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Serviços de televisão e espectro eletromagnético

Ericson Meister Scorsim

Os serviços de televisão por radiodifusão constituem atividades que devem ser compartilhadas entre o Estado, a sociedade e o mercado, em razão do princípio constitucional da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal.

Um dos seus elementos básicos é o fato de que sua prestação depende da utilização do espectro eletromagnético um bem naturalmente escasso altamente disputado no mercado, classificado como bem público nos termos da legislação brasileira.

Com efeito, o espectro eletromagnético compreende inúmeras faixas de freqüências com múltiplos usos, o que permite a prestação de diversos serviços de comunicações, entre os quais o serviço de radiodifusão. As faixas de freqüências do espectro eletromagnético, para além de servir à prestação dos serviços de radiodifusão sonora e de radiodifusão de sons e imagens, servem aos seguintes serviços: móvel aeronáutico, móvel marítimo, radionavegação, por satélite, serviço móvel pessoal, serviço de TV por assinatura, serviço móvel especializado, serviço de comunicação multimídia, socorro e chamada, pesquisa espacial, radioamador, radioastronomia, entre outros.

A título ilustrativo, mesmo em um dos países mais liberais do mundo como é o caso dos EUA, note-se que houve a rejeição ao modelo calcado na idéia de sistema de mercado em relação à alocação do espectro eletromagnético e no direito de propriedade sobre os recursos do respectivo espectro. Conseqüentemente, as licenças de radiodifusão não conferem a propriedade sobre as freqüências, mas tão-somente o privilégio de uso sobre elas em período delimitado no tempo.

A Suprema Corte no caso Red Lion Broadcasting versus FCC confirmou que a limitação natural do espaço eletromagnético atuava como fundamento para a regulação dos serviços de radiodifusão. Assim, a liberdade de expressão, protegida pela Primeira Emenda da Constituição norte-americana, não se aplicava ao caso, eis que a limitação do espectro eletromagnético, apesar de todos os avanços tecnológicos, permite que o governo imponha restrições aos licenciados em favor de outras pessoas, cujos pontos de vista merecem expressão nessa forma de mídia, havendo o direito supremo dos ouvintes e dos telespectadores e não o direito dos radiodifusores.

Nesse sentido, a Primeira Emenda protege aquele que é licenciado. Contudo, este não tem o direito de ser o único a manter a licença ou monopolizar a radiofreqüência com a exclusão dos cidadãos. Não há impedimento constitucional a que o Governo exija do licenciado a divisão de sua freqüência com outros e agir como fiduciário com a obrigação de apresentar pontos de vista e vozes representativos da comunidade, caso contrário, esses seriam excluídos do acesso à radiodifusão.

Em razão da escassez do espectro de radiofreqüências, está o Governo autorizado a impor restrições aos licenciados em favor de outras pessoas cujos pontos de vista devem ser expressos nesse único meio. O propósito da Primeira Emenda é o de preservar o vigoroso mercado de idéias no qual a verdade prevalecerá ao final, ao invés de simplesmente aprovar o monopólio desse mercado, seja da parte do Governo ou de um licenciado privado.

Por outro lado, com a tecnologia digital, abre-se a possibilidade de otimização do uso das freqüências e a abertura de novos canais de televisão, inclusive torna-se possível que o “canal” tradicional de televisão transmita, concomitantemente diversas programações. Em razão disso, é fundamental que o legislador (e não somente o Poder Executivo) discipline a questão de modo a garantir a democratização do acesso ao espectro eletromagnético, instituindo um novo marco regulatório que garanta prioridade de acesso às freqüências em relação as televisões públicas e estatais.

Jus Navigandi – www.jusnavigandi.com.br, 28 set.2007.

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Um novo modelo para a televisão comercial por radiodifusão

Ericson Meister Scorsim

O modelo tradicional do serviço de televisão por radiodifusão está fundado na matriz clássica de serviço público, disciplinado na forma da desatualizada Lei nº 4.117/62.

Recentemente, contudo, em defesa de tese de doutorado junto à Faculdade de Direito da USP, intitulado Estatuto dos Serviços de Televisão por Radiodifusão, orientado pela Professora Dra. Odete Medauar, defendemos a proposta de enquadramento dos serviços de televisão no sistema de radiodifusão privado como atividade econômica em sentido estrito com o objetivo de promover a adequação entre o direito e a realidade de mercado.

Há décadas tem ocorrido a generalização da aplicação da noção de serviço público em relação aos sistemas de radiodifusão. Contudo, a ordem infraconstitucional carece de ferramentas regulatórias adequadas para disciplinar os serviços de televisão em favor dos consumidores e da cidadania.

O instituto da concessão de serviço público empregado no serviço de televisão por radiodifusão tem servido muito mais aos interesses dos concessionários e ao seu propósito lucrativo do que ao interesse público. Vale dizer, a concessão e o respectivo regime de serviço público contribuiu muito mais à formação de reservas de mercado e à concentração de poder econômico do que aos interesses dos usuários dos respectivos serviços.

Ainda, a concessão tem favorecido aos interesses políticos, havendo uma politização excessiva no processo de outorga e renovação de emissoras de televisão. Nesse aspecto, o direito não tem sido eficaz o suficiente para impedir o cometimento de abusos do poder político, a exemplo da propriedade de inúmeras emissoras por agentes políticos. Daí porque se propõe a disciplina dos serviços de televisão por radiodifusão sob o ângulo do mercado. A adoção do regime privado pelo ordenamento jurídico é mais adequada à sua respectiva dinâmica, particularmente em um setor sob constante evolução tecnológica. A relativização da utilização da noção de serviço público e a flexibilização do regime jurídico justificam-se também em virtude das transformações decorrentes da utilização da técnica digital no setor de radiodifusão.

O Estado, seja por ação, seja por omissão, não pode impedir o desenvolvimento tecnológico, ao contrário, ele deve ser o principal ator do cenário de transformações capitaneadas pelo mercado. Nesse sentido, ele não pode legitimar um modelo de estruturação de reserva de mercado, em favor dos interesses dos radiodifusores, em detrimento dos interesses da sociedade. Pelo contrário, sua missão é a de promover um regime de competição voltado à eficiência e ao pluralismo no campo da radiodifusão.

E mais, a proposta serve à democratização do cenário audiovisual, assegurando-se a existência de estruturas de comunicação e a diversificação do conteúdo na programação de televisão, mediante o desenvolvimento da liberdade de radiodifusão pertencente aos agentes econômicos.

O serviço de televisão configura uma atividade de distribuição de conteúdo audiovisual. É evidente que sua prestação requer a disponibilidade desse mesmo conteúdo audiovisual. Portanto, a utilização do regime privado é um fator de adequação entre as ofertas de produção e de distribuição de conteúdo audiovisual.

O novo enfoque proposto permitirá a gestão mais eficiente das freqüências do espectro eletromagnético, com a racionalização de seu uso entre os agentes privados, públicos e estatais. Nesse sentido, faz-se necessária a repartição das freqüências em diversas categorias de utilização, a saber: usos comerciais e não-comerciais, assegurando-se, porém, o acesso prioritário aos sistemas de radiodifusão estatal e público.

Igualmente, em um ambiente de convergência tecnológica, com a possibilidade de prestação dos serviços de televisão por diversas plataformas, o novo modelo, ora proposto, impõe-se diante da tendência de entrelaçamento entre o mercado de serviços televisão por radiodifusão e o de serviços de telecomunicações. Aqui, adota-se uma posição crítica diante da separação entre os dois setores, conduzida pela Emenda Constitucional nº 08/95, razão pela qual se defende uma aproximação entre os mesmos e a necessária modificação do ordenamento jurídico, quer por Emenda Constitucional, quer por lei ordinária.

O reconhecimento pelo ordenamento jurídico da lógica de mercado possibilitará a melhor repartição dos benefícios decorrentes da técnica digital entre as empresas, a sociedade, os consumidores, os cidadãos etc., desde que, é claro, seja atribuída a competência regulatória sobre os serviços de televisão por radiodifusão a uma agência reguladora, no caso, a ANATEL, com a função de assegurar o equilíbrio interno no mercado nacional e o equilíbrio externo em face dos demais sistemas de radiodifusão.

Atualmente, já prevalece a lógica de mercado no sistema de radiodifusão privado, porém a doutrina e a jurisprudência tratam, ainda, como serviço público privativo do Estado. Um conceito só se justifica se ele refletir a realidade dos fatos e do direito. Mostra-se inadequado insistir na manutenção da utilização de uma noção clássica, sendo que as realidades constitucional, social e tecnológica apontam para a necessária atualização de seu sentido. Assim, o conceito do passado deve ser transformado e adaptado conforme as circunstâncias do presente, com vistas à regulação setorial que produzirá efeitos para o futuro. De um lado, possibilita-se a sua permanência (no âmbito dos sistemas de radiodifusão estatal e público), de outro lado, viabiliza-se a sua mudança (com o seu afastamento do sistema de radiodifusão privado).

Jus Navigandi – www.jusnavigandi.com.br, 14 set.2007.