob a forma de sociedade por ações, estando vinculada à Presidência da República, cuja diretoria é nomeada pelo Presidente da República (sendo seus integrantes demissíveis ad nutum) e os membros do Conselho de Administração dependem de aprovação prévia do Chefe do poder Executivo, tendo a empresa como um de seus objetivos: “divulgar as realizações do Governo Federal nas áreas econômicas, política e social e difundir para o exterior conhecimento adequado da realidade brasileira, bem como implantar e operar emissoras e explorar serviços de radiodifusão do Governo Federal”, conforme o Decreto nº 26958/99 (arts. 1º e 5º). Entre outras atividades, a Radiobrás também tem por função o gerenciamento de canais de televisão: TV Nacional de Brasília (difusão de notícias sobre a capital federal), TV NBR (transmissão de notícias sobre o poder Executivo Federal) e TV Brasil (divulgação de notícias brasileiras dos três Poderes da República no âmbito internacional) [72].

Com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), houve a modificação na organização do sistema estatal de radiodifusão, ocasionando a extinção da RADIOBRÁS. Com efeito, a EBC tem por finalidade prestar serviços de radiodifusão “pública”, nos termos da Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, e do Decreto nº 6.426, de 24 de outubro de 2007[73].

A Lei nº 11.652/2008 dispõe expressamente que a “EBC sucederá a RADIOBRÁS nos seus direitos e obrigações, e absorverá, mediante sucessão trabalhista, os empregados integrantes do seu quadro de pessoal” [74]. Além disso, o mesmo ato normativo preceitua o seguinte: “As outorgas de serviços de radiodifusão exploradas pela RADIOBRÁS serão transferidas diretamente à EBC, cabendo ao Ministério das Comunicações, em conjunto com a EBC, as providências cabíveis para formalização desta disposição” [75]. Por último, há a previsão no sentido de que: “A RADIOBRÁS será incorporada à EBC após sua regular constituição, nos termos do art. 5º desta Medida Provisória” [76].

O Decreto nº 4.799/2003,  ao tratar da comunicação do governo do poder Executivo, aponta os objetivos da comunicação institucional: disseminar informações sobre assuntos dos mais diferentes interesses sociais, estimular a sociedade a participar do debate e da definição de políticas públicas essenciais para o desenvolvimento do País. Realizar ampla difusão dos direitos do cidadão e dos serviços colocados à sua disposição, explicar os projetos e políticas de governo propostos pelo Poder Executivo nas principais áreas de interesse da sociedade, promover o Brasil no exterior, atender às necessidades de informação de clientes e usuários das entidades integrantes da administração pública[77].

A comunicação social de caráter institucional não é uma tarefa exclusiva da União, pois abrange a República Federativa do Brasil, a qual tem a importante missão de levar ao conhecimento da sociedade assuntos de interesse público, o que implica na organização da comunicação social em consideração também aos Estados e Municípios. Afinal, a organização político-administrativa da República compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos com autonomia constitucional (art. 18). Assim, as Comunicações Estaduais e as leis Orgânicas devem definir as tarefas e a organização do setor estatal de comunicação social, respectivamente, dos Estados e dos Municípios[78].

Além disso, o Sistema Brasileiro de Televisão Digital prevê que a União poderá explorar os serviços de radiodifusão de sons e imagens em tecnologia digital, mediante normas de operação compartilhada a serem fixadas pelo Ministério das Comunicações, especialmente para assegurar um Canal do Poder Executivo (para transmissão de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos do Poder Executivo) e um Canal de Cidadania (para transmissão de programações das comunidades locais, bem como para a divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal), conforme disposto no art. 13 do Decreto nº 5.820/2006.

1.3.3.3    Princípios e objetivos do sistema de radiodifusão estatal nos termos da Lei nº 11.652/2008

A Lei nº 11.652/2008 estabelece os seguintes princípios referentes à prestação dos serviços de radiodifusão “pública” por órgãos do poder Executivo ou mediante a outorga a entidades de sua administração indireta: complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal, promoção do acesso à informação por meio da pluralidade de fontes de produção e distribuição de conteúdo, produção e programação com finalidades educativas, artísticas, culturais, científicas e informativas, promoção da cultura nacional, estímulo à produção regional e à produção independente, autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema “publico” de radiodifusão, e participação da sociedade civil no controle da aplicação dos princípios do sistema de radiodifusão, respeitando-se a pluralidade da sociedade brasileira[79].

Além disso, o mesmo ato normativo dispõe sobre os objetivos dos serviços de radiodifusão “pública” que são os seguintes: oferecer mecanismos para debate público acerca de temas de relevância nacional e internacional; desenvolver a consciência crítica do cidadão, mediante programação educativa, artística, cultural, informativa, científica e promotora da cidadania; fomentar a construção da cidadania, a consolidação da democracia e a participação na sociedade, garantido o direito à informação do cidadão; cooperar com os processos educacionais e de formação do cidadão; apoiar processos de inclusão social e socialização da produção do conhecimento por intermédio do oferecimento de espaços para exibição de conteúdos produzidos pelos diversos grupos sociais e regionais; buscar excelência em conteúdos e linguagens e desenvolver formatos criativos e inovadores, constituindo-se em centro de inovação e formação de talentos; direcionar sua produção e programação pelas finalidades educativas, artísticas, culturais, informativas, científicas e promotoras da cidadania, sem com isso retirar seu caráter competitivo na busca do interesse do maior número de ouvintes ou telespectadores; e promover parcerias e fomentar produção audiovisual nacional, contribuindo para a expansão de sua produção e difusão[80].

1.3.3.4    Empresa Brasil de Comunicação (EBC)

Diante da importância da criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), alardeada pelo governo como uma espécie de televisão “pública” abre-se aqui um tópico especial.

A EBC é uma sociedade anônima de capital fechado, este representado por ações ordinárias nominativas, das quais pelo menos cinquenta e um por cento são de titularidade da União.

Seus recursos decorrem de diversas fontes: dotações orçamentárias, exploração dos serviços de radiodifusão “pública”, prestação de serviços a entes públicos ou privados, da distribuição de conteúdo, modelos de programação, licenciamento de marcas e produtos e outras atividades inerentes à comunicação, doações, legados, subvenções e outros recursos que lhe forem destinados por pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, de publicidade institucional d entidades de direito público e direito privado, voltada a programas, eventos e projetos de utilidade pública, de promoção da cidadania, de responsabilidade social ou ambiental, da distribuição da publicidade legal dos órgãos e entidades da administração pública federal, de recursos obtidos nos sistemas instituídos pelas Leis nºs 8.313/91, 9.685/93 e 11.437/2006, recursos provenientes de acordos  e convênios que realizar com entidades nacionais e internacionais, públicas ou privadas, rendimentos de aplicação financeira quer realizar e de rendas provenientes de outras fontes. Admite-se publicidade institucional de entidades de direito público e privado, a título de apoio cultural, e a distribuição de publicidade legal dos órgãos e entidades federais, porém veda-se a veiculação de anúncios de produtos e serviços.

Compete ainda à EBC: “implantar e operar as emissoras e explorar os serviços de radiodifusão ‘pública’ sonora de sons e imagens do Governo Federal”, “estabelecer cooperação e colaboração com entidades públicas ou privadas que explorem serviços de comunicação ou radiodifusão pública, mediante convênios ou outros ajustes, com vistas à formação de Rede Nacional de Comunicação Pública”, “produzir e difundir programação informativa, educativa, artística, cultural, científica, de cidadania e de recreação”, “prestar serviços no campo de radiodifusão, comunicação e serviços conexos, inclusive para transmissão de atos e matérias do Governo Federal”, “distribuir a publicidade legal dos órgãos e entidades da administração da administração federal, à exceção daquela veiculada pelos órgãos oficiais da União”, conforme preceitua o art. 8º da referida Lei Federal.

A administração da EBC compete a um conselho de Administração, cujos membros são nomeados pelo Presidente da República da seguinte forma: um Presidente, indicado pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Diretor-Presidente da Diretoria Executiva, um Conselheiro, indicado pelo Ministro do Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, um Conselheiro, indicado pelo Ministro de Estado das Comunicações e um Conselheiro, indicado conforme Estatuto.

A par do Conselho de Administração, existe o Conselho Curador nos termos Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, órgão de natureza  consultiva e deliberativa da EBC, integrado por vinte membros, designados pelo Presidente da república. Os titulares são escolhidos dentre  brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, de reputação ilibada e reconhecido espírito público, da seguinte forma: Ministros de Estado, um representante indicado pelo Senado Federal e outro pela Câmara dos Deputados, um representante dos funcionários, escolhido na forma do Estatuto, quinze representantes da sociedade civil,  indicados na forma do Estatuto, segundo critérios de representação regional, diversidade cultural e pluralidade de experiências profissionais. Veda-se a entrada no Conselho Curador de parente até terceiro grau membro da Diretoria Executiva e agentes públicos que possuam cargos eletivo ou investido em cargo em comissão de livre provimento da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.

O mandato dos conselheiros representantes da sociedade civil é de quatro anos, renovável por uma única vez, enquanto o mandato do conselheiro representante dos funcionários é de dois anos, vedada a recondução.

O Conselho Curador tem as seguintes funções: aprovar as diretrizes educativas, artísticas, culturais e informativas integrantes da política de comunicação propostas pela Diretoria Executiva da EBC; zelar pelo cumprimento dos princípios e objetivos do sistema de radiodifusão “público”; opinar sobre matérias relacionadas ao cumprimento dos princípios e objetivos acima referidos; aprovar a linha editorial de produção e programação proposta pela Diretoria Executiva da EBC e manifestar-se sobre sua aplicação prática; deliberar, pela maioria absoluta de seus membros, quanto à imputação de voto de desconfiança aos membros da Diretoria Executiva, no que diz respeito ao cumprimento dos princípios e objetivos da Medida Provisória; e eleger o seu Presidente, entre seus membros. Cabe, ainda, ao Conselho Curador acompanhar o processo de consulta pública, a ser implementado pela EBC, na forma do Estatuto, para a renovação de sua composição, relativamente aos membros referidos no inciso III do § 1º do art. 15.

A EBC encontra um difícil desafio pela frente. Se, de um lado, ela poderá representar a concretização do principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão, de outro ela poderá comprometer o principio do pluralismo mediante uma programação que não absorve todos os pontos de vista político-partidários e seja apenas favorável ao governo de plantão. Compete ao Conselho Curador a missão de cuidar dos princípios e objetivos que vinculam a TV estatal. Se falhar nessa tarefa, a própria democracia brasileira estará em perigo.

1.3.3.5    As televisões educativas: o tradicional enquadramento no sistema de radiodifusão estatal

A Constituição do Brasil atribui à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a competência comum para “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência” (art. 23, VI). Em virtude desse dispositivo, uma outra finalidade do sistema de radiodifusão estatal é a de promover a educação, mediante a atuação das televisões educativas, operadas pela União, Estados e Municípios, originariamente previstas pelo Decreto-lei nº 236/67.

Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao tratar da modalidade de ensino a distância, estabelece a “concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas” (art. 80 da Lei nº 9.394/96).

E mais, no âmbito do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, um dos objetivos é a “criação de rede universal de educação a distância” (art. 1º, II, do Decreto nº 4.901/2003). Ele prevê que a União poderá explorar os serviços de radiodifusão de sons e imagens em tecnologia digital, mediante normas de operação compartilhada a serem fixadas pelo Ministério das Comunicações, especialmente para assegurar um Canal de Educação (para transmissão destinada ao desenvolvimento e aprimoramento), entre outros, do ensino a distância de alunos e capacitação de professores, e um Canal de Cultura (para transmissão destinada a produções culturais e programas regionais), conforme disposto no art. 13 do Decreto nº 5.820/2006.

Após essa breve exposição a respeito da televisão educativa, cumpre apontar os seus respectivos modelos de organização presentes nos planos federal e estadual. Vale dizer, aqui será analisada a experiência brasileira para fins de crítica e enquadramento diante do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão.

1.3.3.5.1           Âmbito federal: a abertura ao modelo das organizações sociais

Com o processo de reforma do Estado[81], houve a reformulação de sua organização e repasse de certas atividades para a execução por particulares. Nesse contexto, foram criadas as organizações sociais, “figuras” integrantes do denominado terceiro setor, na forma da Lei nº 9.637/98.

Em razão disso, no âmbito federal, por exemplo, a Fundação Roquete Pinto (originariamente uma organização integrante da administração pública indireta), encarregada da operação do canal de televisão TVE, foi extinta, na forma da lei nº 9.637/98, sendo sucedida pela Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto (ACERP), esta qualificada como organização social, na forma do Decreto nº 2.442/97, e que celebrou um contrato de gestão com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Nesse caso, o repasse dos recursos públicos está condicionado ao cumprimento das metas estabelecidas pelo poder central.

Ora, as organizações sociais não pertencem ao primeiro setor (Estado), nem ao segundo setor (mercado), mas elas encontram-se no terceiro setor (sociedade civil) e desempenham serviços qualificados como não-exclusivos do Estado, daí por que não podem ser enquadradas no sistema de radiodifusão estatal, mas tão-somente no sistema de radiodifusão público (terceiro setor). Em outras palavras, por um a questão de unidade e coerência do ordenamento jurídico, uma vez qualificada uma entidade como organização social, então, ela passará a integrar o terceiro setor e não mais o âmbito da administração pública. Evidentemente que isto não afasta a responsabilidade estatal quanto à execução da política pública em termos de educação, por intermédio do sistema de radiodifusão público.

1.3.3.5.2           Âmbito estadual: os casos do Rio Grande do Sul e de São Paulo

No âmbito dos estados, as televisões educativas, em geral, ora assumem a forma de fundações, ora de autarquias, sendo a exceção a qualificação como organizações sociais.

O padrão é o controle do Estado-membro sobre a organização administrativa encarregada da gestão da “televisão educativa”. Nesse caso, a lei estadual autoriza a criação do ente administrativo, sendo a supervisão feita por uma das secretarias vinculadas ao Chefe do Poder Executivo. Em regra, é o Governador do Estado quem nomeia o Presidente da fundação ou da autarquia encarregada da execução do serviço de televisão.

Nesse sentido, destaca-se o precedente envolvendo a comunicação social do Estado do Rio Grande do Sul que apresenta alguns contornos importantes para a compreensão do sistema estatal de radiodifusão, em razão de sua Constituição originariamente conter um artigo que previa a independência dos órgãos oficiais de comunicação social em face do governo e demais poderes públicos e um outro que assegurava o direito de antena a partidos políticos e organizações sociais. Em outras palavras, ela serve como paradigma em torno da discussão sobre a delimitação do grau de autonomia das emissoras de televisão estatais perante o próprio Estado[82].

O STF, ao apreciar a ADIN nº 821-8, em 05+02.93, Relator Ministro Octavio Galotti, julgou procedente a ação, para fim de declarar a inconstitucionalidade do art. 238 da Constituição do Rio Grande do Sul que garantia a independência dos órgãos de comunicação social do Estado (inclusive fundações e quaisquer entidades sujeitas direta ou indiretamente  ao controle econômico estatal), em face do Governo Estadual e demais Poderes Públicos, e para assegurar “possibilidade de expressão e confronto de diversas correntes de opinião”. Além disso, a norma impugnada garantia a existência de um Conselho de Comunicação Social, em cada órgão de comunicação social do Estado, integrado por representantes da Assembléia Legislativa, das universidades, dos órgãos culturais e de educação do Estado e do Município, bem como da sociedade civil[83].

Também foi declarada a inconstitucionalidade do art. 239 da referida Constituição Estadual que assegurava aos partidos políticos, organizações sindicais, profissionais, comunitárias e ambientais dedicadas á defesa dos direitos humanos e à liberdade de expressão e informação social, no âmbito estadual, “direito a espaço periódico e gratuito nos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, de acordo com sua representatividade e critérios a serem definidos em lei” [84].

E, ainda, a Lei Estadual nº 9.726/92 foi declarada inconstitucional na medida em que instituiu a figura do Conselho de Comunicação Social, integrado por vinte e três membros, entre os quais três indicados pelo Governador, e por demais entidades da sociedade civil[85].

O STF entendeu que a independência conferida pelos dispositivos impugnados aos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado ofenderia o principio da separação e da harmonia dos Poderes, com a usurpação da competência substancialmente administrativa do Poder Executivo. E mais, também violaria a norma da Constituição Federal que prevê a competência da União para legislar sobre radiodifusão e explorar ou conceder tais serviços e as garantias constitucionais da liberdade de expressão e da isonomia em razão da discriminação de segmentos representativos da sociedade[86].

O ministro Relator Octávio Galotti expressou seu volto no seguinte sentido:

Dentre essa pletora de proposições, parecem-me bastarem – fim de emprestar relevo à fundamentação jurídica do pedido – as questões vinculadas á separação dos Poderes e à exclusividade de iniciativa do Chefe do poder Executivo, bem como à competência privativa deste para exercer a direção superior e dispor sobre a organização e o funcionamento da administração[87].

Não há regra na Constituição Federal que vede tal espécie de norma impugnada[88].

Em razão dessa decisão, no Rio Grande do Sul mantém-se um modelo de televisão estatal, ainda que aberto à participação da sociedade civil em sua organização interna, cuja análise se impõe para melhor delineamento da problemática em torno dos limites do sistema de radiodifusão estatal, especialmente a autonomia da entidade executora dos serviços de televisão. A TVE-RS – Fundação Cultural Piratini – tem por finalidade a “promoção de atividades educativas, culturais e informativas”, nos termos de seu Estatuto, aprovado pela Lei nº 10.535/95. A sua estrutura interna é composta por um Conselho Deliberativo (com a missão, entre outras, de “estabelecer as diretrizes da programação e da população de acordo com as finalidades da Fundação” – art. 21, V, de seu Estatuto) e por uma Diretoria Executiva (com a função, entre outras, de ”cumprir e fazer cumprir as deliberações e recomendações do Conselho Deliberativo” – art. 28, VI, do Estatuto). Há, ainda, a figura do Conselho Curador encarregado da fiscalização das atividades efetuadas pela organização administrativa, cujos membros são de livre nomeação e exoneração pelo Governador do Estado (art. 36) [89]. O Conselho Deliberativo é integrado por vinte e seis membros, sendo três representantes do Estado do Rio grande do Sul (Secretaria de Educação, Secretaria da Cultura e Assembléia Legislativa) e os demais representantes da sociedade civil (reitores, imprensa, jornalistas, trabalhadores das empresas de radiodifusão, músicos, estabelecimentos de ensino, etc.) conforme disposição da lei Estadual nº 10.536/95[90].

O Presidente da Fundação “será escolhido dentre personalidades de alto nível intelectual e cívico, com serviços prestados à causa da cultura e da educação” (art. 25, § 2º, do Estatuto), sendo que o “Governador do Estado submeterá a escolha do Presidente da Fundação ao Conselho Deliberativo” (art. 25, § 1º, do referido ato), mas cuja investidura no cargo, diga-se, estranhamente, “dependerá de prévia autorização do Ministério das Comunicações” (art. 26 do mesmo ato normativo). Também, a investidura dos demais administradores da Fundação deverá ser “precedida de expressa aprovação do Ministério das Comunicações” (art. 18, parágrafo único do Estatuto) [91].

Em seu Estatuto, há dispositivos em garantia ao pluralismo ideológico, especialmente a proibição de sua utilização “para fins político-partidários” (art. 9º). E mais, há a seguinte previsão: “na produção e veiculação do material jornalístico, as emissoras da Fundação Piratini observarão a pluralidade de versões em matéria controversa, ouvindo as partes envolvidas em polêmicas sobre fatos da atualidade e interesse público” (art. 13).

Por outro lado, é ilustrativa a comparação do modelo gaúcho com o paradigma de organização paulista da TV Cultura, para verificação do grau de autonomia do veículo de comunicação social perante o governo do Estado[92].

O caso da TV Cultura de São Paulo, gerida pela Fundação Padre Anchieta, é sui generis. Trata-se de uma emissora de televisão criada pelo Estado de São Paulo, e financiada com recursos do orçamento estadual, porém de âmbito nacional, cuja finalidade é a “promoção de atividades educativas e culturais através de rádio e televisão”, com a autonomia jurídica, administrativa e financeira, sob a forma de fundação de direito privado, e a previsão de um Conselho Curador, com quarenta e sete membros, que exercem mandatos gratuitos, sendo uma de suas missões “estabelecer as diretrizes da programação de acordo com as finalidades da fundação”, na forma do art. 14, IV, do Decreto Estadual nº 25.117/1986, constituído por representantes da sociedade, jos moldes do modelo da BBC de Londres, integrado por reitores de universidades, secretários do governo estadual e municipal e de diversos segmentos sociais[93].

Do ponto de vista formal, apesar de ser uma fundação da administração pública indireta, não é o Governador do Estado quem nomeia o Presidente da Fundação Padre Anchieta (o candidato deve ser preferencialmente um dos conselheiros, mas não necessariamente), mas sim o Conselho Curador. Ao lado do referido órgão, há a previsão de uma Diretoria Executiva, cujo Presidente também é indicado após a eleição efetuada pelos membros do Conselho Curador.

Comparando-se ambos os modelos de televisão, têm-se os seguintes pontos em comum: tanto a “TVE” do Rio Grande do Sul quanto a “TV Cultura” de São Paulo adotaram a forma jurídica de fundação, a presença de representantes do Estado, a figura de um Conselho aberto à participação da sociedade e a dependência do financiamento público por intermédio do orçamento estadual.

Um dos pontos de diferenciação consiste na nomeação do Presidente da instituição. No exemplo gaúcho, ele é indicado pelo Governador à aprovação do Conselho Deliberativo e sua investidura depende de prévia autorização do Ministério das Comunicações. No caso paulista, ele é eleito pelo Conselho Curador, não dependendo de ato do Governador do Estado[94].

Os modelos gaúcho e paulista de “televisão pública” foram expostos para demonstrar a problemática d autonomia da gestão perante os respectivos governos estaduais[95]. Cuida destacar que um dos objetivos maiores a serem defendidos em relação à “televisão pública” é a sua independência em face do poder público, valor substancial protegido nos sistemas norte-americano e francês, consoante análise nos capítulos terceiro e quarto. Em razão disso, propõe-se o definitivo enquadramento no sistema de radiodifusão público, mediante a retirada das emissoras de “televisão educativas” do âmbito da administração pública (sistema de radiodifusão estatal), e, consequentemente, a sua qualificação como organizações sociais e/ou organizações civis de interesse público.

1.3.3.6    Âmbito municipal

Registre-se que será feito, no momento, um estudo analítico do direito positivo em torno da comunicação institucional em relação aos municípios.

No âmbito regulamentar federal, havia a previsão de Serviço de Transmissão Institucional (RTVI) que “é a modalidade de Serviço de RTV destinada a retransmitir, de forma simultânea ou não-simultânea, os sinais oriundos de estação geradora de serviço de radiodifusão de sons e imagens (televisão), explorado diretamente pela União” (art. 6º, XVI, do Decreto nº 5.371/2005).

Houve inclusive a previsão, no apontado decreto, da possibilidade de realização de comunicação institucional pelos Municípios brasileiros, mediante os serviços de repetição dos sinais de radiodifusão. O referido ato normativo estabelecia que a autorização para a execução do Serviço de Retransmissão Institucional é outorgada pelo Ministério das Comunicações somente a pessoa jurídica de direito público interno municipal (art.11). Em outras palavras, o citado decreto previu, inicialmente, no âmbito do sistema de radiodifusão estatal,  a possibilidade de citação de “televisões municipais”.

Estabeleceu-se, inclusive, a faculdade de inserções de programação de responsabilidade do ente federativo em, no máximo, quinze por cento do total de horas de programação retransmitida, com “finalidades institucionais, educativas, artísticas, culturais e informação, em benefício do desenvolvimento e interesse geral da municipalidade”, garantindo-se o tempo de programação na seguinte proporção: um terço para a divulgação das atividades do Poder Legislativo do Município, preferencialmente, para a transmissão, de suas sessões e um terço para entidades representativas da comunidade, sem fins lucrativos, assegurada a pluralidade de opiniões e representação dos diversos segmentos sociais, com a possibilidade de apoio institucional para o financiamento de seus respectivos custos (art. 34, §§ 1º, 2º, 3º, e art. 35, do Decreto nº 5.371/2005).

Além disso, previa-se que as pessoas autorizadas a executar o Serviço de Retransmissão Institucional deveriam constituir um conselho de programação com a finalidade de definir diretrizes, acompanhar a inserção de programação e de publicidade, com a participação de representantes indicados pelo Poder Executivo municipal, pelo Poder Legislativo municipal e um representante da comunidade residentes ou domiciliados no Município onde estiver instalada a estação retransmissora (art. 36).

Contudo, os dispositivos que garantiam o acesso do Município e de entidades comunitárias à atividade de televisão por radiodifusão, bem como a previsão de um conselho de programação foram revogados pelo Decreto nº 5.413/2005, o que configura um verdadeiro retrocesso em termos de democratização do setor de radiodifusão.

Por outro lado, o Decreto nº 5.820/06, que trata dos serviços de televisão digital, contempla um Canal de Cidadania (para transmissão de programações das comunidades locais, bem como para divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal). Ou seja, um mesmo canal de televisão serve ao propósito da comunicação institucional e à afirmação da cidadania. Entende-se que se trata de um dispositivo importante para a afirmação da cidadania, contudo, isto não dispensa o dever de o poder público criar, mediante lei, as televisões de âmbito comunitário que integrarão o sistema de radiodifusão público, conforme exposição a seguir:

1.3.4         Proposições

1.3.4.1    Operacionalização do sistema de radiodifusão estatal

O funcionamento do sistema de radiodifusão estatal requer a existência de estruturas organizacionais que podem estar dentro ou fora do aparelho do Estado. Em outras palavras, a prestação dos serviços de televisão pode ser feita pela administração pública direta ou indireta, ou inclusive mediante a atuação de empresas particulares.

Suas finalidades básicas consistem na execução de tarefas voltadas à comunicação institucional, e também em relação ao provimento de prestação em termos de educação e cultura, mediante os serviços de radiodifusão.

Em outras palavras, muito possa ocorrer  a integração das “televisões educativas” no campo do sistema de radiodifusão público, mediante a criação de estruturas fora do aparelho estatal, insto não quer significar o abandono do Estado quanto à sua responsabilidade em definir políticas públicas sobre a matéria. O governo traçará as diretrizes em termos de educação e cultura, mas a respectiva execução ficará a encargo de entidades privadas de interesse público, como é o caso das organizações  sociais ou organizações da sociedade civil de interesse público em termos de comunicação social. Nesse caso, a responsabilidade estatal não é mais pela execução direta do serviço de televisão por radiodifusão, mas sim indireta, com o apoio às organizações sociais.

Além disso, não se sustenta aqui uma divisão absoluta entre as tarefas de comunicação social e o dever quanto às prestações em termos de educação e cultura. Não há imposição constitucional da adoção de canais de televisão estatais que transmitam exclusivamente comunicação institucional dos poderes públicos. Ao contrário, é possível conciliar uma programação de televisão, combinando o conteúdo relacionado a informações institucionais, com finalidades educacionais e culturais.

Vale dizer, o sistema estatal tem como uma de suas missões a realização da comunicação institucional. Entretanto, além dessa tarefa, ele deve estar orientado para a prestação de serviços de televisão em atendimento ao princípio constitucional da “preferencia a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”, contido no art. 221, I, da Constituição Federal.

1.3.4.2    Parâmetros para a conceituação da televisão estatal

A televisão estatal por radiodifusão constitui uma modalidade de serviço público privativo do Estado, sendo que uma de suas finalidades é assegurar a comunicação social de caráter institucional, nos termos do art. 37, § 1º, da CF, a respeito dos atos e/ou relacionados ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário.

Ademais, o poder público tem deveres a cumprir no que tange à educação e à cultura. Em razão disso, a televisão estatal não se reduz à realização da comunicação institucional. Nesse sentido, é possível que um canal de televisão integrante do sistema estatal veicule tanto conteúdos relacionados à informação institucional quanto à educação e à cultura[96].

Por outro lado, a conceituação da televisão estatal deve estar vinculada à titularidade exclusiva e controle do Estado sobre a programação. Com efeito, o núcleo de sua definição corresponde às ideias de competência estatal quanto à organização e prestação de serviço por radiodifusão. Daí a incompatibilidade entre a livre iniciativa e o sistema estatal.

Por sua vez, a gestão pode ser direta ou indireta. Em outras palavras, tanto o poder público pode executar o serviço de televisão por órgãos administrativos ou pessoas especialmente criadas para esse propósito quanto a execução pode ser realizada por empresas privadas, mediante licitação.

1.3.4.3    Enquadramento da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) no setor estatal

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC), pessoa jurídica de direito privado sucessora da Radiobrás deve ser enquadrada no sistema de radiodifusão estatal. Em verdade, a EBC não é propriamente uma televisão pública vez que sua criação ocorreu por ato estatal e seu respectivo controle pertence à União.

Como referido acima, a conceituação da televisão estatal deve estar vinculada à titularidade exclusiva e o controle do Estado sobre a programação. Além disso, uma verdadeira televisão pública, como a seguir será mostrado, é aquela criada, organizada e controlada pela sociedade civil. Portanto, a previsão do Conselho Curador dentro da EBC, integrado por representantes da sociedade civil, por si só não a caracteriza como uma televisão pública.

1.3.4.4    Necessária desvinculação das televisões educativas no sistema estatal

As televisões educativas encontram-se, em sua grande maioria, no âmbito da estrutura da administração pública[97].

Em função disso, elas estão sob a influência dos governos que procuram imprimir uma determinada visão ideológica quanto ao conteúdo da programação de televisão. Para evitar isto, faz-se necessária a independência dessas estações de televisão para se tornarem de fato e de direito televisões públicas não-estatais, não vinculadas à esfera governamental.

Daí por que um dos caminhos para essa garantia de autonomia é a sua respecyiva transformação em organizações sociais (exemplo: Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto – ACERP que possui contrato de gestão com a União) ou organizações civis de interesse público (exemplo: Associação de Desenvolvimento da Radiodifusão de Minas Gerais que possui termo de parceria com a Fundação TV Minas Cultural e Educativa), as quais integram o terceiro setor, voltado à execução de atividades não-exclusivas do Estado, justamente os serviços sociais relacionados à educação e à cultura.

1.3.4.5    Gestão associada dos serviços públicos de comunicação institucional mediante a TV por radiodifusão

Com a Emenda Constitucional nº 19/98 foi alterado o art. 241 das Disposições Gerais da Carta Republicana, de modo a constitucionalizar a figura dos consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federativos, para fins de gestão associada de serviços públicos. Trata-se de um importante mecanismo de fortalecimento da federação brasileira e de respeito ao princípio da eficiência e da continuidade em relação à execução de serviços públicos.

Nesse caso, por exemplo, os Municípios, com interesses comuns poderão constituir uma pessoa jurídica especializada na organização e gestão do serviço público de comunicação institucional, repartindo custos e tarefas em termos de produção de conteúdo audiovisual e de transmissão dos sinais de televisão. A título ilustrativo, os municípios poderão constituir um canal de televisão vocacionado à difusão do potencial turístico da região onde estão situados, para fins de desenvolvimento social e econômico, em atendimento ao art. 180, da Constituição Federal.

Com a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, a possibilidade de compartilhamento  de canais de televisão torna-se concreta à medida que a tecnologia envolve o conceito de multiprogramação, isto e´, um mesmo canal de televisão pode transmitir, concomitantemente, diversas programações de responsabilidade editorial de diversas entidades federativas.

Saliente-se, contudo, que o Decreto nº 5.820/06, que trata do referido sistemas, não aponta os critérios para o uso compartilhado do Canal de Cidadania que, entre outras funções, está destinado a divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal. Em verdade, a previsão de um único canal para as três esferas federativas é uma medida insuficiente para atender as necessidades dos mais diversos interesses em termos de comunicação social.

Por outro lado, a Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, que trata dos serviços de radiodifusão “pública”, possibilita a participação de Estados, do Distrito Federal e de Municípios, ou de entidade de sua administração indireta no capital da Empresa Brasil de Comunicação, conforme disposição de seu art. 9º, § 2º.

Além disso, garante-se a cooperação e colaboração com entidades públicas que explorem serviços de comunicação ou radiodifusão “pública”, mediante convênios ou outros ajustes, com o objetivo de constituir a Rede Nacional de Comunicação “Pública”, conforme disposto em seu art. 8º, III.

1.3.5         Serviço público não privativo do Estado (sistema de radiodifusão público)

1.3.5.1    Caracterização

Defende-se no presente trabalho que o “terceiro setor” da comunicação audiovisual ampara-se na cidadania (art. 1º, II, CF) e na liberdade de associação que assiste aos cidadãos brasileiros (art. 5º, XVII, CF). É uma proteção à auto-organização da sociedade relativa à comunicação social. Consiste em um mecanismo de realização cooperada dos direitos fundamentais relacionados à comunicação social, especialmente a liberdade de expressão, informação, comunicação e direitos culturais. Sua tarefa básica é a de assegurar uma comunicação social de interesse público[98]. Cuida-se, ademais, de uma verdadeira garantia em favor do acesso dos cidadãos e dos grupos ao meio de comunicação social na modalidade televisão por radiodifusão[99]. A inovação constitucional reside na diferenciação entre os sistemas de radiodifusão público e estatal. Na perspectiva da tradição do direito público brasileiro, o elemento estatal é identificado com o público. O público é o âmbito estatal (referente ao Estado), assim como o estatal está associado com a ideia de público. Ocorre que com as transformações sociais verificadas nas últimas décadas, passou-se a diferenciar o público do estatal, não mais e adotando o âmbito estatal como sinônimo de público, daí a emergência de um setor público não-estatal[100].

Pode-se afirmar que, o termo “público” é o gênero que compreende as seguintes espécies: estatal (âmbito destinado ao Estado em que há a atuação dos poderes públicos) e não-estatal (setor da sociedade em que há a ação de organizações fora do aparelho estatal em afirmação à cidadania, assegurando a redistribuição do poder político e do poder social). Tal diferenciação serve à expressão do pluralismo social, como fator de organização do sistema de radiodifusão, pois a unidade política do Estado pressupõe a pluralidade inerente à sociedade[101].

O ponto em comum entre o público-estatal e o público não-estatal consiste no fato de ambos os setores estarem atrelados ao que é de “todos e para todos”, ou seja, eles defendem e promovem os interesses públicos sem fins lucrativos. Aqui, adota-se a concepção contemporânea de interesse público, fundada em uma pluralidade de interesses públicos que expressam a diversidade de interesses sociais classificados em interesses especiais e interesses difusos[102]. Em um sentido amplo, o termo “público” refere-se tanto ao Estado quanto à sociedade, sendo que os interesses públicos não são mais objeto de “monopólio estatal”. A nota diferenciadora reside em que o público-estatal diz respeito à figura do Estado (e, respectivamente, ao exercício de poderes estatais), enquanto o público não-estatal designa a figura da sociedade civil (vocábulo público em sentido restrito).

Com efeito, a organização da gestão do setor público de radiodifusão comporta múltiplos arranjos institucionais, tais como: associações civis e fundações, sem fins lucrativos, organizações sociais, organizações civis de interesse público, em que prevalece a noção de propriedade pública (coletiva) e não de propriedade privada. Trata-se de um espaço para a ação cooperada dos cidadãos em favor da prestação de serviços de televisão por radiodifusão para a comunidade, assegurando-se a autogestão das respectivas atividades pelos próprios cidadãos e/ou usuários.

1.3.5.2    Televisões comunitárias

Um dos elementos do sistema de radiodifusão público é a televisão comunitária que, no entanto, sequer existe na realidade normativa; há tão-somente as rádios comunitárias que enfrentam sérios problemas para sua consolidação democrática em nosso País, principalmente em razão da demora da administração pública em apreciar os pedidos de autorizações para funcionamento[103]. Por enquanto, existem apenas projetos de lei relativos à criação e à operação de televisões comunitárias[104].

Em respeito ao principio democrático que exige a democratização do setor audiovisual, impõe-se a extensão do regime aplicável às rádios comunitárias, com as óbvias e necessárias adaptações, à organização do setor de televisão por radiodifusão de âmbito comunitário.

Tal modalidade televisiva constitui um instrumento a serviço da realização de direitos fundamentais, dentre outros: a liberdade de expressão, direitos culturais, liberdade da informação, comunicação, etc.

De acordo com a Lei nº 9.612/98, o serviço de radiodifusão comunitária tem por finalidade o atendimento à comunidade beneficiada, sendo os seus objetivos os seguintes: dar oportunidade à difusa de ideias, elementos de cultura, tradições e hábitos sociais da comunidade; oferecer  mecanismos à formação e integração da comunidade, estimulando o lazer, a cultura e o convívio social; prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos serviços de defesa civil, sempre que necessário; contribuir para o aperfeiçoamento profissional nas áreas de atuação dos jornalistas com a legislação profissional vigente; e permitir a capacitação dos cidadãos ao exercício do direito de expressão da forma mais acessível possível[105].

Contudo, a atividade de radiodifusão desempenhada pelas associações de cidadãos não pode ser qualificada pelo legislador como um serviço público. É que esta noção está intimamente ligada à forma do Estado. Ora, a atividade realizada pela administração pública não se confunde com o exercício de direitos fundamentais, mediante os serviços de televisão por radiodifusão. O serviço público é uma das atividades assumidas pelo Estado, servindo precipuamente à concretização dos direitos fundamentais. Todavia, ele, em relação à televisão comunitária, deve limitar-se à realização das atividades de fomento e de polícia administrativa.

Em relação às televisões comunitárias há uma incompatibilidade congênita entre o modo de exercício direto de direitos fundamentais pela atividade de distribuição de sinais de TV para a comunidade com a noção de serviço público. Os direitos fundamentais não são objeto de delegação estatal; situação totalmente diferente é a exigência de uma autorização administrativa para permitir o acesso à atividade de radiodifusão e, por consequência, viabilizar o seu respectivo exercício. Em outras palavras, não deve ser confundido o suporte técnico para a realização direta dos direitos fundamentais pelos próprios cidadãos (serviço de televisão por radiodifusão) com a atividade estatal.

Além da necessária previsão legislativa, evidente que a implantação do serviço de TV Comunitária depende de sua viabilidade técnica e econômica. Certamente, haverá mais espaço no espectro eletromagnético para sua instalação fora das capitais brasileiras, eis que estas encontram-se  bastante congestionadas. Daí po que, provavelmente, ela encontrará terreno propício para florescimento nas cidades de médio e pequeno porte. E mais, deve-se definir o âmbito de cobertura de seu sinal de modo adequado e proporcional, com a proteção contra as interferências de outros sinais, sob pena de não ser alcançada a sua finalidade substancial que é a de assegurar a comunicação social de alcance comunitário. Ainda, deve-se garantir um regime de financiamento, com a possibilidade de publicidade comercial atrelada às receitas advindas do comércio local, juntamente com fundos públicos de apoio ao seu desenvolvimento[106].

O fator de identidade da radiodifusão comunitária é a titularidade, a gestão e o controle da parte da sociedade civil, de forma independente do Estado; daí a necessidade de, por exemplo, previsão estatutária de um Conselho Comunitário composto por diversos representantes da comunidade local, independentemente de entidades religiosas, familiares, governamentais e político-partidárias ou comerciais, nos moldes das rádios comunitárias. Nesse caso, deve ser proibida a participação de representantes do poder público em sua gestão e controle, razão pela qual não pode ser qualificada como televisão comunitária uma organização social, eis que ela, por força da legislação, necessariamente há de contar com agentes estatais[107].

Em síntese, o Estado brasileiro, até o momento, omite-se quanto à disciplina das televisões comunitárias; sequer há sinal de sua respectiva criação no decreto que trata do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, enquanto em outros países ela já é uma realidade.

1.3.5.3    Proposições

1.3.53.3.1 Medidas de operacionalização e articulação do sistema de radiodifusão público

Um dos caminhos apontados para assegurar maior autonomia às televisões educativas perante os governos é a sua qualificação como organizações sociais e, respectivamente, o seu enquadramento no sistema público não-estatal de radiodifusão. Contudo, atualmente, não há como obrigar do ponto de vista do direito positivo, que as unidades federativas que possuem as televisões educativas promovam tal transformação. Daí a proposta de lege ferenda para que um novo marco regulatório imponha respectiva operação ou, ao menos, estimule-a.

Cuida salientar que a finalidade do sistema público de radiodifusão pode ir além das emissoras de televisão públicas. Em outras palavras, ela pode ser realizada, mediante a previsão legislativa da obrigatoriedade de cessão de tempo de televisão das atuais empresas privadas de radiodifusão para as organizações sociais sem fins lucrativos, com o estabelecimento de benefícios fiscais para a execução de tal obrigação. Tal medida é justificada porque frequência do canal de televisão não é de propriedade privada, ao contrário, como visto, trata-se de um bem público de uso  da sociedade brasileira. Nesse caso, o sistema privado estará participando e colaborando com a efetivação do sistema público de radiodifusão em favor da democratização da mídia[108].

1.3.5.3.2 Conceito de televisão pública

Em razão do exposto, a televisão pública é uma das modalidades de serviço de televisão, integrante do sistema de radiodifusão público, caracterizada como um serviço público não-privativo do Estado, cuja função primordial é a execução de serviços sociais relacionados à educação, à cultura e à informação, realizada por organizações independentes do Estado, com a participação e o controle social, que não inegram a administração  pública e que não possuem fins lucrativos, submetidas a um regime de direito público de modo preponderante.

1.3.5.3.3 Revisão do conceito de televisão educativa

Do ponto de vista do direito positivo, faz-se necessária a revisão do conceito de televisão educativa, eis que desatualizado diante do processo de evolução histórico-social. O Decreto-Lei nº 236/67 dispõe que a “televisão educativa se destinará à divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferencias, palestras e debates” (art.13).

Evidentemente que não é possível limitar o papel educativo de uma emissora de televisão à veiculação de “aulas, conferencias, palestras e debates”, sob pena de comprometer a própria finalidade educacional. Daí por que tal regra há de ser revisada para garantir a autonomia à emissora de televisão para definir os meios pelos quais atenderá ao conteúdo educacional.

Além disso, defende-se que as televisões educativas no âmbito da radiodifusão não devem se restringir às universidades, tal como ocorre no modelo dos serviços de TV a cabo[109]. Pelo contrário, é imprescindível estender a faculdade de prestação de serviços às instituições de ensino superior. Em que pese a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional tratar, de modo diferenciado, a duas entidades, não existe razão jurídica que justifique a exclusão delas no sistema de radiodifusão público. Em outras palavras, a finalidade educacional, mediante a atividade de televisão por radiodifusão, pode ser atendida tanto pelas universidades quanto pelas instituições de ensino superior[110].

1.3.5.3.4 Compreensão de televisão comunitária

Por sua vez, a televisão comunitária é uma das modalidades de serviço de televisão, integrante do sistema de radiodifusão público, de baixa potência nos termos definidos em lei, cuja finalidade é a de assegurar a realização de uma comunicação de âmbito comunitário, em afirmação à cidadania e os direitos à liberdade de expressão, informação e de comunicação social, por organizações independentes do Estado, sem compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais.

1.3.5.3.5 Forma jurídica das entidades sociais: alguns critérios essenciais

Embora o direito positivo preveja a figura das organizações sociais, em relação ao serviço público não privativo de televisão por radiodifusão associado às televisões educativas, não há obrigatoriedade de adoção de tal modelagem. Contudo, se os Estudos mantiverem as referidas estações de televisão no âmbito de sua organização interna (exemplos: autarquias ou fundações públicas)[111], então  elas integrarão o sistema de radiodifusão estatal e não o sistema de radiodifusão público.

O critério essencial para o ingresso no sistema público é a independência diante do poder público, assegurada mediante a participação e controle social, particularmente o poder de auto-organização interna com a indicação de seus administradores e, sobretudo, a nomeação d seu Presidente.

Em princípio, é admitida a participação de membros diretos do governo, uma vez que o seu respectivo funcionamento dependerá de recursos públicos. Contudo, a presença de representantes estatais deve ser em caráter minoritário, assegurando-se o assento majoritário no conselho às entidades representativas da sociedade (exemplo: organizações sociais). Exceção à proposição da regra geral é o caso das televisões comunitárias, em que deve ser proibida a participação de representantes dos poderes públicos, para garantir a efetividade de sua autonomia.

Quanto ao aspecto organizacional, defende-se a adoção de um Conselho Consultivo da Programação, com representantes de segmentos representativos da sociedade, em garantia da pluralidade de ideias e de opiniões e a participação democrática em termos de programação de televisão[112].

Em sendo adotada a figura da organização social, necessariamente a relação entre o Estado e a televisão educativa será regida mediante os contratos de gestão. Estes consistem em um mecanismo que assegura o atendimento do princípio da eficiência da atuação da administração pública, com a otimização dos meios e recursos públicos voltados à prestação da referida atividade. Garante-se maior grau de liberdade na gestão, com o controle posterior dos resultados em termos de qualidade da programação de televisão.

Por sua vez, em sendo utilizada a forma da organização da sociedade civil de interesse público, a referida relação será disciplinada pelos termos de parceria, documento onde constarão as responsabilidades e obrigações das partes signatárias.

1.3.5.3.6 Financiamento das televisões públicas: educativas e comunitárias

Outra dificuldade é o financiamento do custeio das atividades das televisões públicas que, em regra, dependem de repasses orçamentários efetuados pelo governo.

Propõe-se, aqui, um sistema de financiamento misto. De um lado, a utilização de recursos orçamentários (federal, estaduais e municipais, dependendo da modalidade de serviço de televisão por radiodifusão), mediante a criação de fundos públicos especiais para a criação, manutenção e operação das atividades[113].

Ao lado das fontes estatais, devem-se prestigiar outros meios como, por exemplo, a cobrança de taxas sobre o consumo de aparelhos de televisão vendidos no País, a flexibilização nas regras de restrições à publicidade comercial, incentivo aos investimentos privados na programação educativo-cultural relacionados à sua responsabilidade social e a receita proveniente da remuneração paga pelas empresas comerciais pelo uso das frequências, licenciamento de produtos, prestação de serviços, etc[114].

Quanto ao aspecto tributário, a fonte de financiamento para o desenvolvimento d atividade televisiva pública pode ser ainda uma contribuição sobre uma parcela das receitas auferidas pelas televisões privadas com a venda do espaço audiovisual para publicidade ou um imposto sobre a venda de televisores[115].

1.3.6         Atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado)

1.3.6.1    Liberdade de radiodifusão

Em uma visão literal, a liberdade econômica até pode ser considerada como um fim em si, servindo aos interesses capitalistas dos proprietários e/ou controladores da empresa e de seus investidores. Nesse contexto, a regulação estatal serve apenas para tratar das falhas do mercado, especialmente quando surgem monopólios e/ou oligopólios. Contudo, tal entendimento sequer é o majoritário, mesmo em um dos países de acentuada tradição liberal como é o caso dos EUA[116].

No contexto de um Estado Democrático de Direito, a regulação estatal tem que garantir o justo equilíbrio entre o poder econômico das organizações da mídia e o poder político, sob pena de a liberdade dos meios de comunicação social tornar-se um fator de domínio da sociedade e de estrangulamento do sistema político. Aqui, a liberdade de comunicação deve não só favorecer os proprietários dos meios de comunicação, como também o público destinatário dos respectivos serviços, na qualidade de consumidores e de cidadãos.

A atividade de produção de conteúdo audiovisual pertence à livre iniciativa, ao passo que os serviços de distribuição dos sinais de televisão até o domicílio dos telespectadores por radiodifusão é classificado pela doutrina tradicional como uma das modalidades de serviço público privativo do Estado. Entretanto, propõe-se aqui um reexame da questão, com a adoção do regime privado para a exploração dos serviços de televisão por radiodifusão de natureza comercial, integrantes do sistema privado.

A proposta consiste na instituição de um regime de mercado favorável à liberdade de radiodifusão, esta compreendida como uma faculdade de desenvolver a atividade de transmissão de sinais de televisão pertencente aos agentes econômicos em um ambiente competitivo, com regras de proteção à concorrência, de combate aos monopólios e/ou oligopólios e de fomento à produção independente regionalizada, em regime de autorização administrativa[117].

A Lei nº 4.117/62 faz expressa referência à liberdade de radiodifusão, estabelecendo que os abusos em seu exercício serão punidos (art. 52). Ela prevê uma lista de hipóteses de configuração de abusos (art. 53). E, ainda, dispõe: “a autoridade que impedir ou embraçar a liberdade de radiodifusão ou de televisão, fora dos casos autorizados em lei, incidirá, no que  couber, na sanção do art. 322 do Código Penal” (art. 72).

Se, de um lado, é imprescindível evitar os abusos praticados pela liberdade de radiodifusão, também é necessário restringir os abusos estatais contra ela cometidos[118]. Daí, o importante papel da função regulatória desempenhada por uma agência reguladora autônoma, pra evitar o abuso do poder econômico e do poder político, em garantia do pluralismo econômico e político e do equilíbrio entre os sistemas de radiodifusão. Nesse sentido, uma das propostas aqui sustentadas é a atribuição a uma agência especializada da competência para regular o setor de radiodifusão, conforme exposição logo a seguir.

A liberdade de radiodifusão não assegura o direito de acesso às frequências necessárias para a prestação dos serviços de televisão. Trata-se de uma liberdade condicionada às referidas restrições constitucionais e à reserva de lei definidora de seu marco regulatório. Compete ao Estado a imposição do regime jurídico para a entrada e a saída dos operadores privados (afinal, o uso das frequências dos canais de televisão não pode ser eternizado nas mãos das mesmas empresas comerciais, havendo necessidade de renovação do cenário audiovisual). No presente trabalho, propõe-se que o regime aplicável à atividade econômica de televisão por radiodifusão no sistema privado seja o da autorização administrativa.

A liberdade de radiodifusão funciona como um dos pilares de sustentação de uma sociedade democrática pluralista aberta, com a garantia da difusão plural do poder e da livre iniciativa individual e coletiva, enquanto fatores de dinamização dos vários sistemas sociais. De um lado, a sua dimensão negativa ou defensiva revela-se em face de ingerências estatais, assegurando-se a independência diante do poder político, mas também abrange a defesa contra interferências do poder econômico e social. De outro, a sua dimensão positiva implica a adoção de um marco legislativo adequado para seu respectivo exercício, com a previsão de regras materiais, de organização e procedimento[119].

Por sua vez, a liberdade de programação de televisão, que decorre da liberdade de radiodifusão, abrange a faculdade de organizar sequencialmente os conteúdos e os formatos dos programas audiovisuais destinados ao público. Vale dizer, ela compreende a liberdade de exibir dentro da programação de televisão quaisquer programas (de natureza informativa, formativa e de entretenimento), sendo que a decisão quanto ao conteúdo audiovisual compete à empresa de radiodifusão.

Evidentemente, o exercício da liberdade de programação pode ser limitado em razão da proteção garantida a outros bens. Entre as restrições, podem-se citar: o direito de resposta (art. 5ڎ, inc. V, CF); o direito de antena dos partidos políticos (art. 17, §3º, CF); o exercício da classificação indicativa dos programas de televisão conforme os horários, em defesa do público infantil e adolescente (art. 21, XVI, CF); limites à publicidade comercial (art. 220, §4º) [120].

A Constituição refere-se ao sistema privado de radiodifusão no art. 223, quando trata do princípio da complementaridade entre os sistemas de radiodifusão[121]. Considerando-se esse ponto de partida, será apresentada a proposta interpretativa de alteração do março regulatório, a fim de ser reconhecida a autonomia do sistema privado de radiodifusão[122], isto é, a configuração de uma verdadeira televisão privada, ainda que dependente de um ato de outorga estatal (no caso, a autorização administrativa), que explora uma atividade econômica em sentido estrito, com o objetivo de lucro, sob o regime de mercado, porém objeto de regulação estatal efetuada por uma agência reguladora[123].

Os fundamentos básicos constitucionais do sistema de radiodifusão privado são: a livre iniciativa (art. 170, caput, parágrafo único), a propriedade privada (art. 170, II) e o mercado interno como elemento integrante do patrimônio nacional (art. 219).

A Constituição no art. 21, XII, não promove diretamente o enquadramento de todas as modalidades de serviços por radiodifusão no âmbito normativo do conceito de serviço público. Pelo contrário, há plena margem de conformação legislativa quanto aos serviços de televisão que devem ser qualificados como serviços públicos privativos do Estado ou não privativos, bem como aqueles que podem ser classificados como atividades econômicas em sentido estrito. Aqui, parte-se do pressuposto de que não há uma oposição absoluta entre as categorias serviço público e atividade econômica em sentido estrito. Elas não se excluem mutuamente, ao contrário, possuem uma forte atração recíproca, cuja diferenciação reside no regime jurídico aplicado sobre os serviços por parte do legislador.

Em outras palavras, assiste ao legislador escolher entre a qualificação de atividade como serviço público ou submetê-la aos princípios  gerais da atividade econômica. Defende-se a submissão do serviço de televisão do sistema de radiodifusão privado à regulação estatal mais intensa do que em relação ás demais atividades econômicas em geral, justamente em razão de seu regime especial (arts. 221, 222 e 223 da CF).

Com isso, se, de um lado, a lei tem que respeitar a norma que trata da competência do poder público para prestar serviços públicos (art. 175), de outro, ela deve atender o núcleo essencial da livre iniciativa, protegido pela Constituição (art. 170, caput, parágrafo único). Então, compete ao legislador adotar uma medida de equilíbrio e de ponderação entre os bens constitucionais, sob pena de incorrer em excessos e desfigurar uma das duas categorias, qualificando os serviços prestados no âmbito do sistema privado como uma das modalidades de atividade econômica, com potencial lucrativo. Vale dizer, a norma que protege a livre iniciativa impede uma leitura expansionista, de modo a evitar a generalização da matriz clássica de serviço público para as mais diversas espécies de serviços de televisão.

Do outro ponto de vista técnico, o serviço de radiodifusão é uma das modalidades de telecomunicações, todavia, na dimensão jurídica há a distinção entre os dois setores por força da Emenda Constitucional nº 08/05.

Com a Lei Geral de Telecomunicações houve a relativização do conceito de serviço público de telecomunicações; na medida em que ela, em nenhum momento, emprega a expressão “serviço público de telecomunicações”, mas tão-somente vale-se das expressões “regime público” (art. 63) e “regime privado” (art. 126), logo, nada mais razoável do que a flexibilização da aplicação do conceito de serviço público à atividade de televisão por radiodifusão, estabelecendo os seus respectivos contornos. E mais, isto se justifica porque a própria Lei nº 4.117/62 também não se utiliza do vocábulo “serviço público de radiodifusão”.

Desde suas origens, o serviço de televisão por radiodifusão prestado gratuitamente à população pelas “televisões comerciais” apóia-se no financiamento do mercado publicitário. Há, portanto, um dado da realidade inegável: a presença da figura do mercado em relação aos serviços de televisão[124]. Aliás, a universalização da radiodifusão no País deu-se, justamente, pela atuação das forças econômicas privadas e não pela ação estatal. A análise da história brasileira, consoante apresentação feita no capítulo primeiro, mostra que o Estado sequer regula o setor de radiodifusão, de modo a prestigiar o princípio do Estado Democrático de Direito. Em verdade, falta a necessária disciplina do setor televisivo para que o mesmo funcione, ao menos, segundo as regras do mercado. Para além disso, é preciso democratizar o setor audiovisual, no sentido de serem ampliadas as estrutura de comunicação e a diversificação do conteúdo na programação de televisão. Em uma verdadeira democracia não há liberdade absoluta de mercado; ao contrário, cumpre ao Direito a tarefa de regulá-lo, a fim de compatibilizar seu funcionamento conforme as demais liberdades e direitos[125].

Por outro lado, não é mais admissível sustentar a tese da eliminação da propriedade privada dos meios de radiodifusão, eis que vedada pela própria Constituição. Esta qualificada a propriedade como direito fundamental (art. 5º, caput) que não pode ser objeto de Emenda Constitucional (art. 60, § 4º, IV) [126].

Porém, é perfeitamente legítimo o exercício da função reguladora do Estado, na forma do art. 174, da CF, com a edição de normas sobre os procedimentos de outorga das frequências, parâmetros técnicos, obrigações em favor do interesse público e fiscalização de seu respectivo cumprimento, com o objetivo de assegurar o equilíbrio dos sistemas privado e radiodifusão, especialmente prevendo as condições de entrada e de saída, como também os standars para a atuação dos agentes econômicos que prestam serviços de televisão de natureza comercial.

Aliás, a constitucionalização do setor de radiodifusão impõe um estatuto especial de restrição à livre iniciativa e à propriedade privada (arts. 220, II, 221, 222, 223), passível ainda de detalhamento por parte do legislador quando da revisão marco regulatório, nos termos ora propostos.

Reprise-se que a não qualificação do serviço de televisão comercial por radiodifusão como uma espécie de serviço público privativo do Estado não ocasiona o afastamento do Estado de sua responsabilidade quanto à adequada regulação do setor, inclusive mais intensa do que em relação  aos demais serviços privados, justamente porque se utiliza de um bem público (frequências radioelétricas) e sua prestação envolve fundamentais valores constitucionais.

1.3.6.2    Disciplina da propriedade privada

Quanto à questão específica da disciplina da propriedade privada, a Lei nº 4.117/62 dispõe que uma mesma pessoa não pode participar da administração ou da gerencia de mais de uma concessionária, permissionária ou autorizada do mesmo tipo de serviço de radiodifusão, na mesma localidade. Também, há a proibição do exercício da função de diretor ou gerente de concessionária, permissionária e autorizada do serviço de radiodifusão a quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial. Esta regra, no entanto, não impediu, na prática, que parlamentares fossem proprietários de inúmeras emissoras de rádio e televisão em nosso País[127].

Em relação à concentração econômica, em verdade, há um limite legal, um tipo de multiple ownership rule (regra sobre propriedade cruzada) do direito norte-americano[128], contido no Decreto-Lei nº 236/67, em relação às estações radiodifusoras de som e estações radiodifusoras de som e imagem. Contudo, ao contrário da regra originária do direito norte-americano, aqui é possível a acumulação por uma mesma entidade de emissoras de rádio e de televisão, dentro dos limites legais[129].

Em outras palavras, o próprio dispositivo normativo não impediu a concentração da propriedade privada, com a formação de grandes redes em território nacional, sendo que o limite legal jamais foi respeitado[130]. Na prática, as restrições legais não foram aplicadas em função da interpretação dada pelo Ministério das Comunicações que considera como entidade a “pessoa física”, desconsiderando o parentesco e ignorando as “redes” integradas com a “afiliação” contratual de emissoras que constituem subordinação “com a finalidade de estabelecer direção ou orientação única”. Desse modo, oficialmente, entendeu-se válido o fato de um único grupo ter participações direta no controle de, ao menos, 32 emissoras de televisão, como é o caso das Organizações Globo[131].

Curiosamente a lei nº 4.117/62 adotou parte do modelo norte-americano sem, no entanto, incorporar as regras de controle da concentração econômica da propriedade de emissoras de radiodifusão e de disciplina da influência das redes de TV sobre as emissoras afiliadas, em garantia do regime de competição e da diversidade de idéias. A referida lei não previu um órgão regulador nos moldes da Federal Communication Comission com  autonomia suficiente para normatizar e exercer a fiscalização do setor de radiodifusão. No Brasil, tem-se um modelo muito mais liberal em relação ao dos Estados Unidos da América do Norte, em termos de controle da propriedade privada dos meios de radiodifusão[132].

Conforme explicação de André Almeida, o Brasil, apesar de ter incorporado, originariamente no Código Brasileiro de Telecomunicações, o trustsheep norte-americano quanto á disciplina do espectro eletromagnético, não contemplou a maioria das regras norte-americanas que disciplinam a concentração da propriedade privada, para fins de garantia do regime de competição, bem como a diversidade das fontes de informações. O modelo legal dos EUA de regulação do setor de radiodifusão possui regras rígidas para evitar a concentração econômica das propriedades privadas, as quais, ao longo do tempo, tendo em vista as mudanças no cenário tecnológico e econômico, foram gradualmente sendo relativizadas[133].

Assim, o atual marco regulatório conduz às seguintes situações: (i) o proprietário de uma emissora de rádio ou TV pode ser dono de jornal diário na mesma área geográfica; (ii) esse mesmo radiodifusor pode ser ainda proprietário de mais uma emissora de TV em UHF (respeitado o limite de duas por Estado) ou pode acumular a propriedade de emissoras de rádio AM-FM, na mesma área geográfica, (iii) não há limitação para a duração dos contratos de afiliação, sendo possível às redes inserir quaisquer cláusulas nos respectivos contratos que lhes outorguem  poder para controlar índices de audiências das afiliadas, não havendo regra de controle de programação durante o horário nobre, nem mesmo regra que vede a participação das redes na produção e comercialização de programas[134].

A ausência de regras de controle do poder econômico no sistema de radiodifusão, com o objetivo de assegurar a concorrência saudável no mercado e o pluralismo de expressão de ideias e opiniões, é um sintoma do atraso brasileiro na democratização da comunicação social, comparativamente em relação aos países desenvolvidos[135]. Por essa razão, também, serão apresentadas algumas propostas concretas em relação a esse problema.

1.3.6.3    Participação estrangeira na mídia

A Constituição brasileira de 1988 em seu texto originário garantia o direito de propriedade privada das empresas de radiodifusão exclusivamente a brasileiros, restringindo-se inclusive a propriedade a propriedade de pessoa jurídica. A única exceção à regra consistia na participação societária de partido político ou de sociedade comercial, cujo capital pertencesse exclusiva e nominalmente a brasileiros. Competia, exclusivamente, aos brasileiros a responsabilidade pela administração e orientação intelectual da empresa de radiodifusão[136].

Em razão da crise econômico-financeira da mídia nacional (jornais e emissoras de televisão), foi permitida a entrada do capital estrangeiro, mediante a aprovação da Emenda Constitucional nº 36/2002, que alterou o art. 222. O novo dispositivo constitucional prevê a propriedade das empresas de radiodifusão por brasileiros ou por pessoas jurídicas constituídas sob a égide das leis brasileiras e que possuam sede no Brasil. Garante-se que, pelo menos, 70% (setenta por cento) do capital social total e do votante deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros, os quais deverão exercer obrigatoriamente a gestão das atividades e a definição do conteúdo da programação[137].

As empresas estrangeiras podem, em princípio, ser titulares de direitos fundamentais relacionados às liberdades comunicativas. Ocorre que existem bens protegidos constitucionalmente que justificam a restrição à presença da participação estrangeira na mídia brasileira. Entre eles, podem-se citar: a soberania nacional, a diversidade do patrimônio cultural brasileiro, a integração do mercado interno ao patrimônio nacional, os consumidores, a cidadania, a redução das desigualdades regionais e sociais.

Por isso tais bens não justificam uma intervenção estatal destinada ao fechamento do Brasil em relação às comunicações estrangeiras (ao conteúdo audiovisual estrangeiro) como ocorria no passado, em defesa da independência da pátria e segurança nacional. Contudo, é justificável um regime de maior restrição ao capital e à programação estrangeiros, em razão da proteção de valores culturais e políticos da sociedade. Por exemplo, a fixação de cotas de importação de programas de televisão é admissível para fins de proteção à indústria audiovisual nacional e a adoção de um regime de cotas, tal como faz o modelo francês[138].

1.3.6.4    Proposições

A proposta de qualificação do serviço de televisão por radiodifusão de natureza comercial como uma espécie de atividade econômica em sentido estrito, ainda que submetida ao regime de autorização administrativa, justifica-se na medida em que procura garantir o desenvolvimento do mercado audiovisual brasileiro. Não é admissível a disciplina do serviço de televisão por radiodifusão sem a reflexão em torno da produção audiovisual. Trata-se de assegurar a proteção ao mercado interno em prol do desenvolvimento cultural e socioeconômico do País, contribuindo com a realização dos objetivos da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 3º, CF.

Atualmente, não há como adotar-se um regime de mercado, submetido ao princípios gerais da atividade econômica, sem a aprovação de uma agência reguladora especializada no tema. No Brasil, a tradição das “televisões comerciais” é a de buscar, por meio de lobby, a imunidade em face do controle estatal, conforme já relatado no primeiro capítulo. Considerando o que se expôs, defende-se aqui um novo marco regulatório que contemple a possibilidade de exploração dos serviços de televisão por radiodifusão no regime público e no regime privado, este desenvolvido em favor da liberdade de radiodifusão no campo econômico.

É imprescindível que a legislação esteja voltada à garantia da competição no setor de radiodifusão, com a facilitação do acesso de novos competidores, assegurando-se a diversificação do conteúdo audiovisual. Assim deve ser porque o direito não pode criar eternas reservas de mercado para os atuais concessionários de serviços públicos. O serviço público não pode servir como um título justificador de um regime de reserva de mercado para poucos e grandes competidores. E mais, deve ser fomentada a cado para poucos e grandes competidores. E mais, deve ser fomentada a criação de novos fornecedores de conteúdo audiovisual. Somente com a ampliação do mercado é que serão criadas novas alternativas para os consumidores e cidadãos brasileiros, ainda mais agora no contexto da operação dos serviços de televisão baseados na técnica digital.

Sugere-se, aqui, a adoção de restrições legais à propriedade cruzada de diversos meios de comunicação social, isto é, evitar que um grupo econômico detenha vários veículos de comunicação (exemplos: rádio, TV, mídia impressa, telefonia, provimento de conteúdos, Internet, etc.), bem como o acúmulo de estações de televisão por um mesmo proprietário, baseado no critério da audiência (evitar a concentração horizontal que ocorre dentro do mesmo setor) [139].

As relações entre as redes nacionais de televisão e as emissoras afiliadas devem ser disciplinadas no novo marco regulatório, para evitar que as primeiras abusem de seu poder econômico perante as segundas (evitar concentração vertical de integração entre as etapas de produção e de distribuição) [140].

São necessárias medidas de fomento à produção independente, de caráter regional, com a imposição de um regime de tempo mínimo de programação, de incentivos fiscais, linhas de financiamento oficial, constituição de um fundo financeiro de apoio a novos projetos audiovisuais, entre outras[141].

Além disso, é preciso aprofundar as potenciais sinergias entre a televisão e o cinema nacional, de modo a permitir uma maior entrada de filmes brasileiros na programação das emissoras de televisão, com medidas de cooperação entre ambos os setores, com o fortalecimento do mercado interno, e a competição no mercado externo[142]. Nesse sentido, a adoção de um regime de cotas tem o condão de concretizar a realização desse objetivo de facilitar a conexão entre os dois setores de distribuição de conteúdo audiovisual.

Por outro lado, faz-se necessária a proteção do mercado audiovisual nacional contra os produtos importados, o que pode ser feito mediante a tributação e incentivos fiscais às empresas brasileiras que mais exibam conteúdo nacional. Alerte-se que não se trata de defender o fechamento do País à entrada de conteúdo audiovisual estrangeiro. Mas, sim, de sustentar o equilíbrio no mercado brasileiro, especialmente diante da presença maciça dos filmes estrangeiros na televisão por radiodifusão.

É imprescindível que a agência reguladora, cuja existência aqui se  defende ( no caso propõe-se que a Anatel desempenhe a atividade regulatória sobre o campo da radiodifusão), promova o equilíbrio entre a programação nacional das redes nacionais de televisão e a proteção do conteúdo local, tal como ocorre nos modelos francês e norte-americanos. A excessiva centralização na produção do conteúdo audiovisual deve ceder espaço para a descentralização do processo produtivo pelas mais diversas regiões do País, tudo isso visando à diversificação na oferta audiovisual. Daí por que, novamente, um regime de cotas imposto em proteção à produção audiovisual independente, de caráter regional, é um dos mecanismos sugeridos para o cumprimento dos princípios constitucionais relacionados à produção e à programação de televisão, especialmente aquele que trata da “promoção da cultura nacional e regional e estímulo da produção independente que objetive sua divulgação” (art. 221, II) e o que dispõe sobre a “regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei” (art. 221, III) [143].

Por último, é fundamental a oxigenação do sistema de radiodifusão privado com a implantação de um procedimento adequado de renovação do ato de atribuição do direito à exploração do serviço de televisão por radiodifusão, com a participação dos usuários dos serviços e demais cidadãos interessados. Atualmente, por força do disposto no art. 223, §2º, da CF, a não-renovação da concessão dependerá de aprovação de, no mínimo dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal. Na prática, ocorre a renovação automática das concessões, cujo prazo de vigência é de quinze anos, nos termos do art. 223, § 5º, da CF, para a prestação do serviço de radiodifusão, sem qualquer controle sobre o desempenho da atividade pela emissora de televisão[144]. Sugere-se a revogação do referido dispositivo constitucional, desconstitucionalizando a matéria, tornando-a passível de tratamento por lei, a fim de possibilitar o maior e o melhor controle sobre a atividade de televisão[145]. Nesse sentido, a renovação do licenciamento deve ser compreendida em termos republicanos de modo a acompanhar o processo de atualização tecnológico e publicístico do setor de radiodifusão. Deve-se evitar o perigo de cristalização do status quo do campo da comunicação social, o que atua como entrave ao surgimento de novos atores comunicativos e a consequente atribuição de privilégios ilegítimos aos operadores existentes[146].

1.4   Regime jurídico dos serviços de televisão

1.4.1     Regimes público e privado

No atual momento histórico, não deve prevalecer uma estrutura rígida do Direito, ao contrário, exige-se a sua flexibilidade para acompanhar a dinâmica social, ainda mais nos setores que abrangem a evolução tecnológica. No passado, via-se o direito público e o direito privado como universos separados e incomunicáveis. Atualmente, considera-se a interpretação entre ambas as esferas; as suas fronteiras encontram-se abertas à influencia recíproca, sendo imprescindível a comunicação entre os dois regimes jurídicos. Vale dizer, em vez de distanciamento, há a aproximação entre os dois ramos do direito que não pode passar despercebida pela doutrina[147].

Este trabalho propõe-se a demonstrar a viabilidade jurídica da aplicação dos regimes público e privado aos serviços de televisão, em termos similares àquela efetuada pela Lei Geral de Telecomunicações, conforme exposto anteriormente[148].

Em razão dessa assertiva, é importante ainda um estudo analítico de uma das propostas para a regulação dos serviços de radiodifusão e demais serviços de comunicação eletrônica de massas[149], preparada pela Anatel que previa o seguinte: “serviços de comunicação eletrônica de massa poderão ser prestados no regime jurídico público ou privado” (art. 11). Em seguida dispunha que os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens enquadravam-se no regime público, mediante a outorga  de concessão, permissão, autorização ou consignação de frequências (art. 44).

Além disso, o mesmo ato estabelecia as modalidades de serviços de radiodifusão: serviço de radiodifusão comercial (aquele que pode ser prestado com finalidade lucrativa), serviço de radiodifusão não-comercial (prestado por entidade sem fins lucrativos (art. 48, §1º, §2º)).

Esta última modalidade subdivide-se nas seguintes: serviço de radiodifusão educativa (aquele prestado com finalidade educativa), serviço de radiodifusão institucional (aquele prestado com finalidade de divulgar as atividades desenvolvidas pelos diversos poderes do Estado) e serviço de radiodifusão comunitária (aquele definido no art. º da Lei nº 9.612, de 19 de fevereiro de 1988), tudo conforme o art. 48, § 2º, I, II e III.

Por sua vez, o referido projeto quando trata da prestação dos serviços dispõe: “os serviços de radiodifusão comercial serão prestados mediante a outorga de concessão, aplicadas as disposições constitucionais pertinentes e as desta lei” (art. 49). Em seguida, ele prevê: “os serviços de radiodifusão institucional e educativa serão prestados mediante outorga de permissão, aplicadas as disposições da lei” (art. 50). E, quando for o caso de prestação direta pela União, haverá a consignação de frequência (art. 52).

A mesma proposta trata dos serviços prestados no regime privado, que são os seguintes: difusão de sinais via satélite, TV a Cabo, distribuição de sinais multicanal terrestre, distribuição de sinais multicanal via satélite e retransmissão de televisão (art. 100).

Por último, a autorização no regime privado é conceituada da seguinte forma: “autorização de serviço de comunicação eletrônica de massa no regime privado é o ato administrativo vinculado, expedido no exercício do poder de polícia, que permite a prestação de modalidade desse serviço desde que preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias” (art. 104).

Pelas razões aqui apontadas. Entende-se que o novo marco regulatório deve definir a escolha do regime jurídico, se público ou privado,  aplicável às diversas modalidades de televisão.

A matriz clássica do serviço público de televisão está alicerçada em torno dos seguintes elementos: universidade do serviço, produção e distribuição de conteúdo diversificado[150], gratuidade e, finalmente, ampla audiência.

Nesse contexto, os parâmetros para o regime público são, basicamente, os seguintes: concessão e/ou permissão, gratuidade (em principio), obrigações de universalidade e continuidade da prestação, programação generalista, distribuição de conteúdos diversificados, acesso prioritário às frequências, entre outros[151].

Em razão da aplicação da tecnologia digital, faz-se necessária a adaptação ao novo cenário audiovisual, com a flexibilização do regime jurídico de serviço público, especialmente com a possibilidade de pagamento e segmentação da audiência e maiores garantias em torno do pluralismo cultural[152].

Por outro lado, o regime privado caracteriza-se pelos seguintes elementos: autorização (com ato vinculado), princípios gerais da atividade econômica (exemplos: cobrança de preço e concorrência), programação segmentada, entre outros. Evidentemente que é necessária a realização de licitação para obtenção das frequências. Aqui, sugere-se a alteração da legislação para o fim de incluir a modalidade leilão como um dos mecanismos para a outorga das frequências e a flexibilização do procedimento de transferência das autorizações.

Embora a digitalização implique a revisão dos conceitos e dos paradigmas regulatórios, ela não pode representar uma igualdade estatutária entre a televisão pública e a televisão comercial. Conforme explicam, ao tratar do futuro do serviço público por difusão na era digital, Mónica Ariño e Christinan Ahlert:

A distinção entre radiodifusores públicos e comerciais torna-se crucial para a compreensão dos regimes de pluralismo. Assuntos referentes ao pluralismo e diversidade são dirigidos diferentemente dependendo da natureza do radiodifusor. Maiores exigência podem ser mais legitimamente impostas em relação aos radiodifusores que prestam serviço público (dimensão interna do pluralismo), mas podem ser dificilmente aplicadas aos radiodifusores comerciais que são inevitavelmente constrangidos por suas necessidades em termos de audiência[153]

A seguir, será verificada a visão crítica a respeito da aplicação do instituto da concessão ao serviço de televisão por radiodifusão, no âmbito da televisão comercial.

1.4.2          Reflexão sobre a utilização da concessão de serviço público ao sistema de radiodifusão privado

Os primeiros serviços públicos de natureza econômica surgiram com o progresso técnico e a primeira Revolução Industrial. Os dogmas liberais funcionavam como um obstáculo a que o Estado assumisse diretamente a execução dos serviços públicos, eis que seu papel se limitava à garantia do livre e espontâneo desenvolvimento da iniciativa privada[154].

O direito brasileiro inspirou-se no modelo francês de concessão de serviço público, no contexto histórico do século XX. Isso não quer significar que o direito brasileiro restringiu-se a reiterar, ao longo dos anos, a concepção francesa; ao contrário, houve a construção própria do instituto em nosso País.

As raízes históricas da concessão remontam às ideias de natureza da prestação (delegação de serviço público) e à forma de remuneração do particular[155]. Uma peculiaridade tradicional ao direito francês era o caráter intuitu personae da concessão de serviço público, o que justificava a discricionariedade na seleção do concessionário, sem qualquer procedimento de licitação pública[156]. Em verdade, atualmente, na França, não se adota o regime da concessão de serviço público em relação ao setor privado de televisão por radiodifusão, mas sim o regime de autorização[157].

Conforme a tradição jurídica brasileira, um dos instrumentos para a delegação do serviço público de televisão por radiodifusão à iniciativa privada é a concessão de serviço público[158]. Em sendo qualificada a atividade de televisão por radiodifusão como serviço público, então é aplicável o regime da concessão. Há uma associação direta entre o instituto da concessão e a noção de serviço público[159]. As concessões são formalizadas por meio de Decreto do Presidente da República, em conformidade com o art. 29 do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto nº 1.720/95) e, em seguida, encaminhadas para apreciação pelo Congresso Nacional. Elas são qualificadas como um contrato administrativo, cujo objeto é a delegação de um serviço aos particulares[160].

Anteriormente à Constituição de 1988, houve na história jurídica brasileira a controvérsia em torno da aplicabilidade do instituto da concessão e da autorização no âmbito dos serviços de radiodifusão, em relação ao anteprojeto de lei sobre radiodifusão, elaborado pela então Comissão Técnica de Rádio, na década de 50[161].

Em defesa da aplicação da concessão de serviço público no setor de radiodifusão encontrava-se Saint-Clair Lopes, elencando os seguintes argumentos: (i) a natureza do serviço de radiodifusão exige que o governo imponha obrigações aos prestadores; (ii) o ajustamento de tais obrigações se faz melhor pela modalidade contratual; e (iii)  é necessário um prazo adequado em razão dos investimentos de capitais na execução do serviço  para a montagem e a operação de instalações técnicas, mantendo-se  a estabilidade do negócio privado[162].

Segundo o autor, o serviço de radiodifusão não é um direito originário do indivíduo, mas sim do governo, razão pela qual, no exercício de prerrogativas administrativas, são impostas determinadas obrigações ao prestador do serviço. Para Saint-Clair Lopes:

  • o serviço de radiodifusão, por sua natureza, sofre restrições de toda sorte; o poder público exerce constantemente sua ação sobre a radiodifusão, ora através dos órgãos policiais na censura dos programas, ora por intermédio dos organismos técnicos que zelam pelo cumprimento da fiel execução do serviço de acordo com as prescrições aprovadas e com as normas internacionais adotadas pelo Brasil[163].

E, ainda, conforme o mesmo autor, “o serviço de radiodifusão não está condicionado, apenas, ao exercício de um direito; exige obrigações importantíssimas do usuário para com o Poder Público, já que a natureza do serviço a executar é nitidamente de interesse público” [164].

Ele prossegue no seguinte sentido: “A autorização, criando um direito que não existe em potencial no indivíduo porque não é condição dele e sim do Estado, não se coaduna com a importância da radiodifusão, mesmo que o ato do Executivo venha acompanhado de cláusulas e condições”. Apesar de todos os argumentos lançados em defesa da tradicional concessão, para Saint-Clair Lopes o referido anteprojeto de lei não alterava os princípios fundamentais do setor de radiodifusão. Ele disse que “era forçoso reconhecer que a modificação do sistema, entretanto, não alterava os princípios fundamentais da concessão, nem no tempo nem no espaço. Concessão ou autorização, qualquer delas seria outorgada a aprazo certo” [165].

Em sentido contrário, encontrava-se Odilon de Andrade, sustentando a aplicação da autorização aos serviços de radiodifusão, considerados por  ele como “serviços de utilidade pública” [166], defendendo o regime de autorização administrativa, com prazos determinados e variáveis, conforme a  complexidade técnica e o volume de investimentos privados necessários à execução do serviço[167]. Ele era favorável à autorização no caso do serviço de radiodifusão porque uma das características  essenciais da concessão era a fixação de tarifas maiores que as cobradas pela União por serviços similares; como não havia determinação de tarifas a serem percebidas dos usuários no caso dos serviços de radiodifusão não haveria como aplicar  concessão.

Por sua vez, na década de 70, Vicente Greco Filho salientou que, no âmbito internacional, a doutrina defendia o direito de utilização das  frequências do espectro eletromagnético como um direito originário da humanidade que preexiste ao reconhecimento formal feito pelo Estado. Tratar-se-ia de direito de comunicar-se, inerente à pessoa humana[168]. Em razão disso, ele afirmou que a doutrina dominante no direito administrativo era no sentido de que o regime aplicável à ordenação da utilização das frequências radioelétricas deveria ser sempre o da autorização e não o da concessão ou permissão[169].

Para o autor, o Estado soberano apropriou-se do espectro eletromagnético necessário à prestação dos serviços de radiodifusão, razão pela qual a concessão seria o instituto adequado á delegação da execução á iniciativa privada. Em outras palavras, ele reconhecia a importância do direito ao uso das frequências, para fins de prestação do serviço de radiodifusão,  como um direito originário da humanidade, entretanto, concluía que o Estado pode, em razão de sua soberania, disciplinar a organização  do setor de radiodifusão, mediante o instituto da concessão de serviço público[170].

Além da controvérsia doutrinária apresentada, é importante destacar que já na década de 70, no âmbito regulamentar da radiodifusão, houve o rompimento com a tradição do direito administrativo brasileiro ao tratar diferencialmente os institutos da concessão, permissão e autorização[171]. É que o Regulamento Geral do Código Brasileiro de Telecomunicações, aprovado pelo Decreto nº 52.795/63, dispunha que o conceito de autorização engloba a concessão (serviços de radiodifusão sonora de caráter nacional ou regional e de televisão) e a permissão (serviço de radiodifusão de caráter local) [172].

Em síntese, as visões opostas na tradição doutrinária, quanto à aplicação da concessão ou da autorização em relação aos serviços de radiodifusão, residem no seguinte: (i) de um lado, o instituto da concessão está associado à ideia de um contrato, em que se transfere um “um direito” do Estado para a iniciativa privada, o qual contém obrigações para ambas as partes (poder concedente e concessionário); porém garante a estabilidade das relações econômico-financeiras do empreendimento; (ii) de outro lado, a autorização está ligada à ideia de um ato administrativo de natureza precária e unilateral que permite o exercício de uma atividade privada[173].

Além disso, a problemática envolve os fundamentos e os limites de atuação do Estado em relação à organização e à prestação dos serviços de televisão por radiodifusão em face da sociedade, algo já analisado em item anterior.

Segundo Pedro Gonçalves. Na ótica do direito português, a doutrina tradicional parte da tese do condicionamento da técnica da concessão à prévia “monopolização estatal” da atividade. A permissa é de que ou a atividade é objeto de monopólio estatal ou a atividade é do setor privado. Ocorre que tal binômio não é correto na medida em que há tarefas administrativas, isto é, atividades públicas, que, por força de lei, a Administração

tem de exercer, mas que não lhe estão reservadas, não são um exclusivo seu – tais situações de concorrência, subsidiariedade ou complementaridade pública são aliás frequentes: é o que se passa com as atividades de televisão ou de radiodifusão, em que se exige  uma presença pública em concorrência com o sector privado […] [174] (grifo nosso)

 

No Brasil, como já afirmado, o instituto da concessão está associado a um serviço público privativo do Estado. Contudo, em razão da proposição da configuração do sistema de radiodifusão privado como uma atividade econômica em sentido estrito (e não mais como serviço público), a concessão torna-se com ele incompatível.

Por outro lado, em princípio, o concessionário é uma pessoa de direito privado dotado de liberdade empresarial. Entretanto, a concessão de serviço público tem sido utilizada para delegar a execução das atividades a pessoas públicas, integrantes da administração pública. De certa forma, tal prática corresponde ao desvirtuamento da finalidade originária da concessão que é justamente a de atrair a iniciativa privada e seus respectivos capitais. Pode-se dizer que se trata de uma “concessão atípica”. Em verdade, tal mecanismo representa uma forma de cooperação ou coordenação entre organizações pertencentes à Administração Pública e não uma forma de colaboração entre o poder público e a iniciativa privada[175].

Conforme explicação de Calixto Salomão Filho, a tradição do direito brasileiro, tal como o direito continental europeu, é a de utilizar a técnica de serviço público como principal instrumento de regulação da economia, acompanhado do regime de direito público, este na forma da concessão de serviço público. A ideia de concessão nasce da  impossibilidade material de o Estado prestar todos os serviços públicos (em regra, por falta de recursos econômicos): daí decorre o chamamento da iniciativa privada a partir do pressuposto da viabilidade de os agentes econômicos servirem ao interesse público e de o Estado controlá-los, mediante o regime de direito público.

Assim, supõe-se que o regime de direito público ofereça mais vantagens do que o regime de mercado, com o estabelecimento de fins públicos para os agentes particulares. Entretanto, a experiência brasileira tem mostrado que a eficácia da ação dos particulares prestadores de serviços públicos é limitada e o controle estatal sobre a concessão é insuficiente[176].

Existem fortes razões jurídicas para a flexibilização do modelo de concessão de serviço público como regra geral no âmbito dos serviços de televisão por radiodifusão (sistema privado), o que afirma a partir da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, em conformidade com a evolução histórico-social.

Na interpretação clássica, a finalidade da concessão de serviço público é a de transferir uma atividade estatal potencialmente lucrativa à iniciativa privada, para que a mesma por sua conta e risco, mediante a cobrança de tarifa dos usuários, execute a prestação dos serviços ao público em geral; contudo, no serviço de televisão por radiodifusão não há essa cobrança de preço diretamente dos usuários[177].

A concessão do serviço público de televisão por radiodifusão não se amolda ao instituto clássico da concessão, pois a existência de prerrogativas administrativas em favor da organização, da disciplina e da fixação do conteúdo do serviço, naturais à concessão, é incompatível com o exercício da liberdade de comunicação social pelas emissoras de televisão. Em sendo o poder público o titular do serviço público, em caráter exclusivo, na concessão há o poder de ficar o conteúdo da prestação material, disciplinando inclusive a organização interna da gestão, daí a referida incompatibilidade congênita entre a concessão e o serviço de televisão por radiodifusão no âmbito do sistema de radiodifusão privado[178].

Além disso, tome-se, por exemplo, a hipótese de uma ação de indenização por danos morais (ofensa aos direitos da personalidade) proposta contra a União por ato de veiculação de programa televisivo veiculado por “concessionária”. É legítimo e razoável condenar a União pelos atos das emissoras de televisão comerciais que violem direitos da personalidade? Sustenta-se que não, pois não é razoável essa responsabilização quando se trata de televisões estatais e televisões educativas, mas não em relação às televisões em um novo marco regulatório.

Ademais, cuida-se salientar que a Lei de Concessões de Serviços Públicos não se aplica aos serviços de radiodifusão porque há disposição expressa nesse sentido (art. 41 da Lei nº 8.987/95). Ora, o serviço de  televisão por radiodifusão, em sendo objeto de concessão administrativa, não deveria  se submeter à lei geral das concessões de serviços públicos? Mesmo em se tratando de uma “concessão especial” os serviços de radiodifusão deveriam estar contemplados na lei geral sobre concessões, contudo não o foram.

Poder-se-ia objetar que, em vez da superação da concessão de serviço público de televisão, o melhor seria seu aperfeiçoamento e sua reestruturação, mediante um controle eficaz, com o estabelecimento de novas regras e a fiscalização eficiente de sua aplicação ao setor de radiodifusão. Porém, com aqui se propõe a qualificação legislativa dos serviços de televisão do sistema de radiodifusão privado como uma atividade econômica em sentido estrito, a aplicação da figura da concessão de serviço público torna-se  com ela incompatível.

A referida categoria jurídica é fruto de um determinado contexto histórico no qual foi construída, bem como utilizada em setores econômicos relacionados à infra-estrutura material do País (ex: ferrovias, portos, transportes, geração d energia elétrica, estradas, etc.). O setor de comunicação social por radiodifusão tem natureza especial porque trata de aspectos imateriais relacionados à soberania nacional, à identidade cultural, à educação, à informação, à afirmação da cidadania, etc., totalmente dissociados do uso clássico que se fez da concessão administrativa.

A seguir, serão vistas as razões que justificam a utilização do instituto da autorização aos serviços de televisão por radiodifusão.

1.4.3         Aplicação da autorização administrativa no sistema de radiodifusão privado

Propõe-se aqui a flexibilização legislativa do modelo clássico de utilização da concessão de serviço público no âmbito do sistema de radiodifusão privado. Tal proposição não pressupõe que sejam errôneos os conceitos, ora vigentes, na doutrina e na legislação brasileira. O objetivo é o de apresentar uma contribuição ao ordenamento jurídico, de modo a promover a dinamização do sistema de comunicação social por radiodifusão.

Tradicionalmente, a doutrina brasileira defende que a autorização é um ato administrativo praticado pela Administração Pública, unilateral, discricionário e precário e que, em regra, remove o obstáculo ao exercício de uma atividade material ou à prática de um ato jurídico, com vistas a atender a um interesse do autorizado ou a um interesse público[179].

Em verdade, cumpre salientar que o termo autorização é utilizado com os mais variados significados. Trata-se de uma palavra polissêmica que exige, por essa razão, a delimitação de seu sentido, sob pena de comprometer a aplicação do próprio direito.

Sob determinado enfoque, sustenta-se a utilização da autorização para a execução de serviços públicos, como no caso dos serviços de fácil execução de incumbência da Administração que são transferidos aos particulares, porém em regra não condicionados à remuneração por tarifas (exemplo: manutenção de praças) [180].

Já sob outro ângulo, há o entendimento de sua aplicação quanto ao uso de bens públicos. Por exemplo, a utilização de uso privativo de uma parte de via pública para a instalação de uma banca de revistas de jornais[181].

Além disso, há aqueles que sustentam seu emprego nas hipóteses de exercício de liberdades e/ou direitos submetidos ao regime da polícia administrativa[182].

O ponto em comum na doutrina é a classificação da autorização como um ato administrativo unilateral, precário e discricionário[183].

No âmbito jurisprudencial, o pensamento no sentido da precariedade da autorização é ratificado pelos Tribunais, a exemplo do acórdão no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 22.665-3 (Distrito Federal. Recorrente: Cabotec Ltda. Recorrida: União Federal. Relator Originário: Min. Marco Aurélio, Relator para o Acórdão: Min Nelson Jobim) [184].

Especialmente, no campo da radiodifusão, a Lei nº 4.117/62 prevê o uso da figura da autorização, contudo, ela não apresenta uma definição do instituto[185].

No âmbito regulamentar, é que houve a definição da figura da autorização e da concessão. O Decreto nº 82.795/63, ao aprovar o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, dispõe o seguinte:

Autorização – é o ato pelo qual o Poder Público competente concede ou permite a pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, a faculdade de executar ou explorar, em seu nome ou por conta própria, serviços de telecomunicações, durante um determinado prazo (art. 5º, I).

Por sua vez, com redação estranha, o citado ato normativo estabelece o seguinte: “Concessão – é a autorização outorgada pelo poder competente a entidades executoras de serviços de radiodifusão sonora de caráter nacional ou regional e de televisão” (art. 5º, 3). Ademais, ele dispõe: “A outorga de autorizações para a execução de serviços de radiodifusão será feita através de concessões ou permissões” (art. 17). Há a previsão no sentido de que “todos os municípios têm direito de postular a concessão de radiodifusão, desde que haja viabilidade técnica” (art. 3º, §2º).

Quando se trata dos serviços de retransmissão e repetição de sinais de TV, a legislação refere-se à figura da autorização tanto para o caso das televisões comerciais quanto para o das educativas, na forma do art. 8º do Decreto nº 5.371/2005. Em outras palavras, as pessoas jurídicas de direito público interno e as pessoas privadas com finalidades lucrativas para executarem os serviços de retransmissão e de repetição dos sinais de TV dependem de uma autorização, formalizada em ato do Ministério das Comunicações (art. 16 do referido decreto).

Além disso, quanto à prestação de serviços de transmissão e repetição de sinais de televisão pelo setor estatal, há o seguinte dispositivo normativo: “As outorgas a Estados e Municípios serão deferidas mediante atos de autorização pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado das Comunicações, conforme o caso, e serão formalizadas por meio de convênio a ser firmado no prazo de sessenta dias” (art. 1º, 10, do Decreto nº 2.108/96, que altera o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, aprovado pelo Decreto nº 52.795/63).

Vale dizer, o referido Decreto nº 52.795/63 careceu de técnica ao fazer a confusão entre as definições de autorização e concessão[186].

No presente trabalho, propõe-se a aplicação da autorização no âmbito do sistema de radiodifusão privado, cujo significado está atrelado à ideia de ato administrativo vinculado aos pressupostos legais para a sua expedição (requisitos objetivos e subjetivos), garantindo a segurança jurídica para a realização de investimentos privados para a execução dos serviços, conforme modelo adotado pela Lei Geral de Telecomunicações.

Nesse sentido, essa lei prevê o seguinte: “autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativo vinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidade de serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias” (art. 131, §1º) [187].

A introdução do citado artigo da Lei nº 9.472/97 inaugurou forte polêmica no direito administrativo brasileiro.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta que a autorização para a prestação de serviços de telecomunicações não pode ser um ato vinculado, eis que a noção de serviço público é incompatível com a natureza vinculada da outorga efetuada pela administração pública. A autora, ainda, entende pela possibilidade de uma autorização para a prestação de serviço outorgada no interesse do executor. Nesse caso, ela afirma que rigorosamente não se trata de um serviço público. Daí por que a autora inclusive defende a inconstitucionalidade do referido dispositivo normativo[188].

Mas há aqueles que defendem a legitimidade da utilização da autorização no campo dos serviços de telecomunicações. É o caso de Almiro do Couto e Silva, segundo o qual o artigo da lei que assegura a autorização como ato vinculado encontra-se em perfeita harmonia com a Constituição. Para ele, “não se deve, entretanto, confundir a ‘autorização’, ato de delegação de serviço público, com ‘autorização’ de certas atividades que, embora possam ter a aparência de serviço público, não implicam satisfação de interesses gerais ou coletivos (e, por isso mesmo, não é serviço público),  mas visam a atender, exclusiva ou principalmente, interesses privados”[189].

Pra Marçal Justen Filho: “concedem-se serviços públicos; autorizam-se serviços privados. Obviamente, são distintos entre si os regimes jurídicos de autorização, permissão e concessão” [190]. Segundo o autor, a autorização é incompatível com a existência de um serviço público[191].

Em que pese a respeitável opinião do autor, entende-se que é possível, em princípio, a coexistência  do serviço público com o regime de autorização. É o caso, por exemplo, de serviços administrativos de fácil execução realizados por particulares[192].

Todavia, em relação á específica questão do uso da autorização quanto aos serviços de televisão por radiodifusão algumas observações precisam ser feitas.

Como já afirmado, um dos objetivos aqui é negar a qualificação dos serviços de televisão no sistema de radiodifusão privado como serviço público privativo do Estado. Diante disso, trata-se de uma modalidade de serviço de televisão por radiodifusão que não é necessariamente um serviço público, e cuja atuação por particulares submete-se a uma fiscalização estatal mais rigorosa, no regime privado, caracterizado pela autorização administrativa.

Tal proposição serve ao objetivo de garantir a dinamização do mercado, com a adequada regulação dos serviços de televisão por radiodifusão e o fomento à produção audiovisual, para fins de diversificação dos operadores dos respectivos serviços e a multiplicidade dos programas oferecidos aos consumidores e cidadãos brasileiros, reforçada, ainda, pela implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital.

A utilização da autorização, aqui defendida, justifica-se ainda mais pelo fato de a execução dos serviços de televisão por radiodifusão envolver a utilização de frequências integrantes do espaço eletromagnético, um bem público por força de qualificação legislativa (art. 157 da Lei nº 9.472/97). Por essa razão, entende-se mais adequada esta figura do que a concessão administrativa. E mais, outro motivo consiste na estruturação de um ordenamento jurídico voltado mais à realização de direitos do que ao exercício de prerrogativas estatais[193].

A seguir, será analisada a incidência dos princípios relacionados à produção e à programação das emissoras de rádio e de televisão por radiodifusão, aos outros meios de comunicação social eletrônica.

1.4.4         Extensão dos princípios da produção e programação da radiodifusão à TV por assinatura e aos demais serviços de televisão

Com a Emenda Constitucional nº 36/2002, foi estendida aos “meios de comunicação social eletrônica” a aplicação dos princípios originariamente relacionados à produção e à programação do setor de radiodifusão.

O dispositivo diz o seguinte: “os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais” (§3º do art. 222, CF).

Tal norma está vinculada ao caput  do art. 222 que preceitua o seguinte:

A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.

Diante no novo dispositivo constitucional resta saber se a expressão “meios de comunicação social eletrônica” aplica-se à televisão por assinatura e aos outros meios de comunicação que transmitam programação de TV, para fins de verificação da incidência dos princípios do art. 221 da CF.

Em uma interpretação ampla, a expressão “meios de comunicação social eletrônica” designa todo e qualquer meio de comunicação social que adote uma técnica eletrônica incluindo, além dos meios clássicos de radiodifusão (rádio e televisão), os diversos veículos de comunicação, como por exemplo, as empresas jornalísticas que exibam conteúdo audiovisual, as empresas de acesso á Internet, empresas de TV por assinatura (cabo, DTH, MMDS, etc.) e as empresas de telecomunicações que ofereçam conteúdo análogo ao da programação de televisão tradicional.

Por outro lado, é possível uma interpretação restrita do termo “meios de comunicação social eletrônica”. Para tanto, é necessária a delimitação do alcance da referida norma, restringindo-se o universo dos meios de comunicação social que podem ser qualificados como “meios de comunicação social eletrônica”,  afastando-se o estado de insegurança jurídica na aplicação do direito.

Para eliminar o quadro duvidoso quanto ao alcance do  dispositivo constitucional, foi elaborada a Proposta de Emenda nº 55/2004, de autoria do Senador Maguito Vilela, com o objetivo de alterar o art. 222, a fim de equiparar o regime jurídico das empresas jornalísticas e de radiodifusão com as empresas de acesso à Internet e de empresa que explore a  produção, programação ou o provimento de conteúdo de comunicação social eletrônica dirigida ao público brasileiro, por qualquer meio e independentemente dos serviços de telecomunicações. Contudo, tal emenda foi arquivada ao final da legislatura[194].

Diante da problemática, uma das possíveis soluções quanto à aplicação dos princípios relativos à produção e à programação das emissoras de rádio e de televisão (art. 221, CF) é a utilização  de uma interpretação por analogia. Nesse sentido, todos os serviços análogos à atividade de radiodifusão, esta caracterizada pela transmissão de programas e de programação de televisão, estarão submetido aos referidos princípios constitucionais. Todos os serviços de televisão assemelhados aos serviços de televisão por radiodifusão, que envolvam a “comunicação de massa” ou “comunicação social”, e que sejam executados por intermédio de uma programação de televisão, estariam submetidos ao mesmo estatuto. Por questões de isonomia haveria a igualdade na aplicação do direito aos serviços de televisão análogos. Como explica Luís Roberto Barroso: “[…] se outras plataformas oferecem os mesmos serviços, suscitam automaticamente as mesmas preocupações associadas à radiodifusão, referentes à soberania nacional, “a opinião pública, à cultura nacional e à responsabilização” [195].

Entende-se que a extensão do regime originário da radiodifusão relacionado aos princípios do art. 221 aos serviços de televisão por assinatura é razoável, eis que ambos tratam da atividade de televisão, ainda que seja diferente a tecnologia adotada. O ponto em comum é o conceito restrito de televisão, conforme mencionado no capítulo primeiro. O objetivo constitucional de proteção ao conteúdo voltado à apresentação de programas com “preferencia a finalidades educativas, artísticas, culturais e informais” deve alcançar não só a televisão aberta, como também a televisão por assinatura. Não importa o meio tecnológico utilizado para a difusão da programação de televisão, mas sim as finalidades substanciais que justificam a incidência do referido catálogo de princípios[196].

Portanto, a televisão por assinatura, em se tratando de um “meio de comunicação social eletrônica”, encontra-se submetida aos mesmos princípios aplicáveis à radiodifusão (art. 221 da CF), instituídos em defesa do “conteúdo brasileiro” na programação de televisão, editado em razão da soberania nacional em termos culturais perante a programação estrangeira[197].

Por outro lado, a extensão desse regime à Internet, às empresas jornalísticas on line e às empresas de telecomunicações não é de todo adequada em função das diferenças técnicas e do alcance social de cada veículo. Em princípio, tais empresas transmitem conteúdo audiovisual por diversos meios: computador; redes de telefonia e aparelhos de telefones celulares, etc.

Todavia, não é possível confundir o serviço de distribuição de vídeo com os serviços de televisão, sendo que estes estão baseados nos conceitos de programas e programação, conforme apontado no primeiro capítulo.

Além disso, por exemplo, a distribuição de programas ou programação de televisão pelos aparelhos celulares, cuja característica básica é a mobilidade, não possui as mesmas condições de recepção que a prestação dos serviços de televisão pelo aparelho tradicional, logo não se justifica o mesmo regime. Assistir programação de TV por celular não é a mesma situação que assistir à programação em casa pelo aparelho convencional!

Todavia, em se tratando de transmissão de programação de televisão por outros meios que não a técnica da radiodifusão ( e não os serviços de distribuição de vídeos) a extensão do regime da radiodifusão afigura-se, em princípio. Aplicável haja visto os objetivos constitucionais (art. 221 da CF).

Com efeito, em virtude da finalidade substancial relacionada à produção e à programação de conteúdo audiovisual, é razoável supor que todos os meios que prestem serviços de televisão estejam a ela vinculados. Contudo, é imprescindível a flexibilidade quanto à aplicação do regime jurídico, sob pena de comprometimento do desenvolvimento e universalização das novas tecnologias. Daí porque se defende que o futuro marco regulatório defina parâmetros mínimos para que a autoridade reguladora promova a aplicação do regime aos novos meios de prestação de serviços de televisão.

Além do aspecto quanto à proteção ao conteúdo audiovisual, é importante destacar que um dos motivos principais para a restrição mais intensa dos serviços de televisão por radiodifusão é a utilização de frequências radioelétricas: um bem público naturalmente escasso. Logo, todos os novos meios de comunicação que não dependam do espaço eletromagnético devem, em tese, receber menos restrições às suas respectivas atividades.

Em termos estruturais, a regulação desses serviços de televisão pelos novos meios de comunicação social há de ser feita não nos mesmos moldes daqueles atribuídos à radiodifusão em sua dimensão tradicional, especialmente quanto ao conteúdo audiovisual. Não é possível comparar a natureza e o alcance desses veículos com os clássicos meios de radiodifusão, daí por que a analogia deve ser feita com muita cautela sob pena de restringir excessivamente a liberdade de iniciativa. Toda e qualquer restrição estatal em relação às novas tecnologias há de observar o princípio da proporcionalidade.  E mais, saliente-se que a eficácia do §3º, do art. 222, da CF, está condicionada à edição de lei específica para definir os contornos para sua aplicação.

1.4.5         Concretização da exigência de meios legais em defesa da pessoa e da família diante da programação de televisão e efetivação dos princípios da produção e programação de televisão (arts. 220, §1º, e 221, incisos I a IV, CF)

Não obstante quase 20 anos da promulgação da Constituição do Brasil, até o momento, não foi regulamentado o artigo 220, §1º, que trata do dever legislativo de estabelecer os meios legais em defesa da pessoa e da família perante programas ou programações de televisão, nem o art. 221,  que abrange os princípios da produção e programação das emissoras de televisão, que são os seguintes: preferencia a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, promoção da cultura nacional e regional  e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação, regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais definidos em lei e respeito aos valores  éticos e sociais da pessoa e da família[198].

Nesse aspecto, a legislação do setor (Lei nº 4.117/62) é insuficiente para atender aos objetivos constitucionais, razão pela qual o presente trabalho apresenta algumas proposições quanto à alteração da legislação para a concretização das referidas normas constantes no art. 220, § 1º, e 221, incs. I a IV, da CF.

Quanto à efetivação da garantia de meios legais de proteção à pessoa e à família perante os serviços de televisão (art. 220, §1º, CF), propõe-se o seguinte:

a)      Estabelecimento em lei dos direitos e deveres dos usuários, tal como já ocorre na lei que trata dos serviços de televisão a cabo e na lei geral de telecomunicações, no âmbito dos três sistemas de radiodifusão;

b)      Fomento do poder público à formação de associações de cidadãos em defesa dos direitos relacionados a uma programação de televisão de qualidade, mediante a atuação em procedimentos administrativos e processos judiciais;

c)       Imposição de canais de comunicação entre as emissoras de televisão e os telespectadores (exemplo: a figura do ombudsman) [199];

d)      Estímulo à participação procedimental (exemplos: a consulta pública para elaboração do plano de alocação de frequências, procedimentos de outorga e renovação, etc.) e a participação perante os órgãos voltados à execução e à regulação de serviços relacionados ao setor de radiodifusão (exemplos: televisões públicas; estatais e privadas, CONAR, agência reguladora, etc), especialmente com a otimização da Internet;

e)      Transformação do Conselho de Comunicação Social em verdadeiro fórum republicano para a discussão dos temas sensíveis relacionados à democratização da mídia brasileira, com a alteração da lei que o instituiu, a fim de ampliar a presença de grupos da sociedade, modificando, portanto, a sua modelagem atual de caráter corporativo;

f)       Extensão do direito de resposta para a proteção de bens coletivos e interesses sociais a entidades legítimas, em sentido análogo ao art. 82 do Código de Defesa do Consumidor (exemplo: Administração Pública, Ministério Público, Organizações não governamentais) [200]

g)      Incentivo à adoção pelas emissoras de televisão de códigos deontológicos quanto ao exercício profissional, particularmente no campo da informação jornalística (exemplo: garantia da imparcialidade e o principio da presunção de inocência do acusado no tratamento de notícias envolvendo fatos de repercussão criminal);

h)      Especialização no âmbito dos Ministérios Públicos estaduais para tratamento dos meios de comunicação social, em moldes similares ao grupo de trabalho sobre comunicação social criado pelo Ministério Público Federal (Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos);

Por outro lado, quanto à efetivação do art. 221, incisos I a IV, da CF,  são apresentadas as seguintes proposições:

a)      Quanto à preferencia da produção e programação das emissoras de televisão por finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

a.1) previsão de um regime de tempo mínimo para a difusão de conteúdo educacional[201], artístico, cultural e informativo;

a.2) a diminuição dos custos de transmissão para programas educacionais, artísticos, culturais e informativos nas televisões comerciais, com regras de incentivo fiscal;

a.3) incentivos para a exibição de programas educacionais vocacionais à educação infanto-juvenil, com a imposição de quotas mínimas de exibição desse conteúdo e a realização de programas de educação para a mídia;

b) promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

b.1) imposição de um regime de quotas obrigatória de exibição em obras audiovisuais de valorização à cultura brasileira e de caráter regional, com a fixação do dever de realizar investimentos mínimos na compra de conteúdo audiovisual de produção por terceiros e abertura de espaços na programação para a difusão de filmes nacionais;

c) regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

c.1) sugestão similar ao item anterior, com a adoção de um regime de quotas mínimas obrigatórias em termos de produção de conteúdo audiovisual de caráter cultural, artístico e jornalístico, voltadas á correção do desequilíbrio do setor audiovisual, acentuadamente centralizado no Sudeste, com a imposição de percentuais de produção própria, de âmbito local e regional, pelas redes nacionais de televisão e emissoras afiliadas;

c.2) articulação da disciplina jurídica da televisão com o aproveitamento da legislação de fomento à cultura, com a produção regional da parte das próprias emissoras de televisão e produtora independentes;

c.3) investimentos estatais diretos no processo de produção de conteúdo audiovisual (exemplo: fomento ao turismo);

c.4) criação de fundos especiais de investimento na produção e na distribuição de conteúdo audiovisual regional;

c.5) limitação á participação estrangeira na mídia, com o estabelecimento de produção mínima de programação em território nacional, com a contratação de profissionais brasileiros;

d) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família;

d.1) previsão em lei de determinados bens a serem protegidos que estejam em direta conexão com o princípio da dignidade da pessoa humana, como, por exemplo, restrições aos programas com cenas de violência e sexo, e programas de caráter sensacionalista, para fins de especial atenção ao público infanto-juvenil, como também o estímulo à adoção de códigos de conduta pelas emissoras de televisão.

Todos os princípios mencionados aplicam-se aos três sistemas de radiodifusão. Contudo, a incidência não é homogênea em virtude da natureza de cada um dos referidos sistemas.

Por exemplo, certamente a norma que impõe o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família aplica-se às televisões comerciais, públicas e estatais. Todavia, o principio que trata da preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas deve ser respeitado com mais rigor nos sistemas público e estatal do que em relação à televisão comercial. É que esta, em razão de sua própria natureza, depende para sua sobrevivência da pluralidade mercantil. Logo, um dos mecanismos para atrair a atenção d audiência é a veiculação de programas com entretenimento. Assim, sem dúvida alguma, ela está obrigada às referidas finalidades constitucionais, porém não no mesmo grau de autonomia privada em relação á liberdade de programação.

Outro exemplo consiste no descabimento de exigir das televisões comunitárias, cuja vocação é o âmbito local, o cumprimento da regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei.

Por essas razões, compete à lei a definição do marco regulatório adequado para a concretização dos referidos princípios.

A seguir, será verificada a proposição concernente à necessária instituição de uma agência reguladora dos serviços de televisão por radiodifusão.

1.4.6         Atribuição da competência regulatória sobre os serviços de televisão por radiodifusão à Anatel

Renove-se a assertiva de que um dos principais problemas do Brasil em termos de democratização da televisão é a deficiente regulação estatal, eis que o interesse da sociedade brasileira. Conforme lições do professor Fábio Konder Comparato: “[…] a regulação do sistema de comunicação como um todo, incluindo nesta era de multimídia o conjunto dos canais de telecomunicação por via telefônica, tornou-se, no presente, uma matéria constitucional por sua própria natureza”[202].

Em função disso, torna-se necessária a respectiva regulação, por intermédio de uma agência autônoma dos serviços de televisão por radiodifusão, em relação ao poder político (especialmente, o poder do governo – Presidente e Ministério das Comunicações) e do poder econômico (empresas de mídia nacionais e internacionais e agências de publicidade)[203].

Aqui, adota-se uma postura crítica diante da separação promovida de modo circunstancial pela Emenda Constitucional nº 08/95, entre os setores de telecomunicação e radiodifusão, defendendo-se a modificação do ordenamento jurídico, para atribuir a competência regulatória à ANATEL sobre os serviços de televisão por radiodifusão. Deste modo, permite-se a relativização da separação entre os dois universos, promovendo-se alguns passos em direção à aproximação recíproca.

A medida, ora proposta, justifica-se pelas seguintes razões (i) o processo de convergência de tecnologias e de prestação de serviços em matéria de comunicações eletrônicas requer a unidade regulatória; 9ii) evita-se a confusão entre a atribuição de competências para as distintas entidades o que compromete a segurança jurídica; (iii) aproveita-se a experiência da ANATEL em termos de regulação setorial sobre os serviços de telecomunicações; (iv) facilita-se a adoção de uma política nacional de comunicações diante da internacionalização da mídia; (v) a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, em razão de sua própria dinâmica requer um órgão especializado no tratamento das questões técnicas que lhe são subjacentes: e, finalmente, (vi) os demais serviços de televisão por assinatura já se encontra sob a jurisdição da referida agência.

Nesse contexto, algumas alterações no direito positivo precisam ser feitas tanto na Constituição Federal quanto na legislação infraconstitucional.

Defende-se, aqui, a proposta de modificação do ordenamento jurídico brasileiro, na forma d emenda constitucional, alterando-se o art. 223, §§1º, 2º, 3º, e o art. 49, XII, da CF, para atribuir as competências então conferidas ao poder Executivo e ao Poder Legislativo (ato de outorga, ato de renovação e ato de não-renovação) e ao Poder Judiciário 9ato de cancelamento do ato de outorga), à ANATEL, dotada de plena autonomia em face do poder político e do poder econômico, com a participação da cidadania brasileira nos procedimentos de outorga, renovação, entre outros. A atribuição de competência regulatória à referida agência em relação ao setor de radiodifusão só tem sentido se ela dispuser de poder de outorga, normatização e fiscalização em relação às emissoras de televisão por radiodifusão.

Além disso, deve-se alterar a Lei Geral de Telecomunicações, a fim de conferir tal competência á ANATEL, transformando-a em uma Agência Nacional de Comunicações. Ora, se há um Ministério das Comunicações, nada mais razoável do que a existência de uma agência especializada em matéria de comunicações, independentemente da tecnologia adotada. Ao Ministério competirá a elaboração da política pública em matéria de comunicações, enquanto à agência caberá a definição e a execução da política regulatória. Nesse sentido, o modelo, ora proposto, aproxima-se da experiência da Federal Communications Comission dos EUA, sob análise no capítulo terceiro, que tem por objeto justamente todas as modalidades de serviços de comunicações, independentemente da plataforma tecnológica adotada.

No atual momento histórico, entende-se como inconveniente a criação de mais uma agência especializada unicamente no setor audiovisual.

De fato, o conteúdo audiovisual é objeto de tratamento especial pela Constituição, razão pela qual ela impõe um estatuto específico. Contudo, isso não exige necessariamente uma agência especializada somente no setor de comunicação audiovisual.

Portanto, é perfeitamente possível atribuir à ANATEL a regulação em termos de conteúdo audiovisual. É que a separação entre a regulação da infra-estrutura e do conteúdo audiovisual acaba enfraquecendo a própria proteção a este último. Em regra, quem detém os meios de comunicação é que determina quais os conteúdos que serão veiculados pelas redes de difusão. No Brasil, a disciplina das redes há de ser feita em harmonia com o tratamento dos conteúdos audiovisuais, sob pena de ineficiência. Um dos mecanismos para neutralizar o poder dos proprietários e/ou controladores das redes é a promoção da regulação, em conjunto, em favor da produção do conteúdo audiovisual. Com isso, minimiza-se o risco de o controlador da rede impor condições excessivas para o transporte de conteúdo audiovisual de outros concorrentes[204].

Sintetizando-se, em vez de separação entre setores de telecomunicações e radiodifusão, deve ocorrer uma aproximação entre os mesmos justamente em razão do processo de convergência, ainda mais acentuado pela implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital.

1.5               Reflexos do Sistema Brasileiro de Televisão Digital sobre o regime jurídico dos serviços de televisão por radiodifusão

1.5.1         Ausência de previsão normativa do conceito de serviço de televisão por radiodifusão

O Decreto nº 5.820/06[205] trata da implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) na plataforma de transmissão e retransmissão de sinais de radiodifusão de sons e imagens. Ele não contempla, em verdade, um conceito de serviço de televisão digital, apenas estabelece a seguinte definição de Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T): “conjunto de padrões tecnológicos a serem adotados para transmissão e recepção de sinais digitais terrestres de radiodifusão de sons e imagens”. E, ainda, faz referência aos “serviços integrados de radiodifusão digital terrestre” (ISDB-T – Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial) (art. 2º).

O referido ato normativo em seu art. 4º dispõe: “o acesso ao SBTVD-T será, assegurado, ao público em geral, de forma livre e gratuita, a fim de garantir o adequado cumprimento das condições de exploração objeto das outorgas”.

Não há, no entanto, identificação de quais são os “serviços integrados de radiodifusão digital terrestre”.

No modelo tradicional, uma emissora de televisão, em razão de obter um ato de outorga, presta serviços de radiodifusão de sons e imagens. Ela não presta serviços de acesso á Internet, eis que estes não são classificados como radiodifusão, mas como serviços de telecomunicações. Resta saber se o novo marco regulatório da televisão  digital permitirá que a própria operadora dos serviços de televisão ofereça novos serviços ou se ela estará proibida de fazê-lo. Portanto, é essencial a distinção entre o serviço básico de televisão por radiodifusão e as outras decorrentes da televisão digital[206].

Isso tudo pressupõe a adoção de um conceito normativo de televisão, tal como visto no capítulo jurídico incidente sobre atividade de radiodifusão.

1.5.2         Definição do objeto do ato de outorga: a questão dos serviços de televisão digital de alta definição e/ou de definição padrão

Uma questão central na definição do marco jurídico de ordenação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital consiste no objeto da outorga que afeta o conteúdo do regime da concessão, permissão ou autorização.

Conforme a legislação em vigor, o objeto do ato de outorga do serviço de radiodifusão na forma analógica inclui o direito de uso da faixa de frequências de 6MHz, o que permite a transmissão de uma única programação pela emissora de televisão. Evidentemente que, havendo necessidade em razão do interesse público na realocação das frequências, não há que se falar em “direito adquirido” ao uso do bem público.

Por outro lado, com a aplicação da técnica digital, por intermédio dessa mesma faixa de frequências, torna-se possível a transmissão de múltiplas programações de televisões[207].

O Decreto nº 5.820, de 29 de junho de 2006, prevê a transmissão digital em alta definição (HDTV) e em definição padrão (SDTV) [208].

O problema que se coloca consiste no fato de a transmissão digital em alta definição ocupar uma faixa muito maior de frequência do espectro eletromagnético. Quer dizer, quanto melhor a qualidade da imagem no receptor, maior a utilização da capacidade de transmissão do espectro de frequências. Ademais, a recepção do sinal na forma HDTV depende de um aparelho televisor digital, cujo custo hoje é ainda elevado no Brasil,  o que é um fator impeditivo do acesso à maioria da população brasileira.

A utilização da transmissão HDTV permite uma excelente qualidade de imagens e sons para os respectivos usuários, contudo ela acaba impedindo a utilização da faixa de frequências de 6MHz para os outros usos possíveis voltados à democratização da comunicação social, particularmente para a prestação de outros serviços de interesse público ou interesse coletivo. Em vez da realização da complementaridade dos sistemas público e estatal na radiodifusão, o governo omite-se em adotar medidas para criar alternativas diante da hegemonia das televisões privadas.

Uma vez que lhes foi conferida a faixa de 6MHz, as emissoras de televisão privadas estão fazendo investimentos em favor da transmissão de suas programações no padrão HDTV em detrimento de eventual utilização do padrão SDTV.

A transmissão digital no padrão SDTV garante um cenário de multiprogramação, o que favorece a maximização da diversidade de conteúdos audiovisuais. De fato, tal modalidade de transmissão promove a alocação do recurso radioelétrico para um número maior de operadores e de programações audiovisuais.

A análise da experiência estrangeira demonstra a adoção de uma fase de transição caracterizada pela transmissão simultânea na forma analógica e digital e a possibilidade do formato HDTV. Nos EUA, a escolha quanto à forma de transmissão de televisão digital encontra-se no âmbito da liberdade empresarial das emissoras de televisão por radiodifusão.  Na França, há também a forma HDTVm porém lá a política pública em torno da televisão digital voltou-se ao pluralismo da mídia, mediante a entrada de novos operadores privados e públicos, assegurando-se, ainda, ao setor público o acesso prioritário ao recurso radioelétrico[209].

Aqui, em razão dos objetivos da República Federativa do Brasil,  do regime de direitos fundamentais (liberdade de expressão, informação, comunicação, direitos culturais, etc.), soberania nacional, defesa do patrimônio cultural brasileiro, interesses dos consumidores, redução das desigualdades regionais, vedação ao oligopólio  e monopólio dos meios de comunicação social, principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão, não é admissível a priorização, em caráter absoluto, da transmissão digital no padrão HDTV. Não é razoável que a televisão digital seja reduzida à HDTV, sob pena de perder-se uma oportunidade histórica para a democratização do acesso de novos operadores e a abertura da diversificação do conteúdo audiovisual,  protegidos pelos princípios constitucionais relativos à produção e à programação das emissoras de televisão, especialmente para assegurar a efetivação dos sistemas de radiodifusão estatal é público.

Compete à lei a definição do marco regulatório de modo a compatibilizar a transmissão digital no padrão HDTV com as necessidades da sociedade de acesso aos meios de comunicação que possibilitem o exercício das liberdades comunicativas, estabelecendo-se os respectivos limites. Até porque os benefícios decorrentes da implantação de uma nova tecnologia devem ser compartilhados pela sociedade, não podendo ser apropriados exclusivamente pelas empresas de radiodifusão. Daí a imperiosa harmonização com a permissão da liberdade empresarial em escolher o padrão HDTV ou SDTV, porém obrigando-se ceder parte de sua capacidade excedente de transmissão para que outras entidades ofereçam diversos serviços (educacionais, informativos, telemedicina, etc) [210].

Certamente, a entrada de novos competidores no mercado de televisão por radiodifusão no cenário digital significará uma maior disputa em relação às receitas decorrentes do mercado publicitário. É um fator a ser considerado no novo marco regulatório do setor em razão da necessidade de investimentos para a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Entretanto, isso não significa a outorga de privilégios para as atuais empresas de radiodifusão, pois conforme disposto na própria legislação em vigor, “concessões de autorizações não têm caráter de exclusividade” [211].

É inadmissível em um Estado Democrático de Direito que haja a reserva, seja por decreto, seja por lei, do mercado de televisão por radiodifusão aos atuais “concessionários”. Aqui, o princípio da concorrência incide com toda sua força normativa e exige a regulação do mercado de modo a permitir, dentro do máximo possível, o acesso de novos competidores, especialmente, a participação de operadores públicos e estatais no cenário audiovisual brasileiro[212].

1.5.3         Instituição do operador da rede de difusão: a distinção entre as atividades de transporte de sinais e de programação audiovisual

Na visão tradicional, o serviço de televisão por radiodifusão envolve as atividades de produção de conteúdo audiovisual, a transmissão do sinal de televisão (áudio e vídeo) e a recepção do sinal por aparelhos  de televisão. O paradigma de organização é a concentração das atividades de produção de conteúdo audiovisual, transmissão dos sinais (operação da rede de difusão) e programação audiovisual (edição dos programas de televisão) em poder da “concessionária”. Tais atividades pressupõem, ainda,  a adoção de técnicas específicas para a realização da comunicação de um ponto para milhares de pontos espalhados pelo território nacional,  o que se faz mediante a emissão e a transmissão do sinal por antenas terrestres e satélites, com a utilização do espectro eletromagnético[213].

Com a digitalização, é possível fragmentar o setor de radiodifusão em atividades especializadas, isto é, separar o serviço de transporte de sinais de televisão e a atividade de programação audiovisual. Em razão da mutação tecnológica, torna-se viável romper o paradigma tradicional e instaurar um novo modelo fundado na fragmentação das atividades do setor de radiodifusão, conforme suas especialidades. Com isso, separam-se as atividades de produção audiovisual, operação da rede de difusão e programação audiovisual[214].

A operação e o funcionamento do serviço de televisão por radiodifusão depende de uma infra-estrutura material de transmissão configuradora de uma rede de difusão. Em relação a essa questão existem duas possíveis soluções.

A primeira consiste em deixar cada prestador do serviço de televisão encarregar-se da construção de sua própria rede para transmitir o conteúdo audiovisual para a área de cobertura. Trata-se da alternativa tradicional adotada na transmissão analógica de televisão que está articulada em torno das emissoras de televisão e estações afiliadas, repetidoras e retransmissoras.

A segunda consiste na criação da figura do operador de rede como o responsável pela infra-estrutura de transmissão (pública ou privada, esta, porém, cujo uso esteja condicionado ao interesse público); e, consequentemente, pela oferta de capacidade de transporte de sinais (alternativa adotada na Europa para a transmissão digital de televisão)[215].

Com a configuração de um operador de rede, cada emissora de televisão recebe o espaço necessário para veicular seu conteúdo, e, como a tecnologia viabiliza a diminuição do espaço utilizado, o excedente é automaticamente redistribuído para a entrada de novas emissoras. Nesse contexto, as emissoras transmitem seu sinal para uma única antena titularizada e gerida por uma empresa independente, sem ligação  com as emissoras, e fortemente fiscalizada pela agência reguladora, que combinará os sinais no espaço disponível e os transmitirá em um único  feixe para as residências daquela área de cobertura. Em tese, pode-se proibir que uma empresa de telecomunicações ofereça esse tipo de serviço, a fim de evitar que ela  prejudique a concorrência no setor.

A importante função do operador de rede consiste em assegurar o fracionamento do canal de 6MHz, a fim de colocar várias programações de diferentes estações de televisão, no espaço que hoje é ocupado pela programação de uma única emissora. O serviço prestado volta-se exclusivamente ao transporte de programações de terceiros, sendo vedada ao operador de rede a veiculação de programação audiovisual própria. A remuneração decorre da prestação de serviço de transporte de sinais caracterizadores de programações audiovisuais dos diversos operadores que atuam no setor de radiodifusão[216]·.

Nessa modelagem, a rede de difusão configura, na terminologia da doutrina, uma essential facilities para a prestação de serviços de televisão digital. Garante-se o acesso integral à rede pelos diversos operadores no mercado, assegurando-se uma efetiva competição na oferta de serviços. O titular da rede está obrigado a franquear o acesso à empresas interessadas no transporte dos sinais de televisão e de outros sinais,  permitindo o oferecimento das diversas programações ao público. Assim, a rede, embora possa ser de titularidade privada, é qualificada como de uso público[217].

Adota-se o princípio open network provision, isto é, o princípio básico de funcionamento das redes públicas como redes abertas a todos os prestadores de serviços, inclusive operadores estatais e públicos. Trata-se de um principio que assegura o compartilhamento do uso da infra-estrutura para fins de transmissão dos sinais de televisão[218]. Deve-se obrigar que o operador de rede carregue (regras must carry), sem qualquer cobrança, os sinais de televisão emitidos por operadores públicos e estatais, reduzindo o custo global do funcionamento dessas emissoras, e garantindo, na prática, o princípio da complementaridade entre os sistemas de radiodifusão.

Aqui, propõe-se, em favor da concretização do principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão, a separação da atividade de transporte do serviço de programação audiovisual e a adoção pelo futuro marco regulatório da figura do operador de rede.

1.5.4         Direitos dos consumidores

Com a televisão digital, surge o problema relacionado à recepção do sinal de televisão por radiodifusão. É que a recepção do sinal na forma digital depende da compra pelo consumidor de um aparelho de televisão moderno que já possua condições tecnológicas para receber o sinal digital ou da compra de um aparelho conversor.

Ocorre o custo tanto do aparelho de televisão digital quanto do conversor ainda está muito elevado. São poucos os brasileiros que possuem recursos financeiros para arcar com o elevado preço desses bens eletrônicos. Além disso, por enquanto o sinal digital está sendo transmitido apenas para a cidade de São Paulo; os demais municípios brasileiros recebem apenas o sinal tradicional na forma analógica. E mais, a maioria dos conversores atuais em pouco espaço de tempo estará defasada do ponto de vista tecnológico.

Tanto a propaganda oficial do governo federal quanto a publicidade da mídia não têm oferecido informação adequada e suficiente para os consumidores em relação ao sistema de televisão digital. Apenas aqueles que possuem acesso a Internet, jornais e revistas é que têm maiores condições de compreender a televisão digital. Vale dizer, a quase totalidade dos consumidores não tem informações verdadeiras e adequadas.

Ora, um dos eixos basilares da política nacional de consumo é o princípio da educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo, conforme disposto no art. 4º, IV, do Código de Defesa do Consumidor.

Além disso, alguns direitos básicos do consumidor consistem: na educação e divulgação sobre consumo adequado dos produtos e serviços, garantida a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações, a informação adequada e clara sobre diferentes produtos e serviços, com a especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre riscos que apresentem, e a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, nos termos do art. 6º, II, III e IV, da Lei nº 8.078/1990[219].

Portanto, é dever do poder público, dos fabricantes, dos distribuidores e redes de varejo que vendam aparelhos de TV e das emissoras de televisão a correta informação a respeito do sistema de televisão digital, a fim de facilitar a vida dos consumidores brasileiros. Estes, sentindo-se prejudicados pela falta de informações adequadas que possibilitem o ato de consumo, podem acionar os causadores dos danos ao seu patrimônio pessoal.


[1] SOARES, R., op. cit., p. 126.

[2] Este é um tema conexo à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ver: SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito:  os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005. P. 52-53.

[3] Ver BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 641-652; DI PIETRO. Direito administrativo, p. 112-113. Para Odete Medauar: “os elementos comuns às atividades qualificadas de serviço público são os seguintes: a) vínculo orgânico com a Administração. […] a.1) presunção de serviço público –  quando a atividade prestacional é exercida pelo poder público presume-se que se trata de serviço público; a.2 relação de dependência entre a atividade e a Administração ou presença orgânica da Administração; […] b) quanto ao regime jurídico, a atividade de prestação é submetida total ou parcialmente ao direito administrativo, mesmo que seja realizada por particulares[…]” (MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p.315).

[4] Cf. Odete Medauar: “No tocante ao serviço público, o saber quando e por que uma atividade é considerada serviço público, se coloca no plano da concepção política dominante, da concepção sobre o Estado e seu papel; é o plano da escolha política que pode estar fixada na Constituição, na lei tradição” (MEDAUAR. Serviço público. Revista de Direito Administrativo – RDA, p. 109) Ainda conforme a autora: “Portanto, diferentemente do que Vedel considerou para o direito francês, a noção de serviço público no Brasil, é noção de relevo, sobretudo pelo tratamento conferido pela Constituição Federal ao tema. Assim, tem uma base constitucional” (p. 113).

[5] A Constituição é um sistema aberto de normas e princípios, sendo que sua estrutura encontra-se em interação com a realidade, razão pela qual ela está capacitada à percepção das mudanças que acontecem ao seu redor (Ver: CANOTILHO. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 1159). Trata-se de categoria “abertura” da Constituição, cujo sentido corresponde ao “deixar conscientemente por regular certas tarefas (incompletude material), ao optar por uma técnica normativa de normas abertas, princípios e cláusulas 9estrutura aberta das normas constitucionais) e ao aceitar a mudança ou mutação constitucional como fenômeno inerente à própria historicidade da vida constitucional (abertura ao tempo) […]” (Ver: CANOTILHO. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, p. 147). E, ainda, conforme Canotilho: “Como irá ver-se, ao discutir-se o problema da discricionariedade legislativa e da liberdade de conformação do legislador, muitas das conclusões do presente trabalho acabam, no seus resultados práticos, por se mostrar concordantes com uma das ideias centrais da ‘abertura’ constitucional: a impossibilidade teórica, metódica e prática de reduzir a legislação a uma contínua e reiterada tarefa de ‘execução constitucional’”. (Conferir: CANOTILHO. Constituição dirigente e vinculação do legislador. contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, p. 147).

[6] Conforme Marçal Justen Filho: “O conceito de atividade econômica em sentido estrito delineia-se, portanto, sobre os princípios da exploração empresarial, da livre iniciativa e da livre concorrência. Pressupõe que os sujeitos possam organizar os fatores da produção para obtenção de resultados não predeterminados pelo Estado, com apropriação privada do lucro” (JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 32).

[7] Segundo Alexandre Aragão: “O marco regulatório dos serviços públicos, portanto, dentro desta perspectiva, não visa a evitar mudanças nas regras que o compõem, mas sim a estabelecer os direitos básicos das partes, os requisitos, as instituições (preferencialmente autônomas em relação ao poder político) e procedimentos pelos quais estas mudanças deverão se operar” (ARAGÃO. O marco regulatório dos serviços públicos. Interesse Público, p. 74).

[8] Trata-se de expressão utilizada pelo Ministro Celso Mello do STF. Ver: ADIN nº 561-9.

[9] Ver Lei nº 4.117/62.

[10] Ver: site na Internet do Ministério das Comunicações: www.mc.gov.br. Acesso em: 02 dez. 2006.

[11] Para Fábio Konder Comparato: “A titularidade, em direito, é uma relação de pertença, posse ou dominação. O termo ‘titular’, que não configura nos dicionários tradicionais da língua, parece uma criação do meio brasileiro, quando significa, justamente, senhor ou possuidor. Mas, já na linguagem jurídica lusitana atual a titularidade se define como ‘o nexo de pertença efectiva de um direito a certa pessoa […]. Na relação de titularidade, o título não é uma causa jurídica qualquer de exercício de direitos, mas a pertença desses direitos a alguém. Titular, ou possuidor legítimo, por conseguinte, é somente o senhor e possuidor desses direitos” (COMPARATO. Direito empresarial: estudos e pareceres, p. 70).  Em que pese o respeitável entendimento, aqui, a expressão titularidade será empregada para designar o fenômeno que envolve o exercício de competências estatais, pois entende-se que o Estado é titular de competências na forma da Constituição, porém não sendo titular de direitos subjetivos e/ou direitos fundamentais.

[12] Cf. Segundo José Afonso da Silva: “[…] O serviço público é, por sua natureza, estatal. Tem como titular uma entidade pública. Por conseguinte fica sempre sob o regime de direito público. O que, portanto, se tem que destacar aqui e agora é que não cabe titularidade privada nem mesmo sobre serviços públicos de conteúdo econômico, como são, por exemplo, aqueles referidos no art. 21, XI e XII, que já estudamos quando comentamos o conteúdo desses dispositivos” (Curso de direito constitucional positivo, p. 775-776). Para Gaspar Ariño Ortiz, o conceito tradicional de serviço público implica a reserva da atividade enquanto tal em favor do Estado (ou de outra Administração Pública), desde o momento mesmo de sua declaração como serviço público; a atividade deixava de ser privada para converter-se em tarefa pública (ARIÑO ORTIZ. Principios de derecho público económico, p. 538).

[13] Trata-se da recepção no direito brasileiro da ideia de serviço público decorrente da cultura europeia. Cf. Dinorá Grotti: “Serviço público e publicatio (passagem à titularidade do Estado) aparecem, assim, indissoluvelmente ligados na cultura jurídica europeia de raiz francesa, diferentemente do que sucederá nos países anglo-saxões” (GROTTI. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988, p. 25).

[14] Como explica Odete Medauar: “A competência para prestação de serviços públicos decorre da repartição de competências previstas na Constituição Federal. Além dos serviços públicos de competência exclusiva, há serviços concorrentes (por exemplo, assistência médica) e serviços passíveis de delegação” (MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p.317).

[15] Ver Curso…, op.cit., p. 651.

[16] Há quem sustente que a criação de novos serviços públicos depende de uma emenda constitucional, vedando-se ao legislador tal tarefa (AGUILAR. Controle social de serviços públicos, p.129).

[17] Parecer publicado na Revista do Instituto Brasileiro de Estudos das Relações de Concorrência e de Consumo, v.8, n.7, p. 124-125, 2001.

[18] BASTOS; TAVARES. As tendências do direito público no limiar de um novo milênio, p. 660.

[19] JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 39.

[20] GONÇALVES. A concessão de serviços públicos, p. 38.

[21] GRAU. Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 138.

[22] BANDEIRA DE MELLO, Parecer, p. 124-2-125.

[23] Cf. VALLE, op.cit., p.85.

[24] Cf. o autor: “Assim, a defesa dos interesses das empresas genuinamente nacionais em confronto com interesses de empresas pertencentes a grupos estrangeiros é um consectário natural de uma ordem jurídica soberana. De resto, é o que fazem todos os países desenvolvidos do mundo e até mesmo os subdesenvolvidos que mantêm um mínimo de consciência de seu próprio existir como povo independente” (BANDEIRA DE MELLO, Parecer, p. 128).

[25] GRAU, op.cit., p. 139. E mais, segundo Celso Bastos e André Tavares: “Considera-se como serviço público essencial, que é então repassado aos particulares, por meio de concessão, permissão ou autorização estatal”. “[…] esse serviço desempenha uma função pública, no sentido de que há de contribuir para a formação de opiniões dos cidadãos de maneira objetiva” (As tendências do direito público no limiar de um novo milênio, p. 660).

[26] MEDAUAR, Direito administrativo moderno, p. 316.

[27] GRAU. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 11.ed. ver. e atual., p. 139-140.

[28] Nesse aspecto, a tarefa legislativa de disciplina dos sistemas de radiodifusão é imprescindível para a concretização dos direitos fundamentais, pois estes requerem organização jurídica se tornarem eficazes, tarefa essa essencial da parte do legislador (HESSE. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 247).

[29] STF. Tribunal Pleno. Representação nº 1.320-1 – Mato Grosso do Sul. Relator: Célio Borja. Julgado em 17 set. 19 set. 1986. Decisão publicada no DJ, 14 nov.1986.

[30] STF. Adin Nº 561-8, Distrito Federal. Relator: Min. Celso Mello. Requerente: Partido dos Trabalhadores. Requerido: Presidente da República. Julgamento em 23 ago. 1995, decisão publicada no DJ, 23 mar. 2001. Disponível em: <htpp://www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 dez. 2006. A título ilustrativo, o art. 21, XI, em sua formulação originária, previa o seguinte: “Art. 21. Compete à União […] XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob o controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União” (grifo nosso).

[31] Id.

[32] STJ. Primeira Seção. MS nº 5.307/DF (97.0054287-4_. Relator: Ministro Demócrito Reinaldo. Impetrante: Associação Nacional de Televisões Educativas e Comunitárias (ANTEC). Impetrado: Ministro de Estado das Comunicações. Acórdão publicado no DJ, 02 ago; 19 ago. 1999.

[33] TSE. Consulta nº 7.441 – Classe 10ª – Espirito Santo. Resolução nº 12.384, de 22 de outubro de 1985.Relaor: Ministro Carlos Velloso. Publicado no DJ, 07 nov. 1985. Cuida lembrar que o uso abusivo dos meios de comunicação social por candidatos ou partidos políticos pode implicar na cassação do registro do candidato ou cassação de seu diploma se porventura for eleito. Frequentemente, a Justiça Eleitoral depara-se com representações e ações contra a expedição de diploma de candidatos eleitos sob o fundamento do uso abusivo dos meios de comunicação social, com a potencialidade de influenciar o processo eleitoral e causar o desequilíbrio entre os candidatos, na forma do art. 22 da lei Complementar nº 64/90.

[34] Cf. GRAU, op.cit., p. 103-104. Para Almiro do Couto e Silva: “Sempre me pareceu discutível a distinção radical que muitos administrativistas brasileiros fazem em prestação, pelo Estado, de serviços públicos e de atividade econômica. Os primeiros estariam regidos pelo art. 175 da Constituição e a última pelo art. 173. Ora, essa separação absoluta – que melhor seria dizer oposição absoluta – entre as duas noções talvez tenha existido no século XIX” (SILVA, A. Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas por particulares. Serviço Público “À Brasileira”?. Revista de Direito Administrativo, p. 45-74). Em sentido contrário, encontra-se Odete Medauar, segundo a qual: “A n osso ver, não parece adequado ao ordenamento brasileiro, considerar o serviço público como atividade econômica” (Serviços públicos e serviços de interesse econômico geral. In: FIGUEIREDO NETO, Diogo de (Coord.). Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo. Obra em homenagem a Eduardo Garcia de Enterría. Anais do Seminário de Direito Administrativo Brasil-Espanha. Rio de Janeiro: renovar, 2003. P. 125).

[35] Segundo Renato Alessi: “A noção de serviço, em verdade, é sem dúvida alguma originária do campo da ciência econômica, na qual essa cumpre a função de designar, e enumerar os elementos produtores de utilidade, qual atividade e prestações pessoais que são em termos produtivos em oposição aos bens naturais” (ALESSI. Le Prestazioni Administrative: Rese Ai Privati, p. 7).

[36] Aqui, entendem-se os princípios como mandamentos de otimização, nos termos da formulação de Robert Alexy. Ver Teoria de los derechos fundamentales, p. 86-87.

[37] A título ilustrativo, o Senador Artur da Távola, “deputado constituinte”, comenta a respeito da inclusão do principio da complementaridade no texto da Constituição de 1988: “[…] Parecia-me que, havendo um equilíbrio na concessão, se alcançaria o pressuposto da democratização nos meios de comunicação. Então, criei ali a figura da complementaridade do sistema. Eu era Relator e criei esta figura, que a autorização, a concessão, a permissão para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens observasse o principio de uma complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Estávamos inovando, a meu ver, em primeiro lugar, para a criação do sistema público que até então não existia configurado em lei. Havia o privado e havia o estatal. Ao mesmo tempo, eu tinha na mente, não era, digamos assim, assunto do conhecimento específico dos demais Constituintes, porque não estavam trabalhando diretamente sobre a matéria, eu tinha em mente, como eu era o Relator também do capítulo de educação e cultura, de que lá no capítulo da educação, criamos, para o conceito de escola pública, algo que escapasse ao exclusivo conceito de escola estatal como definição de escola pública. […] a ideia da instituição pública que não é necessariamente estatal, desde que sem fins lucrativos, desde que comunitária, desde que filantrópica. […] o modelo privado, com sua energia, com seu marketing etc; o modelo estatal, com obrigações de uma política estatal na comunicação; não necessariamente com a atual política do governo; e o modelo público, que justamente teria dentro de si um conjunto, uma pluralidade de natureza ideológica e controlar lhe as emissões; […] Parecia-me que a complementaridade garantiria a oferta. Mas, infelizmente, até hoje nenhum governo observou esse princípio. […] Sintetizando, a Lei Maior, ao criar a complementaridade dos sistemas, deu o instrumento que o Poder Executivo não utiliza. Ele não tem feito outorgas do ponto de vista da complementaridade do sistema. Que universidades, instituições da sociedade e organizações ligadas a profissionais do setor têm ganho? Nada” (SENADO FEDERAL. Comissão de Educação, Subcomissão de Rádio e Televisão. Ata da 4ª Reunião Ordinária, da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 51ª Legislatura, realizada em 9 de setembro de 1999).

[38] A palavra complementaridade decorre do verbo complementar, o qual decorre do latim complementum, cujo significado originário é completar (CUNHA. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa, p. 201).

[39] Acerca das possíveis significações do princípio do pluralismo, ver item específico no capítulo quarto sobre o direito francês.

[40] Cf. Vital Moreira, o conceito operacional de regulação econômica é estruturado a partir das ideias de “estabelecimento e a implementação de regras, para a atividade económica destinadas a garantir o seu funcionamento equilibrado, de acordo com determinados objetivos públicos” (MOREIRA, op.cit., p.34).

[41]Acerca do tema, Floriano de AZEVEDO Marques Neto explica o seguinte: “A moderna noção de regulação conduz a ideia de equilíbrio dentro de um determinado sistema regulado. Como já dito, a regulação busca equilibrar os interesses internos com um sistema econômico (um setor ou uma atividade econômica). No entanto, o equilíbrio que busca a regulação também poderá envolver a introdução de interesses gerais, externos ao sistema, porém que deverão ser processados pelo regulador de forma que sua consecução não acarrete a inviabilidade do setor regulador” (MARQUES NETO: Entes reguladores: instrumentos de fortalecimento del Estado, p. 13). A partir das lições do autor, é importante considerar que a regulação em questão deve considerar todos os interesses dos sistemas de radiodifusão (privado, público e estatal). E, também, verificar os interesses externos  ao setor de radiodifusão, particularmente os interesses dos usuários, consumidores, cidadãos, produtores de conteúdo audiovisual, setores de imprensa e de edição, sistema de ensino, etc. Ademais, o sistema de radiodifusão deve se relacionar com o sistema político, a fim de garantir devidamente o pluralismo político em relação aos meios de comunicação social.

[42] Em uma perspectiva restrita da regulação, que aqui não se adota, segundo Floriano de Azevedo Marques Neto, “a regulação buscaria exclusivamente garantir o equilíbrio do mercado, coibindo práticas distorcidas dos agentes econômicos. Buscaria apenas corrigir as chamadas ‘falhas de mercado’. Portanto, sua função seria apenas assegurar o equilíbrio interno ao sistema regulado, evitando abusos ou distorções que, em última instância, pudessem comprometer o próprio funcionamento do setor sujeito à regulação”. (MARQUES NETO. Entes reguladores: instrumentos de fortalecimento del Estado, p. 14). Uma consequência natural dessa perspectiva seria regular o setor de radiodifusão, mediante apenas o estabelecimento de regras de combate à concentração econômica, para garantir a concorrência no mercado. No presente trabalho, adota-se a posição de que a edição de regras anti-trust é uma condição necessária, porém insuficiente para regular o mercado, eis que a comunicação social por radiodifusão exige a consideração de valores fundamentais para um Estado Democrático de Direito, particularmente a garantia da livre formação da opinião pública, mediante os veículos de comunicação social, que é uma das condições fundamentais para o adequado funcionamento da democracia.

[43] Conforme explica José Alberto de Melo Alexandrino: “A existência de um serviço público de televisão não constitui um bem em si mas apenas um bem de relação, um instrumento, revestido de um sentido objetivo, para a defesa de verdadeiros bens jurídicos: os direitos fundamentais da pessoa e os valores e princípios que dele decorrem” (op.cit., p. 202). Antigamente, não havia a associação entre o serviço público de televisão e o regime de direitos fundamentais. Aos poucos alguns doutrinadores brasileiros estão promovendo essa conexão. É o caso, por exemplo, de Justen Filho (Curso de direito administrativo, p. 487-497).

[44] Como bem expõe Virgílio Afonso da Silva, o direito á informação além de ser um direito individual é um valor protegido pela Constituição que, inclusive, exige que o Estado se abstenha de impedir seu exercício, bem como aja para sua realização dentro das condições fáticas e jurídicas possíveis (SILVA, V. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 78).

[45] O foco do presente trabalho consiste na análise da aplicação da noção de serviço público aos serviços de televisão por radiodifusão à luz do principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal no contexto do direito administrativo. Em razão disso, o estudo sobre os direitos fundamentais será feito somente na medida necessária para a compreensão do tema principal do presente livro, sob pena de abrir-se demasiadamente o âmbito do estudo em prejuízo do objeto principal em exame. Para uma análise mais aprofundada sobre a relação entre a atividade de televisão e os direitos fundamentais, recomenda-se a seguinte leitura: ALEXANDRINO, José Alberto de Melo. Estatuto constitucional da atividade de televisão. Coimbra: Coimbra Ed., 1988.

[46] Para Jorge Miranda: “a liberdade de comunicação social congloba a liberdade de expressão e a liberdade de informação, com três notas distintas: a) a pluralidade de destinatários, o caráter coletivo ou de massas, sem reciprocidade; b) o principio da máxima difusão (ao contrário da comunicação privada ou correspondência, conexo com a reserva da intimidade da vida privada e familiar); c) a utilização de meios adequados – hoje, a imprensa escrita, os meios audiovisuais e a cibernética (MIRANDA. Manual de direito constitucional, p. 460). Ressalte-se que o direito à comunicação afirma-se gradativamente em razão das criticas feitas à liberdade de expressão e ao direito à informação. Sobre esse processo histórico, consultar: FISCHER. O direito de comunicar: expressão, informação e liberdade, p. 15-24.

No Brasil, Edilsom Farias, em estudo detalhado sobre o tema, é quem defende a tese  de que houve a qualificação constitucional da comunicação social enquanto garantia institucional da liberdade de expressão e comunicação. Cf. FARIAS. Liberdade de expressão e comunicação: teoria e proteção constitucional, p. 31-34 (parte teórica sobre as garantias institucionais) e p. 196-197 (aplicação da figura jurídica à comunicação social). Ele ainda adverte a respeito das controvérsias teóricas a respeito da relação entre as garantias institucionais e os direitos fundamentais, explica que não há uma resposta pacífica a respeito da divergência sobre a questão, a saber: se as garantias servem ao reforço ou ao entendimento dos direitos fundamentais e se as garantias conduzem a uma funcionalização dos direitos fundamentais (p.33).

E, ainda, a existência do direito de comunicar no âmbito da “comunicação massiva” é atestada por vários doutrinadores. A título ilustrativo, citam-se os seguintes autores que tratam do tema: Orlando Soares (Direito de comunicação). Aluízio Ferreira (Direito à informação; Direito à comunicação. Direitos fundamentais na Constituição Brasileira); BITELLI, Farias, Marcos Alberto Sat’Anna ( O Direito da Comunicação e da Comunicação Social); André Ramos Tavares (Liberdade de expressão-comunicação. Em direito constitucional contemporâneo, p. 46-64); Fernando Luiz Ximens Rocha (Liberdade de comunicação e dignidade humana. Em direito constitucional contemporâneo, p. 159-172); Celso Ribeiro Bastos e André Ramos Tavares (As tendências do direito público no limiar de um novo milênio), entre outros.

Para uma visão crítica sobre a existência do direito à comunicação, ver: ALEXANDRINO. Teoria de los derechos fundamentales, p. 282-287.

[47] Cf. Para Marçal Justen Filho: “No Brasil, tem sido orientação doutrinária comum afirmar que a Constituição Federal, ao discriminar competências dos diversos entes federados ou ao estabelecer atribuições do Estado, aludiu a certos serviços como públicos. O art. 21, por exemplo, contém diversas previsões acerca de serviços públicos (incs. X, XI e XII). Essa solução redacional conduziu parte substancial da doutrina a reconhecer tais atividades como serviços públicos por inerência, sem possibilidade de qualificação diversa em virtude de lei ordinária. Quanto a eles, não haveria margem de qualquer inovação ou modificação por parte do legislador infraconstitucional” (JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 44).

[48] Sobre a questão do vínculo orgânico com a Administração como elemento de caracterização do serviço público, ver MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p. 315.

[49] Cf. art. 223, CF.

[50] BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 660.

[51] JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 35.

[52] Cf. ALMEIDA, F. Aspectos constitucionais da concessão de serviços públicos. In: MEDAUAR (Coord.). Concessão de serviços públicos, p. 33.

[53] Alexandre Aragão adota um conceito de serviço público que promove a relativização da ideia de “reserva de estabilidade”. Para ele: “serviços públicos são as atividades de prestação de utilidades econômicas a indivíduos determinados colocadas pela Constituição ou pela Lei a cargo do Estado, com ou sem reserva de titularidade, e por ele desempenhadas diretamente ou por seus delegatários, gratuita ou remuneradamente, com vistas ao bem-estar da coletividade” (ARAGÃO. A dimensão e o papel dos serviços públicos no Estado contemporâneo, p.146-147).

[54] STF. Segunda Turma. Recurso Extraordinário nº 220.999-7 – Pernambuco. Relator: Min. Marco Aurélio. Recorrente: União Federal. Recorrida: Inove – Indústria Nordestina de óleos Vegetais S/A. Acórdão Publicado no DJ, 24 nov. 2000. Tal acórdão é analisado em detalhes por GRAU, Eros Roberto. Constituição e serviço público. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Wilis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. P.249-267.

[55] Segundo Floriano Azevedo Marques Neto: “O serviço essencial, portanto, o serviço que vai ser prestado no regime público ou o serviço que será entendido como serviço público (embora a lei não utilize o conceito de serviço público, até para fugir dessa polêmica), será aquele que o Poder Executivo diga ou a União se proponha a oferecer à sociedade com o compromisso de universalização e comunidade”. In: SUNDFELD (Coord.). Direito administrativo econômico, p. 310-311.

[56] Em sentido contrário, votou o Ministro Sepúlveda Pertence: “Parece-me extremamente plausível a alegação de que se invadiu matéria reservada à lei pelo texto reformado do inciso XI do art. 21 da Constituição. Remeteu-se à lei estabelecer, aqui, a opção entre exploração direta ‘mediante autorização, concessão ou permissão’, o que implica a decisão prévia sobre o regime público ou privado em que serão explorados os serviços, sempre públicos, de telecomunicações. A meu ver, ao primeiro exame, ante a reserva constitucional à lei, não era dado à própria lei, delegar ao Presidente da República essa opção fundamental” (Id.).

[57] Id.

[58] Id.

[59] Id.

[60] A título exemplificativo, no regime público incluem-se as diversas modalidades do serviço telefônico fixo comutado (art. 64, parágrafo único, da Lei nº 9.472/97). Por sua vez, no regime privado encontra-se o serviço móvel pessoal (art. 2º, da Resolução nº 321/2002, da ANATEL) e o serviço de comunicação multimídia (art. 10 da Resolução nº 272/2001, da ANATEL).

[61] Acerca da controvérsia, consultar: GROTTI. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988, p. 162-168. Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, a Lei Geral de Telecomunicações operou uma verdadeira privatização dos serviços de telecomunicações, vedada pela Constituição. Ver DI PIETRO. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, p. 135-139.

[62] Cf. GRAU. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 143-144.

[63] Cf. GRAU. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica, 11. ed., p. 123-125. Em sentido análogo quanto à existência de serviços públicos não privativos do Estado posiciona-se Marçal Justen  Filho, segundo o qual: “Essa formulação deve ser complementada para apontar a tendência à afirmação da prestação do serviço público por entidades não estatais, que atuam em nome próprio e não por delegação pública. Surgem serviços públicos não estatais, o que não significa o desaparecimento de serviços públicos privativos do Estado. Alguns dos mais relevantes serviços públicos continuam a ser de titularidade exclusiva do Estado” (JUSTEN FILHO. Curso de direito administrativo, p. 491).

[64] Cumpre observar que o § 3º e seus respectivos incisos do art. 215 da CF foram introduzidos por intermédio da Emenda Constitucional nº 48, de 10 de agosto de 2005.

[65] Para Marçal Justen Filho, posição à qual se adere, “o conceito de atividade econômica em sentido estrito delineia-se, portanto, sobre os princípios da exploração empresarial, da livre iniciativa e da livre concorrência. Pressupõe que os sujeitos possam organizar os fatores da produção para obtenção de resultados não predeterminados pelo Estado, com apropriação privada do lucro” (JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 32).

[66] Na mesma linha de entendimento, Alexandre Aragão explica: “É, então, a letra da Constituição (ao se referir à ‘autorização’ no art. 21), somada à sua necessária evolução e aos paradigmas da hermenêutica constitucional, que nos leva a afirmar haver serviços de telecomunicações, e outros enumerados nos incisos X a XII do art. 21, que podem, observado o principio da proporcionalidade, em seus aspectos omissivo e comissivo, ser despublicizados, tornando-se atividades econômicas privadas de interesse público”. (ARAGÃO, Alexandre. A dimensão e o papel dos serviços públicos no Estado contemporâneo, p. 214).

[67] Cf. Na visão tradicional a respeito do termo publicatio, segundo Gaspar Ariño Ortiz: “El acto de declaración de uma actividad o um sector ‘público’, como servicio público, es lo que VILLAR PALASÍ há ilamado ‘publicatio’, ‘acto de publicatio’, y significa que tal actividad queda incorporada al que hacer del Estado y eccluida de la esfera de actuación de los particulares sin prrevia concesión” (ARIÑO ORTIZ. Principios de derecho público económico, p. 538).

[68] Cf. Pablo Salvador Coderch e César Sans Pérez: “Los câmbios em los condicionamentos técnicos – por las mejoras tecnológias y em valores sociales pueden suponer uma revisión de la justificación de los limites que supone la publicatio, tanto em la constitucionalidade de la titularidade estatal como em los limites  a la gestión privada del servicio, que el legislador está obligado a realizar […]” (Ver: televisión Pública y Televisión Privada em la Jurisprudencia del Tribunal Constitucional Español: Comentario a la Sentencia del Tribunal Constitucional de 5 de mayo de 1994, sobre la Ley núm. 10 de 3 de mayo de 1988, de Televisión Privada. Revista Jurídica da Universidad de Puerto Rico. V. 64, n. 3, p. 627-653, 1995).

[69] Conforme explica Floriano de Azevedo Marques Neto: “O sistema estatal é aquele voltado à informação institucional do Estado (por exemplo o que ocorre nas TVs legislativas, na TV Justiça ou horários dedicados a informações institucionais – horário eleitoral ou Hora do Brasil)” (MARQUES NETO. Concessão de serviço público sem ônus para o usuário, p. 335-336).

[70] Evidentemente não há que se confundir a legitima publicidade institucional efetuada com fundamento no art. 37, § 1º, da CF, com a ilícita atividade de propaganda governamental de caráter preponderantemente persuasivo, limitando-se a divulgar material elogioso ao governo e ao governante, em desfavor do principio da impessoalidade, isonomia e do pluralismo político.

[71] No âmbito da organização do serviço de televisão a cabo, a lei criou a obrigação para a operadora de televisão de reservar canais de televisão para o Poder Legislativo e Poder Judiciário. Ademais, no campo da radiodifusão, tem-se como exemplo histórico da comunicação institucional dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no plano federal o programa de rádio “Voz do Brasil”, obrigação esta que não foi imposta às emissoras de televisão comerciais. Ora, a imposição de transmissão compulsória do programa radiofônico “Voz do Brasil” é, no meu entender, inconstitucional, eis que contrária à liberdade de comunicação social. Se o Estado brasileiro pretende transmitir tal programa, então, ele deve utilizar seus próprios canais de comunicação institucional ou tornar facultativa a transmissão do referido programa para as emissoras de rádio.

[72] Ver <htpp.www1.radiobras.gov.br>, e a Lei nº 6.301, de 15 de dezembro de 1975, que instituiu a política de exploração de serviço de radiodifusão de emissoras oficiais, autoriza o Poder Executivo a constituir a Empresa Brasileira de Radiodifusão – RADIOBRÁS, e dá outras providências. Conferir: Decreto nº 2.958, de 8 de fevereiro de 1999, que aprova a consolidação do Estatuto da RADIOBRÁS.

[73] Observe-se  que a Medida Provisória nº 398/2007 é objeto da Ação de Inconstitucionalidade nº 3994-6 movida pelo Partido Democratas junto ao STF, cujo relator é o Min. Eros Roberto Grau.

[74] Art. 22, § 2º, da lei nº 11.652/2008.

[75] Art. 24 da Lei nº 11.652/2008.

[76] Art. 28 da lei nº 11.652/2008.

[77] Consultar: Decreto nº 4.799/2003.

[78] Nesse aspecto, é impressionante o grau de federalismo em relação ao setor de radiodifusão alcançado na República da Alemanha. Lá, os Estados-membros (Lander) possuem competência para organizar e prestar o serviço de televisão, inclusive, o primeiro canal nacional de televisão somente surgiu na década de 60 em razão de acordo entre eles, e que resultou depois da sentença  da Corte Constitucional que confirmou a competência dos Lander e não da União. No final dos anos 70, a maior parte dos Estados passou a editar leis para garantir o funcionamento de estações privadas de televisão, em regime de coexistência com as relações de televisão estatais. Trata-se de um modelo integralmente federativo de organização do setor de radiodifusão (MUÑOZ MACHADO. Publico privado em el mercado europeo de la televisón), p. 28-32).

[79] Art. 2º da Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008.

[80] Art. 3º da Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008.

[81] Para uma análise completa do tema, conferir: AMARAL FILHO. Privatização no estado contemporâneo.

[82] Os dispositivos da Constituição gaúcha preceituavam o seguinte:

“Art. 238 – Os órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, às fundações instituídas pelo Poder Público ou a quaisquer entidades sujeitas direta ou indiretamente, ao controle econômico estatal serão utilizados de modo a salvaguardar sua independência perante o Governo Estadual e demais Poderes Públicos, e a assegurar a possibilidade de expressão e confronto de diversas correntes de opinião. Parágrafo único – Para os efeitos do disposto neste artigo, cada órgão de comunicação social do Estado será orientado pelo Conselho de Comunicação Social, composto por representantes da Assembléia Legislativa, Universidades, órgãos culturais e de educação do Estado e do Município, bem como da sociedade civil e dos servidores, nos termos dos respectivos estatutos.

Art. 239 – Os partidos políticos e as organizações sindicais, profissionais, comunitárias, culturais e ambientais dedicadas à defesa dos direitos humanos e à liberdade de expressão e informação social, de âmbito estadual, terão direito a espaço periódico e gratuito nos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, de acordo com sua representatividade e critérios s serem definidos em lei”.

[83] STF. Tribunal Pleno. ADIN nº 821-8 – Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Octávio Galloti. Requerente: Governador do Estado do Rio grande do Sul. Requerida: Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Decisão publicada no DJ,  07 maio 1993.

[84] Id.

[85] Id.

[86] Id.

[87] Id.

[88] É de ser reconhecido, no entanto, que um dos argumentos principais que embasou a decisão na ADIN nº 821/93 consistiu na questão formal na competência privativa do Governador do Estado quanto à iniciativa de projeto de lei relativo à estruturação da administração pública.

[89] Ver Lei estadual nº 10.535, de 08 de agosto de 1995, que altera a estrutura organizacional e a denominação da Fundação Rádio e Televisão Educativa.

[90]  Ver Lei Estadual nº 10.536, de 08 de agosto de 1995, que dispõe sobre o Conselho Deliberativo da Fundação Cultural Piratini – Rádio e Televisão e dá outras providências.

[91] Ver Lei Estadual nº 10.535, de 08 de agosto de 1995.

[92] No âmbito da Constituição do Estado de São Paulo há a seguinte previsão normativa quanto ao capítulo destinado à Comunicação Social:

“Art. 273 – A ação do Estado, no campo da comunicação, fundar-se-á sobre os seguintes princípios: I – democratização do acesso às informações; II – pluralismo e multiplicidade das fontes de informações; III – visão pedagógica da comunicação dos órgãos e entidades públicas.

Art. 274 – Os órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, as fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público ou a quaisquer entidades sujeitas, direta ou indiretamente, ao seu controle econômico, serão utilizados de modo a assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião”.

[93] Cerca da problemática da composição do Conselho Curador de TV Cultura, ver; COUTINHO. O dilema da TV Educativa enquanto um instrumento oficial do governo ou um canal de representatividade da sociedade civil. Ver, também, SANTOS. O dono do mundo: o Estado como proprietário de televisão no Brasil; e LEAL FILHO. Por uma rede nacional de televisão.

[94] Apesar da autonomia d TV Cultura do ponto de vista formal, ela é frequentemente comprometida pelas pressões exercidas pelo governo quanto ao repasse de recursos públicos originários do orçamento estadual. Sobre o assunto, conferir: DEORSOLA; PONTES. As relações perigosas da TV Cultura. Revista Adusp, p. 29-33. Daí o surgimento da proposta para a criação de uma taxa específica sobre seu custeio. Ver: DALLARI. Cobrança de taxa para custeio da TV Educativa. Revista de Informação Legislativa. Para Adilson Dallari ao tratar do caso da TV Cultura: “o certo e indiscutível é eu se trata indubitavelmente de um serviço público de um serviço público estadual, na medida em que o Governo do Estado de São Paulo, por lei estadual, decidiu leva-lo a efeito, criando uma entidade especialmente habilitada para fazê-lo” (DALLARI. op.cit., p. 115).

[95] Acerca da significação d autonomia no campo do direito público, consultar: BACELLAR FILHO. Direito administrativo e o novo Código Civil, p. 78-79.

[96] Isso ainda não impede a constituição de televisões educativas fora do sistema estatal e dentro do sistema público de radiodifusão.

[97] Ver: I Fórum Nacional de TV’s Públicas. Diagnóstico do campo público de televisão. Caderno de debates. Brasília: Ministério da Cultura, 2006. P. 45-46.

[98] Cf. André Martinez: “O conceito de Terceiro Setor tem se mostrado extremamente abrangente em sua delimitação, pois vem sendo constituído a partir de uma herança multifacetada de lógicas institucionais que variam conforme a origem”. (MARTINEZ. Democracia audiovisual: Uma proposta de articulação regional para o desenvolvimento, p. 64).

[99] Como destaca Floriano de AZEVEDO Marques Neto: “[…] o sistema público é aquele voltado às finalidades de interesse público, educativas e culturais, desvestidas das finalidades econômicas, mercantis, como ocorre com as TVs educativas ou as TVs organizadas por OSCIPs […]” (MARQUES NETO. Concessão de serviço público sem ônus para o usuário. In: WAGNER JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa (Coord.). Estudos em homenagem ao professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.p. 336).

[100] A afirmação do público não-estatal no Brasil decorreu do processo de Reforma do Estado. Acerca do tema, PEREIRA. Entre o estado e o mercado: o público não estatal. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do estado. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999, p. 15-48. Para Vital Moreira, o setor público, o privado e o estatal referem-se a uma tripartição entre os setores econômicos, sendo o terceiro setor um híbrido entre os setores público e privado (MOREIRA, V. Auto-regulação profissional e administração pública, p. 33). Para Gustavo Henrique Justino de Oliveira, terceiro setor é “o conjunto de atividades voluntárias desenvolvidas por organizações privadas não-governamentais e sem animo de lucro (associações e fundações), realizadas em prol da sociedade, independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora deles possa firmar parcerias e receber investimentos (públicos e privados)” (O contrato de gestão na Administração pública brasileira, P. 465, citado por VIOLIN. Terceiro setor e as parcerias com a administração pública: uma análise crítica, p. 117).

[101] Acerca da questão sobre a unidade política e ordem jurídica como tarefa do Estado, ver: HESSE. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 33-34.

[102] Sobre a distinção entre interesses públicos especiais e difusos, conferir: MARQUES NETO. Regulação estatal e interesses públicos, p. 160-163.

[103] Em defesa da afirmação dos sistemas estatal e público, cf. Venício Lima: “outra alternativa talvez a mais importante é a mídia estatal, já existente (Radiobrás, Rede Brasil, TVE’s, Rádios Educativas, e a mídia pública, que está ainda por ser construída. Buscar o equilíbrio entre os sistemas privado, estatal e público é não só uma exigência constitucional (art. 223), mas provavelmente, a principal alternativa à hegemonia da mídia privada e comercial no Brasil” (LIMA, V. Mídia: crise política e poder no Brasil, p. 173).

[104] É o caso, por exemplo, do PLS nº 575/99 que trata da televisão comunitária, conceituando como “emissoras de cobertura restrita destinadas ao atendimento dos interesses de determinada comunidade (Bairro/Vila), de baixa potência e com alcance limitado a 1 km”. Cf. texto do projeto de lei no site da Anatel: www.anatel.gov.br. É problemático o alcance definido no referido projeto para a cobertura da televisão comunitária, eis que deveras restritivo para a democratização das comunicações sociais em nosso País. Será que uma comunidade circunscreve-se ao perímetro de 1 km? Será que o interesse comunitário não ultrapassa essa faixa geográfica?

[105] Cf. art. 3º da Lei nº 9.612/98.

[106] Na mesma linha de entendimento, NAZARENO. Viabilidade Técnica e Econômica da Criação do Serviço de TV Comunitária, incluindo Análise do Projeto de Lei em tramitação 2701/97. Consultoria da Câmara dos Deputados.

[107] Nesse aspecto, é ilustrativa a lei sobre as rádios comunitárias que dispõe o seguinte: “Art. 8º. A entidade autorizada a explorar o Serviço deverá instituir um Conselho Comunitário, composto, por, no mínimo, cinco pessoas representantes de entidades da comunidade local, tais como associações de classe, beneméritas, religiosas ou de moradores, desde que legalmente instituídas, com o objetivo de acompanhar a programação da emissora, com vista ao atendimento do interesse exclusivo da comunidade e dos princípios estabelecidos no art. 4º desta lei”. Ademais, a referida lei dispõe que: “Art. 11. A entidade detentora de autorização para execução do Serviço de Radiodifusão Comunitária não poderá estabelecer ou manter vínculos que a subordinem ou a sujeitem à Gerência, à administração, ao domínio, ao comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais”.

[108] Conforme explicação de Fábio Konder Comparato; “Daí a exigência atual de se reconhecer, senão a todo indivíduo, pelo menos às entidades representativas dos setores mais numerosos e importantes da sociedade civil, uma legitimação a usar dessas organizações já instaladas de comunicação social, para transmitir livremente suas mensagens” (COMPARATO. É possível democratizar a televisão?. In: NOVAES, Adauto (Org.). Rede imaginária: televisão e democracia. 2. ed. São Paulo:  Companhia das Letras, 1991.p.306). Nesse aspecto, a Constituição da Espanha de 1978 reconhece o direito de acesso aos meios de comunicação dos grupos sociais e políticos significativos, em respeito ao pluralismo da sociedade. O dispositivo constitucional prevê o seguinte: “A lei regulará a organização e o controle parlamentar dos meios de comunicação social dependentes do Estado ou de qualquer ente público e garantirá o acesso a referidos meios aos grupos sociais e políticos significativos, respeitando o pluralismo da sociedade e das diversas línguas da Espanha” (Art. 20.3). Disponível em: <www.constitucion.rediris.es/legis/1978/ce1978html.> Acesso em: 29 dez.2006. Para aprofundamento do tema, consultar: RAMÓN SBAU, José. Libertad de Expresión y Derecho de Acesso a los médios de comunicación. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. Em Portugal, a Constituição reconhece os direitos de antena não só aos partidos políticos, mas também para as organizações sindicais, profissionais e representativas das atividades econômicas, conforme sua relevância e representatividade, em relação ao serviço público de rádio e televisão (art. 40º, 1, da Constituição Portuguesa). Ver: CANOTILHO; MOREIRA. Constituição da República Portuguesa: lei do tribunal constitucional, p. 33.

[109] A Lei nº 8.977/95, quando trata dos canais básicos de utilização gratuita nas operações dos serviços de televisão a cabo, dispõe sobre a garantia de oferta de “um canal universitário, reservado para uso compartilhado entre as universidades localizadas no município ou município da área de prestação do serviço” (art. 23, I, letra “e”).

[110] Ver, principalmente os arts. 45, 51 e 52 da lei nº 9.394/96. Para uma análise mais aprofundada a respeito das imprecisões terminológicas da referida lei e a apresentação de um estudo sistemático, conferir: RANIERI. Educação superior, direito e estado na Lei de Diretrizes e Bases: Lei nº 9.394/96, p. 182-196.

[111] A respeito dos reflexos do novo Código Civil sobre a criação de fundações públicas pelos entes federativos, consultar: BACELLAR FILHO. Direito administrativo e o novo Código Civil, p. 125-130.

[112] Não de desconhece, no entanto, a problemática atual em tornar efetiva a participação da cidadania dos procedimentos de âmbito coletivo. Daí porque, com o advento do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, sugere-se a adoção de mecanismos de participação eletrônica, mediante a utilização maciça da Internet. Por outro lado, não se pode esquecer o risco d adoção de um modelo corporativo tal como o do Conselho de Comunicação Social, o qual é contrário ao principio democrático e ao princípio da plena participação popular da cidadania.

[113] No mesmo sentido quanto à criação de fundos especiais, ver: I Fórum Nacional de TV’s Públicas, op.cit., p. 63

[114] Em sentido análogo em defesa dessa modalidade de tributação, conferir: FARACO. Difusão do conhecimento e desenvolvimento: a regulação do setor de radiodifusão. In: SALOMÃO FILHO, Calisto (Coord.). Regulação e desenvolvimento, São Paulo: Malheiros, 2002. P. 109-110, 117.

[115] Quanto à população audiovisual, já existem mecanismos de apoio à atividade cultural, mediante a legislação federal de incentivo à cultura e as legislações estaduais e municipais no mesmo sentido. É necessário apenas articular a atividade de fomento à produção audiovisual com a operacionalização dos serviços prestados pelo sistema de radiodifusão público. A título ilustrativo, há, por exemplo, a Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, que trata da destinação das receitas decorrentes para a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE), criando, ainda, uma dotação orçamentária específica denominada Fundo Setorial do Audiovisual, utilizado para o financiamento de programas e projetos voltados para o desenvolvimento das atividades audiovisuais. Nesse aspecto, a Lei nº 11.652/2008 inovou na medida em que previu como uma das fontes da Empresa Brasil de Comunicação a contribuição para o fomento da radiodifusão “pública”, incidente sobre as prestadoras de serviços de telecomunicações e as de radiodifusão.

[116] Ver Capítulo 3.

[117] Como bem lembra Eros Grau: “Repito: o mercado – além de lugar e princípio de organização social – é instituição jurídica (= institucionalizado e conformado pelo direito posto pelo Estado)” (op.cit., p.37).

[118] O Congresso Nacional agregou ao texto da Medida Provisória o art. 31, que previa a obrigatoriedade de cessão para a EBC dos sinais de televisão produzidos a partir de eventos esportivos dos quais participem equipes, times, seleções e atletas brasileiros representando oficialmente o Brasil e objetos de contrato de exclusividade entre entidade esportiva e emissora de radiodifusão. O dever de colocar à disposição os sinais de televisão decorreria na hipótese de a emissora de televisão decidir não transmiti-los na televisão aberta. Trata-se de um dispositivo flagrantemente inconstitucional, justamente por violar o direito adquirido e ato jurídico perfeito. Aliás, o Presidente da República chegou a vetar o referido artigo da Medida Provisória nº 398/2007.

[119] No mesmo sentido, MACHADO. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 623-624.

[120] A Lei nº 4.117/62 contém poucas obrigações em termos de programação de televisão, como é o caso do art. 38, letras “d” – finalidade educativa e cultural do serviço de radiodifusão – e “h” – cumprimento da finalidade informativa com um mínimo de 5% de transmissão de serviço noticioso. Por sua vez, o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto nº 52.795/63) especifica as obrigações em termos de organização da programação, conforme seu art. 28, 12, letra “a” e item “17”.

[121] Para Dinorá Grotti: “A definição de sistema estatal ou privado é simples. A exploração de qualquer área pela iniciativa privada significa o desenvolvimento de atividades por empresas sem vinculação com o Estado, as quais buscam precipuamente o lucro guiadas pela lógica de mercado. O sistema estatal é aquele explorado exclusivamente pelo Estado, por meio de órgãos ou organizações estatais” (op.cit., p. 99).

[122] Entende-se que deve ser garantida a autonomia do sistema de radiodifusão privado, impedindo-se sua desfiguração pelo legislador. Vale dizer, o princípio constitucional da livre iniciativa no campo do sistema de radiodifusão privado funciona como um limite à competência legislativa. Dobre os direitos fundamentais, autonomia privada, competências e não-competências, ver: SILVA, V. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 151.

[123] Aqui, adota-se a expressão atividade econômica em sentido estrito, nos moldes da classificação proposta por Eros Roberto Grau que divide a atividade econômica em sentido amplo em serviços públicos e atividade econômica em sentido restrito. A diferença é que para o autor o serviço de radiodifusão é um serviço público privativo do Estado, enquanto o presente trabalho pretende demonstrar a existência de diversas modalidades de serviços de televisão por radiodifusão em razão do principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão que exigem regimes jurídicos diferenciados. Cf. GRAU. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e crítica. 11. ed, rev. e atual., p. 102-126.

[124] Aqui, o elemento histórico é ilustrativo a respeito da classificação do serviço de televisão por radiodifusão. Já na década de 30, o deputado paulista Berto Condé sustentava que: “o serviço de radiocomunicação é, como o telégrafo e o correio, um serviço público pela necessidade intrínseca que dele tem os povos modernos, ao passo que a radiodifusão é um serviço, apenas, de interesse público, dado que a sua utilidade não implica em imprescindibilidade” (LOPES, S. Fundamentos sociais da radiodifusão, p. 46).

[125] Não se desconhece que a mera pluralidade de agentes econômicos que prestam serviços de televisão não assegura, necessariamente, a diversificação do conteúdo da programação audiovisual. Apesar disso, a pluralidade de empresas em ação no mercado é a condição sem a qual se tornaria impossível a multiplicidade na oferta de programas de televisão. Daí por que a regulação deve ser feita não só em relação à concorrência setorial, voltada à eficiência econômica, como também em relação ao pluralismo em termos de conteúdo audiovisual.

[126] A proibição da propriedade privada no sistema de televisão por radiodifusão é defendida pelo professor Fábio Konder Comparato, para quem a existência da propriedade privada acaba por negar a própria liberdade de expressão, eis que a lógica de mercado impede o acesso aos meios de comunicação. Daí ele sustenta um sistema de comunicação social baseado em entidades sem fins lucrativos. Ver: COMPARATO. A democratização dos meios de comunicação de massa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 183-201. Por sua vez, Paulo Bonavides defende a constitucionalização da mídia como um dos poderes da República, tornando-se democrática e legítima. Para o autor, a liberdade dos meios de comunicação só existe em favor das classes dominantes; há o bloqueio à efetivação da democracia participativa, isto é, a efetiva participação do povo no processo de exercício do poder político (BONAVIDES. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional  de luta e resistência. Por uma nova hermenêutica. Por uma repolitização da legitimidade. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.p. 13-49.

[127] Pra uma análise da dominação histórica do setor por grupos familiares e elites políticas consultar LIMA, V. Mídia: teoria e política, p. 104-110.

[128] Ver: ALMEIDA,A. op.cit., p. 108-109.

[129] Especialmente, quanto à televisão, o referido diploma normativo dispõe: “Art. 12. Cada entidade só poderá ter concessão ou permissão para executar serviço de radiodifusão, em todo o País, dentro dos seguintes limites: […] II – Estações radiodifusoras de sons e imagens – 10 em todo o território nacional, sendo no máximo 5 em VHF e 2 por Estado”. Em outro lugar, o mesmo diploma legal ao mesmo tempo dispõe que “não serão computadas,  para os efeitos do presente artigo, as estações repetidoras e retransmissoras de televisão, pertencentes às estações geradoras” (art. 12, §2º). Além disso, o referido Decreto-Lei dispõe que não podem obter concessão ou permissão entidades das quais faça parte acionista ou cotista que integre o quadro social de outras empresas executantes do serviço de radiodifusão (art.12, §3º). E mais, as concessionárias e permissionárias de serviço de radiodifusão não podem ser subordinadas a outras entidades que se constituem com a finalidade de estabelecer direção ou orientação, mediante cadeias ou associações de qualquer espécie (art. 12, §7º). Em havendo excessos aos limites impostos da parte dos concessionários e permissionários do serviço de radiodifusão, haverá a necessidade de adaptação no prazo máximo de dois anos, na ordem de 50% ao ano (art.12, §4º). No caso da constituição da Rede Globo de Televisão, comenta Sérgio Souza: “Na monopolização de audiências nos quatro cantos do País, anos depois, a Rede Globo de Televisão não precisou usufruir de todas as vantagens generosas proporcionadas pelo artigo e seu parágrafo; à parte as estações de propriedade da Rede, bastou a ela transferir comercialmente sua programação para várias emissoras regionais e locais de outros empresários, que funcionariam instantânea e livremente como retransmissoras do padrão global homogeneizador das heterogeneidades culturais brasileiras (SOUZA. Concessões de radiodifusão no Brasil: a lei como instrumento de poder: 1932-1975, p. 175).

[130] AMARAL.  O ordenamento constitucional-administrativo brasileiro e a disciplina dos meios de comunicação de massa (o caso da televisão): análise e prospectiva. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Perspectiva do direito público: estudos em homenagem a Miguel Seabra Fagundes. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. P. 476.

[131] CAPPARELLI; LIMA, op.cit., p.43.

[132] Acerca do direito norte-americano, ver Capítulo 3.

[133] No direito norte-americano, apesar de toda sua tradição em defesa da liberdade de expressão, existiam algumas regras, tais como: (i) Duopoly Rule – norma do duopólio (proibição de que um operador de radiodifusão seja proprietário de mais de uma emissora do mesmo tipo no mesmo mercado); (ii) One-to-a-Market – norma um por mercado (um radiodifusor não pode ser proprietário no mesmo mercado de mais de uma emissora de TV em UHF ou d emissoras de rádio AM/FM); (iii) Cross-Ownership Rule – norma sobre a propriedade múltipla (um radiodifusor não pode ser proprietário de um jornal diário numa mesma área geográfica); (iv) Chain Broadcasting Rules – norma sobre radiodifusão em rede (as redes não podem ter nos contratos de afiliação determinados privilégios em face das emissoras afiliadas, bem como são proibidas práticas anticompetitivas); (v) Prime Time Access Rute (PTAR) – norma com o objetivo de limitar o controle das redes de TV sobre a programação transmitida durante o horário nobre e (vi) Financial Interest and Syndication  Rules (Fin-Syn-Rules) – normas sobre interesse financeiro e da distribuição de programas que proíbem as redes de TV de possuírem interesses financeiros na programação por elas transmitida e vedação de acesso das redes ao mercado de distribuição de programas de TV (syndication business), com exceção na distribuição no mercado internacional (ALMEIDA, A., op.cit., p. 79-121). Algumas das regras citadas foram mantidas, outras foram revogadas. Ver Capítulo 3.

[134] Para um estudo mais detalhado das referidas regras à luz do direito norte-americano em comparação com o direito brasileiro, conferir: ALMEIDA,A., op.cit., p. 79-120.

[135] Como explica Juarez Freitas: “A omissão passa a ser tão violadora dos direitos fundamentais como os excessos. Em certo sentido, para assegurar os direitos fundamentais é que existe o Estado, ao menos legitimamente: toda interpretação deve ser leal às exigências da totalidade dos direitos fundamentais, consorciados com os deveres” (FREITAS,J. A melhor interpretação constitucional “versus” a única resposta correta. In: SILVA, Virgilio Afonso da (Org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 344).

[136] O texto originário do art. 222 da CF previa o seguinte: “A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há amis de dez anos, aos quais caberá a responsabilidade por sua administração e orientação intelectual. §1º É vedada a participação de pessoa jurídica no capital social de empresa jornalística ou de radiodifusão, exceto a de partido político e de sociedades cujo capital pertença exclusiva e nominalmente a brasileiros. §2º A participação referida no parágrafo anterior só se efetuará através de capital sem direito a voto e não poderá exceder a trinta por cento do capital”.

[137] Na tarefa de regulamentação do referido dispositivo constitucional, foi editada a Lei nº 10.610/2002 que trata das normas de controle societário das empresas jornalísticas e de radiodifusão e a previsão de sanções para a hipótese de descumprimento.

[138] Acerca da titularidade d empresas de comunicação por estrangeiros, conferir: MACHADO. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais  da esfera pública no sistema social, p. 406-407. Não é de se esquecer que a Constituição, quando trata da ordem econômica e financeira, dispõe que “a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capita estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros” (art. 172). A respeito das cotas de importação de programas de televisão, consultar: LAGUNA PAZ, op.cit., p. 191.

[139] Em sentido similar, ver: I Fórum Nacional de TV’s Públicas, op.cit., p.63.

[140] Para maior aprofundamento da questão da concentração de propriedade vertical e horizontal, consultar: LIMA, V. Mídia: teoria e política, p. 98-101.

[141] Ver: I Fórum Nacional de TV’s Públicas, p. 63. Nesse aspecto, a Lei nº 11.652/2008 diz que a EBC deve “garantir os mínimos de 10% (dez por cento) de conteúdo regional e 5% (cinco por cento) de conteúdo independente em sua programação semanal, em programas a serem veiculados no horário compreendido entre 6 (seis) e 24 (vinte e quatro) horas”.

[142] Este era um dos objetivos originários do projeto de lei relativo à criação da Ancinav. Para maior detalhamento sobre o assunto, conferir: FORNAZARI. Instituições do estado e políticas de regulação e incentivo ao cinema no Brasil: o caso Ancine e Ancinav. Revista Administração Pública.

[143] O professor José Afonso da Silva aponta para esse problema: “A Rede Globo continua produzindo seus programas da central do Rio de Janeiro e não dá preferencia algumas às finalidades educativas, artísticas e culturais, como exige o inciso I do artigo I do artigo, nem faz promoção da cultura nacional ou regional, a não ser esporadicamente” (cf. SILVA, J. Ordenação constitucional da cultura, P.95).

[144] Conforme explicação de Fábio Comparato: “Não é preciso grande acuidade de julgamento para perceber que os constituintes nada mais fizeram do que aumentar a vinculação dos atos de concessão aos interesses mútuos do presidente e dos congressistas, numa institucionalização do ‘é dando que se recebe’”, em seu artigo intitulado “É possível democratizar a televisão?” publicado no livro Rede imaginária. Televisão e Democracia, p. 304.

[145] O Decreto-Lei nº 236/67, eu modificou a Lei nº 4.117/62, em seus arts. 53 e 64, disciplina a aplicação da pena de cassação à emissora de televisão titular da concessão nos seguintes casos: incitar a desobediência  às leis ou decisões judiciais, divulgar segredos de Estado ou assuntos que prejudiquem a defesa nacional, ultrajar a honra nacional, fazer propaganda de guerra ou de processos de subversão da ordem política e social, promover campanha discriminatória de classe, cor, raça ou religião, insuflar a rebeldia ou a indisciplina nas forças armadas ou nas regiões de segurança pública, comprometer as relações internacionais do País, ofender a moral familiar  pública, ou os bons costumes, caluniar, injuriar ou difamar os Poderes Legislativos, Executivo ou Judiciário ou os respectivos membros, veicular notícias falsas, com perigo  para ordem pública econômica e social, colaborar na prática de rebeldia, desordens ou manifestações proibidas, reincidência em infração anteriormente punida com suspensão, interrupção do funcionamento por mais de trinta dias consecutivos, exceto quando tenha obtido autorização do órgão competente, superveniência da incapacidade legal, técnica, financeira ou econômica para execução dos serviços da concessão ou permissão, não ter corrigido dentro do prazo estipulados as irregularidades motivadoras da suspensão anteriormente imposta e não cumprir  as exigências e prazos estipulados até o licenciamento definitivo da estação.

É inegável a possibilidade de aplicação da sanção de cancelamento em casos  de abusos da liberdade de radiodifusão. Contudo, é preciso olhar a temática com muito cuidado, a fim de serem evitados excessos do poder estatal. Observe-se que o referido diploma foi expedido no contexto do regime autoritário, carecendo muitos de seus dispositivos de validade em face da Constituição de 1988 que reinaugurou o Estado Democrático de Direito e protegeu amplamente a liberdade de comunicação social. Infelizmente, não há aqui espaço para o desenvolvimento da temática.

[146] Para maior aprofundamento da problemática, conferir: MACHADO. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 963.

[147] Como explica Jean Rivero, a solução, quando trata do problema da separação entre o direito público e o direito privado, não é nem a publicização do direito privado, nem a privatização do direito público, mas a interpretação entre os dois ramos jurídicos  (RIVERO, Jean. Le régime des entreprises nationalisées et l’evolution du Droit dministratif. 1952 citado por GARIIDO FALLA. Las transformaciones del régimen administrativo, p.157). Para Fernando Garrido Falla, o abordar a crise da noção de serviço público diante da intervenção do Estado sobre as atividades econômicas: “Ahora sigue siendo el interés público el que imediatamente se persigue, pero se considera que su satisfácion es posible com técnicas privatísticas. Puede decirse que a la publización evidente que aquela al Derecho privado hay que oponer uma indiscutible privatización técnica de Derecho Público” (GARRIDO FALLA. Las transformaciones swl régimen administrativo, p. 159-160).  

[148] Na visão tradicional, o regime jurídico é um elemento importante para a identificação de uma atividade como serviço público, especialmente para saber se há um vínculo orgânico com o Estado (Cf. MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p. 315). Nesse sentido, o regime jurídico é o fator de identificação do serviço  público e da atividade econômica (Ver: JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 30). Na matriz clássica, afirma-se que o serviço público somente pode ser prestado no regime de direito público. (BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 647). Em sentido contrário, há que, afirme a possibilidade de aplicação do regime privado aos serviços públicos, como é o caso da incidência da concorrência (COUTO; silva, OP.CIT., P. 47).

[149] De acordo com o projeto de lei, em seu art. 1º, parágrafo único, os serviços de comunicação eletrônica de massa são os serviços de telecomunicações que possuem simultaneamente as seguintes características essenciais: “ I- distribuição ou difusão dos sinais ponto-multiponto ou ponto-área; II – fluxo de sinais predominantemente no sentido prestadora-usuário; III – conteúdo das transmissões não gerado ou controlado pelo usuário; IV – escolha do conteúdo das transmissões realizadas exclusivamente pela prestadora do serviço, salvo nos casos estabelecidos em lei”. Texto do projeto de lei consultado em: PODESTÁ, op.cit., p. 220.

[150] A diversificação do conteúdo audiovisual é apontada como um dos elementos-chave do serviço público de televisão de matriz clássica pela doutrina europeia (Ver LAUROCHE. Communications Convergence And Public Service Broadcastins).

[151] A título ilustrativo, no direto português há a previsão legislativa dos princípios específicos do serviço público de televisão: independência, pluralismo, diversidade, qualidade, inovação, valorização da cultura e da idoneidade nacionais, proteção das minorias e indivisibilidade (ver Direito da comunicação social, p. 172-186). Ainda no contexto português, a doutrina aponta os seguintes princípios estruturantes do serviço público de televisão: universalidade, igualdade, pluralismo, democrático e coesão social e da inclusividade (MACHADO. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 650-651).

[152] No Brasil, em razão de sua dimensão continental, a diversificação do conteúdo audiovisual não é suficientemente garantida pelos setores estatal e privado. Destaque-se que a mera pluralidade d emissoras de televisão não é uma garantia suficiente do pluralismo quanto ao conteúdo audiovisual. A respeito do pluralismo cultural na Constituição, consultar: SILVA, J. Ordenação constitucional da cultura, P. 76)

[153] Cf. ARIÑO, Mónica; AHLERT, Christian. Beyond Broadcasting: The Digital Future of Public Service Broadcasting. Prometheus, p. 401. Para os autores, convencionalmente, havia  um esforço de assimilar o serviço público de televisão para a garantia da esfera pública, enquanto a televisão comercial representava uma ameaça a ela. Contudo, na era digital, em face dos imperativos de mercado, a própria função do serviço público de televisão encontra-se em crise, em razão da possibilidade de fragmentação da audiência ocasionada pelos novos serviços digitais (p. 402). Eles afirmam, ainda, que a definição do serviço público de radiodifusão é baseada na falsa dicotomia entre o serviço de radiodifusão e a radiodifusão comercial, daí o questionamento de sua função complementar em relação aos radiodifusores comerciais, eis que eles poderiam ser, em verdade, protagonistas nas mudanças da esfera pública (p.405).

[154] Segundo Gaspar Ariño Ortiz, a tensão decorrente da urgência na satisfação de novas necessidades públicas – exigências de uma sociedade urbana e industrial – e as concepções ideológicas no contexto do século liberal foi resolvida mediante um mecanismo genial: a concessão administrativa (ARIÑO. Principios de derecho público económico, p. 537).

[155] JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 78-79.

[156] PORTO NETO. Concessão de serviço público no regime da Lei nº 8.987/95: conceitos e princípios, p. 77.

[157] Cf. Capítulo 4 do presente trabalho.

[158] Tal entendimento decorre da interpretação do art. 21, XII, e art. 175, da CF. Tanto a concessão de serviço de televisão por radiodifusão quanto a concessão para o serviço de televisão a cabo são modelos de concessão que não se amoldam ao modelo clássico em alguns aspectos (MEDAUAR, Odete. A figura da concessão. In: MEDAUAR, Odete (Coord.). Concessão de serviço público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.p. 16-17). Para os fins do presente trabalho, a análise concentrar-se-á no instituto da concessão, eis que o mesmo é o utilizado no caso dos serviços de televisão por radiodifusão. Também será analisada a questão da autorização administrativa, verificando-se a viabilidade jurídica de sua adoção no sistema de radiodifusão. Desse modo, ficará fora do objeto do presente estudo o caso da utilização do instituto da permissão em relação aos serviços de televisão por radiodifusão. Para um estudo mais aprofundado desta última, remete-se ao trabalho de Luciana Sardinha (op.cit., p. 82-85). Ver, também: FREITAS, J. Estudos de direito administrativo, p. 44-46.

[159] Conforme Pedro Gonçalves, a concessão é definida como sendo um contrato que cria direitos novos para o particular que presta o serviço público, ainda que derivados de “direitos próprios” da administração pública (GONÇALVES. A concessão de serviços públicos, p. 741)

[160] Ver: MEIRELLES, op.cit., P. 231. Cuida destacar que, em verdade, há controvérsia na doutrina a respeito da natureza jurídica das concessões. Em sentido contrário à natureza contratual da concessão, posiciona-se Celso Antônio Bandeira de Mello, para a qual a concessão é um ato-condição que instaura uma relação jurídica complexa entre o poder concedente e o concessionário (Curso de direito administrativo, p. 682). Nos termos do direito positivo, a Lei nº 8.987/95 adota a seguinte definição para a concessão de serviço público: “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado” (art.2º, inc.II). Saliente-se que a referida lei dispõe sobre a concessão e a permissão de serviços públicos, não tratando, porém da figura da autorização para a prestação de serviços público.

[161] Naquela época, o Brasil encontrava-se em um dilema regulatório quanto à disciplina jurídica dos serviços de radiodifusão. De um lado, estava o modelo europeu continental fundado na ideia de televisão pública, serviço público, monopólio estatal. Técnica da concessão administrativa, etc. De outro, estava o modelo norte-americano baseado na ideia de televisão comercial de natureza privada, serviço de utilidade pública, técnica de licença administrativa, agência reguladora, etc. Daí a justificativa para a adoção de fórmula de síntese, combinando elementos de ambos os sistemas regulatórios. Nesse sentido, o Código Brasileiro de Telecomunicações contemplou um modelo híbrido; a coexistência de um modelo misto, isto é, a garantia de atuação da iniciativa privada, mediante de delegação estatal, sob a forma de concessão, e/ou permissão e autorização, e a gestão direta pelo Estado.

[162] Cf. LOPES, S., op.cit., p. 185-195. O autor sustenta seus argumentos a partir de lições específicas sobre o conceito de autorização de Themístocles Brandão Cavalcanti e Carvalho Mendonça (p. 191). E, segundo ele: “O que os concessionários reclamam é maior soma de garantias para os capitais investidos. Essas garantias advirão com a ampliação do prazo da concessão ou permissão” (p.192).

[163] Id.

[164] Id.

[165] LOPES, S., OP.CIT., P. 187.

[166] Segundo Odilon de Andrade: “o serviço público tem sido o escolho onde naufragam todos os mestres do direito Administrativo” (Serviços públicos e de utilidade pública, p. 36, citada por FRANCO SOBRINHO. Os serviços de utilidade pública, p. 7) Para Manoel de Oliveira Franco Sobrinho: “A distinção costumeira que se tenta estabelecer entre serviços públicos e os de utilidade pública é apenas, como vimos, questão de simples classificação doutrinária” (p.27). E, ainda conforme Themístocles Cavalcanti: “Talvez a distinção tenha mais razão de ser técnica administrativa dos Estados Unidos, sob regime da PUBLIC UTILITIES” (CAVALCANTI, op.cit., p. 720).

[167] O autor, a analisar o anteprojeto de lei sobre a radiodifusão no âmbito da Comissão de Rádio, dizia: “Destarte, pelo anteprojeto, perde a característica de concedido o  serviço de radiodifusão para se situar no regime da autorização por prazo variável entre cinco e quinze anos, em função do investimento efetuado nas instalações técnicas […], conservando-se as autorizações a título precário, sem prazo definido, para o serviço de radiodifusão de muito pequeno alcance como os estabelecimentos de educação, assistência e outros, sem objetivo econômico e destinado, tão-somente, aos respectivos recintos” (Serviços públicos e de utilidade pública, p.33, citado em SOUZA, op.cit., p. 243).

[168] Conforme o autor: “as frequências seriam, então, um patrimônio comum da humanidade. Sua natureza jurídica seria de res communis podendo ser apropriada em seus fragmentos desde que convenha à sua natureza. Como, porém, o espectro eletromagnético é limitado, houve a distribuição internacional das faixas de atuação de  cada Estado. Estes, por sua vez, regulamentariam o seu uso, determinando, em virtude de sua soberania, de que maneira serão utilizadas, por organismos do Estado ou por particulares” (GRECO FILHO. Curso elementar de direito de telecomunicações. Revista Justitia, p. 54).

[169] Cf. Vicente Greco Filho: “As figuras da concessão e da permissão seriam impróprias porque ninguém pode dar mais do que tem e sendo o espectro eletromagnético patrimônio comum da humanidade, não poderia o Estado concedê-lo porque não lhe detém o domínio. Acrescenta-se, outrossim, que os atos internacionais têm usado o termo ‘autorização’” (GRECO FILHO. Curso elementar de direito de telecomunicações. Revista Justitia, p. 54)

[170] Cf. o referido autor: “Admitimos que as frequências pertencem à espécie de res communis,  mas quem se apropriou do espectro eletromagnético foi o Estado soberano, o qual aceitou a regulamentação internacional porque um fato físico impede o seu uso indiscriminado, dadas as interferências recíprocas. Daí falarem os atos internacionais em autorização, termo correto no que se refere ao Estado soberano, porque este considera o titular do direito preexistente a utilizar as frequências a ele atribuídas no acordo de respeito às faixas divididas com os outros. Aí, então, o Estado pode explorá-los diretamente, concedê-las, permitir a sua utilização e até transferir seu domínio para os cidadãos, adotando o regime, então, da autorização” (GRECO FILHO. Curso elementar de direito de telecomunicações. Revista Justitia, p. 54).

[171] Cf. Gaspar Vianna: “O Direito de Telecomunicações, embora tenha-se utilizado da teoria geral das concessões e permissões, não obedeceu aos conceitos tradicionalistas do Direito Administrativo. Criou uma modalidade própria, partindo daquele instituto, com elementos próprios e de serventia específica” (VIANNA. Direito de telecomunicações, p. 66). Na década de 90, com a edição da Lei Geral de Telecomunicação, novamente a ruptura com a tradição do direito administrativo na medida em que foi adotada a figura da autorização para a prestação de serviços de telecomunicações.

[172] Segundo Sérgio Souza, a utilização pelo direito das telecomunicações de institutos tradicionais do direito administrativo aponta para o desvirtuamento jurídico desses institutos com o objetivo de atingimento de fins político e econômicos estritamente particulares (SOUZA, op.cit., p.240).

[173] Cf. Sérgio Euclides Braga Leal de Souza: “A grande vantagem do concessionário, negada pelos institutos clássicos da autorização e da permissão do Direito Administrativo, consiste na estabilidade de sua concessão, garantida por contrato. Neste caso, há limites claros para as intervenções do poder público – e, vale destacar, não apenas para as ações de caráter arbitrário, dependendo da pertinência das cláusulas estabelecidas” (SOUZA, op.cit., p. 247).

[174] GONÇALVES. A concessão de serviços públicos, p. 58.

[175] GONÇALVES. A concessão de serviços públicos, p. 129. Para José Alberto de Melo Alexandrino, o referido contrato de concessão, entre dois entes estatais deveria ser denominado convenção, na forma dada pelo Direito italiano ou belga. Em rigor, ainda, conforme ele, nem convenção deveria existir, mas simples bases da concessão ou cadernos de encargos. No âmbito do direito português, o contrato de concessão será classificado no gênero de contrato de direito público, mas não será propriamente um contrato administrativo (ALEXANDRINO, op.cit., p. 208). À luz do direito brasileiro, aqui sustenta-se que a figura do consórcio público e os acordos de cooperação são os mais adequados nessa hipótese de prestação dos serviços de televisão por radiodifusão pelos entes federativos.

[176] Cf. SALOMÃO. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos, p. 18-21.

[177] O modelo clássico de concessão de serviço público ampara-se na ideia de prestação de utilidades individuais contra o pagamento de um preço. Entretanto, no modelo da concessão de televisão por radiodifusão não há “utentes” uti singuli (GONÇALVES. A concessão de serviços públicos, p. 106).

[178] Cf. LOPES, V. O direito à informação e as concessões de rádio e televisão, p. 293-298; SARDINHA, op.cit., p. 115-116; ROCHA, C, op.cit., p. 175.

[179] Cf. POMPEU, op.cit.,p. 95-102. Para o autor, o conceito de autorização administrativa é definido da seguinte forma: “Ato administrativo discricionário, pelo qual se faculta a prática de ato jurídico ou de atividade material, objetivando atender diretamente a interesse público ou privado, respectivamente, d entidade estatal ou de particular, que sem tal outorga seria proibida” (p. 173). Para Hely Lopes Meirelles: “Autorização é o ato  administrativo discricionário e precário pelo qual o Poder Público torna possível ao pretendente  a realização de certa atividade, serviço ou utilização de bens particulares ou públicos, de seu exclusivo ou predominante interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da Administração, tais como o uso especial de bem público, o porte de arma, o trânsito por determinados locais, etc.” (MEIRELLES. Direito administrativo brasileiro. P. 167).

[180] Ver: MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p. 327. Portanto, na hipótese de serviços eventuais seria justificada a autorização de serviços públicos, conforme explicação de Cármen Lúcia Antunes Rocha: “Serviços públicos autorizados somente poderiam ser aqueles que tivessem uma condição de prestação eventual, necessária em face de uma situação não permanente, incomum, ou aqueles que, conquanto ofertados permanentemente pela entidade competente pelo regime de prestação indireta, não pudessem, em determinado momento, ou sob certa condição, ter a sua continuada prestação sem o auxílio do particular autorizado; é o  que se teria numa situação de greve no serviço público […]” (ROCHA, C. Estudo sobre concessão e permissão de serviço público no direito brasileiro, p. 176).

[181] Sobre as autorizações de uso de bem público, ver: MEDAUAR, Direito administrativo moderno, p. 245.

[182] Para um estudo mais aprofundado do tema, conferir: CAVALCANTI, op.cit., p. 11-15.

[183] Ver: MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p. 245, 327; MEIRELLES, op.cit., p.167. S e bem que em alguns ordenamentos setoriais não há a adoção do sentido clássico. É o caso, por exemplo, do setor de transportes disciplinado pelas Leis nº 8.630/93 e nº 10.233/01 em que se classifica a autorização como um contrato de adesão. Atualmente, aos poucos o caráter da precariedade tradicional associado à autorização vem sendo abandonado em prol do principio da segurança jurídica tão necessária aos investimentos privados para o desenvolvimento econômico-social do País. Assim, também a unilateralidade do ato cede espaço para a consensualidade, revendo-se a postura clássica em termos de ato administrativo. Para detalhamento da questão, consultar: FREITAS, J. Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Principio da Segurança Jurídica – Exigência de Menor Precariedade Possível das Relações de Administração – Terminais de Uso Privativo. Interesse Público.

[184] STF. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 22.665-3 – Distrito Federal, 2ª Turma. Relator Originário: Min. Marco Aurélio, Relator para o Acórdão: Min. Nelson Jobim. Recorrente: Cabotec Ltda. Recorrida: União Federal. Julgado em 14 mar. 2006.

[185] Em verdade, a lei também não define a concessão. Sobre o assunto, eis que explica Themístocles Cavalcanti: “Em primeiro lugar, procura-se em vão na lei (Lei nº 4.117/62), as definições ou a conceituação ou mesmo a indicação dos casos de concessão, autorização. Somente para a permissão há referencia explicita no art. 33, §6º […]” (Ver: Tratado de direito administrativo, p.195).

[186] Conforme explicação de André Mendes de Almeida: “Existem dois tipos de licenças no Brasil: a concessão (outorgada para a radiodifusão sonora nacional ou regional e para a radiodifusão de sons e imagens) e a permissão (outorgada para a radiodifusão sonora local)” (ALMEIDA, A. op.cit., p. 75-76). Conferir, também, POMPEU. Autorização administrativa: de acordo com a Constituição Federal de 1988, p. 127-128. Segundo o Decreto nº 52.795/63: “Art. 16. […] §10 – As outorgas a Estados e Municípios serão deferidas mediante atos de autorização pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado das Comunicações, conforme o caso, e serão formalizados por meio de convênio a ser firmado no prazo de 60 (sessenta) dias”.

[187] A Lei Geral de Telecomunicações dispõe sobre os requisitos objetivos para alcançar a autorização no seguinte sentido: “Art. 132. São condições objetivas para a obtenção da autorização de serviço: I – disponibilidade de radiofrequências necessária, no caso de serviços que utilizem; II – apresentação de projeto viável tecnicamente e compatível com as normas aplicáveis”. E, ainda, prevê os requisitos subjetivos para a obtenção da autorização: “Art. 133. São condições subjetivas para obtenção da autorização de serviço de interesse coletivo pela empresa: I – estar constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País; II – não estar proibida de licitar ou contratar com o Poder Público, não ter sido declarada inidônea ou não ter sido punida, nos dois anos anteriores, com a decretação da caducidade de concessão, permissão ou autorização de serviço de telecomunicações, ou da caducidade de direito de uso de radiofrequência; III – dispor de qualificação técnica para bem prestar o serviço, capacidade econômico-financeira, regularidade fiscal e estar em situação regular com a Seguridade Social; IV – não ser, na mesma região, localidade ou área, encarregada de prestar a mesma modalidade de serviço”.

[188] Cf. DI PIETRO. Parcerias na administração pública:  concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, p. 132-139.

[189] COUTO; SILVA, op.cit., p. 71.

[190] Cf. JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 130.

[191] JUSTEN FILHO. Curso de direito administrativo, p. 494.

[192] Ver: MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p. 327.

[193] É importante salientar que existem limites ao controle estatal sobre o uso das frequências do espaço eletromagnético, para fins de proteção ao exercício da liberdade de expressão. É o caso, por exemplo, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969), aprovada pelo Decreto nº 678/92 que dispõe o seguinte: “3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controle oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões” (art. 13).

[194] A adoção de uma interpretação ampla era o escopo da Proposta de Emenda Constitucional nº 55, de 2004, de autoria do Senador Maguito Vilela, a fim de incluir na referida restrição constitucional em favor do conteúdo a “empresa de acesso a Internet e de empresa que explore a produção, programação ou provimento de conteúdo de comunicação social eletrônica dirigida ao público brasileiro, por qualquer meio e independentemente dos serviços de telecomunicações de que façam uso […]”. O objetivo da proposta é a “defesa soberana e da identidade nacionais, bem como o desenvolvimento da cultura e proteção do patrimônio cultural brasileiro”. Segundo o parecer do Conselho de Comunicação Social a proposta é legítima na medida em que o objetivo primordial é a defesa do conteúdo brasileiro em face do estrangeiro, independentemente da plataforma tecnológica adotada. Conferir o Parecer nº 2, de 2005, do Conselho de Comunicação Social, Relator: Paulo Tonet Camargo.

[195] Cf. BARROSO. Constituição, comunicação social e as novas plataformas tecnológicas. In: BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 103. Em sentido contrário, Walter Ceneviva conclui: “[…] obrigar estas empresas (internet, TV por assinatura, empresas jornalísticas on line) à observância dos princípios arrolados no art. 221, não tem consistência prática nem coerência com a sua realidade atual. A amplitude do conceito ‘meio de comunicação social eletrônica’ poderá trazer sérios problemas para sua aplicabilidade, que poderão não ser solucionados ainda que com a edição de lei específica”. Cf. Serviços de Radiodifusão, texto publicado no site da Associação Brasileira de Direito da Informática e Telecomunicações em <www.adbi.org.br/artigos.php?artigo=23>. Acesso em: 2 nov 2006.

[196] Nos EUA, sempre que surgia um novo meio de comunicação a tendência era enquadrá-lo no regime da radiodifusão, mediante o emprego de analogias. Em outras palavras, a agência reguladora promovia o enquadramento positivo ou negativo e, posteriormente, ocorria a discussão judicial em torno da qualificação ou desqualificação do novo serviço como radiodifusão. Ocorre que, com o surgimento da Internet, simplesmente, houve a ruptura com esse padrão de analogia, em razão de sua própria natureza multimídia. Ver Capítulo 3.

[197] A preocupação com a proteção do conteúdo nacional no setor de radiodifusão é antiga. Cf. Adriano Ribeiro: “Muitas foram as tentativas com o intuito de estabelecer certa proporcionalidade entre a transmissão de programas envolvendo obras estrangeiras e nacionais, com a projeção compulsória de um filme nacional por semana, criada pelo Decreto nº 52.286 de 23.01.1963. Contudo, ainda, hoje, o espaço ocupado pelo produto estrangeiro, principalmente nas emissoras de canal fechado, ainda é muito grande” (RIBEIRO, A. op.cit., p. 34).

[198] Em que pese a destacada atuação do Ministério Público, notadamente com a propositura de ações civis públicas contra as emissoras de televisão em razão de abusos cometidos na programação, e a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente, entende-se pela necessidade de novas medidas legais em defesa da pessoa e da família perante a programação audiovisual. É certo que existem organizações sociais bastante atuantes em favor da democratização da mídia em nosso País como é o caso do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e o Coletivo Intervozes.

[199] Sobre o tema, é essencial a leitura da obra O ombudsman e o controle da administração (São Paulo: EDUSP: Ícone, 1994), de Marcos Jordão Teixeira do Amaral Filho. Não se desconhece, por óbvio, a falta de tradição de ativismo cidadão em nosso País correspondente a estados de apatia política (falta de estímulo à participação), abulia política (não querer participar) e acracia política (não poder participar). Conferir; MODESTO. Participação popular na administração pública: mecanismos de operacionalização. Revista Direito do Estado.

[200] Nesse particular, adere-se á proposição originária do professor COMPARATO. A democratização dos meios de comunicação de massa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. P. 165-166.

[201] Nesse aspecto, observe-se que a Lei nº 9.795/99, que trata da educação ambiental, dispõe sobre o dever dos meios de comunicação de colaborar ativamente na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente.

[202] COMPARATO. A democratização dos meios de comunicação de massa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 163.

[203] Nesse sentido, é de fazer a justa homenagem ao professor Fábio Konder Comparato, que há tempos sustenta a necessidade de um órgão administrativo autônomo para cuidar da regulação e fiscalização do setor de comunicação social ( COMPARATO. A democratização dos meios de comunicação de massa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 164

[204] Um dos fundamentos para a restrição do poder dos proprietários dos meios de comunicação consiste justamente na função social da propriedade. A esse respeito, consultar: MALUF: Limitações ao direito de propriedade; e BACELLAR FILHO. Direito administrativo e o novo Código Civil, p. 152-166.

[205] Ao contrário de outros países desenvolvidos que adotaram uma lei tratando da televisão digital, o Brasil por um mero Decreto regulamentou o padrão de televisão digital, fato esse que viola a competência do Congresso Nacional para apreciar a matéria. Esta, entre outras questões, é levantada pela Ação Civil Pública nº 2006.38.00.026780-0/Classe 7100, com pedido de suspensão liminar do decreto, proposta pelo MPF perante a 20ª Vara Federal de Minas Gerais contra a União, em face da invalidade do referido decreto que criou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Contudo, o juízo sentenciou e indeferiu a petição inicial por entender que ela é inepta. A íntegra do texto da ação pode ser localizada no site www.intervozes.org.br, e a da decisão, no site www.fndc.org.br (Acesso em: 29 dez. 2006). Além disso, o Decreto nº 5.820/2006 é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3944 movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL) junto ao STF, cujo relator é o Min. Carlos Ayres Britto.

 

 

 

[206] Para além da questão jurídica, trata-se de um ponto essencial em termos de disputa pelo mercado de serviços de comunicações eletrônicas entre emissoras de televisão e empresas de telecomunicações, especialmente a transmissão de conteúdo audiovisual pelos telefones celulares. Em verdade, a problemática acentuou-se  quando da elaboração pela Anatel da Resolução sobre os Serviços de Comunicação Multimídia, o que ensejou a edição da Súmula Anatel nº 006, de 24 de janeiro de 2002, vindo a ratificar a distinção entre os serviços de comunicação multimídia e os serviços de radiodifusão e os de TV por assinatura. Um dos fatores em discussão era a separação entre o mercado corporativo e o mercado residencial em termos de serviços de comunicação. Ver: MEDEIROS. A convergência e o novo marco regulatório no âmbito da União Européia.

[207] Cf. a questão abordada no Relatório do CRP Telecom & It Slutions referente à Política Industrial: Panorama Atual,  do Projeto Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Modelo de Implantação. Eis o que explica o relatório: “Com o advento da TV Digital, é possível transportar na mesma banda de 6MHz de radiodifusão terrestre cerca de 19 Mbits/s, o que abre novas oportunidades quanto à oferta de sinais com qualidade superior de imagem e som. Se a opção for pela alta definição, pode-se utilizar tecnologias que necessitem entre 8 Mbit/s e 18-20 Mbit/s (H.264 e MPE-2, respectivamente). Por outro lado, se a opção for pela definição padrão, serão empregadas taxas inferiores àquelas exigidas pelo H.264 para a alta definição. Dessa forma, dependendo da tecnologia que for adotada, nem toda a capacidade de transporte de informações  disponível será efetivamente usada. Em relação  aos aspectos regulatórios, essa situação entre em conflito com a legislação existente no aspecto do uso eficiente do espectro de radiofrequências. Há também que se considerar que a frequência consignada a uma concessionária é de propriedade da União e que seu melhor uso, inclusive àquele gerado pelo processo técnico-cientifico, pode ser disciplinado de maneira diferente do usualmente adotado” (op.cit., p. 20-21).

[208] A diferença entre as modalidades de transmissão digital reside, basicamente na qualidade dos sons e das imagens: definição padrão (imagem do formato 4:3 – largura versus altura e resolução de 408 linhas, com 704 pontos cada uma, sendo uma tecnologia mais simples e barata) e alta definição (imagem com formato 16:9 e recepção em aparelhos com 720 linhas de 1.920 pontos, sendo uma tecnologia mais complexa e cara). Na prática, a transmissão SDTV permite a recepção do sinal de televisão em melhor estado que comparativamente em relação à transmissão analógica, eis que permite a eliminação das interferências, enquanto a transmissão digital HDTV permite a recepção em qualidade análoga à do cinema, em termos de vídeo e áudio. Um outro modo de transmissão digital que não foi levado em consideração pelo referido Decreto consiste na forma EDTV, uma definição intermediária entre as duas outras referidas que possibilita a utilização de aparelhos com 720 linhas de 1.280 pontos, cuja resolução é próxima ao DVT, dependendo da técnica de compressão do sinal digital.

[209] Ver capítulos 3 e 4.

[210] Cf. FREITAS, I. Televisão digital: que imagem terá o modelo brasileiro? Consultoria Legislativa do Senado Federal.

[211] Art. 35 da Lei nº 4.117/62.

[212] Segundo Jónatas Machado: “Do mesmo modo, não existe uma garantia de jure contra a concorrência por parte de terceiros, não podendo os operadores existentes invocar prováveis danos econômicos resultantes da atribuição de novas licenças em virtude da escassez do mercado publicitário” (MACHADO, J.). Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 949).

[213] A televisão por radiodifusão adota um conceito de rede de difusão unidirecional em que a informação parte de um ponto de rede em direção aos receptores espalhados em determinada área de cobertura, sendo que os receptores, a princípio, não têm capacidade para interagir com o emissor (Controle de qualidade da radiodifusão. Mecanismos de aplicação do Artigo 221, IV, da Constituição Federal. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, p. 23)

[214] Acerca do novo modelo de regulação dos serviços públicos a partir da noção de desintegração do setor da separação das atividades, consultar: ARIÑO ORTIZ, Princípios de derecho público económico, p. 610-613.

[215] Para aprofundamento da questão relacionada à gestão do patrimônio radioelétrico, ver: FREITAS, I., op.cit., p. 45.

[216] Cf. Contribuição do Ministério da Cultura à implantação do sistema brasileiro de televisão intitulado Projeto SBTVD – Questões Centrais para uma Tomada de Decisão (p.19).

[217] A respeito, consultar: NUSDEO. A regulação e o direito da concorrência. In: NUSDEO. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 171; FARACO. Regulação e direito concorrencial:  as telecomunicações, p. 296-307.

[218] Acerca do tema, conferir: ARIÑO. Princípios de derecho público e económico, p. 615-617.

[219] A propósito, o Código de Defesa do Consumidor estabelece o seguinte:

“Art. 31. A oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa, sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”.

Revista de Direito de Informática e Telecomunicações, v.10, Belo Horizonte: Editora Fórum, pág. 67-169, jan-jun, 2011.

 

 

 

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Radiodifusão – Estudo de caso. A questão da concentração da propriedade privada de rádios e televisões comerciais

Ericson Meister Scorsim

Resumo: O artigo analisa sentença judicial que, em ação civil pública, julgou improcedente pedido do Ministério Público Federal para impedir que o Grupo Rede Brasil Sul de Comunicação – RBS, em Santa Catarina, acumulasse emissoras de televisão por radiodifusão comercial acima do número máximo legal permitido (duas por Estado). Na petição inicial foi requerida a fixação judicial de percentual mínimo de programação local dos serviços de radiodifusão de sons e imagens, para fins de regionalização da produção cultural, artística e jornalística. Discute-se a ilegalidade da aquisição do controle da empresa jornalística “A Notícia”, por uma empresa ligada ao grupo RBS, alegando-se abuso de poder econômico.

Palavras-chave: Radiodifusão – Concessão – Propriedade de emissoras comerciais de televisão por radiodifusão – Grupo de Comunicação RBS – Limites à Propriedade Privada – Art. 12 do Decreto-Lei 236/67 – Aquisição de empresa jornalística – Abuso de poder econômico – Percentual mínimo da programação local de televisão – Art. 221, inc. III, da Constituição – regionalização da produção cultural, artística e jornalística – Falta de lei regulamentadora – Descabimento de criação judicial de obrigações positivas para a programação televisiva – Ação civil pública – Pedidos julgados improcedentes.

1. Apresentação do Caso: as questões relevantes.

O Ministério Público Federal ingressou com ação civil pública contra as emissoras de televisão, de algum modo ligadas ao Grupo RBS – Rede Brasil Sul de Comunicação, situadas em território catarinense, que transmitem o sinal da Rede Globo de Televisão. Figuram também como rés: TV Coligadas de Santa Catarina S/A (RBS TV Blumenau), Televisão Chapecó S/A (RBS TV Chapecó), RBS TV Criciúma Ltda., RBS TV de Florianópolis S/A, Televisão Joaçaba Ltda. e a Cia Catarinense de Rádio e Televisão (RBS TV Joinville).

A ação foi dirigida contra A Notícia S/A Empresa Jornalística, RBS – Zero Hora Editora Jornalística S/A, União e o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Questionou-se a alienação do controle societário da empresa “A Notícia”, veículo tradicional sediado em Joinville, para RBS Zero Hora Editora Jornalística.

Em síntese, são três as questões principais debatidas na ação judicial:

1.1.        a interpretação da regra sobre os limites da propriedade cruzada dos meios de radiodifusão, contida no caput do art. 12 e respectivos parágrafos do Decreto-Lei 236/67, que modificou dispositivos da Lei 4.117/62, o qual permite a única entidade de radiodifusão de sons e imagens titularizar, no máximo, duas concessões por estado;

1.2.        a aplicação direta do princípio constitucional referente ao percentual de produção e programação local nas emissoras de televisão, estabelecido no art. 221, inc. III, da Constituição, a fim de determinar a modificação do conteúdo da programação televisiva, impondo-se judicialmente um percentual mínimo de programação de âmbito local, para fins de atendimento ao mandamento da regionalização da produção cultural, artística e jornalística;

1.3.        a ilicitude da aquisição da empresa jornalística responsável pelo Jornal “A Notícia” pelo Grupo RBS, eis que configurado o abuso do poder econômico, nos termos da Lei da Concorrência.

A seguir serão detalhadas as questões controvertidas pertinentes ao caso.

2.      Tese da ação civil pública

O MPF alega que o Grupo RBS, somando-se os veículos de comunicação em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, é integrado por 18 (dezoito) emissoras de televisão aberta, 2 (duas) emissoras locais de televisão, 8 (oito) jornais diários, 26 (vinte e seis) emissoras de rádio e 2 (dois) portais da internet, uma editora e uma gravadora. Segundo consta da petição inicial, este fato é contrário ao disposto no art. 12, inc. II, do Decreto-Lei 236/1967, o qual trata das restrições à concentração da propriedade privada de rádios e televisões comerciais por radiodifusão. Conforme o MPF, a partir da análise da estrutura societária do Grupo RBS, “a utilização de uma série de pessoas jurídicas interpostas, se destina a afastar a aplicação da legislação que trata do controle dos órgãos de telecomunicação (sic)”. Trata-se, segundo o autor da ação, de “ilícita concentração de estações geradoras de televisão pela RBS”. Pede, ao final, a “obrigação de fazer, redução (sic) das emissoras de televisão do Grupo RBS ao máximo permitido, qual seja, duas (Dec.-Lei n. 236/67), transferidas as demais a outros titulares sem vínculo empresarial ou pessoal com a RBS”. Requer, adicionalmente, a obrigação de veiculação de um percentual mínimo de programação com conteúdo local, em percentual a ser fixado judicialmente a partir da razoabilidade, considerando-se o horário e a audiência, aplicando-se o art. 221, III, da Constituição Federal. Uma vez garantida a veiculação dos programas nacionais, pede que 30% da “grade televisiva no âmbito do Estado de SC, desses sendo 10% nas respectivas regiões interioranas aonde sediadas as emissoras regionais”. Alega a ilicitude da compra do Jornal A Notícia pela RBS Zero Hora Editora Jornalística S/A, eis que ocorrente abuso do poder dominante do Grupo RBS, no mercado jornalístico regional. Pede o desfazimento do negócio, com o retorno da propriedade da empresa jornalística aos titulares anteriores ou a sua venda para terceiros, sem qualquer vínculo empresarial ou pessoal com a RBS. Aduz que o oligopólio da mídia é mais lesivo à sociedade do que qualquer outro setor, isto porque tem o potencial de manipular a informação, em detrimento da concorrência no mercado.

3.  As defesas das emissoras de televisão, da União e do CADE        

Em sua defesa, as empresas de radiodifusão afirmaram que não existe uma única pessoa com participação em mais de 2 (duas) emissoras. Há independência societária e administrativa entre as empresas. O Grupo RBS, segundo trecho da decisão judicial: “consubstancia negócios de grupos de acionistas distintos, presentes nos setores de mídia, que atuam por meio de empresas desprovidas de vínculos societários ou administradores comuns, e que por razões históricas e de marketing se valem de bandeira comercial comum”. As restrições constantes do Decreto-Lei 236/67, por imporem limites à liberdade empresarial, devem ser interpretadas de modo restritivo.

A União foi acusada pelo autor de omissão quanto à fiscalização dos limites legais da propriedade das empresas de radiodifusão. Defendeu a legalidade dos negócios relacionados à constituição e ao funcionamento das emissoras. Alega que sua competência constitucional serve para o controle e a distribuição das faixas de frequências do espectro radioelétrico. Sustentou que o fato dos acionistas das concessionárias pertencerem a uma mesma família não caracterizada a violação da regra que restringe a apenas 2 (duas) as estações de radiodifusão por entidade em cada estado. Disse que as empresas integrantes do Grupo RBS “não tem o controle sobre a oferta dos serviços de radiodifusão de sons e imagens em Santa Catarina ou no Rio Grande do Sul, necessários à caracterização do oligopólio apontado pelo órgão ministerial”, conforme destaca a decisão judicial. Não há, conforme a legislação federal, possibilidade jurídica de outorga de concessão para determinada família.

O CADE alegou que a operação de aquisição do capital social da A Notícia Empresa Jornalística pelo Zero Hora Editora Jornalística S/A foi devidamente aprovada mediante análise do ato de concentração, eis que não verificada nenhuma irregularidade no negócio entre as partes.

4. Sentença de improcedência dos pedidos

A decisão entendeu que não “restou cabalmente demonstrado nos autos” a violação do art. 12 do Decreto-Lei 236/67, especificamente a regra que proíbe a concessão de mais de duas emissoras de radiodifusão à mesma empresa. Segundo a sentença (valendo-se do argumento da União): “não houve a concessão de serviços de radiodifusão à ‘família Sirotsky’, e sim a pessoas jurídicas distintas, com quadro societário diverso, o que se comprova mediante o exame dos respectivos estatutos sociais juntados aos autos”.

Da leitura da r. decisão conclui-se que as provas dos autos judiciais não foram suficientes para demonstrar à infração ao referido dispositivo normativo, conforme alegado pelo autor da ação. Consta, ainda, da sentença que as emissoras de televisão, ora qualificadas como rés, não dominam o mercado publicitário catarinense. É fato público e notório que atuam outras empresas que disputam receitas de publicidade, filiadas às redes nacionais, Sistema Brasileiro de Televisão – SBT, Rede Bandeirantes de Televisão e Rede Record de Televisão. Há, portanto, plena competição no mercado, razão pela qual é improcedente a alegação de formação de oligopólio da mídia. Ao tratar dos princípios referentes à produção e programação das emissoras comerciais dispostos no art. 221 da CF, o eminente juiz entendeu que se trata de dispositivo não auto-aplicável que demanda regulamentação pelo legislador. Estes princípios, de acordo com a sentença, não são capazes de criar obrigações para as emissoras no que tange à programação televisiva. Ao Judiciário é vedado, ainda baseado em princípio constitucional, “estabelecer percentuais de programação televisiva sem base legal”. Quanto à operação de aquisição do controle acionário da empresa jornalística A Notícia, entendeu pela inexistência de infração à ordem econômica.

5. Reflexões sobre o caso dentro do contexto normativo 

 5.1. Discussão dos limites estatais da propriedade cruzada das emissoras comerciais de televisão por radiodifusão: a inadequação do critério legal

 Como já referido, o Decreto-lei nº 236/67, ao tratar dos limites da propriedade privada cruzada das emissoras de televisão, estabeleceu como critério o número de estações radiodifusoras no âmbito nacional (máximo, dez) e regional (duas por estado), de propriedade de uma mesma “entidade”. A r. sentença acolheu a interpretação do dispositivo mencionado invocada na defesa do poder concedente. Tradicionalmente, o Poder Executivo classifica como entidade tanto a pessoa física quanto a jurídica. Esta interpretação não considera as relações de parentesco porventura existentes entre os integrantes das empresas radiodifusoras. Verificou-se apenas formalmente quais são as pessoas jurídicas proprietárias das estações de radiodifusão que possuem o direito à prestação dos serviços de televisão por radiodifusão e seus respectivos sócios. A r. sentença não acolheu a proposta interpretativa ampla do autor da ação. O MP requeria a consideração da atuação empresarial unitária e conjunta de todas as emissoras de televisão geradoras de uma mesma programação televisiva no âmbito de Santa Catarina.

É relevante apresentar algumas considerações a respeito do contexto em que está inserido o art. 12 do Decreto-Lei nº 236/67, o qual restringe a acumulação de concessões de estações de radiodifusão a, no máximo, duas por estado. Primeiro, trata-se de dispositivo imposto no regime militar. Não é, portanto, uma Lei debatida e votada no Congresso Nacional. Diferentemente da Lei 4.117/62, que ainda disciplina os serviços de radiodifusão, que foi discutida exaustivamente no parlamento, com inúmeros artigos vetados pelo Presidente João Goulart e que foram, posteriormente, derrubados pelo parlamento. Segundo, o critério do número de emissoras de radiodifusão, no território nacional ou estadual, é arbitrário e artificial. Trata-se de uma regra de controle prévio das estruturas de comunicação social. A arbitrariedade decorre de sua irrazoável e desproporcional proibição quantitativa quanto ao número de emissoras comerciais. Este limite fere a liberdade de iniciativa no mercado da radiodifusão. Por que, nos estados mais ricos e populosos da federação, um único grupo de comunicação não pode ser proprietário de mais de duas emissoras de televisão? A medida questionada cria barreiras artificiais à entrada de competidores. O número de emissoras não é o parâmetro adequado para avaliar a concentração no setor. Mais importante é saber se, no âmbito geográfico estadual, existem outras emissoras ou grupos concorrentes capazes de disputar a audiência e a atenção dos consumidores. A concentração econômica é um mecanismo de autodefesa empresarial, utilizado para a sobrevivência no mercado. É, também, a estratégia utilizada para expansão e universalização dos serviços de radiodifusão. Talvez, se, desde suas origens, fosse aplicada uma “interpretação estritamente literal” do art. 12 do Decreto-Lei nº 236/67 não teriam surgido as redes nacionais de televisão. Ou, quem sabe, sequer os serviços de radiodifusão teriam sido universalizados. A regra, ora analisada, é incongruente e insuficiente em termos de política pública regulatória. Isto porque ela é incompatível com a evolução do mercado brasileiro e suas respectivas conexões com a economia internacional. Modernamente, as empresas atuam sob titularidades e nomes diferentes. Porém, normalmente a gestão é feita, de modo articulado, sob um centro de direção que desempenha o controle de fato. Esta realidade implica na necessidade de revisão dos conceitos do direito administrativo, quanto ao aspecto do controle da propriedade das concessões de radiodifusão, para incorporar as noções de poder de controle do direito societário e do direito econômico. Daí a necessidade de revisão da lei da radiodifusão para ser adaptada a novos conceitos. As noções atuais mais atualizadas de limites ao poder da mídia, para fins de garantia da concorrência e pluralismo, não se restringem ao controle da propriedade privada direta. Ao contrário, consideram o potencial de influência de um agente econômico sobre outro, verificando-se os acordos, contratos e alianças estratégicas, firmados na produção, financiamento, transmissão e distribuição de programas televisivos. Dentro de um novo cenário de convergência de mídias, como assegurar a competição leal e a igualdade de condições entre os meios de radiodifusão, os serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado e aqueles de distribuição de conteúdo audiovisual que se utilizam da internet?  O critério em análise não é compatível com a eficiência do mercado na alocação de recursos escassos, na hipótese de utilização das freqüências do espectro eletromagnético. Ora é imprescindível a atualização da lei da radiodifusão de modo a possibilitar a redução dos custos de transação. O parâmetro normativo é contrário ao princípio da livre competição, pois reduz o potencial competitivo das empresas de radiodifusão e a liberdade de iniciativa em diversas localidades. Quanto maior for o número de estações geradoras de radiodifusão que uma empresa ou grupo empresarial possuir, maior será, a princípio, o potencial de geração de conteúdo local. Caso contrário, haverá apenas a multiplicação de estações repetidoras e retransmissoras, vez que inalcançadas pela limitação do texto legal. Além disso, o núcleo-chave para a compreensão do problema das restrições à propriedade privada no setor de radiodifusão passa pela interpretação do art. 220, §5º, da Constituição. Esta regra dispõe que os meios de comunicação social não podem ser direta ou indiretamente objeto de monopólio ou oligopólio. Trata-se da garantia do pluralismo na mídia: diversidade e pluralidade de meios e de conteúdos. O STF, na ADPF nº 130/DF, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, em decisão proferida no contexto do julgamento que concluiu pela não recepção da Lei de Imprensa, a qual havia sido adotada no regime militar (1967), ao abordar o art. 220, §5º, afirmou que se trata de “norma constitucional de concretização de um pluralismo finalmente compreendido como fundamento das sociedades autenticamente democráticas; isto é, o pluralismo como a virtude democrática da respeitosa convivência dos contrários”. Na mesma decisão afirmou-se: “A proibição do monopólio e oligopólio como novo e autônomo fator de contenção de abusos do chamado ´poder social da imprensa´”. E, ainda, garantiu-se a ampla e irrestrita proteção à liberdade de imprensa quanto à produção e difusão de conteúdos, salvo as restrições constitucionais que protegem outros bens. Na ocasião, reconheceu-se a diferenciação do tratamento normativo entre a mídia impressa, a radiodifusora e a televisiva. Ainda no contexto da ADPF nº 130, o STF reiterou o seu entendimento dos serviços de radiodifusão como uma espécie de serviço público próprio da União. Porém prestados pela iniciativa privada mediante contratos de concessão, ou permissão ou autorização. Em outro momento, ao julgar a ADI 3.944/DF, a Corte confirmou este entendimento. No julgamento da constitucionalidade do Decreto 5.820/206, que trata do Sistema Brasileiro de TV Digital, analisou-se a transição do padrão de transmissão da radiodifusão analógica para a digital. Afirmou-se que as emissoras de televisão comercial, por serem concessionárias do serviço público de radiodifusão, têm que aceitar a obrigação administrativa, ainda que seja criada por regulamento de maneira a impor novos encargos ao contrato de concessão, representada pela mudança do padrão de televisão. O Ministro Relator Carlos Ayres Britto consignou: “não considero a televisão digital um novo serviço ante a TV analógica. Trata-se ainda de transmissão de sons e imagens por meio de ondas radioelétricas (radiodifusão). Transmissão, é verdade, que passa ser digitalizada e a comportar avanços tecnológicos, mas sem perda de identidade jurídica”. Decidiu-se, ainda que o decreto, ao consignar canais adicionais de freqüências para as emissoras comerciais, não ofenderia o art. 220, §5º, da Constituição. Cumpre destacar que esta visão tradicionalíssima do STF considera todas as espécies de rádio e televisão como serviço público. Por outro lado, com o devido respeito, esta interpretação clássica desconsidera as características essenciais de cada conceito tipológico ligados aos serviços de radiodifusão. E, ainda, não atende ao imperativo da máxima efetividade do art. 223, da CF, que consagrou o princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão estatal, público e privado, questão esta mais à frente analisada.  Por outro lado, alerte-se para o fato do art. 220, §5º, não ter sido ainda regulamentado pelo legislador. Isto ensejou o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão – ADO nº 09, ora pendente de julgamento no STF. Enfim, a questão mais relevante a ser discutida gira em torno dos limites das restrições estatais ao direito à propriedade privada. Sabe-se que a propriedade não é um direito absoluto, mas também não são absolutas as competências estatais. Deste modo, as freqüências são classificadas como uma espécie de bem público. Todavia, o direito de uso não pode ser reservado exclusivamente à União, sob pena de grave inconstitucionalidade. O direito à criação de estações de radiodifusão está diretamente ligado à regulação do acesso e do uso das freqüências. Paradoxalmente, malgrado a robustez das mudanças do modelo regulatório da radiodifusão causadas pelo texto constitucional, o debate em torno de sua regulação precisa ser redefinido. A Constituição, ao promulgar o Estado Democrático de Direito, rejeita a concepção do controle dos meios de comunicação social. Este enfoque do controle contém um viés autoritário e perigoso à liberdade de comunicação. Sem dúvida alguma, a Constituição admite e exige a regulação dos serviços de radiodifusão em suas diferentes modalidades. A contemporânea concepção regulatória, que se liberta do Estado controlador e advoga um Estado Regulador, por sua própria natureza, demanda o equilíbrio na consideração equitativa de todos os interesses em conflito. Neste contexto admite-se a edição de uma lei específica para o setor de radiodifusão, desde que veicule parâmetros mínimos. Atualmente, em razão das garantias da Constituição à liberdade de imprensa, reconhecida em jurisprudência do STF (evidentemente aplicável à liberdade de radiodifusão com as adaptações necessárias tendo em vista o acesso e a utilização das freqüências), é inconstitucional a edição de lei com a finalidade de maximizar o controle sobre a liberdade dos meios de comunicação. Entende-se que o centro da discussão deve partir da própria visão crítica à concessão de serviço público. As televisões e rádios comerciais não devem ser mais qualificadas como uma “concessão” da União. As emissoras comerciais devem ser reconhecidas como representantes de uma atividade econômica como qualquer outra. Devem ser submetidas ao regime privado e não mais ao regime de concessão de serviço público. Há aqui uma questão de princípio: não existe liberdade concedida. A concessão da liberdade é algo típico dos regimes autoritários. Em um Estado Democrático de Direito, a liberdade de comunicação social é de titularidade das empresas de comunicação, sejam brasileiras ou estrangeiras. A restrição estatal abusiva à propriedade privada no setor da comunicação pode representar um sacrifício maior: um atentado às liberdades democráticas, especialmente à livre produção e difusão de conteúdos. O dirigismo estatal na produção e na difusão de conteúdo audiovisual é mais perigoso aos bens democráticos do que o livre exercício da propriedade privada dos meios de comunicação. Em uma moderna concepção regulatória da comunicação social, não há como ignorar que as mentes que recebem as informações são livres; elas detêm o controle quanto à recepção das mensagens. Algumas, certamente são influenciáveis, outras não. O controle do imaginário popular e da opinião pública é historicamente disputado pelo poder político. Agora, uma democracia madura depende do reconhecimento e do respeito à autonomia dos cidadãos e a liberdade dos consumidores. No campo midiático, as medidas regulatórias de caráter paternalista não são saudáveis para o amadurecimento da cidadania brasileira. A hipótese de maior restrição estatal à liberdade de radiodifusão é no domínio das emissoras de televisão e de rádio estatais e públicas. Estas modalidades são serviços públicos em seu sentido clássico. Diferentemente, as emissoras comerciais estão submetidas dentro de um regime de autonomia privada muito maior, se comparadas com as estatais e as públicas não-estatais. Há um núcleo essencial da autonomia das emissoras comerciais que não pode ser restringido por lei, muito menos pelo Poder Executivo. Esta diferenciação de tratamento normativo entre os diversos meios de radiodifusão não pode ser desconsiderada. É inegável a necessidade de regras de limitação à propriedade para a convivência e a harmonização entre os diferentes setores. É fundamental garantir condições mínimas para a competição equilibrada. Por exemplo, a recente Lei nº 12.485/2011, que trata dos Serviços de Comunicação Audiovisual de Acesso Condicionado, aprovou limite para o controle ou titularidade da participação do capital total e votante das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações por concessionárias ou permissionárias de radiodifusão. Também, impôs o limite de 30% (trinta por cento) do controle ou participação do capital total e votante das rádios e televisões por radiodifusão, de produtoras e programadoras com sede no Brasil, por empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo. Estipulou, ainda, restrições às empresas de telecomunicações quanto à aquisição ou financiamento da compra de direitos de exploração de imagens de eventos de interesse nacional e a contratação de talentos artísticos nacionais, inclusive direitos sobre as obras de autores nacionais.

A seguir será analisada a autonomia privada das emissoras de televisão quanto à organização de sua grade de programação, sendo a lei a única fonte de obrigações para eventuais restrições impostas em nome da regionalização da produção cultural, artística e jornalística.

5.2. Restrições à liberdade de programação televisiva, baseadas no art. 221, inc. III, da Constituição, somente podem ser impostas mediante lei prévia e compatível com os outros dispositivos constitucionais: a primazia da autonomia privada diante da omissão legislativa  

A aplicação direta dos princípios catalogados no art. 221, inc. III, da Constituição, sem a intermediação detalhada de lei federal, cria modificações profundas no modelo de negócios, na produção e programação das emissoras. Afirmou a r. sentença que o princípio constitucional, dotado de vagueza e intensa carga de abstração, não é suficiente para justificar a criação de obrigações positivas na produção e programação das tevês, independentemente de lei. A liberdade de comunicação das concessionárias não pode ser restringida, sem a prévia existência de lei que detalhe suas obrigações. A imposição de limites quer pelo Poder Executivo, quer pelo Poder Judiciário, à autonomia privada das empresas de comunicação social, sem o respaldo de lei, é ofensiva ao princípio da reserva legal. É inegável o surgimento de expectativas quanto à realização da regionalização da produção e programação televisiva. Acontece que, se prevalecente a tese do autor, seria criado um cenário de incerteza e insegurança regulatórias para o modelo da radiodifusão, o que comprometeria suas funções. Afinal, o preenchimento da grade de programação das emissoras depende de prévio planejamento do conteúdo audiovisual a ser veiculado. Para tanto, são celebrados inúmeros contratos ligados aos investimentos, à produção, à exibição e distribuição de programas televisivos. Existe um modelo de negócios, estabelecido há décadas, baseado na interpretação da legislação em vigor e da própria Constituição que não pode ser radicalmente afetado de um momento para outro, sob pena de grave ofensa à segurança jurídica e à legalidade.

6. Conclusões

Em síntese, o estudo do caso judicial fundamentou-se dentro do contexto da evolução do tratamento jurídico conferido aos serviços de televisão e rádio por radiodifusão. A história brasileira apresenta dois momentos significativos de afirmação da liberdade de radiodifusão: a Lei 4.117/62 e a Constituição de 1988, ambas surgidas em regimes democráticos. Entretanto, no intervalo entre estes dois períodos, o regime militar causou grave retrocesso ao País. Dentro de um contexto autoritário é que aparece o Decreto-Lei nº 236/67 que modificou dispositivos da Lei 4.117/62. Ora, com a Constituição de 1988 e suas respectivas emendas, adotou-se uma nova proposta para a organização do Estado e do mercado, o que inclui a comunicação social. Em um novo ambiente de livre competição, não devem ser mais admitidas barreiras estatais artificiais à entrada no mercado de radiodifusão. As restrições descabidas e abusivas ao direito de acesso e de uso das freqüências do espectro, tão necessárias aos serviços de radiodifusão, devem ser eliminadas. Em síntese, a sentença judicial, ora examinada, julgou duas questões relevantes para o direito da comunicação: a propriedade cruzada das televisões comerciais por radiodifusão e a regionalização da produção artística, jornalística e cultural. O cenário normativo e teórico subjacente ao caso é muito maior, inclusive demanda a atualização da legislação. Entre outras, por duas razões básicas: a inadequação do critério legal que disciplina a propriedade cruzada e a omissão legislativa quanto à regulamentação dos artigos constitucionais acima mencionados.

Revista de Direito das Comunicações, v.4, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais – RDCom, pág. 293-315, jul-dez,  2011.

 

 

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Igrejas na televisão: acesso e limites. Da fé no mercado ao mercado da fé?

Ericson Meister Scorsim

A mídia tem apresentado diversas notícias a respeito das relações entre a Igreja Universal e a Rede Record. Destaque foi dado à denúncia criminal apresentado pelo Ministério Público de São Paulo contra o bispo Edir Macedo e outras pessoas.

O presente texto tem o propósito de apresentar o quadro regulatório referente ao acesso à atividade de televisão por grupos religiosos e seus respectivos limites. Tal tema implica em inúmeras reflexões de extrema relevância para a sociedade.

A televisão tornou-se um instrumento valioso para a difusão da fé pelas igrejas. Será que as instituições religiosas podem acessar canais de televisão? Entendo que a resposta é positiva, pois há a garantia constitucional neste sentido. A Constituição de 1988 determina que é vedado ao Estado “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, na forma da lei, a colaboração de interesse público” (art. 19). Este preceito não tem o efeito de vedar a exploração pelos grupos religiosos da atividade de televisão por radiodifusão. A Constituição adota a forma de Estado laico, para garantir a democracia, isto é, para possibilitar o governo de todos e para todos. Proíbe-se o governo de atuar em favor de determinada agremiação de natureza religiosa. Contudo, repita-se, isto não significa a negação do acesso das igrejas na atividade de televisão.

A norma deve ser interpretada no sentido da imposição da neutralidade do Estado em face das correntes religiosas. Ou seja, deve ser mantido o saudável distanciamento para a democracia entre o poder político e poder religioso.

O Estado laico, ao contrário de um Estado teocrático, não pode adotar nenhuma religião, mas tem a prerrogativa de, em regime de colaboração, desenvolver com as igrejas atividades de interesse público. O Estado laico afirmou-se em resposta aos abusos cometidos pela intromissão das forças religiosas na política dos países. Trata-se de uma forma de proteção contra a intolerância e a violência decorrente das diferentes manifestações em nome de Deus.

A Carta Fundamental tanto respeita a liberdade religiosa quanto a liberdade de comunicação social. É garantido o “livre exercício dos cultos”, bem como “na forma da lei, a proteção dos seus locais de culto e as suas liturgias” (art. 5º, VI). Portanto, está amparada a transmissão ao vivo do culto, da pregação ou da missa quanto qualquer outra manifestação religiosa, ainda que gravada. Atualmente, não é concebível pensar no exercício da liberdade de culto sem a disponibilidade de sua veiculação pela televisão.

Por outro lado, pode-se argumentar que o regime de serviço público impede o acesso dos entes religiosos à atividade de televisão. Ora, a técnica de qualificação da radiodifusão como uma modalidade de serviço público serve como ferramenta para a ampliação e redistribuição das oportunidades comunicativas e de fortalecimento do pluralismo de expressão.

No livro de minha autoria TV Digital e Comunicação Social (Fórum, 2008), resultado de tese de doutorado na USP, proponho a releitura da concepção de serviço público de radiodifusão. Em verdade, apresento uma visão crítica da generalização do conceito de serviço público para todas as espécies de radiodifusão. Na visão clássica, o serviço público de televisão por radiodifusão, cujas origens são anteriores à Constituição de 1988, é compreendido como uma atividade de titularidade exclusiva da União. Trata-se de uma interpretação estatista da radiodifusão. Sustento, em uma perspectiva contemporânea à luz do contexto constitucional, a revisão desta visão singular e de reserva estatal exclusiva. É essencial pensar e efetivar o modelo plural de televisão promulgado pela Constituição. Por isso, entendo que a radiodifusão deve ser compartilhada entre sociedade, mercado e estado.

Impõe-se um novo paradigma que atenda ao regime das liberdades públicas e de participação plena na radiodifusão dos diversos grupos sociais. O objetivo principal é efetivar o princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal (art. 223) no regime dos direitos fundamentais. Assim, faz-se necessária a estruturação do setor público não estatal de radiodifusão, integrado pelas televisões públicas que sejam independentes do poder estatal e do poder econômico. Neste contexto, as igrejas devem estar enquadradas no setor público não estatal da radiodifusão. Não podem lucrar com a atividade de radiodifusão. Elas, a princípio, podem manter televisões educativas, mas jamais televisões comerciais.

No âmbito infraconstitucional, existem algumas regras que necessitam ser revistas e adaptadas à normatividade constitucional. Os serviços de radiodifusão são disciplinados pela Lei n. 4.117, do ano de 1962, que está desatualizada e em descompasso com a Constituição, não atendendo às exigências de pluralidade institucional na organização do setor de radiodifusão. Por sua vez, o Decreto-lei n. 236/1967, ao modificar a referida lei, estabelece quais as pessoas que podem explorar o serviço de radiodifusão: União, Estados, Municípios, Universidades, Fundações e sociedades nacionais (art. 4º).

Será que a lei impede que as igrejas sejam proprietárias e (ou) concessionárias de emissoras de televisão? Para mim, a resposta é negativa. O diploma legal há de sofrer uma interpretação conforme a Constituição, sob pena de ser declarado inconstitucional. A lei não estabelece um rol exaustivo das entidades capazes de executar os serviços de radiodifusão. Trata-se de uma enumeração meramente exemplificativa, que não exclui esta possibilidade para outras entidades quanto à prestação dos serviços em análise.

O legislador não pode impedir o exercício do direito constitucional de acesso à televisão. A liberdade de comunicação social aponta para a inconstitucionalidade da vedação absoluta do acesso aos serviços de radiodifusão. O que é admissível é a imposição de condições para o exercício da liberdade religiosa mediante a atividade televisiva. A outorga da concessão às igrejas não é, por si só, um problema institucional. Aliás, há o dever do poder público garantir o ingresso na atividade de televisão para as organizações religiosas. Em outros países, por exemplo, nos EUA, Portugal, Espanha entre outros, é assegurado o acesso das confissões religiosas à televisão. A igreja é uma instituição dedicada ao exercício do culto e à propagação da fé. Trata-se de uma associação privada sem fins lucrativos. De certo modo, elas prestam um serviço de utilidade pública.

É importante, no entanto, definir-se no âmbito legislativo quais os critérios que identifiquem quais as associações religiosas que merecem receber isenções, imunidade e benefícios (fiscais, trabalhistas e patrimoniais). É fundamental a adoção de parâmetros que possibilitem o reconhecimento dos direitos das igrejas legítimas, ou seja, aquelas respeitáveis e tradicionais, diferenciando de associações criadas oportunamente para fraudar a lei. Deve-se punir as entidades que servem como mero instrumento para o cometimento de ilícitos e burla à legislação. Os fiéis fazem doações na expectativa de que o dinheiro seja aplicado no custeio da instituição e em obras de assistência social, por razões de solidariedade, caridade etc. Alguns, a bem da verdade, esperam algo em troca de sua fé.

A questão problemática é o registro das emissoras de televisão, ligadas às igrejas, em nome de pessoas físicas, sejam dirigentes, parentes e fiéis. Se a associação religiosa é a titular da emissora de televisão, então o registro oficial deve ser feito em seu nome. Quanto a este aspecto, destaque-se que a Constituição originariamente não admitia a propriedade de emissoras por pessoas jurídicas, permitia somente que pessoas físicas fossem as titulares. Porém, com a aprovação da Emenda Constitucional n. 36, de 28 de maio de 2008, que conferiu nova redação ao art. 222 da Constituição, abriu-se a possibilidade de as pessoas jurídicas serem proprietárias de empresas de radiodifusão. A meu ver, a lei não proíbe que as igrejas acessem a atividade de televisão. É proibido, isto sim, que as organizações religiosas sejam proprietárias de emissoras de televisão. Reprise-se que não é admissível que elas possuam emissoras comerciais, isto é, com finalidades lucrativas. A igreja não é um negócio, nem um instrumento para o enriquecimento privado. Também, não pode servir como plataforma eleitoral para candidatos a cargos públicos. Se uma determinada organização com fins religiosos mantiver uma televisão comercial haverá desvio de finalidade.

Outro sério problema consiste no desvio dos recursos dos fiéis para o enriquecimento privado dos gestores e controladores da igreja. Se configurada a coação psicológica para forçar a arrecadação de recursos há séria ilegalidade. Uma situação legítima é a expressão e difusão da fé, outra totalmente diferente é a exploração da fé do público. Os administradores que eventualmente pratiquem abusos na gestão da instituição devem ser punidos. Ora, se a TV pertence à igreja, então, obviamente, a programação deve ser compatível com a natureza religiosa. Ou seja, deve estar voltada ao ensino da religião, da cultura, à informação e ao culto. O valor central a ser defendido é o princípio da dignidade humana. Ademais, as televisões religiosas não escapam da vinculação aos princípios constitucionais catalogados no art. 221 da Constituição.

Por outro lado, dentre as modalidades de acesso à atividade de televisão pelos grupos religiosos, há a compra de espaço na programação das emissoras comerciais. Será lícita a aquisição de tempo de televisão para a exibição de mensagens religiosas? A emissora comercial tem a liberdade de programação, escolhendo os formatos dos programas, horários de transmissão e publicidade. Se ela decidir por ceder onerosamente espaço para a veiculação de programas religiosos, a princípio, não há, em tese, nenhum ilícito. Ilegalidade haveria se houvesse cessão total do tempo pela emissora comercial para a igreja. Isto desde que a cessão de tempo da programação seja parcial.

Outra questão intrigante consiste na recusa do acesso das igrejas à programação por uma emissora. A princípio, uma empresa de radiodifusão tem a prerrogativa de rejeitar a transmissão de um programa religioso se o mesmo for contrário à sua linha editorial. Existe uma outra questão a ser enfrentada. É que a televisão aberta utiliza-se da radiodifusão. Esta requer o uso das freqüências do espaço eletromagnético. As frequências constituem um bem público e escasso. Por que ao invés de se conceder um canal de televisão para cada igreja não se impõe um canal único a ser compartilhado entre todas? Com a tecnologia digital é possível combinar as diversas programações das diferentes organizações religiosas em um único espaço. Todas as religiões têm, a princípio, o direito constitucional de acesso à televisão. Assim, deve ser garantido o acesso aos católicos, protestantes, evangélicos, judeus, budistas, islâmicos, espíritas, etc. Outros grupos sociais têm igual direito, tais como: partidos políticos, sindicatos, empresas de comunicação, associação de cidadãos etc. O Estado deve garantir a igualdade de oportunidades de acesso à televisão para todos os grupos sociais, sejam religiosos, sejam não religiosos. Vale dizer, o Estado não pode promover o silêncio de determinados grupos que não dispõem de recursos suficientes para acessar os sistemas de radiodifusão. Sua função é a de garantir e de redistribuir as oportunidades comunicativas.

Aqui fica registrada a omissão do Congresso Nacional e do Conselho de Comunicação Social em cumprir com a sua função de regular os serviços de televisão. A radiodifusão vive um caos normativo. Há uma infinidade de leis, decretos, resoluções e portarias contrários à Constituição e que dificultam a vida de todos no que tange à sua respectiva operacionalização prática. Se de um lado, há o dever do poder público impor limites para o acesso à televisão pelas igrejas, por outro lado, ele tem que respeitar a liberdade de radiodifusão.

O Brasil vive uma mistura perigosa entre Estado e religião. Há uma confusão entre poder político, poder midiático e grupos religiosos, o que não é saudável para democracia. A concentração de poderes é repelida pelo Estado de Direito. A defesa da livre formação da opinião pública e da vontade política é uma das condições para o adequado funcionamento das instituições democráticas. O legislador, ao revisar a legislação, deve buscar o ponto de equilíbrio entre a proteção do acesso de todas as religiões à televisão com a imposição de limites. Repito que o problema não é o exercício da liberdade religiosa pela televisão, mas sim os abusos cometidos em seu nome e o desrespeito aos princípios constitucionais da produção e programação (art. 221). A associação religiosa tem o direito à difusão de suas mensagens religiosas. Todavia, a situação torna-se complicada quando estas entidades têm a pretensão de influenciar o funcionamento do sistema político.

A Conferência Nacional de Comunicação, a ser realizada no final deste ano, promete ser o canal eficaz para a formatação do novo modelo plural de televisão, comprometido com a realização prática dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição. Espera-se a edição de uma nova lei que, além de abordar da organização do setor de radiodifusão em face das novas tecnologias, discipline os critérios para o exercício da liberdade de acesso à televisão pelas igrejas. O legislador deve encontrar a justa medida de proporção na utilização do tempo de televisão pelas referidas entidades, segundo critérios de razoabilidade e representatividade. A finalidade principal a ser alcançada consiste no equilíbrio e na harmonização dos opostos: a preservação do Estado laico e o respeito ao exercício da liberdade religiosa pela televisão, nos termos de uma nova legislação, uma vez que nas palavras de Georges Ripert: “quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito”.

Jus Navigandi – www.jusnavigandi.com.br, 05 set. 2009.

 

 

 

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Os direitos fundamentais e os serviços de televisão por radiodifusão

Ericson Meister Scorsim

1. Introdução. 2. Liberdade de pensamento e de expressão. 3. Direito de informação. 4. Direito à comunicação social. 5. Liberdade de iniciativa. 6. Direito à educação. 7. Direito à cultura. 8. Direito ao entretenimento. 9. Conclusões

1. Introduction. 2. Freedom of Speech. 3. Information Right. 4. Social Communication Right. 5. Market Freedom. 6. Education Right. 7. Culture Right. 8. Entertainment Right. 9. Conclusions.

The article analyzes the relationship between fondamentals rights and broadcasting. The nucleus of this work consists of demonstrating the application the regulatory model of television by broadcasting  in the Law nº 4.117/62, an out of date reference decree in terms of technology and non-conformance with Federal Constitution of 1988. 

1. Introdução

Os serviços de  televisão por radiodifusão atingem, praticamente, toda a população, sendo a principal fonte de informações e de entretenimento dos brasileiros.

A Lei nº 4.117/62, que trata dos serviços de televisão por radiodifusão, ainda em vigor (apesar de substancialmente modificada na parte relativa às telecomunicações pela Lei nº 9.472/97), mantém o regime de delegação estatal à iniciativa privada, mediante concessão, permissão e autorização.

Segundo a lei, o serviço de radiodifusão é aquele “destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão sonora e televisão” (art. 6º, letra “d”, da Lei nº 4.117/62). Diferentemente de outros serviços de televisão, a radiodifusão é gratuita e vale-se das freqüências do espectro eletromagnético para a propagação dos sinais até as residências do público destinatário das emissões.

A operação dos referidos serviços impacta diretamente os direitos fundamentais, entre os quais estão: a liberdade de pensamento e de expressão, direito à informação, direito à educação, direito à cultura, livre iniciativa e direito ao entretenimento.

A importância do tema acentua-se ainda mais em função da evolução tecnológica com a introdução da tevê digital que possibilita um número infinitivo de novas aplicações em benefício dos usuários do serviço público de televisão por radiodifusão.  Houve a evolução da tecnologia, contudo o direito está totalmente desatualizado.

Daí porque o presente texto se propõe a realizar o estudo a respeito da conexão normativa entre os direitos fundamentais e os serviços de televisão por radiodifusão.

2.  Liberdade de pensamento e de expressão

A pessoa pode adotar uma representação de si e do mundo em que vive. O objeto do pensamento a recai sobre a experiência de vida ou sobre assuntos fora da dimensão de tempo e espaço. Nas inúmeras relações sociais que mantém, expressa  seu pensamento. No entanto, nem tudo aquilo que é pensado é exterioriza.[1]

O exercício da liberdade de pensamento não implica necessariamente em sua expressão. Ou seja, há a dimensão não exteriorizada do pensamento, como também existe o campo da expressão das idéias, opiniões e sentimentos.[2]

A Constituição reconhece como direito fundamental  a liberdade de  manifestação de pensamento (art. 5º, IV). A Carta Magna proclama, ainda, que: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (art. 5º, IX). Tais dispositivos estão incorporados no capítulo destinado aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. No capítulo da Comunicação Social, a CF garante que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto na própria Constituição (art. 220).

A liberdade de expressão é uma posição fundamental que se dirige  contra o Estado, mas que dele também requer proteção contra as ações dos particulares. Trata-se de um direito do indivíduo, servindo à sua realização pessoal e à sua integração na comunidade. Assim, qualquer concepção funcional dessa liberdade representa censura ao pensamento que desvie da concepção majoritária.[3]

A liberdade de expressão decorre da liberdade de pensamento. Não há liberdade de expressão sem o exercício da liberdade de pensar. Igualmente, a liberdade de expressão do pensamento engloba determinadas formas de ação.  Por exemplo, manifestações silenciosas mediante faixas, camisetas, adesivos etc. Também, abrange a liberdade negativa de pensamento, inclusive o direito ao silêncio, o direito à não manifestação exterior de opiniões, idéias ou pensamentos.

Jorge Miranda, ao analisar os direitos fundamentais de comunicação social, explica que: “a liberdade de expressão abrange qualquer exteriorização da vida própria das pessoas: crenças, convicções, idéias, ideologias, opiniões, sentimentos, emoções, actos de vontade. E pode revestir quaisquer formas: a palavra oral ou escrita, a imagem, o gesto, o silêncio”.[4]

O pensamento objeto de expressão não requer certos atributos como o da veracidade e da inteligibilidade. O sujeito pode expressar pensamentos falsos ou não inteligíveis.[5]

A Constituição consagra a liberdade de expressão artística como  direito fundamental (art. 5º, IX). A expressão artística engloba diversas atividades: música, dança, artes plásticas, teatro, literatura, etc.

Mas, qual a razão da autonomia da liberdade artística diante da liberdade de expressão do pensamento?

Segundo José Afonso da Silva a liberdade de expressão artística foi concebida de modo a evitar os condicionamentos colocados sobre a liberdade de manifestação do pensamento no regime constitucional anterior, que estavam fundados na proteção à moral e aos bons costumes. Assim, a afirmação da liberdade artística como conteúdo da liberdade de manifestação do pensamento acaba contaminando reciprocamente esses dois fenômenos jurídicos, tendendo a desnaturar o fenômeno artístico em razão da excessiva restrição em seu âmbito normativo. Por outro lado, conforme salienta o mesmo autor, a liberdade de expressão artística é uma das modalidades de expressão da cultura, conforme dispõe a Constituição Federal (arts. 215 e 216).

As normas constitucionais que consagram a liberdade de expressão são as mais abertas possíveis, pois envolvem o centro da criatividade humana.[6].

Ademais, tal conteúdo não é dado expressamente pelo texto constitucional, ao contrário, o seu âmbito de proteção é desenvolvido pela teoria e pela jurisprudência.

Os limites à liberdade de expressão encontram-se na própria Constituição, advindo, em regra, de outros direitos fundamentais (direito à honra, à intimidade, à vida privada, à imagem, estados de exceção, bem como restrições provenientes da organização dos meios de comunicação social e dos direitos da criança e do adolescente).[7]

Na hipótese de não haver uma limitação explícita à liberdade de expressão, o intérprete há de se socorrer de uma interpretação constitucional sistemática. A restrição legislativa à liberdade de expressão não pode ser feita por exigências da moral, ordem pública e bem-estar social. A delimitação pode ser feita, desde que respeitado o seu núcleo essencial tal como definido pela Constituição.[8]

Segundo Maurício Ribeiro Lopes, as limitações à liberdade de expressão podem ser de duas espécies: limites decorrentes da própria natureza técnica do meio enquanto comunicação social, como o rádio e a televisão, efetuadas por ondas limitadas, resultando no regime de concessões ou permissões e limites impostos pela necessidade de convivência com outros direitos fundamentais.[9]

A liberdade de expressão do pensamento pode ser exercida das mais variadas formas e meios, como, aliás, reconhece a nossa Constituição.[10]

Por sua vez, a regulação do exercício da liberdade de expressão há de considerar a natureza do meio de difusão do pensamento. Existem alguns meios de transmissão imediatamente disponíveis ao alcance da pessoa e aqueles que não o estão. Por diversas razões (econômicas, jurídicas, técnicas, culturais e políticas entre outras), o acesso a determinados meios para a expressão do pensamento é restringido. Assim, a título hipotético, a eventual cessação da atividade de televisão em nosso País, de modo algum, tolheria o exercício da liberdade de expressão, pois  as pessoas poderiam, mediante outros meios de transmissão, vir a expressar seus pensamentos.[11]

Resta saber se da liberdade de expressão é possível extrair o direito à criação de emissoras de televisão. No Direito brasileiro, alguns doutrinadores têm sustentado a existência de verdadeiro direito à criação de estações de televisões de âmbito local. Vera Lopes reconhece a possibilidade de existirem “TVs livres”, isto é, o direito à criação e ao funcionamento de emissoras de televisão de baixa potência, sem qualquer finalidade lucrativa, destinadas à divulgação de programas culturais e educativos para a comunidade, independentemente de qualquer autorização administrativa.[12].

Fernando Silveira advoga o direito à criação de emissoras de baixa potência com fundamento na liberdade de expressão e no direito à informação, bem como à luz de uma nova leitura do sistema federativo brasileiro.[13]

Em que pese, a opinião dos respeitáveis doutrinadores entendemos que o direito à criação de emissoras de televisão carece de intervenção legislativa, não sendo possível extraí-lo diretamente do seio constitucional. Somente, o poder legislativo é que detém a competência para disciplinar a constituição de tevês.

Para além dessa questão central referente à  entrada no setor de radiodifusão, mediante a constituição de  estações de tevês, há outra fundamental consistente no acesso de indivíduos e grupos à programação da TV.

A falta  de acesso aos meios de comunicação mediante a recusa por parte das emissoras causas prejuízos danoso à personalidade e à sociedade. Conforme expõe  Nuno e Souza:

“A recusa do direito de acesso aos meios de comunicação, como há pouco referíamos, é susceptível de prejudicar a personalidade individual, a formação da opinião pública, principalmente se se concluir  que a liberdade de imprensa  apenas se possibilita a um pequeno grupo de pessoas, sendo vedada, pelo menos em termos práticos, aos restantes consortes do direito; o cidadão sem meios econômicos para fundar uma empresa de imprensa acaba por sair prejudicado. Porém, com base nos direitos da liberdade de expressão e imprensa não se resolvem os problemas da falta de igualdade, tudo dependendo da política do Estado-de-Direito democrático e social; o exercício de muitos direitos fundamentais custa dinheiro e a Constituição não garante uma total igualdade de bens, pelo que subsistirá uma certa desigualdade, que se quer mínima, no valor prático dos direitos. Outra solução parece difícil: se os grandes meios de comunicação fossem preenchidos, em boa parte, com a livre expressão de opiniões privadas, diminuiria radicalmente a sua capacidade funcional; além disso, o direito de divulgação da opinião individual surge autonomizado da liberdade dos meios de comunicação”.[14]

A Constituição do Brasil, embora não reconheça um direito genérico da coletividade, garante apenas aos partidos políticos o direito de acesso gratuito à televisão, na forma da lei (art. 17, §3º).Com isso, o constituinte perdeu uma boa oportunidade histórica para propiciar a realização de democracia substancial no Brasil, mediante a extensão em larga escala do direito à expressão e comunicação aos mais diversos grupos sociais.[15]

A  regulação dos requisitos para o acesso à televisão deve ser feita de modo a preservar o patrimônio cultural da sociedade, composto pela pluralidade de valores e crenças, direito à diferença, defesa das minorias, tolerância, discussão e crítica, dentre outros. A liberdade de acesso aos meios de comunicação não impõe para o Estado a obrigação de regular adequadamente a atividade de televisão  (acesso e organização), entretanto, não impõe aos particulares obrigações de pluralismo, neutralidade.

Segundo José Alexandrino, tais obrigações não resultam da liberdade de expressão, decorrem do ordenamento jurídico genericamente considerado, ou da proteção a outros bens protegidos constitucionalmente.[16]

Por outro lado, outra manifestação particular da liberdade de expressão é o direito de resposta como modalidade de acesso à televisão. O Direito brasileiro o reconhece, mediante o seguinte texto constitucional: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou às imagens” (art. 5º, V, CF).[17] Nesse caso, a  norma constitucional está a proteger a honra ou reputação da pessoa diante de uma divulgação que agrava sua condição pessoal.

Sobre esse assunto,  o jurista lusitano Vital Moreira aduz: “O direito de resposta é portanto um específico direito de expressão, ou seja, uma pretensão juridicamente protegida de fazer publicar ou difundir uma contra-mensagem no mesmo órgão de comunicação onde apareceram a público as declarações que tenham posto em causa o interessado”.[18]

Segundo Fábio Konder Comparato, tal mecanismo de defesa há de proteger bens coletivos ou sociais, conhecidos também como interesses difusos. Não é possível que uma interpretação da norma constitucional que trata do direito de resposta conclua apenas pela proteção aos interesses individuais. Para ele, é preciso que a partir da interpretação dos interesses difusos, o direito de resposta seja exercido diante dos controladores dos meios de comunicação social.[19]

O exercício da liberdade de pensamento pela televisão é objeto de críticas, pois com o advento dos meios eletrônicos de comunicação produziu significativa alteração na forma de percepção do mundo pelas pessoas.  É que a linguagem televisiva é pautada pela imagem. Em razão dessa natureza instaura-se uma nova forma de percepção da realidade.[20]

Marshall Mcluhan explica que a imagem televisiva ocasiona a sinestesia nas pessoas, isto é, a unificação dos sentidos. Trata-se de um meio menos visual do que tátil-auditivo, ao contrário dos meios marcados pela tipografia.[21]  A própria velocidade da linguagem utilizada pela televisão não é muito propicia à expressão do pensamento. Todo e qualquer pensamento exige tempo. A reflexão é um ato que se prolonga no tempo. No entanto, a fórmula de linguagem adotada pela televisão, sobretudo ancorada em imagens, torna impraticável o ato de pensar.[22]

A liberdade de pensamento, a liberdade de consciência e de expressão, segundo José Alexandrino,  juntamente com os mais básicos direitos sociais constituem o núcleo que conduz a todos os demais direitos fundamentais. São liberdades que promovem a concretização mais próxima do princípio da dignidade da pessoa humana.[23]

A seguir a reflexão sobre o direito de informação.

3. Direito de informação

O direito de informação foi incorporado na Constituição de 1988, que o reconheceu como um direito fundamental de caráter individual e coletivo: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício fundamental” (art. 5º, XIV).

Em outra parte, a Constituição prevê: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” (art. 220). A Carta preceitua ainda o seguinte: “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social …” (art. 220, §1º).

A a análise do direito à informação requer o detalhamento dos direitos que o compõem.

Primeiro, o direito de informar, cujo sentido é o de possibilitar a todos a comunicação de informações, sem obstáculos ou discriminações.  Ou seja, garantir a livre recepção da informação pelo público.

Segundo, o direito de se informar, cujo significado é o da possibilidade de todos procurar informações, sem obstáculos ou discriminações. Aqui, a primazia é na liberdade de escolha dos indivíduos e organizações quanto à busca  da verdade.

Terceiro, o direito de ser informado que representa a liberdade quanto ao recebimento de informação, bem como o direito de manter-se informado, sem obstáculos ou discriminações.[24]

A identidade do direito à informação passa, necessariamente, pela compreensão da diferença com a liberdade de expressão. O fator distintivo consiste  no conceito de informação. Esta pressupõe a comunicação de uma dada mensagem, referente a fatos, dados ou conhecimentos, entre  emissor e receptor. Ou seja, a informação exige a comunicação de mensagens vindas do mundo exterior que são por si mesmas comunicáveis.[25]

É preciso distinguir a liberdade de expressão da liberdade de informação.

O conteúdo da liberdade de expressão é constituído pela transmissão tanto de idéias quanto de opiniões.

Por sua vez, o conteúdo da liberdade de informação é formado pelos fatos.[26]

O problema está em que, muitas vezes, na comunicação pela televisão, veiculam-se misturadamente fatos e opiniões. A mera opinião é em muitos casos apresentada como fato, o que acarreta a construção de realidades meramente virtuais. Quanto à verdade, a conclusão é no sentido de que a mesma será mais facilmente alcançável mediante um pluralismo informativo. Quer dizer, mediante a institucionalização de diversas fontes será possível se aproximar melhor do ideal de objetividade da informação, separando o fato da versão apresentada por alguém  nela interessado.[27]

A diferenciação entre  as mensagens veiculadas  pelos meios de comunicação pode ser apurada por um critério finalístico.

Segundo Guilherme Pereira: “Seguindo esse critério finalístico, teríamos, num primeiro plano, a informação jornalística propriamente dita (atualizadora e pedagógica ou instrutiva), a informação publicitária ou propagandística e a recreativa ou de entretenimento”.[28]

Em um segundo plano, segundo o autor, já em relação à informação propriamente editorial, haveria a seguinte classificação: “expressão de idéias (concepções gerais, teorias, doutrinas, opiniões …), opinião crítica (sobre condutas, pessoas, fatos ou instituições) e narração de fatos.[29]

Mas, quais são os atributos da informação para que ela seja comunicável?

José Alberto de Melo Alexandrino elenca os seguintes atributos: a inteligibilidade da informação, a sua utilidade social, a veracidade e a observância de padrões formais.[30]

Conforme o autor, a informação pressupõe a sua respectiva inteligibilidade. Isto quer dizer que a informação deve ser percebida e compreendida. Tal operação exige um esforço intelectual que possibilite a adequada transformação da informação bruta em matéria cognoscível. Um dos problemas atuais da sociedade contemporânea  reside em que  a mera veiculação dos fatos é insuficiente para a compreensão por parte dos receptores. É necessário que as informações complexas, sobretudo as de cunho técnico, sejam traduzidas para o público leigo. O direito à informação passa a pressupor o direito à explicação.[31]

A informação pressupõe a sua utilidade social. A informação deve ser observada antes como uma realidade espiritual e imaterial que como um bem material. Essa é uma perspectiva normativa, pois não se ignora que a informação tornou-se mercadoria vendida por um preço no mercado. No entanto, o valor real da informação não se mede por um critério econômico. As informações mais valiosas na maior parte das vezes são aquelas obtidas de graça ou por poucos reais.[32] Nem toda a informação representa um interesse público que, aliás, não se confunde com o interesse do público. O interesse público representa uma noção normativa diferente do interesse concreto das pessoas. A questão da relevância da informação para a sociedade é definida por códigos éticos que norteiam o trabalho dos profissionais, sobretudo voltados para a respectiva produção e transmissão de notícias.

A informação pressupõe a veracidade. A  informação há de traduzir a realidade objetiva, razão pela qual se exige o máximo de diligência na coleta e organização dos dados obtidos.

Segundo o Tribunal Constitucional alemão, está excluída do âmbito normativo da liberdade de expressão a falsa informação.[33] Esta é a diferença substancial  entre o direito à informação e a liberdade de expressão, como dito acima.

Celso Ribeiro Bastos entende que: “Em nosso Texto Constitucional não se vislumbra a plenitude do direito de ser informado, vale dizer, de ser mantido adequada e verdadeiramente informado pelos meios de comunicação”.[34]

Ora, tal recusa à normatividade do direito à informação nos meios de comunicação social é, com o devido respeito, bastante conservadora, ao ignorar a plenitude dos efeitos das normas constitucionais. É certo que a Constituição não diz expressamente sobre o direito à informação verdadeira, afastando-se, com isso de alguns modelos constitucionais modernos, porém isto  não quer significar que o mesmo não exista.[35]

Domingos Dresch da Silveira explica:

“Não há como deixar de admitir que a informação inverídica, seja a que contraria diretamente a realidade objetiva, seja a que manipula, através de montagens, imagens ou fatos criando situação inexistente, contraria a legalidade, bem como a moralidade, pois a  mentira nunca será, em se tratando de comunicação social, moralmente aceitável”.[36]

De acordo ainda com o referido autor, outro fundamento que exige a veiculação de informações verdadeiras consiste no princípio constitucional que rege a programação da televisão, o qual determina o respeito aos valores éticos da pessoa e da família. Assim, por mais abstrato que seja o referido princípio, é certo que ele veicula a obrigação de a informação transmitida ser verídica, pois, caso contrário há ofensa aos valores éticos da pessoa e da família.[37]

O direito à informação verdadeira junto às emissoras de rádio e televisão fundamenta-se, ainda, no direito do consumidor de receber serviços públicos de modo adequado, conforme determina o art. 6º, X e 22 do Código de Defesa do Consumidor.[38]

A informação deve observar certos padrões formais. Como revela Eugênio Bucci, um editor ou um diretor de redação tem à sua disposição inúmeras alternativas para a divulgação de uma dada informação. Os jornalistas precisam a toda a hora decidir qual informação será divulgada, com qual ênfase, quando e com que fundamento. Daí a necessidade de um código deontológico de orientação para os profissionais que trabalham com a produção e veiculação de informações. Há o direito de o público saber qual o método de trabalho que orienta a produção e a divulgação da notícia.[39]

Por outro lado, antigamente o direito de estar informado pertencia apenas à órbita jurídica dos jornalistas, a fim de melhor exercer o seu mister de intermediário no processo informativo. Contudo, esta perspectiva individualista foi cedendo espaço a uma dimensão supra-individual. Deste modo, atualmente, o direito de informação, além de pertencer ao indivíduo, pertence igualmente ao público.[40]

A informação é um bem imaterial produzido por pessoas físicas. Não é uma criação de uma pessoa jurídica. Há, portanto, uma aparente incompatibilidade entre o direito de informação e atribuição de sua titularidade à pessoa coletiva. Ocorre que essa incompatibilidade é relativa, pois é preciso verificar a questão de um outro ângulo. O problema deve ser resolvido a partir da liberdade de imprensa, de iniciativa e a liberdade de comunicação social. Nesta perspectiva é possível assegurar à empresa o direito de informação.

A liberdade de informação dos jornalistas encontra-se limitada pela liberdade da empresa informativa.

Alguns sustentam, inclusive, a necessidade de separação entre o controle editorial e o controle empresarial, a fim de assegurar a efetivação da liberdade de informação jornalística.

Outros sustentam o dever de  respeito, por parte do jornalista, à ideologia imprimida pelo proprietário do meio de comunicação (com fundamento na liberdade de empresa que lhe assegura o poder de direção do empreendimento), desde que observada a esfera estritamente profissional do jornalista, vedando-se, assim, que o empresário imponha um dado tratamento especial  à divulgação das notícias ou até mesmo pratique uma censura privada.[41]

Não só a ideologia do proprietário da empresa de comunicação está protegida pelo âmbito normativo da liberdade de expressão, mas sobretudo as diversas ideologias espalhadas pela sociedade. A liberdade de informar é um direito mais denso que a liberdade de empresa, conforme se extrai de nossa Constituição, assegurando ao profissional da informação a recusa ao cumprimento de determinadas orientações que contradigam com deveres legais ou sejam contrárias às suas convicções políticas, religiosas ou sexuais.[42] Na hipótese de conflito entre os direitos fundamentais de liberdade da empresa e dos jornalistas não há uma resposta em abstrato. É no caso concreto, com toda a riqueza de suas circunstâncias, que será feita a ponderação dos bens constitucionais em conflito.

Os limites do direito à informação são dados pelos pressupostos e atributos que constituem o conceito de informação. Daí porque se entende que o direito de informação é mais restringido que a liberdade de expressão.  E mais, a delimitação do direito em análise há de decorrer de uma interpretação sistemática da Constituição a partir da análise dos diversos tipos de mensagens, bem como os demais direitos e liberdades fundamentais e os princípios e valores constitucionais.

A liberdade de informação jornalística é conformada conforme o seguinte dispositivo constitucional: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (art. 5º, IX). Dispõe, ainda, a Constituição que “nenhuma lei  conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade  de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado  o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV” (§1º do art. 220), bem como veda “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (art. 220, §2º).

A liberdade de informação jornalística é, portanto, positivada sem a possibilidade de restrição legislativa. As possíveis restrições decorrem do próprio texto constitucional. A eventual lei restritiva à liberdade de informação apenas detalhará uma restrição efetuável no âmbito constitucional. A lei terá o efeito de declarar os limites ao exercício do direito fundamental estabelecidos em nível constitucional. No plano abstrato não é possível apontar, em termos legislativos, a solução para o conflito entre a liberdade de informação e outros bens constitucionalmente protegidos. No caso concreto é será resolvido o problema jurídico.[43]

A singularidade da televisão requer a análise da possibilidade de serem veiculadas mensagens por esse meio de comunicação social. É que as mensagens televisivas demandam a satisfação dos requisitos da informação. Ora, a comunicação pela televisão é, hegemonicamente, constituída por imagens. Estas não traduzem adequadamente as informações.

José Alberto de Melo Alexandrino explica que o discurso televisivo produz os seguintes efeitos perversos:

“1º)  – dissolve  a inteligibilidade e estruturação da mensagem; 2º) – reduz os níveis de objectividade e contextualização espácio-temporal da realidade narrada; e 3º) – introduz  uma perturbação emotiva que opera sobre a atenção do receptor”.

Conclui o autor que a televisão pode servir à expressão do pensamento, porém dificilmente serve à causa da informação.[44]

Além disso, a reflexão sobre as informações exige tempo, contudo, o discurso televisivo é construído a partir de intensa velocidade de imagens. As notícias veiculadas pela televisão, em muitos casos, estão acontecendo no mesmo instante. As informações tornam-se indiferentes para os emissores e para os telespectadores, razão pela qual, para elas serem percebidas, são usados mecanismos de sensacionalismo. A audiência, para ser atraída é motivada por um discurso emotivo.[45] A televisão, ao  agir sobre os sentidos, é mais eficaz em relação à sensibilidade que a inteligência.[46]

O direito de informação não produz o direito à criação ou ao acesso à televisão.  Entretanto, o direito à recepção da informação implica o dever de o Estado oferecer a garantia quanto ao pluralismo, diversidade de fontes, bem como remover os óbices ao gozo desse direito. A norma que trata do aludido direito  não produz diretamente  o direito à criação de meios materiais para a produção e veiculação mediante a televisão. [47]

O direito à informação atinge diretamente a prestação do serviço de televisão. A regra que o assegura impõe à atividade de televisão o conteúdo informativo. O legislador tem a tarefa de estipular o modo pelo qual tal conteúdo chegará até o público. Em havendo violação  da regra pelas emissoras sanções deverão ser aplicadas aos responsáveis.

4.  Direito à comunicação social

O direito de comunicar encontra-se amparado na norma constitucional que prevê a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), bem como naquela que estabelece a expressão da atividade de comunicação (art. 5º, IX). Encontra-se especificamente regulado no capítulo destinado à Comunicação Social (arts. 220 a 224).

A liberdade de comunicação social nasce a partir da noção de liberdade de expressão, porém com ela não se confunde. É o que esclarece Jorge Miranda:

“embora estreitamente relacionadas, liberdade de expressão e liberdade de comunicação social não se confundem. A liberdade de expressão é mais que a liberdade de comunicação social, porquanto abrange todos e quaisquer meios de comunicação entre as pessoas – a palavra, a imagem, o livro, qualquer outro escrito, a correspondência escrita e por telecomunicações, o espectáculo etc.. Em contrapartida, a liberdade de comunicação social, ou, em geral, a problemática da comunicação social têm quer ver com outros valores, como a liberdade de religião, a liberdade de associação ou a liberdade de associação política e sindical, em geral com o pluralismo”[48].

Aluísio Ferreira preleciona ainda que os direitos à informação e à comunicação têm em comum o objetivo mediato – a informação, bem por excelência sobre qual cada um irradia seus efeitos. No entanto, a diferença entre os direitos fundamentais reside no objeto imediato, eis que o direito à informação consiste nas faculdades de colher e receber informações, por sua vez o direito à comunicação requer as faculdades de colher, receber e comunicar, pois a comunicação demanda imperiosamente o compartilhamento de informações. Para ele,  “Direito à comunicação significa direito a ter e a compartilhar informação, logo, o sujeito está no pleno gozo do seu direito quando dispõe da informação (por havê-la buscado ou recebido) e a transmite ou comunica”.[49]

Jorge Miranda estabelece um quadro comparativo entre a liberdade de comunicação social, a liberdade de expressão e a liberdade de informação, dispondo da seguinte forma: “A liberdade de comunicação social congloba a liberdade de expressão e a liberdade de informação, com três notas distintas: a) A pluralidade de destinatários, o caráter coletivo ou de massas, sem reciprocidade; b) O princípio da máxima difusão (ao contrário da comunicação privada ou correspondência, conexo com a reserva da intimidade da vida privada e familiar); c) A utilização de meios adequados – hoje, a imprensa escrita,  os meios audiovisuais e a cibernética”.[50]

A partir da afirmação normativa do direito à comunicação social é que deve ser interpretado o estatuto da radiodifusão.

No Brasil, o regime jurídico da televisão por radiodifusão conta com um estatuto especial a seguir detalhado.

A Constituição tem todo um capítulo dedicado à comunicação social. Confere-se à comunicação social o status de garantia, especialmente dos direitos fundamentais de livre manifestação do pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, e de informação. Há o tratamento em conjunto dos meios de comunicação social, incluindo a tradicional imprensa escrita.[51] Estabelece-se, ainda, um regime mais rígido de regulação para o caso das emissoras de rádio e de televisão, com a adoção de princípios para a respectiva programação. E, preceitua-se a plenitude da liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação, proibindo qualquer espécie de censura.

A CF permite a qualificação da atividade de televisão na modalidade de radiodifusão como serviço público de titularidade da União que pode ser explorada pelos particulares mediante a obtenção de concessão ou permissão. Isto, no entanto, não significa que todo serviço de televisão possa ser qualificado commo serviço público.[52] Ao final, prevê a instituição do Conselho de Comunicação Social como órgão de colaboração do Congresso Nacional.[53]

Em seguida a reflexão sobre a livre iniciativa no campo da radiodifusão.

5.   Liberdade de iniciativa

A Constituição consagra o valor social da livre iniciativa como fundamento da República (art. 1º, IV) e da  ordem econômica (art. 170).

Tal liberdade deve ser compreendida à luz do princípio da livre concorrência (art. 170, IV).

A liberdade de iniciativa econômica em sua modalidade liberdade de empresa manifesta-se pela possibilidade de a empresa concorrer no mercado com outras que operam no mesmo setor econômico.

Trata-se de um direito fundamental autônomo em face do princípio da livre concorrência. É possível que exista a liberdade de empresa ainda que não haja a livre concorrência no mercado. Paradoxalmente, sob uma perspectiva liberal, a livre concorrência limita a liberdade de iniciativa. Para assegurar a livre concorrência, a Constituição impõe ao legislador a tarefa de reprimir o abuso do poder econômico que objetive à dominação dos mercados, à eliminação da própria concorrência e ao aumento arbitrário de lucros (art. 173, §4º). A edição de leis antitrust tem exatamente o propósito de assegurar a concorrência no mercado de todos contra todos, mediante a intervenção estatal. Além disso, a Constituição impõe ao Estado o dever de regular a atividade econômica, mediante ações de fiscalização, incentivo e planejamento (art. 174).

A Constituição dedica todo um capítulo à Ordem Econômica, que, no entanto, para ser aplicado exige do operador jurídico a atenção às demais normas constitucionais.[54] A CF é uma obra do Poder Constituinte, construída pelas mais diferentes forças políticas em atuação no cenário social. Como ela é resultado de um compromisso entre essas forças, vem a cristalizar os mais diversos interesses  econômicos, políticos e sociais. Não é fruto de uma única ideologia, mas o produto de diversas que dominavam o cenário nacional no contexto de 1988. Houve, assim, a adoção de um regime econômico definitivo para o País, qual seja, o sistema capitalista. Contudo, tal modelo foi influenciado por outros valores. Existem consagra valores antagônicos, como, por exemplo, o princípio da livre iniciativa e o da iniciativa pública, incluído aí o serviço público. [55]

A livre iniciativa constitui-se em fundamento da ordem econômica, no entanto deve ser concretizada com o objetivo de atingir uma existência digna a todos.

Trata-se, portanto, de uma liberdade que se consubstancia em instrumento de atingimento da existência digna. São as pessoas as responsáveis pela direção de suas próprias vidas, significando isso escolher entre as alternativas na busca da satisfação de seus interesses. A livre iniciativa é um valor social, razão pela qual  a ação de uma pessoa também é vista como instrumento de realização dos direitos fundamentais dos demais indivíduos.

Além disso, como revela Eros Roberto Grau, a liberdade de iniciativa econômica não pode ser compreendida exclusivamente como “liberdade de desenvolvimento da empresa” ou como “princípio do liberalismo econômico”. É que a liberdade de iniciativa econômica  é muito mais ampla, pois abrange todas as formas de produção, individuais ou coletivas.[56] E mais, com bastante clareza o autor explica que a liberdade de iniciativa econômica não está ligada exclusivamente à propriedade, mas também ao trabalho.[57]

Por outro lado, José Afonso da Silva entende que a liberdade de iniciativa econômica abrange a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato.[58]

José Alberto de Melo Alexandrino ensina que a liberdade econômica apresenta diversas espécies: a) liberdade de contratar; b) a liberdade de trabalho; c) liberdade de empresa e d) liberdade de consumo. Em sentido estrito, a liberdade econômica abrange tão-somente a liberdade de produção – iniciativa individual ou coletiva tendente à satisfação de necessidades –  e a liberdade de consumo – atividade de satisfação das necessidades das pessoas.[59]

Eduardo J. Rodriguez Chirillo desenha os contornos da liberdade de empresa da seguinte forma:

“A liberdade de empresa pode ser conceituada como todo o direito a empreender e combinar os meios de produção na ordem de produção, transformação, ou distribuição  de bens e serviços, estabelecendo sua organização  e exercendo sua direção. A singularidade da liberdade de empresa é representada pela organização, reunião e combinação dos fatores de produção no exercício de atividades”.[60]

A adoção de mecanismos de competição parte do pressuposto de que este modelo é a melhor garantia dos direitos fundamentais – políticos e econômicos.[61] A competição não é um valor absoluto, pois existem determinados casos em que a Constituição permite a concentração de empresas em dado setor econômico. As modificações sociais operadas por novas tecnologias permitem a remodelagem dos serviços públicos. Atualmente, em determinados casos, é possível conciliar a regulação dos serviços públicos, por meio da competição entre os agentes econômicos que desempenham a atividade, objeto de concessão ou permissão. Há a tendência de a competição ser utilizada como instrumento de regulação dos serviços públicos e, assim, promover a reconstrução do mercado.[62]

Alguns autores advogam a tese de que a liberdade de empresa  no campo da comunicação social acaba por negar a liberdade de expressão. Afirma-se que o efetivo acesso ao meio de comunicação para expressar idéias ou sentimentos é negado em razão da lógica de mercado que preside a empresa informativa. Outro argumento é o de que a informação é um bem público, razão pela qual não poderia ser apropriado por empresas privadas de comunicação.[63]

Fábio Konder Comparato é um dos defensores da total estatização dos meios de comunicação social. O autor sustenta que a comunicação social, em uma sociedade democrática, é matéria de interesse público, quer dizer, pertence ao povo, razão pela qual não é admissível a apropriação privada dos meios de comunicação de massa. Outro fundamento é o da radical incompatibilidade  entre o sistema capitalista com a democracia (o regime econômico é por natureza oligárquico). E, por último, a necessidade de superação da dicotomia sociedade civil-Estado.[64] Propõe o jurista a proibição da organização dos veículos de comunicação sob a forma de empresa capitalista, devendo-se adotar a forma de associações sem fins lucrativos, cooperativas ou fundações públicas ou privadas. A estrutura de poder dessas entidades seria desconcentrada, a fim de possibilitar a gestão democrática pelos interessados.  Advoga-se, ainda, o livre acesso às vias de comunicação, mediante a ampliação do direito de resposta e a introdução do direito de antena.

Em postura de contestação, Guilherme Doring Cunha Pereira apresenta suas críticas à referida proposta para a regulação dos meios de comunicação social, concluindo que: a) a informação não pertence à res publica, mas tão-somente os meios de comunicação social – a apropriação privada dos benefícios econômicos que a informação proporciona não é incompatível com a natureza pública do bem; b) não é razoável a exclusão das empresas privadas em geral do campo da comunicação social –  o Estado, ao invés de excluir, deve exigir que as empresas cumpram com sua função social; c) não é aconselhável a separação entre o controle editorial e o controle empresarial – restrição a que o empreendedor não possa dar a orientação que aspira ao seu empreendimento conduz à asfixia da própria iniciativa; d) a iniciativa econômica privada no campo da comunicação social, no atual estágio de complexidade e desenvolvimento da sociedade brasileira, é uma necessidade inafastável – pode-se dizer que a liberdade de expressão depende da liberdade de iniciativa econômica.[65]

É importante que tanto a posição de Fábio Konder Comparato quanto a de Guilherme Pereira sejam analisadas à luz do Direito constitucional alemão, na interpretação dada pelo Tribunal Constitucional. Na Alemanha, a Lei Fundamental reconhece a liberdade de emissão de televisão, não faz, entretanto, remissão expressa à televisão privada (radiotelevisão). Apesar disso, o Tribunal Constitucional reconheceu a existência da televisão privada.[66]

Inicialmente, entendia-se que a Constituição não exigia o monopólio público da atividade de televisão, tampouco a gestão direta por entidades públicas, seja em nível federal, seja em nível estadual. Note-se, ainda, que uma das características do federalismo alemão é a efetiva repartição de competências em matéria de televisão entre os Länder (Estados). Admitiu-se a gestão privada da atividade de televisão, desde que fosse assegurada a oportunidade de participação de todas as forças sociais relevantes. Reconheceu-se a competência do legislador para disciplinar o sistema de televisão em garantia do pluralismo, equilíbrio, objetividade e impugnação da programação. Além disso, a jurisprudência constitucional adotou o critério da orientação pessoal dos direitos fundamentais. Quer dizer, o âmbito normativo dos direitos fundamentais serve para proteger pessoas físicas, razão pela qual desaparece a dimensão pessoal e são ampliadas as possibilidades de intervenção legislativa.[67]

Em segundo momento, o Tribunal, ao apreciar a questão da constitucionalidade da lei da  Baixa Saxônia, que instituía a radiotelevisão privada, não declarou sua inconstitucionalidade, apenas fez uma diferenciação entre os papéis da televisão pública e privada. Considera-se que essa decisão é o fundamento jurídico para a implantação do sistema dual de televisão (pública e privada).[68]  Debateu-se intensamente em torno da repartição de funções entre a televisão privada e a televisão pública, sobretudo quando o Tribunal Constitucional chegou a se posicionar no sentido de que cabe à televisão pública a responsabilidade de assegurar a prestação fundamental de televisão (Grundversorgung), enquanto a televisão  privada tem uma função complementar dentro do sistema. Tratava-se de saber se as obrigações decorrentes da Constituição para a televisão aplicam-se uniformemente aos canais públicos e privados.[69]

Primeiro,  a televisão pública deve adotar o meio técnico que garanta a recepção pela generalidade da população. Isso significa que a televisão pública requer a adoção do serviço de radiodifusão por ondas terrestres, excluindo-se a televisão por satélite e por cabo.[70]

Segundo, é preciso estabelecer um conteúdo mínimo da programação, compatível com a função essencial da radiodifusão em um Estado democrático, principalmente a cultura do país. Tal tarefa só pode ser conduzida pela televisão pública, uma vez que não está orientada pela publicidade comercial e pela obtenção de índices de audiência.[71]

Terceiro, exige-se uma adequada organização dos procedimentos, que assegurem um equilibrado pluralismo na transmissão das diferentes correntes de opinião. A prestação fundamental de televisão    (Grundversorgung) não significa uma repartição de programas entre a televisão    pública e a privada, de modo que apenas a televisão pública dela se ocupe, reservando-se à televisão privada programas que não tenham esse caráter de prestação essencial. É possível que a própria televisão pública transmita programas atrativos para as massas.[72].

À luz dessas considerações, é possível apresentar as seguintes conclusões:

a) a Constituição brasileira impõe ao Estado o dever de garantir o sistema de comunicação social, de modo a observar o princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privados, públicos e estatais;

b) há a garantia de desenvolvimento do sistema de comunicação social de forma a proteger o processo de comunicação da sociedade brasileira;

c) isto implica no dever de o Estado criar e manter emissoras de televisão  estatais e garantir a existência das públicas;

d) não há proibição da operação de televisões por empresa privadas;

e) mesmo as empresas privadas de televisão estão constitucionalmente obrigadas a ofertar  programação de forma a respeitar o  princípio do pluralismo  equilibrado, permitindo a transmissão das diversas opiniões existentes na sociedade;

f) em outras palavras, o serviço de televisão não é propriamente nem do Estado, nem dos proprietários de empresas de comunicação, mas sim da sociedade. Todo e qualquer veículo de comunicação, estatal ou privado, está condicionado à observância de um conteúdo mínimo fixado pela Constituição.

                        A título de conclusão, a liberdade constitucional de iniciativa não é capaz de fundar o direito de acesso à difusão da atividade de televisão. Trata-se, em verdade, de um direito fundamental que carece de intervenção legislativa. A produção econômica de programas e a recepção ou consumo de programas e mensagens gozam de um âmbito ampliado: a primeira, por não existirem razões especiais que a devam condicionar; a segunda, por beneficiar da proteção concedida pela liberdade de recepção e pela garantia institucional do pluralismo.[73]                     

A questão carece de intervenção legislativa para a definição do perfil do direito fundamental em questão. Conforme o autor lusitano José Carlos Vieira de Andrade, que “o exercício dos direitos fundamentais, no espaço, no tempo e modo, só será muitas vezes (inteiramente) eficaz se houver medidas concretas que, desenvolvendo a norma constitucional, disciplinem o uso e previnam o conflito ou proíbam o abuso e a violação dos direitos”.[74] No caso em questão, uma das primeiras  tarefas do legislador é a resolução do conflito entre a livre iniciativa ou liberdade de empresa e o princípio do serviço público.[75]

6. Direito à educação

A Constituição assegura o direito social à educação (art. 6º).

Tal direito deve ser analisado sob o contexto dos objetivos fundamentais da República do Brasil: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional, a eliminação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem quaisquer discriminações (art. 3º)..

Tais objetivos exigem a concretização do direito fundamental à educação.

Além disto, a Constituição prevê que a educação serve ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205). Igualmente, impõe como dever do Estado assegurar o ensino fundamental obrigatório e gratuito (art. 208).

A adequada formação educacional do povo, considerado como destinatário das prestações civilizatórias do Estado, no dizer de Friedrich Müller[76], é que permite a conscientização a respeito de sua condição existencial: descobrir-se como agente histórico e não como sujeito à história. Também, possibilita a capacitação profissional, para fins de integração no mercado de trabalho. A educação conduzida de forma a respeitar  o princípio da diferença entre as populações dos diversos Estados brasileiros propicia, ainda, a redução das desigualdades sociais e regionais.

Mas, o que é a educação?

É, conforme demonstra Maria Aparecida Baccega, um processo social, no qual se está inserido ao nascer, através do qual, por intermédio da “palavra” são recebidas as análises da realidade feitas pelas gerações anteriores, as condutas, os preconceitos e os modos de ver e de pensar. Além desta função receptiva, o processo educacional tem uma função prospectiva, isto é, a possibilidade de construir o novo e, assim, fazer a história.[77]  Ou, como explica Jean Piaget, a educação intelectual é “o direito de ser colocado, durante a sua formação, em um meio escolar de tal ordem que lhe seja possível chegar a ponto de elaborar, até a conclusão, os instrumentos indispensáveis de adaptação que são as operações da lógica”.[78]

Por outro lado, a educação moral, conforme revela Marcos Maliska, citando Piaget, “é ainda mais evidente que, se algumas condições inatas (naturais) permitem ao ser humano a construção de regras e sentimentos morais, essa elaboração presume a intervenção de um conjunto de relações sociais bem definidas (da família, por exemplo)”.[79] Maliska, conjugando as duas espécies de educação, afirma o seguinte:

“A educação como direito de todos, portanto, não se limita em assegurar a possibilidade da leitura, da escrita e do cálculo. A rigor, deve garantir a todos ´o pleno desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores morais que correspondam ao exercício dessas funções, até a adaptação à vida social atual’.[80]

Por outro lado, a educação não é um processo privativo da escola, pois existem outras instituições sociais, igualmente responsáveis pela aprendizagem. Os meios de comunicação social têm, também, na forma da lei, a função de educar, embora em menor escala, que o centro educacional em sentido formal.[81] Portanto, a norma que trata do direito fundamental à educação exige políticas públicas de modo a abranger a televisão como um meio importante para a sua respectiva efetivação.

Um dos pressupostos para o acesso ao conhecimento é o domínio da linguagem. Daí a importância da educação quanto ao acesso da população aos códigos lingüísticos. O código lingüístico de um analfabeto ou semi-analfabeto está diretamente associado a estruturas mentais de pensamento limitadas, pois a pessoa, ao ser incapaz de dominar a linguagem, torna-se incapaz de abstrair e generalizar, ferramentas imprescindíveis para o desenvolvimento do raciocínio.[82]           

Apesar das disposições constitucionais, um dos graves problemas quanto ao ensino é a desvalorização do conhecimento como um bem em si mesmo. Atualmente, as políticas públicas orientam-se pelo ensino como aptidão técnica, daí a procura por cursos conhecidos como profissionalizantes, seja em nível de segundo ou seja de terceiro grau. O conhecimento nada mais é do que uma atitude mental contemplativa diante do mundo, ao invés de ser uma ferramenta à disposição da produção de utilidades. A sua importância é sintetizada de uma maneira bem singular por  Bertrand Russel: “penso que a ação é melhor quando provém de uma profunda percepção do universo e do destino humano e não de ferozes impulsos passionais de auto-afirmação, românticos, mas desproporcionados”.[83]  Entretanto, os novos meios de comunicação social, como é o caso da televisão, estão voltados para a ação, não para a contemplação.[84]

Edgar Morin apresenta os saberes necessários  no século XXI:  

                        a) o ensino da própria natureza do conhecimento humano, sobretudo suas características cerebrais, mentais e culturais, evitando-se subestimar o erro, bem como a ilusão.

b) a ligação entre a parte e o todo do conhecimento, evitando-se o conhecimento fragmentado das disciplinas escolares.

c) o ensino da condição humana, quer dizer, apresentar o homem como ser físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico;

d) prestigiar o ensino da identidade humana, quer dizer, que os seres humanos partilham os mesmos problemas diante da vida e da morte;

e) apresentação das incertezas que estão presentes nas ciências, abandonando-se, assim, as concepções deterministas da história da humanidade;

f) ensinar a compreensão como meio e fim da comunicação humana, mostrando-se, dessa forma, as causas do racismo, da xenofobia e do desprezo;

g) ensinar a ética do gênero humano levando-se em consideração o caráter ternário da condição humana, quer dizer, que o homem é ao mesmo tempo indivíduo, sociedade e espécie, o que conduz à compreensão do desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e da consciência de pertencer à espécie humana.[85]

O acesso à televisão não exige alfabetização completa, pois qualquer pessoa pode acessar seu conteúdo sem contar com uma educação formal. Daí a grande força persuasiva deste meio de comunicação sobre esse público.

Quanto às crianças e aos adolescentes o problema é que eles estão ainda em processo de constituição da personalidade, ocorrendo a aprendizagem mediante mecanismos psicológicos de imitação e identificação. Portanto, os personagens que  aparecem nas cenas da televisão podem vir a ter impacto direto sobre o comportamento dos jovens. As pesquisas sobre a violência na televisão divergem entre si; umas demonstram que a televisão influencia a conduta dos público infanto-juvenil, outras dizem que não há  nexo de causalidade entre a cena violenta da televisão e o comportamento violento. As organizações internacionais, que tratam de promover a efetivação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, amparadas pela Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança[86], propõem que os países adotem medidas  educativas quanto à mídia. Quer dizer, pretendem promover a capacitação dos alunos para se relacionar de uma forma participativa com a mídia, bem como compreender as mensagens por ela veiculadas. Essa função de educação dos menores quanto à mídia é atribuída, sobretudo à escola e à família e, em menor escala, aos próprios produtores de programas de televisão. A educação em mídia revela-se um importante fator de minimização dos efeitos nocivos sobre as crianças e adolescentes dos programas televisivos inadequados e de péssima qualidade, cujo conteúdo está voltado para cenas de degradação humana, sexo, violência, dentre outros.[87]

7.  Direito à cultura

A Constituição protege a cultura, porém não em sua dimensão antropológica.

É o que explica José Afonso da Silva: “É importante ter isso em mente, porque a Constituição não ampara a cultura na extensão de sua concepção antropológica, mas no sentido de um sistema de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (art. 216)”.[88]

A Constituição afirma o dever estatal a garantia de acesso integral ao exercício de direitos culturais e às fontes de cultura nacional, bem como o estímulo à valorização e à difusão das manifestações culturais representadas por culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e grupos participantes da civilização brasileira.[89]

Além disso, a CF discrimina os bens constituintes do patrimônio cultural brasileiro, quais sejam, as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos, e edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais e os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.[90]

Como visto acima, a CF afirma que há o dever estatal de garantir o acesso ao exercício de direitos culturais. Segundo José Afonso da Silva, os direitos culturais reconhecidos pelo texto constitucional são os seguintes:

“(a) liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica; (b) direito de criação cultural, compreendidas as criações artísticas, científicas e tecnológicas; (c) direito de acesso às fontes da cultura nacional; (d) direito de difusão  das manifestações culturais; (e) direito de proteção às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional; (f) direito-dever estatal de formação do patrimônio cultural brasileiro e de proteção dos bens de cultura – que, assim, ficam sujeitos a um regime jurídico  especial, como forma de propriedade de interesse público”.[91]

Existem diversas formas de expressão cultural. O correto é falar em culturas e não em cultura como fenômeno único. Há um universo cultural que precisa ser desvendado pelo intérprete, adotando-se para a identificação da cultura o critério do grupo social que a manifesta.  Daí há a cultura elitista, a cultura popular e a cultura de massas.

A cultura elitista, alta cultura ou erudita é aquela produzida e propagada pela elite dominante no país. São as estruturas oligárquicas que reservam a um número pequeno a fruição de bens culturais, como fator de diferenciação em relação às demais classes sociais. A cultura assume a função de identificação de um determinado bloco histórico e diferenciação em relação a outros grupos sociais, a partir da comunhão de um determinado imaginário coletivo. A cultura erudita é aquela que designa a cultura acadêmica, sobretudo refere-se à cultura artística adquirida ou aperfeiçoada em escolas de Arte nacionais ou estrangeiras. Apesar de a Constituição não fazer menção à cultura erudita, ela é protegida pelo sistema constitucional, devendo-se isto ao fato de que, ao contrário do que aconteceu com as manifestações populares, indígenas e afro-brasileiras, sempre tiveram o apoio oficial.[92]

Por outro lado, algumas considerações precisam ser feitas no que tange à cultura de massas. Com o advento da indústria cultural foi possível a produção em larga de escala de bens culturais para serem consumidos pela população. Laurindo Leal Filho, explica que:  “é apresentada como um exemplo rico de realização do ´bloco histórico´, vinculada que é, a um só tempo, à base material da sociedade e à produção de concepções globais do mundo”.[93]

Umberto Eco expõe os argumentos favoráveis à cultura de massas dos mass-media. Diz que a cultura de massas não é uma forma típica do capitalismo, mas um efeito inevitável das sociedades industriais. A cultura de massas não tem a intenção de substituir o lugar da cultura de alto nível, eis que sua difusão se dá entre as camadas da população que até então não tinham acesso a formas de expressão cultural. O caráter negativo que se atribui ao papel da informação difundida pelos mass-media, no que tange ao favorecimento de mudanças na percepção da realidade, nada mais é do que reflexo da ideologia aristocrática dos críticos dos meios de comunicação social. A massa sempre apreciou o aspecto circense, razão pela qual nada mais fazem do que guiá-la nesse aspecto lúdico da vida. Não é verdade, portanto, que o entretenimento difundido é utilizado por razões de dominação social. A homogeneização dos gostos promove tendencialmente a eliminação das diferenças entre castas. A popularização das idéias mediante a difusão de obras de grande valor cultural, ainda que esgote a capacidade de assimilação, é um fenômeno próprio  do consumo desta época. O acúmulo de informações e de dados fragmentados propicia a participação do homem moderno nos acontecimentos sociais. Por fim, não é correto dizer que os meios de comunicação sejam conservadores do ponto de vista estilístico porque, ao contrário, promoveram grandes modificações artísticas.[94]

O citado autor, agora em postura de contestação, diz que a indústria cultural não promove uma cultura autêntica, pois a mesma acaba sendo nivelada de acordo com o gosto do consumidor mediano. Os mass-media destroem as características identificadoras dos grupos étnicos em razão da defesa da cultura homogênea. O público a que se dirigem os mass-media não tem consciência sobre si mesmos, oscila conforme as leis da oferta e da procura, razão pela qual seus desejos são direcionados pela publicidade. Tais meios estimulam a percepção de questões secundárias, promove-se a banalização de símbolos e mitos. O seu objetivo é a uniformidade e planificação obrigatória das consciências, ainda que no contexto de uma sociedade de bem-estar no qual os indivíduos contam com as mesmas oportunidades no terreno cultural.

Por sua vez, a cultura popular é caracterizada pelo fato de nascer espontaneamente do povo, constituindo-se por um conjunto de práticas populares que unem simbolicamente os grupos sociais, geralmente aqueles localizados na base da pirâmide social. Como exemplos de cultura popular tem-se a literatura de cordel, as festas, a gastronomia, as danças, a música, os mitos, as lendas, os ritos, dentre outros.

Sobre o assunto, esclarece  José Afonso da Silva:

“A cultura de raiz popular forjou-se no cerne da vida simples do povo. A inventiva popular foi criando formas de fazer e de viver ao mesmo tempo em que ia construindo a essência da nacionalidade, a despeito das elites, que cultivavam a cultura erudita, a cultura das classes superiores, cultura transplantada. As culturas índias e africanas no Brasil constituem a fonte da cultura popular entre nós, ainda que se assinale influência portuguesa em vários campos culturais; cultura transplantada que se popularizou.[95]

Marilena Chauí aponta a distinção entre cultura popular e cultura do povo, pois o fato de considerar a cultura como sendo do povo não quer significar que ela simplesmente está no povo, mas, ao contrário, que ela é produzida pelo próprio povo. Ela conclui que não é porque algo está no povo que é necessariamente do povo.[96] Basicamente, o critério de diferenciação consiste em quem produz a cultura: se é o próprio povo, tem-se a cultura do povo; ao contrário se a cultura é produzida por uma elite e difundida ao povo, tem-se a cultura popular.

A televisão é importante meio de acesso à cultura. É certo que existem formas de expressão cultural cuja divulgação é inviável pela televisão. É relevante a disciplina jurídica desse meio técnico, a fim de ampliar a difusão da cultura no Brasil. A programação de televisão representa a cultura que vige no país, sobretudo aquela produzida pela indústria cultural. Tem-se na televisão a hegemonia da cultura de massa, aquela imposta dos produtores para os consumidores-telespectadores. A cultura erudita e a popular (cultura do povo) tem pouco espaço na televisão  generalista, salvo no caso da TV Pública.

Com efeito, as televisões públicas constituem-se na melhor reserva para a difusão da pluralidade cultural brasileira, uma vez que não estão presas às pressões da audiência. Ocorre que para isso acontecer faz-se necessária a independência do poder político, do ponto de vista de sua estrutura jurídico-institucional, acompanhada de sua independência financeira. A “televisão  pública” não deve ter nem caráter comercial, nem governamental, daí a possibilidade de se alcançar uma programação de qualidade dirigida à diversidade cultural.[97] Portanto, é necessário que o Estado obrigue ou, ao menos, estimule a difusão de canais ou programas culturais. No caso da televisão generalista, se é certo que não é possível a divulgação de um canal cultural, em razão da natureza do meio, ao menos se deve exigir a divulgação de programas culturais. Por sua vez no caso da televisão segmentada é perfeitamente admissível a exigência de criação de canais culturais, sobretudo pelo fato de o meio de difusão permitir uma maior pluralidade de oferta audiovisual.

A definição de programa cultural de televisão não pode ficar ao arbítrio das emissoras de televisão. É fundamental que um órgão representativo da sociedade estabeleça, a partir da lei e/ou do âmbito normativo  do direito fundamental à cultura, quais os critérios para a identificação de um programa cultural. A eleição desses critérios há de levar em contar as diversas formas de expressão cultural presentes na sociedade brasileira. A televisão há de ser o canal difusor não só da cultura de massas, mas da cultura erudita e do povo. Trata-se da ampliação do conceito de cultura para além dos parâmetros clássicos, de forma a incluir temas atuais de interesse popular. Afinal, cultura é também carnaval e futebol. Não há em si uma contradição entre programas culturais e divertimento. É possível estabelecer uma fórmula que combine ingredientes culturais e de entretenimento na televisão. Sabe-se que o programador há de considerar o interesse da audiência. Ocorre que o parâmetro da audiência não implica a adoção de uma programação exclusivamente voltada para a obtenção de índices elevados de audiência. Diante disso, a formatação de programas culturais deve se orientar a minorias, mas também ao interesse da maioria.[98]

8.  Direito ao entretenimento

Para os fins do presente trabalho, o sentido da palavra lazer será equivalente ao de entretenimento.

A Constituição consagra o direito social ao lazer (art. 7º).

Em outro capítulo, a Constituição reconhece o direito ao lazer para as crianças e adolescentes (art. 227). Essas normas constitucionais se limitam a enunciar o direito fundamental social ao lazer, nada mais dizendo sobre o seu respectivo conteúdo e alcance. Diante desse elevado grau de indeterminação do âmbito normativo, e especialmente do modo como o Estado atuará para concretizá-lo, é preciso que o legislador intervenha de modo a concretizar o conteúdo do direito fundamental ao lazer. Além disso, quando trata do desporto, a Constituição dispõe que o Poder Público incentivará o lazer como forma de promoção social (art. 217, §3º) Trata-se de uma norma de caráter nitidamente programático, a qual exige a intervenção legislativa que atribua ao Poder Público a tarefa de organizar os meios pelos quais será concretizado o lazer como forma de integração social.

Celso Fiorillo explica que o lazer, como direito social catalogado  na Carta Constitucional, trata-se de um direito ao descanso, caracterizando-se como um dos aspectos fundamentais concernentes à dignidade da pessoa humana. Segundo ele, a dignidade humana encontra-se em uma sociedade em que é necessário ter um emprego para sobreviver, daí porque o lazer garante não só o equilíbrio físico-psíquico, como também possibilita a aquisição da energia necessária para a continuidade do trabalho.[99]

Joffre Dumazedier propõe o seguinte sentido para o lazer:

“O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações  profissionais, familiares e sociais”.  E, a partir desse conceito, o  autor extrai as seguintes funções para o lazer: a) função de descanso; b) função de divertimento, recreação e entretenimento; c) função de desenvolvimento.[100]

Os lazeres na vida cotidiana estão diretamente associados à idéia de cultura de uma sociedade, igualmente  dependendo da carga horária de trabalho das pessoas. Nesse sentido, conforme revela o citado autor, para um homem que trabalha, será uma atividade de lazer qualquer participação ativa na vida cultural da sociedade, ou seja, em toda e qualquer atividade de criação ou compreensão de um produto cultural. Esta forma de participação concorre com outras atividades de lazer, sobretudo as ligadas ao descanso e à recreação. No contexto atual, constitui lazer tanto ler uma obra literária quanto ir ao teatro e cinema, assistir a um espetáculo de dança, visitar amigos, brincar, dançar, fazer consertos domésticos ou viagens turísticas. Quer dizer, cada uma destas atividades tem forte conteúdo cultural, confundindo-se  o conteúdo da cultura popular com o do lazer popular. Portanto, pode-se identificar a cultura de uma pessoa ou grupo pelos lazeres por eles adotados.[101]

A organização do espaço do lazer na vida do  povo brasileiro tem alguns dados surpreendentes.[102] A televisão é o principal meio de lazer e entretenimento da maioria da população brasileira, no caso da televisão aberta.

Por sua vez,  o público da televisão por assinatura conta com diversas alternativas de lazer. Diante desse fato, é muito mais justificável a intervenção legislativa, em concretização ao direito fundamental ao lazer, no caso da televisão aberta de modo a possibilitar ao público uma programação de televisão que atenda suas necessidades de entretenimento. Além disso, a intervenção legislativa para sua  concretização há de ser conduzida conforme o conceito sociológico de lazer acima apresentado.

Um dos graves problemas contemporâneos é o caráter excessivo de dedicação das operadoras de televisão ao entretenimento. A própria atividade de difusão de informações jornalísticas tem assumido o caráter de espetáculo,  razão pela qual fala-se em “jornalismo-entretenimento”. Quer dizer, a produção de telejornais com preferências por matérias com forte apelo emocional que apresentam imagens de celebridades e cenas violentas.[103]

A crítica de Hannah Arendt quanto à crise da cultura contemporânea reside exatamente no predomínio da diversão, ao invés de o ser humano dedicar-se parte de seu tempo em atividades de elevação do espírito. A diversão é organizada conforme a lógica dos produtores e consumidores da indústria cultural. Para Hannah Arendt, seria preciso privilegiar a cultura do ócio, isto é, uma cultura que provocasse o afastamento provisório do mundo das aparências e que permitisse o pensar.[104] Em uma ótica  marxista, segundo Barbara Freitag,  o lazer seria o espaço de tempo entre o trabalho e o descanso afetado à lógica da produção da indústria cultural, que possibilitaria ao trabalhador recompor suas forças, esquecendo-se da realidade miserável que o circunda[105]. Quer dizer, ainda que o trabalhador não esteja produzindo durante o seu lazer está, diante da televisão, consumindo bens produzidos pela indústria cultural. O espaço de lazer torna-se, portanto, um espaço para consumo, imediato e mediato, de objetos simbólicos.

O direito ao lazer não vincula diretamente a programação das emissoras de televisão. A sua textura constitucional permite ao legislador grande margem quanto à concretização de sua tríplice função: descanso, divertimento e a desenvolvimento da personalidade. Desse modo, a organização do conteúdo do serviço de televisão há de se pautar nessas três funções do conceito sociológico de lazer. O legislador deve desenhar com equilíbrio a intensidade com que o lazer será promovido pelo serviço de televisão.  Nesse sentido, a falta de adequada dosagem legislativa na regulação do direito ao lazer levará, certamente, à não efetividade de outros direitos fundamentais como, por exemplo, o direito à educação, à cultura e à informação.

Com efeito, em razão de norma constitucional do art. 221 da CF, os programas de televisão têm o conteúdo mínimo, o qual consiste na preferência por finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Todavia, a referida norma não prevê que a programação de televisão destine-se a finalidades de lazer. Ainda que não haja uma exigência constitucional, nada impede que o legislador ao concretizar o referido direito fundamental, venha a estabelecer que a programação de televisão se dedique à difusão do entretenimento.

9. Conclusões

A constitucionalização dos serviços de radiodifusão ocorrida na Constituição de 1988 implica em diversas conseqüências no ordenamento jurídico.

A fundamental é a imposição ao legislador do dever de respeitar a organização policêntrica do sistema de comunicação social, por intermédio da disciplina dos sistemas privado, público e estatal. Isto é o legislador tem o dever de organizar os serviços de TV por radiodifusão, com o reconhecimento de espaços específicos para a TV privada, a TV pública e a TV estatal.

Primeiro, o regime de direitos fundamentais da CF exige a interpretação do bloco de normas relativas à Comunicação Social, precisamente aquelas que tratam dos serviços de radiodifusão,  de modo a maximizar a sua aplicação prática.

Assim, o legislador, ao organizar o setor de radiodifusão, obrigatoriamente há de respeitar as linhas gerais em defesa da realização dos direitos fundamentais, mediante os serviços de televisão por radiodifusão.

Segundo, nenhum dos direitos fundamentais analisados é capaz de assegurar diretamente o direito à exploração do serviço de TV por radiodifusão, eis que  é necessária maior densificação legislativa para sua operacionalização.

Terceiro, o bloco de direitos fundamentais exige a adoção de políticas públicas favoráveis à ampliação da entrada de novos operadores nos sistemas de radiodifusão. Há a garantia de acesso à programação de TV por radiodifusão aos indivíduos e grupos sociais.


[1] José Afonso Silva manifesta-se sobre a liberdade de pensamento da seguinte forma: “A liberdade de pensamento – segundo Sampaio Dória – ´é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte, ou o que for`. Trata-se de liberdade de conteúdo intelectual e supõe  o contacto do indivíduo com seus semelhantes, pela qual ´o homem tenda, por exemplo, a participar a outros suas crenças, seus conhecimentos, sua concepção de mundo, suas opiniões políticas ou religiosas, seus trabalhos científicos”. Cf. Direito constitucional positivo. 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 244.

[2] FERREIRA, Aluízio. Direito à informação, direito à comunicação: direitos fundamentais na Constituição brasileira. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997, p. 179. Aliás, entrou em vigor a Lei nº. 10.222/2001, que proíbe as emissoras de rádio e televisão de aumentarem som nos intervalos comerciais, estratégia esta utilizada como recurso subliminar para chamar a atenção do público em relação às mensagens veiculadas.

[3] ALEXANDRINO, José Alberto de Melo. Estatuto Constitucional da Actividade de Televisão. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 97.

[4] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. tomo IV. 3ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 453.

[5] ALEXANDRINO, José Alberto de Melo. Obra citada, p. 86.

[6] BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Colisão entre direitos fundamentais: liberdade de expressão versus direito à honra. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da UFPR. Trabalho inédito, p. 55, 2001.

[7] Sobre o assunto: BASTOS, Celso Ribeiro. Os limites à liberdade de expressão na Constituição da República. In Revista Forense nº. 349,  p. 43-51,  janeiro-fevereiro-março de 2000.

[8] Ibid., p. 94.

[9] LOPES, Mauricio Ribeiro. Ação Civil Pública e a Tutela de Interesse Difuso da Infância: Proteção da Imagem e dos Direitos da Personalidade – Programas de Televisão. In  Revista de Processo nº. 92,  p. 296-297, outubro/dezembro de 1998.

[10] A liberdade de expressão tem campos particulares de manifestação. É o caso, por exemplo, do direito à cultura, que nada mais é do que a liberdade de expressão no campo cultural. A proteção constitucional recai sobre diversas manifestações culturais constituintes da sociedade brasileira, como é o caso das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras (CF, art. 215, §1º). Conferir: SILVA, José Afonso. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo: Malheiros, 2001, p.46-52.

[11] Uma hipótese de suspensão legítima da atividade de radiodifusão consiste na declaração do Estado de Sítio nos termos do art. 139, II, da Constituição Federal. Tal dispositivo constitucional requer que o legislador defina as hipóteses de restrições relativas “à prestação de informações, e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão “.

[12] LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. O direito à informação e as concessões de rádio e televisão.  São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 319-320.

[13] SILVEIRA, Paulo Fernando. Rádios comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 106-8.

[14] SOUZA, Nuno. A liberdade de imprensa. Coimbra: Coimbra Editora,  1994, p. 147-148.

[15] Nessa questão, a Constituição portuguesa é um modelo exemplar, pois, além de assegurar o direito de antena aos partidos políticos, igualmente o garante às organizações sindicais, profissionais e representativas das atividades econômicas.

[16] ALEXANDRINO, José de Melo. Op. cit., p. 108-111.

[17] Além da previsão constitucional, o direito de resposta está previsto na Lei de Imprensa da seguinte maneira: “Art. 29. Toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que for acusado ou ofendido em publicação feita em jornal ou periódico, ou em transmissão de radiodifusão, ou a cujo respeito os meios de informação e divulgação veicularem fato inverídico ou, errôneo, tem direito a resposta ou retificação”.

[18] MOREIRA, Vital. O direito de resposta na comunicação social. Coimbra: Coimbra Editora, p. 38.  Obra citada por FERREIRA, Aluízio,  p. 199-200.

[19] O Código de Defesa do Consumidor impõe a realização de contrapropaganda no caso de publicidade enganosa ou abusiva em prejuízo ao consumidor (art. 60). A extensão do direito de resposta para a proteção de interesses difusos é proposta por Fábio Konder Comparato em seu artigo A democratização dos meios de comunicação de massa. In A televisão aos 50: criticando a televisão  brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p. 199-200.

[20] Para Miguel Reale: “Além disso, entre as múltiplas consequências resultantes do impacto dos meios eletrônicos de comunicação sobre a sociedade, mister é reconhecer que eles determinaram e continuam determinando notáveis mudanças na apreciação geral dos acontecimentos, desde os econômicos aos artísticos, criando uma situação  instável no plano da sensibilidade e da ação”. Cf. Variações sobre o direito-dever de informar. Em O Estado de São Paulo, 20.3.1999, caderno A2, citado por MARTINS, Ives Gandra. Direitos e deveres no mundo da comunicação – da comunicação clássica à eletrônica. Em Carta Mensal nº 541, vol. 46. Rio de Janeiro, RJ, 2000, p. 49-89.

[21] MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, p. 346-379.

[22] BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997, p. 38-41.

[23] ALEXANDRINO, José de Melo. Obra citada, p. 92-93.

[24] ALEXANDRINO, José. Obra citada,  p. 116.

[25] FERREIRA, Aluízio. Obra citada, p. 68.

[26] Direito de informação e liberdade de expressão. Rio de Janeiro, Renovar,  p. 25, 1999.

[27] PEREIRA, Guilherme. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação (exame de algumas questões). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

[28] Obra citada, supra, p. 67-8.

[29] Idem.

[30] Ibid., p. 118-121.

[31] SECLAENDER, Airton C. Leite. O direito de ser informado – base do paradigma moderno do direito de informação. In Revista de Direito Público nº 69, 153.

[32] Ibid., p. 13-14.

[33] É o que mostra Rodrigo Bornholdt: “Para o Tribunal Constitucional Alemão não se protegem fatos sabida ou provadamente inverídicos. O mesmo entendimento possui a Suprema Corte norte-americana. Já as opiniões são amplamente protegidas, ainda que sem fundamentação. Elas só deixarão de prevalecer quando colidirem com outros direitos fundamentais e bens jurídicos com status constitucional e, após a adequada ponderação, conceder-se proteção a estes últimos”. In Colisão entre direitos fundamentais: liberdade de expressão versus direito à honra. Trabalho inédito, p. 224.

[34] A liberdade de expressão e a comunicação social. In Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº 20 do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, julho-setembro, 1997, p. 48.

[35] Controle da programação de televisão: limites e possibilidades, p. 37, 1999. Dissertação de Mestrado em Direito/UFRS. Não publicada.

[36] Id.

[37] Id.

[38] Ibid.,  p. 167-8.

[39]  BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 42, 43 e 47.

[40] Maurício Ribeiro Lopes esclarece que: “Entretanto, a atual dimensão da informação na vida dos cidadãos, com reflexos em seu comportamento, em sua consciência social e política e até em seus hábitos de consumo torna o direito à informação algo pertencente ao público”. Em Revista de Processso n. 92. São Paulo: SP, Instituto Brasileiro de Direito Processual, 1998, p. 269-303.

[41] Sobre o assunto: CARNOTA, Enrique Gómez-Reino y. La liberdad interna de los medios privados de comunicacion social. In Revista Del Centro de Estudios Constitucionales, n. 1º., enero-abril,  Madrid, 1989, p. 21-33.

[42] Ibid., p. 221-228.

[43] Rodrigo Meyer Bornholdt expõe:

 

“Quanto à possibilidade de restrição de direitos no caso de colisões entre direitos fundamentais garantidos sem reserva de lei, deve-se ressaltar a posição de alguns, que defendem não poder o legislador previamente regulamentar um conflito cuja solução, pela vontade constitucional, caberia unicamente ao Judiciário.

Segundo Ulli Rühl, os direitos fundamentais positivados sem reserva de lei necessitam, para sua restrição, de uma fundamentação especial (besonderen Begründung). A metódica estruturante, sem discordar desse posicionamento, analisa-o com cuidado maior. Se a norma constitucional é positivada sem a possibilidade de restrição, serão apenas textos de normas constitucionais que poderão restringir este direito. Tudo o que terá por conseqüência que a lei restritiva apenas balizará uma restrição realizada já ao nível dos textos constantes (e dos âmbitos normativos construídos) da Constituição.

Em outras palavras, a lei restritiva terá um puro efeito declaratório de uma restrição que se opera por força de uma colisão decidida com base em dados constitucionais, e cuja solução não poderá ser conhecida senão a partir da resolução do caso concreto. Assim, por exemplo, enquanto, no direito alemão, um direito “geral” à honra pessoal, legalmente traçado, poderá limitar a liberdade de expressão (dependendo sempre do caso concreto), por haver expressa autorização constitucional para tanto (art. 5o., II), o tipo legal da injúria apenas restringirá o direito à liberdade de expressão artística, garantido sem reserva de lei, quando corresponder a um traçado constitucional do direito à honra. Tratar-se-á, nomeadamente, daquelas situações em que, no caso concreto, o direito à honra surja enquanto manifestação da dignidade humana, ou do direito geral de personalidade, já que é apenas nestas duas situações que, como se verá, o direito à honra é protegido constitucionalmente. Conseqüência disso, na metódica estruturante, será que a lei autorizada constitucionalmente a restringir um determinado direito fundamental, não poderá restringir o âmbito normativo de outro direito, com aquele colidente ou concorrente, caso não haja, quanto a este último, reserva de lei igualmente fixada na Constituição. Em outras palavras, o parâmetro para a restrição de direitos sem cláusula de reserva será, sempre, um outro direito constitucional. In Ibid, p. 250.

[44] Ibid., p. 132.

[45] Sobre a influência da televisão  na capacidade de reflexão das pessoas, conferir: MENDES, Marques. Rádio e Televisão como Serviço Público. In Comunicação e Defesa do Consumidor. Coimbra: Coimbra Editora, 1996,  p. 111-117.

[46] TÁVOLA, Artur da. A liberdade do ver: televisão em leitura crítica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 11.

[47] Ibid., p. 58.

[48] Manual de direito constitucional. t. IV, Direitos fundamentais, p. 456-7, citado por FERREIRA, Aluízio. Direito à informação. Direito à comunicação. Direitos fundamentais na Constituição brasileira. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1997, p. 205.

[49] Ibid., p. 168.

[50] Ibid., p. 460.

[51] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 16ª., São Paulo: Malheiros, p. 249, 1999.

[52] Para a compreensão da problemática conferir: SCORSIM, Ericson Meister. TV Digital e Comunicação Social: aspectos regulatórios: Belo Horizonte: Fórum, 2008.

[53] Uma das diferenças do modelo brasileiro de comunicação social em relação ao português é a outorga do direito de antena apenas aos partidos políticos.

[54] HORTA, Raul Machado. Constituição e Ordem Econômica e Financeira. In Revista brasileira de estudos políticos, p. 7-27.

[55] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. In Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, nº. 19, abril-junho de 1997, p. 7-36.

[56] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 224, 1997.

[57] Ibid., p. 223.

[58] Curso de direito constitucional positivo, p. 767.

[59] Ibid., p. 153.

[60] CHIRILLO, Eduardo J. RODRIGUEZ. Privatización de la empresa pública y post privatización. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995, p. 83-158.

[61] PASTOR, Javier VICIANO. Livre Competencia e intervención pública en la economia. Valencia:  Tirant lo Blanch, 1995, p. 37-114.

[62] ARINO ORTIZ, Gaspar. Economia y Estado. Madrid:  Marcial Pons, 1993, p. 340.

[63] Ibid., p.  46-60.

[64] COMPARATO, Fábio Konder. A democratização dos meios de comunicação de massa. In A televisão aos 50: criticando a televisão brasileira no seu cinquentenário. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, p. 183-201. Para o professor COMPARATO, a empresa capitalista não pode cumprir a tão sonhada função social, eis que a mesma está voltada radicalmente para a obtenção de lucros. Ele diz: “Na verdade, a idéia de as empresas serem obrigadas, de modo geral, a exercer uma função social ad extra no seio da comunidade em que operam, apresenta o vício lógico insanável da contradição. A empresa capitalista – importa reconhecer – não é, em última análise, uma unidade de produção de bens, ou de prestação de serviços, mas sim uma organização produtora de lucros. É esta a chave lógica para a compreensão de sua estrutura e funcionamento”. In Estado, Empresa e Função social. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 732, outubro de 1996, p. 38-54. Essas idéias embasaram a proposta do Partido dos Trabalhadores de democratização dos meios de comunicação social no âmbito da Assembléia Nacional Constituinte.

[65] Ibid.,  p. 43-63.

[66] PAZ, Jose Carlos Laguna de. Regimen juridico de la television privada. Madrid: Marcial Pons, 1994, p. 46-65.

[67] Idem.

[68] Idem.

[69] Idem.

[70] Idem.

[71] Idem.

[72] Ibid., p. 60-1.

[73] Para José Alexandrino: “Num ponto se poderá avançar um pouco: quanto mais a iniciativa económica se aproximar da pessoa individual, mais nítido será o direito subjetivo subsistente, ao passo que, perante a grande empresa de comunicação e o poderio  económico que ela assume, aquela nitidez se diluirá; por outro lado, e em paralelo, o tipo e  natureza  das mensagens determinarão, igualmente, a densidade do direito e a extensão dos condicionamentos ao acesso e ao desenvolvimento das actividades de emissão. Exemplificando: no primeiro caso, a televisão  local (392) ou a pequena estação emissora sem fins lucrativos não devem conhecer limitações especiais, salvo a existência de razões técnicas  impeditivas; no segundo caso, as televisões temáticas, como, por exemplo, as que se ocupem apenas de desporto, cinema ou formação não devem igualmente conhecer, além de condicionamentos de raiz tecnológica, condicionamentos especiais distintos de idênticas actividades (393), mas não já as televisões generalistas, as televisões que emitam informação (genérica ou especializada) (394) ou as televisões que promovam a espectáculo a vida privada das pessoas, onde – para garantia  do sistema de liberdades e do modelo da Constituição económica – se impõe exigências e controlos particulares”.

[74] Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987, p.  227. A norma que trata da livre iniciativa tem aplicabilidade diversa em relação ao serviço de radiodifusão de sons e de imagens  e no do serviço de televisão a cabo. A intervenção estatal sobre a livre iniciativa é mais acentuada no caso da televisão generalista (serviço de radiodifusão de sons e imagens, que será abordado no capítulo seguinte), que em relação à televisão a cabo, o que gera um regime jurídico diferenciado. Tal questão, por falta de espaço, infelizmente aqui não pode ser abordada.

[75] Para uma análise mais profunda da questão ver: SCORSIM, Ericson Meister. TV Digital e Comunicação, obra citada acima.

[76] MÜELLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 75-7.

[77] BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação/Educação: aproximações. In A televisão aos 50 anos: criticando a televisão brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p. 95-6.

[78]MALISKA, Marcos Augusto. O direito à educação e a Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001, p.156-7.

[79] Idem.

[80] Idem.

[81] O legislador veio a contemplar o “ensino à distância” pela televisão, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dando-lhe tratamento diferenciado pela possibilidade de custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens, concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas e reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais. Tal tratamento diferenciado à “educação à distância” é definido pelo art. 80, §4º , da Lei nº. 9.394/96.

[82] Reiventando as humanidades. In As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, p. 312.

[83] RUSSEL, Bertrand. O Elogio ao Ócio. In A economia do ócio (Domenico de Masi, organização e introdução). Rio de Janeiro: Sextante, 2001, p. 71.

[84] ENZENSBERGER, Hans Magnus. Elementos para uma teoria dos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,  1978, p. 75.

[85] Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. 2ª ed., São Paulo: Cortez,  2000, p.13-18.

[86] É relevante traduzir a parte da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, particularmente no campo da mídia, que assim se expressa:

“Art. 17. Os Estados membros reconhecem a importante função desempenhada pela mídia de massa e assegurarão que a criança tenha acesso a informações e materiais de diversas fontes nacionais e internacionais, especialmente aquelas que objetivam a promoção de seu bem-estar social, espiritual e moral, e sua saúde física e mental. Para este fim os Estados membros:

a)       encorajarão a mídia de massa a disseminar informações e materiais que beneficiem social e culturalmente a criança, e de acordo com o espírito do artigo 29;

b)       encorajarão a cooperação internacional para a produção, troca e disseminação de tais informações e materiais de várias fontes culturais, nacionais e internacionais;

c)       encorajarão a produção e disseminação de livros infantis;

d)      encorajarão a mídia de massa a ter especial consideração pelas necessidades lingüísticas da criança que pertença a uma minoria ou seja indígena;

e)       encorajarão o desenvolvimento de orientações apropriadas a fim de proteger a criança de informações e materiais nocivos ao seu bem-estar, tendo em mente as cláusulas dos artigos 13 e 18”.

[87] Sobre o assunto: HAMMABERG, Thomas. A criança e a mídia: relatório  do Comitê da ONU para os Direitos da Criança. In A criança e a violência na mídia. São Paulo: Cortez Editora, p. 35-45. E FEILITZEN, Cecilia Von. Introdução  aos artigos de Pesquisa sobre A Criança e a Violência na Tela. In A criança e a violência na mídia, 1999, p. 49-61.

[88] Ordenação constitucional da cultura, p. 35.

[89]  (art. 215, §1º)

[90]  (art. 216)

[91] Ibid., p. 51-2.

[92] Ibid., p. 82-3.

[93] LEAL, Laurindo Filho. Atrás das câmeras: relações entre cultura, Estado e televisão. São Paulo: Summus Editorial, 1988, p. 81.

[94] ECO, Umberto, Apocalípticos e integrados. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998, p. 43-48.

[95] Ordenação constitucional da cultura, p. 78.

[96] CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. 7ª ed., p. 43. Citada por José Afonso da Silva em Ordenação constitucional da cultura, p. 77.

[97] LEAL FILHO, Laurindo. A televisão pública. In A televisão aos 50: criticando a televisão  brasileira no seu cinqüentenário. Eugênio Bucci (org.), São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p.153-165.

[98] KAEMPER, Dirk. Política cultural na televisão  alemã. In Televisão e Cultura no Brasil e na Alemanha (Apresentações no Seminário “Cultura e Política na Televisão do Brasil e da Alemanha”, em Salvador, de 9 a 14 de maio de 1994). São Paulo: Edições GRD. Salvador: ICBA, Instituto Cultural Brasil Alemanha, 1997, p. 20-28.

[99] O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva,  2000, p. 27.

[100] DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. 3ª ed., São Paulo: Editora Perspectiva, 2000,  p. 32-4.

[101] Ibid., p. 144.

[102] Conforme pesquisa do IBGE, realizada no ano de 1999, sobre Informações Básicas Municipais: 93% dos municípios brasileiros não têm sala de cinema; 94% não possuem um shopping center; 85% das cidades não têm museus ou teatros; 35% não contam com ginásio esportivo e 25% não dispõem de bibliotecas públicas (dos municípios que contam com biblioteca 69% dentre eles contam com apenas uma, e, nos municípios com até 20 mil habitantes, 93% não contam com nenhuma biblioteca). Diante desses dados, os autores Christianne Werneck e Hélder Isayama concluem que é flagrante a ausência de espaços públicos destinados ao lazer, distribuídos homogeneamente pelo território nacional. Em verdade, poucas cidades concentram muitos centros públicos de lazer, enquanto que a maioria dos municípios brasileiros conta com pouquíssimos equipamentos urbanos dedicados a essa prática social. Outra conclusão reside na identificação entre os produtos da indústria cultural como sendo a própria cultura. WERNECK, Christianne Luce Gomes e ISAYAMA, Hélder Ferreira. Lazer, Cultura, Indústria Cultural e Consumo. In  Lazer e Mercado. Campinas, SP: Papirus, 2001, p. 46.

[103] LIMA, Venício A de. Mídia: teoria e política. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 269.

[104] Citada por LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 264.

[105] A afirmação da autora é feita a partir da análise do pensamento de Adorno e Horkheimer. Vide: A teoria crítica: ontem e hoje, 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 72.

Revista de Infromação Legislativa, v.46, nº 182, pág. 17-40, 2009.

 

 

 

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Em defesa da regulação dos serviços de televisão por radiodifusão

  1. Introdução

A disciplina infraconstitucional dos serviços de televisão por radiodifusão é realizada pela Lei 4.117/62.

Com efeito, a Lei  nº 4.117/62, que trata dos serviços de televisão por radiodifusão, ainda em vigor (apesar de substancialmente modificada na parte relativa às telecomunicações pela Lei nº 9.472/97), além de não disciplinar o sistema de radiodifusão público constitucionalmente previsto, mantém o regime de delegação estatal à iniciativa privada, mediante a concessão, permissão e autorização.

No contexto à época da aprovação da referida lei, havia duas referencias no direito comparado. Uma delas era o modelo norte-americano de televisão, baseado na livre iniciativa, na televisão comercial (financiamento mediante publicidade), no regime privado (propriedade privada e concorrência), na noção de public utility, na caracterização do espectro eletromagnético como um bem público, na licença, na televisão pública com caráter complementar à televisão privada, na existência de uma agência reguladora do setor (Federal Communication Comission) etc.

Outra conformação identificava o modelo europeu fundado nas ideias de televisão pública, de monopólio estatal, de noção de serviço público, de regime de direito público, de caracterização de espectro eletromagnético como um bem público, concessão, vedação à livre iniciativa etc.

A decisão legislativa brasileira resultou em um modelo de organização dos serviços de televisão por radiodifusão, combinando os elementos dos dois sistemas normativos referidos: a titularidade estatal exclusiva sobre os serviços de radiodifusão, mas possibilitando-se a gestão estatal e/ou privada, mediante concessão, permissão e autorização. Contudo, não se adotou uma autoridade reguladora independente do governo, muito embora tenha sido previsto o Conselho Nacional de Telecomunicações nos termos da Lei 4.117/62 que durou pouco tempo. Na prática, o presidente da República juntamente com o ministro das Comunicações definiam as questões da disciplina da radiodifusão.

Em outras palavras, um modelo misto de coexistência entre televisões comerciais e estatais. Contudo, sem a constituição de uma verdadeira agência reguladora para o setor[1].

Na década de 1990, no contexto de um processo amplo de reforma do papel do Estado, de abertura dos mercados decorrentes da globalização das economias, houve a mudança do paradigma de organização do setor de telecomunicações. Com a introdução no ordenamento jurídico brasileiro da Emenda Constitucional nº 08/95, houve permissão para a privatização do setor de telecomunicações e a entrada de grupos estrangeiros, o que ensejou, posteriormente, a nova Lei Geral de Telecomunicações e a agência reguladora para o setor: a Anatel[2].

A referida emenda constitucional operou uma radical mudança quanto à mídia eletrônica (rádio e televisão) à medida que esta foi afastada do setor de telecomunicações. Os serviços de radiodifusão de sons e de sons e imagens ficaram fora do alcance da Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97) e das competências da Agência Nacional de Telecomunicações, excetuados os aspectos técnicos. Entretanto, o setor de televisão por assinatura permaneceu qualificado como serviço de telecomunicações, submetendo-se à referida lei e à Anatel[3]

2.    Conselho de Comunicação Social

Na década de 1980, no contexto de processo de redemocratização do país, com a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, surgem movimentos sociais contrários ao clientelismo na outorga das concessões de televisões por radiodifusão. Contudo, a nova Constituição de 1988 foi uma oportunidade para a cristalização dos poderes locais ou regionais, particularmente os “ganhos” do período militar, e a atuação da frente conservadora baseou-se na distribuição de concessões no campo da radiodifusão, para fins de manutenção das benesses obtidas durante o regime militar[4]. Na tentativa de neutralizar o poder Executivo quanto à distribuição de canais de radiodifusão, mediante a adoção de critérios políticos, ficou estabelecida a participação do Congresso Nacional e instituído o Conselho de Comunicação Social como seu órgão auxiliar, de acordo com disposição dos arts. 223 e 224, da CF. Contudo, não lhe foi atribuído nenhum poder regulatório sobre os sistemas de radiodifusão, competindo-lhe , apensa, a elaboração de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações do Congresso Nacional. Além disso, ficou inoperante por mais de uma década, e os seus primeiros conselheiros foram nomeados somente no ano de 2002.

O Conselho de Comunicação Social é disciplinado pela Lei nº 8.389/91 e é composto por 13 membros, entre os quais: um representante das empresas de rádio; um representante das empresas de televisão; um representante de empresas da imprensa escrita; um engenheiro com notórios conhecimentos na área de comunicação social; um representante da categoria profissional de jornalistas; um representante da categoria profissional dos radialistas; um representante da categoria profissional dos artistas; um representante das categorias profissionais de cinema e vídeo; e cinco membros representantes da sociedade civil. Os membros são escolhidos pelo Congresso Nacional, com mandato de dois anos e uma possibilidade de recondução, com a indicação das entidades representativas dos setores mencionados nos incisos I a IX do art. 4º da Lei nº 8.389/91.

Infelizmente, a modelagem do Conselho de Comunicação Social é eminentemente de caráter corporativo, sem ampla representatividade da sociedade civil e a adoção de mecanismos de participação dos usuários dos serviços de televisão em seu interior.

A configuração atual do Conselho de Comunicação Social não permite a sua atuação como órgão regulador dos serviços de televisão por radiodifusão. Daí porque somente por intermédio da alteração do texto constitucional e legislativo é que seria possível atribuir competência regulatória sobre o setor de radiodifusão. De todo modo, entendo que a competência regulatória deve ser atribuída à Anatel, transformando-a em agência reguladora das comunicações, como será visto.

3. EUA: a Federal Communications Comission

A intervenção pública sobre o setor de radiodifusão centra-se basicamente no trabalho da Federal Commission Communication (FCC) que é uma agência encarregada das políticas reguladoras relacionadas aos serviços de telecomunicações (inclusive serviços de radiodifusão) oferecidos pelos mais variados meios: televisão, rádio, comunicações privadas, telefones celulares, satélites terrestres e orbitais, cabo, etc. O modelo de televisão exige o equilíbrio entre a necessidade de intervenção pública e a liberdade de mercado de televisão, protegida pela primeira emenda da Constituição.

Trata-se de um paradigma à margem da ideia de serviço público que serve à estruturação da televisão nos países europeus, e também para o Brasil. Nos EUA a radiodifusão é qualificada como uma public utility[5] , uma instituição que não se identifica com a noção europeia de serviço público, pois são diferentes os pressupostos sociais, políticos e econômicos[6]. O significado de public utility na língua portuguesa aproxima-se da ideia de um serviço privado, mas de interesse público. Antigamente, era possível ver com maior clareza a diferença entre as fronteiras da public utility  e da noção de serviço público; atualmente, elas não são tão nítidas[7] Apesar da complexidade na identificação das notas diferenciadoras, as categorias possuem identidade própria[8].

O serviço de televisão por radiodifusão é uma public utility totalmente diferente das demais public utilities, já que está diretamente atrelado à concepção democrática e à liberdade de expressão. Em função disso, a broadcasting regulation implica sérias questões, particularmente quanto ao acesso ao m eio de comunicação, regulação do conteúdo audiovisual e à produção e à veiculação de notícias de interesse público que possibilitem o debate público[9].

A FCC é uma agência reguladora constituída por cinco membros, indicados pelo presidente e sujeitos à confirmação do Senado. Um dos seus integrantes é escolhido pelo presidente para ocupar a função de chairman. Não mais que três podem pertencer ao mesmo partido político e uma vez confirmados no cargo não podem ser destituídos durante o mandato de cinco anos. Ela é integrada por vários órgãos com diversas funções – e um doos principais é o Media Bureau, com competência –, entre outras, para outorgar certas licenças e proceder à renovação das mesmas[10].

Umas das características essências da FCC é a independência, eis que existem limites quanto à destituição pelo presidente do pessoal encarregado da direção da agência. Essa independência consiste na atribuição de autonomia na forma da lei quanto ao exercício de competências em relação ao governo e aos partidos políticos. O objetivo originário era evitar que ela fosse controlada por um único partido político, de modo que ela obtivesse vantagens materiais ou eleitorais, daí a sua estruturação para garantir um controle recíproco entre os partidos políticos[11].

O paradoxo de uma agência reguladora consiste no fato de que o objetivo originário é o de garantir a tomada de decisões de forma autônoma diante de questões técnicas e complexas, contudo, ela não é propriamente integrada em seu corpo diretivo por experts,  mas por membros indicados pelos partidos políticos e referendados pelo presidente e pelo Senado.

Para o cumprimento de seus objetivos institucionais, atribui-se à FCC uma série de competências.

A FCC dispõe de diversas competências. No que tange à regulação do setor de comunicações. Segundo a referida lei, quando se trata de aplicação dos serviços e dos termos das licenças “a comissão deve garantir a outorga de uma licença a qualquer solicitante desde que haja conveniência, interesse e necessidade pública, nos termos da lei”[12].  A agência reguladora norte-americana FCC detém a competência para regular em bloco o setor de comunicações, não havendo a fragmentação regulatória entre o setor de telecomunicações e o setor de radiodifusão.

Ela ainda dispõe de competência normativa que lhe permite baixar normas de regulação do setor de radiodifusão e dispor sobre controvérsias.

4.    França: Conselho Superior do Audiovisual francês

(Conseil Supérieur de l’Audiovisuel)

Na França, a ideia de garantir a independência do setor de comunicação audiovisual em face do poder político, mediante a instituição de uma autoridade reguladora independente, foi concretizada, originariamente, no ano de 1982, com a criação da haute autorité encarregada da proteção ao principio da liberdade de comunicação social, incluindo a regulação tanto da comunicação audiovisual quanto das telecomunicações[13]. Com a lei de 1986, foi criada a Comission Nationale de la Communication et des Libertés ( CNCL), como sucessora da haute autorité, e, diferentemente desta, incompetente para tratar do setor de telecomunicações, mas apenas com a atribuição de tratar do setor audiovisual, especificamente a competência para outorgar autorizações[14].

Em 1989, é instituído o Conselho Superior do Audiovisual (CSA) em substituição ao CNCL, uma autoridade administrativa independente encarregada da regulação do setor audiovisual na França, composta por nove membros nomeados por decreto do presidente da República (três membros designados pelo presidente da República, três pelo presidente da Assembleia Nacional e pelo presidente do Senado), cujo mandato é de seis anos irrevogáveis e não renováveis[15].

Na França, atualmente, também há uma autoridade administrativa reguladora do setor de telecomunicações e dos serviços postais (originariamente, l’autorité de régulation des télecommunications (ART) que, mediante a lei de 1996, foi transformada na autorité de régulation des communications electroniques et des postes – Arcep) e outra autoridade reguladora do espectro radioelétrico (Agence Nationale des Fréquences – ANFR, criada pela lei de telecomunicações de 26 de julho de 1996).

O Conselho Superior do Audiovisual é uma autoridade reguladora independente que tem por função a garantia do exercício da liberdade de comunicação, o respeito pelos editores de princípios fundamentais (dignidade da pessoa humana, ordem pública e expressão pluralista das correntes de opinião, honestidade da informação), a proteção da infância e da adolescência, a comunicação publicitária, telecompras, patrocínio, regime de difusão de obras cinematográficas e audiovisuais, defesa da língua francesa, a utilização das frequências radioelétricas[16].

O CSA tem, entre outras, as seguintes competências: nomeação de cinco personalidades qualificadas no conselho de administração da France Télévisions; promover nomeações em outros estabelecimentos públicos do setor audiovisual; elaboração de regras sobre sua organização administrativa, das condições técnicas de utilização das frequências; exercício do direito de réplica; emissões de expressão direta; código deontológico aplicável a seus membros; monitoramento do conteúdo da prestação do serviço de televisão; e também tem um  papel consultivo em  relação ao Parlamento e ao governo, na proposição de leis ou regulamentos em matéria de radiodifusão; e a aplicação de diversas sanções aos operadores, distribuidores e editores dos serviços de rádio, de televisão, etc.

A autoridade reguladora também tem por competência a atribuição de autorização para o uso de bandas de frequências  para os serviços de comunicação audiovisual difundidos por via hertziana terrestre (rádios locais, televisões nacionais e locais).

É importante destacar que, com o novo marco jurídico, houve a unificação do regime de distribuição de serviços (redes de cabo, satélites e demais operadores de TV por ADSL) com o regime do serviço de rádio e televisão. Nesse contexto, a lei confere competência ao CSA para regular os diferentes tipos de serviços de comunicação audiovisual. A sua autuação incide sobre os difusores de rádio e de televisão do setor privado e do público, como também os distribuidores dos serviços de rádio e de televisão. Sua competência limita-se, no entanto, aos “verdadeiros” serviços de rádio e de televisão, independentemente do meio técnico adotado para a difusão do sinal. É possível que o CSA autorize a utilização de uma “frequência audiovisual” para a prestação de serviços de comunicação eletrônica (principalmente telefonia), depois de aviso conforme a Arcep (autoridade de telecomunicações e serviços postais).

Todos os distribuidores de serviços de comunicação que fazem uso de uma rede de comunicação eletrônica, que não utiliza as frequências radioelétricas, estão submetidos a um regime de autorização para a instalação de redes de cabo em comunidades, que foi substituído por um regime de declaração prévia junto à Arcep.

5.    Atribuição de poder regulatório sobre o setor de radiodifusão à Anatel

Um dos principais problemas do Brasil em termos de democratização da televisão é a deficiente regulação estatal, eis que o interesse setorial, em articulação com o poder político, sobrepuja o interesse da sociedade brasileira. Conforme lições do professor Fábio Konder Comparato: “a regulação do sistema de comunicação como um todo, incluindo nesta era de multimídia o conjunto dos canais de telecomunicação por via telefônica, tornou-se, no presente, uma matéria constitucional por sua natureza” [17].

Em função disso, torna-se necessária a respectiva regulação, por intermédio de uma agência autônoma dos serviços de televisão por radiodifusão, em relação ao poder político (especialmente, o poder do governo – presidente e Ministério das Comunicações) e ao poder econômico (empresas de mídia nacionais e internacionais e agências de publicidade) [18].

Além disso, a regulação estatal pressupõe a existência de uma atividade econômica.

Com efeito, só faz sentido falar em regulação quando se trata de uma atividade de mercado. Essa é a principal razão para a instituição de uma agência reguladora. Por isso a televisão comercial deve ser entendida como uma atividade econômica em sentido estrito e não mais como serviço público, logo a figura da concessão deve ser abandonada e aplicada a autorização administrativa.

Aqui, adota-se uma postura crítica diante da separação promovida de modo circunstancial pela Emenda Constitucional nº 08/95, entre os setores de telecomunicação e radiodifusão, defendendo-se a modificação do ordenamento jurídico, para atribuir competência regulatória à Anatel sobre os serviços de televisão por radiodifusão. Assim, permite-se a relativização da separação entre os dois universos, promovendo alguns passos em direção à aproximação recíproca.

A medida proposta justifica-se pelas seguintes razões: o processo de convergência de tecnologias e de prestação de serviços em matéria de comunicações eletrônicas requer a unidade regulatória; evita-se a confusão da atribuição de competência entre distintas entidades, o que compromete a segurança jurídica; aproveita-se a experiência da Anatel em termos de regulação setorial sobre os serviços de telecomunicações; facilita-se a adoção de uma política nacional de comunicações diante da internacionalização da mídia; a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, em razão de sua própria dinâmica requer um órgão especializado no tratamento das questões técnicas que lhe são subjacentes; e os demais serviços de televisão por assinatura já se encontram sob a jurisdição da referida agência.

Nesse contexto, algumas alterações no direito positivo precisam ser feitas tanto na Constituição Federal quanto na legislação infraconstitucional.

Defende-se aqui a proposta de modificação do ordenamento jurídico brasileiro, na forma de emenda constitucional, alterando-se o art. 223, § 1º, § 2º, § 4º, e o art. 49, XII, da CF, para atribuir as competências então conferidas ao poder Executivo e ao poder Legislativo (ato de outorga, ato de renovação e ato de não renovação) e ao poder Judiciário (ato de cancelamento do ato de outorga), à Anatel, dotada de plena autonomia em face do poder político e do poder econômico, coma participação da cidadania brasileira nos procedimentos de outorga, renovação, entre outros.  Com efeito, sua autonomia é “caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira”, nos termos do art. 8º, § 2º, da Lei nº 9.472/97[19]. A atribuição de competência regulatória à referida agência em relação ao setor de radiodifusão só tem sentido se ela dispuser do poder de outorga, normatização e fiscalização em relação às emissoras de televisão por radiodifusão.

Além disso, deve-se alterar a Lei Geral de Telecomunicações, a fim de incluir tal competência à Anatel, transformando-a em uma Agência Nacional de Comunicações. Ora, se há um ministério das Comunicações, nada mais razoável do que a existência de uma agência especializada em matéria de comunicações, independentemente da tecnologia adotada. Ao ministério competirá a elaboração da política pública em matéria de comunicações, enquanto à agência caberá a definição e a execução da política regulatória. Nesse sentido, o modelo proposto aproxima-se da experiência da Federal Communications Comission dos EUA, que tem por objeto justamente todas as modalidades de serviços de comunicações, independentemente da plataforma tecnológica adotada.

No atual momento histórico, entende-se como inconveniente a criação de mais uma agência especializada unicamente no setor audiovisual.

De fato, o conteúdo audiovisual é objeto de tratamento especial pela Constituição, razão pela qual impões um estatuto específico. Contudo, isso não exige necessariamente uma agência especializada somente no setor da comunicação audiovisual.

Por outro lado, entende-se como inconveniente a atribuição de competência regulatória dos serviços de televisão à Agência Nacional de Cinema, algo que se pretendia em sua modelagem originária, Isso porque, em razão do processo de convergência de tecnologias, entende-se que o modelo da Anatel já atende, de certa forma, às necessidades de regulação setorial, bastando apenas sua reformulação.

Portanto, é perfeitamente possível atribuição à Anatel da regulação em termos de conteúdo audiovisual. É que a separação entre a regulação da infraestrutura e do conteúdo audiovisual acaba enfraquecendo a própria proteção a este último. Em regra, quem detém os meios de comunicação é que determina quais conteúdos serão veiculados pelas redes de difusão. No Brasil, a disciplina das redes há de ser feita em harmonia com o tratamento dos conteúdos audiovisuais, sob pena de ineficiência. Um dos mecanismos para neutralizar o poder dos proprietários e/ou controladores das redes é a promoção da regulação, em conjunto, em favor da produção do conteúdo audiovisual. Com isso, minimiza-se o risco do controlador da rede impor condições excessivas para transporte de conteúdo audiovisual de outros concorrentes[20].

Sintetizando, ao invés de separação entre os setores de telecomunicações e radiodifusão, deve ocorrer uma aproximação entre os mesmos, justamente em razão do processo de convergência tecnológica, ainda mais acentuando pela implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital.

6.    Conclusões

É fundamental para o Estado democrático de direito a criação de um órgão regulador dos serviços de comunicação social efetuado pelas emissoras de televisão por radiodifusão. É inadmissível, em um país que pretende ser uma democracia material, a ausência de regulação sobre a mídia eletrônica. Pensar de modo contrário é submeter o interesse da sociedade brasileira ao mero interesse econômico do setor de radiodifusão. Em verdade, a regulação estatal, a par de servir ao interesse público, serve ao próprio mercado e à liberdade de radiodifusão. Se, de um lado, é imprescindível evitar os abusos praticados pela liberdade de radiodifusão, também é necessário restringir os abusos estatais contra ela cometidos. Daí o importante papel da função regulatória desempenhada por uma agência reguladora autônoma, para evitar o abuso do poder econômico e do poder político, em garantia do pluralismo econômico e político e do equilíbrio entre os sistemas de radiodifusão. Assim, uma das propostas aqui sustentadas é atribuir a uma agência especializada competência para regular o setor de radiodifusão.

Em uma visão mais aberta, a liberdade econômica até pode ser considerada como um fim em si, servindo aos interesses capitalistas dos proprietários e/ou controladores da empresa. Nesse contexto, a regulação estatal serve apenas para tratar das falhas do mercado, especialmente quando surgem monopólios e/ou oligopólios. Contudo, tal entendimento sequer é majoritário, mesmo em um dos países de acentuada tradição liberal como é o caso dos EUA.

No contexto de um Estado democrático de direito, a regulação estatal tem que garantir o justo equilíbrio entre o poder econômico das organizações da mídia e o poder político, sob pena da liberdade dos meios de comunicação social tornar-se um fator de domínio da sociedade e de estrangulamento do sistema político. Aqui, a liberdade de comunicação deve não só favorecer os proprietários dos meios de comunicação, como também o público destinatário dos respectivos serviços, na qualidade de consumidores e de cidadãos.

Enfim, são inúmeras as vantagens com a existência de um órgão regulador: ganham a sociedade, o mercado e o próprio Estado. A sua inexist~encia é que traz diversas complicações: insegurança jurídica, falta de adequada tutela aos consumidores e aos cidadãos, excessiva politização do sistema de radiodifusão, ausência de garantia de acesso aos canais de televisão pelos grupos sociais etc. Nesse contexto, o Conselho de Comunicação Social poderia atuar como um órgão regulador da comunicação social, desde que houvesse modificação no sistema jurídico. Ou, como defendo, a Anatel poderia ser transformada em uma agência das comunicações eletrônicas em geral, independentemente da plataforma tecnológica adotada. Agora, independentemente de quem possua a competência regulatória (se o Conselho de Comunicação Social ou a Anatel), o fundamental é a autonomia do órdão regulador diante do poder político (e, particularmente, do governo) e do poder econômico (a fim de evitar a sua captura pelo mercado).

Referências

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MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

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SHAPIRO, Martin. Agenzie indipendenti: Stati Uniti ed Unione Europea. Cedam, v.1, p. 667-697, 1996.

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VIANNA, Gaspar. Direito de telecomunicações. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976. P. 144-148.

ZUCKMAN, Harvey et al. Modern communications law. St. Paul: West Group, 1999. p. 157.


[1] A bem da verdade, a Lei nº 4.117/62 previu a figura do Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel) na qualidade de órgão encarregado da execução da política pública em matéria de telecomunicações, cujos membros devem ser cidadãos brasileiros de reputação ilibada, e notórios conhecimentos de assuntos ligados aos diversos ramos de telecomunicações (art.28). Com o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que trata da reforma administrativa, é criado o Ministério das Comunicações, e alterados e reduzidos os poderes do Contel, transformado em um órgão de consulta. Para aprofundar o tema, consultar Vianna (1993).

[2] Para uma análise dos interesses comerciais envolvidos quando da aprovação da Lei Geral das Telecomunicações e da privatização das comunicações, conferir: Mídia: teoria e política, p.115-136. Conforme Venício Lima: “Essa nova política favorece a concentração  da propriedade porque não impede a propriedade cruzada dos grupos empresariais de telecomunicações, comunicação de massa e informática, e estimula a participação crescente dos global players, diretamente ou associados aos grandes grupos nacionais, na medida em que elimina todas as barreiras para a entrada do capital estrangeiro”.

[3] Segundo Murilo César Ramos, o interesse quanto ao destacamento dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e de imagens era tanto do Poder Executivo em rapidamente acelerar o processo de liberalização do setor de telecomunicações quanto dos radiodifusores em ficar fora do âmbito de qualquer órgão regulatório que não fosse o Ministério das Comunicações, submetido ao velho Código Brasileiro de Telecomunicações.

[4] Para uma análise mais aprofundada a respeito das propostas de democratização da comunicação, no âmbito da Assembleia Nacional Constituinte, consultar Pereira (1987).

[5] A noção de “public utilities” tem como pressuposto a categoria “ business with a public interest”,  originando-se nos Estados Unidos, a fim de justificar a intervenção estatal, por meio do legislador, sobre a fixação de preços de serviços ou mercadorias em detrimento do proprietário. Para uma visão histórica da categoria de public utilility como “business clothed with a public interest” nos Estados Unidos, à luz da jurisprudência da Suprema Corte, conferir Kahn (1988).

[6] Themístocles Cavalcanti (1964), ao tratar da diferenciação entre os serviços públicos e os serviços de utilidade pública, explica o seguinte: “Essa distinção é mais comum nos Estados Unidos, onde as public utilities obedecem a um regime peculiar. Naquele país, a intervenção do Estado não é grande, embora se tenha verificado, nos últimos anos, uma intromissão maior do Estado em certos serviços. Constituem-se, entretanto, grande parte dos serviços públicos, por iniciativa particular sob a denominação de public utilities, cuja definição, como vimos, depende de condições variáveis. Daí a afirmação de Bielsa que public itility é aquele serviço considerado tal pelos tribunais”.

[7] Gaspar Arino Ortiz promove a relativização da distinção entre os serviços públicos do direito administrativo da tradição franco-germânica e as public utilities anglo-saxônicas, citando duas decisões em que foi afirmada a titularidade estatal sobre as public utilities, manifestando-se no seguinte sentindo: “mesmo em um modelo teórico (a doutrina das public utilities) que se diz mais afinado com as teses privatizadoras e liberais das atividades econômicas, a tese da titularidade estatal dessas atividades essenciais chegou a ser igualmente formulada”.

[8] Em postura de contestação, Alexandre Aragão (2002) entende que, embora tenha ocorrido em um ou outro acórdão proferido nos EUA uma manifestação episódica da titularidade estatal, “as diferenças básicas entre a sistemática anglo-saxônica e a franco-germânica são mantidas”.

[9] O direito norte-americano apresenta diversos níveis de aplicação da primeira emenda (liberdade de expressão) em relação às múltiplas tecnologias de comunicação. Como explicam Harvey Zuckmann e outros, a questão fundamental não é saber se existem diferenças técnicas entre os meios de comunicação, mas se tais diferenças justificam distinções constitucionais entre os diversos.

[10] Além do Media Bureau, a FCC é constituída pelo International Bureau, Wireless Telecommunication Bureau e Wireline Competition Bureau.

[11] Cf. Shapiro (1996) e Carbonell (1996). Apesar desse fato, as agências independentes não atuam à margem da política pública em termos de comunicações traçada pelo chefe do poder Executivo e pelo Congresso. Em verdade, não há uma independência em relação à política, à medida que seus membros são nomeados pelo presidente, como também os respectivos funcionários do gabinete, Além disso, a independência não afasta o controle efetuado pelo Congresso a respeito de suas atividades. Nesse caso, o poder Legislativo tem o dever de identificar os erros e as responsabilidades em relação à gestão da agência federal, efetuando o controle politico e o controle econômico-financeiro.

[12] Cf. Communications Act of 1934, alterado pelo Telecommunications Act de 1996.

[13] Ver Debasch (1995).

[14] Ver Vespignani (1998).

[15] A independência dos membros do CSA é garantida, além do mandato, pelo regime de incompatibilidade com mandato eletivo, emprego público e qualquer outra atividade profissional. Eles não podem receber honorários 9salvo aqueles anteriores ao exercício do mandato no CSA), nem deter interesses em uma empresa de audiovisual, cinema, imprensa, publicidade ou telecomunicações. Até cinco anos após o exercício do mandato, os ex-membros do CSA não podem receber participações por trabalho, conselho ou capitais nas empresas audiovisuais ou na imprensa escrita (Debasch, 1995).

[16] Balle (2005). Com a criação do Conselho Superior do Audiovisual francês há certo retrocesso em relação à fórmula originária da Comissão Nacional de Comunicação e Liberdades, haja vista a diminuição de seus poderes e a respectiva transferência ao governo. Não lhe foi atribuído, portanto, competência regulamentar tendo em vista restrição imposta pela jurisprudência do Conselho de Estado (Vespignani, 1998). Conferir, também, Bellescize e Franceschini. A competência do CSA quanto à disciplina da utilização do espectro radioelétrico, para fins de prestação de serviços de comunicação audiovisual, não se confunde com a competência da Agência Nacional de Frequências (Agence Nationale des Fréquences – ANFR0. Essa última agência reguladora é a responsável pela coordenação do espectro radioelétrico entre os diversos entes, aos quais tenham sido atribuídas frequências para a emissão, como é o caso do CSA. Entre outras funções, compete à ANFR: garantir a gestão eficaz do espectro radioelétrico e elaborar propostas de melhorias de sua utilização, coordenar o posicionamento francês nas negociações internacionais relativas ao uso do espaço radioelétrico, coordenar a implantação no território nacional de estações radioelétricas, organizar e coordenar o controle de utilização de frequências, manter um fundo de gestão do espaço radioelétrico para facilitar a evolução no uso das frequências (Bernal).

[17] Ver Comparato (2001).

[18] Nesse sentido, é importante fazer uma justa homenagem ao professor Fábio Konder Comparato, que há tempos sustenta a necessidade de um órgão administrativo autônomo para cuidar da regulação e fiscalização do setor de comunicação social.

[19] Conforme dispõe a Lei Geral de Telecomunicações em seu art. 23: “Os conselheiros serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de sua especialidade, devendo ser escolhidos pelo presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal”, sendo que “o mandato dos membros do Conselho Diretor será de cinco anos” (art. 24).

[20] Um dos fundamentos para a restrição do poder dos proprietários dos meios de comunicação consiste justamente na função social da propriedade. A esse respeito, consultar: Maluf (2005); Bacellar Filho (2007).

Revista de Direito Administrativo, v. 249, Belo Horizonte: Editora FGV e Fórum, pág. 49-61, 2008.

 

 

 

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Princípio Constitucional da Complementaridade dos Sistemas de Radiodifusão Privado,Público e Estatal

Ericson Meister Scorsim

Abordo hoje o princípio constitucional da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, baseado no art. 223 da CF.

Trata-se de uma norma, infelizmente, ainda não integralmente desenvolvida e aplicada em nosso País.

Entendo que ela é uma manifestação do princípio do pluralismo no âmbito do sistema de comunicação social por radiodifusão, exigindo em razão da diversidade de operadores e a multiplicidade de conteúdos audiovisuais. Vale dizer, é uma garantia em favor da estruturação policêntrica do sistema de comunicação social.

Além disso, penso que a idéia de complementaridade é incompatível com a hierarquia entre os diferentes sistemas de radiodifusão. Há uma igualdade estatutária entre os mesmos que deve ser respeitada, quer pelo Estado, quer pelo mercado.

Sem dúvida alguma, o referido princípio constitucional autoriza a organização e a disciplina do sistema de radiodifusão estatal, tal como pretendido pelo governo federal com a criação da Empresa Brasil de Comunicação. Entretanto, talvez não seja a melhor forma jurídica tratar do tema por medida provisória, mas sim por intermédio de projeto de lei.

Importante destacar que, apesar de denominada como televisão “pública”, a EBC é, em verdade, uma espécie de televisão estatal, eis que criada, gerida e controlada pelo Estado. Evidentemente que ela há de respeitar o pluralismo político, evitando tornar-se um instrumento de propaganda do governo ou de alguns de seus membros ou partidos políticos que estão no poder.

Por outro lado, há o dever de o legislador organizar e disciplinar o sistema de radiodifusão público. Este é de titularidade da sociedade civil, razão pela as emissoras públicas devem ser criadas, geridas e controladas pelos grupos sociais de cidadãos. É de fundamental importância a garantia de acesso da cidadania aos meios de radiodifusão em prol da expressão das diversas correntes de opinião e de idéias. Nesse sentido, propõe-se a criação de televisões comunitárias no âmbito da radiodifusão em favor da democratização da mídia em nosso País.

A centralidade da televisão comercial por radiodifusão no cenário audiovisual brasileiro é um fato. Graças à sua competência ou ao nosso comodismo ela ocupa – e muito bem – o seu espaço.
Contudo, compete ao Congresso Nacional, em obediência ao princípio constitucional da complementaridade, criar alternativas para os telespectadores brasileiros, garatindo-se a pluralidade de operadores estatais e públicos, bem como a diversidade dos conteúdos audiovisuais.

Blog TV Digital – www.tvdigital.adv.br – Dez/2007.