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A proibição do Waze e o direito à comunicação

O poder público pode reprimir as condutas ilícitas dos motoristas, mas isso não autoriza a supressão do direito fundamental à comunicação de todos os cidadãos brasileiros.

O Projeto de Lei 5.596, de 2013, aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, dispõe sobre a proibição do uso de aplicativos, redes sociais e quaisquer outros recursos na internet para alertar motoristas sobre a ocorrência e localização de blitz de trânsito. O projeto de lei será ainda analisado por outras comissões legislativas da Câmara dos Deputados.

Segundo o projeto de lei, o provedor de aplicações de internet tem a obrigação de tornar indisponível o conteúdo associado ao aplicativo ou à rede social. Como sanção pelo descumprimento da regra, o projeto de lei prevê que o infrator terá de pagar multa de até R$ 50 mil, multa também aplicável à pessoa que fornecer informações sobre a ocorrência e localização de blitz para aplicativos, redes sociais ou quaisquer outros recursos na internet.

Em outras palavras, se aprovado este projeto de lei, fica proibida a utilização de aplicativos como o Waze, bem como a criação de páginas nas redes sociais destinadas a alertar os motoristas sobre a ocorrência e localização de blitz de trânsito.

Ora, este projeto de lei é contrário às diretrizes do Marco Civil da Internet, que estabelecem a plena liberdade de expressão, informação e comunicação, no âmbito da cidadania. O projeto de lei atinge em cheio o núcleo essencial do direito fundamental dos cidadãos quanto à utilização de aplicativos de internet. O Marco Civil da Internet ainda garante a plena liberdade dos modelos de negócios na internet e, consequentemente, a liberdade da empresa provedora de aplicações de internet. De fato, a empresa de tecnologia responsável pelo provimento do aplicativo com informações relacionadas ao trânsito não pode ser responsabilizada em lei pela conduta de seus respectivos usuários.

Além disso, há desproporcionalidade entre a medida legislativa e a finalidade por ela buscada (segurança no trânsito), daí a sua potencial inconstitucionalidade. Em vez de se adotar uma medida legislativa, extrema (a proibição do uso de aplicativos e redes sociais para fins de alerta de motoristas sobre ocorrência de blitz de trânsito), o Legislativo poderia adotar medidas de fomento à realização de campanhas educativas relacionadas ao trânsito, especialmente sobre o comportamento dos motoristas.

Sem dúvida alguma, o poder público tem a obrigação de fiscalizar a aplicação das regras do Código Nacional de Trânsito, inclusive com a repressão das condutas ilícitas dos motoristas, mas isso não autoriza a adoção de medida legislativa excessiva, com a supressão do direito fundamental à comunicação de todos os cidadãos brasileiros.

O direito à comunicação por aplicativos é protegido pela Constituição Federal, daí o controle rigoroso quanto ao exame da constitucionalidade de medidas restritivas a direitos fundamentais, tal como o direito à comunicação digital. Tema relevante, que envolve o direito e as novas tecnologias, com alto impacto sobre os cidadãos brasileiros, razão pela qual o referido projeto de lei merece análise bastante cuidadosa.

Ericson M. Scorsim, mestre e doutor em Direito, é advogado especializado em Direito das Comunicações e autor do e-book Direito das Comunicações.
Artigo publicado no jornal Gazeta do Povo em 09/09/2016

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Direitos de transmissão pela TV dos jogos olímpicos, na Lei brasileira

O objetivo do presente texto é apresentar as regras relativas ao direito da radiodifusão e seu impacto na organização da transmissão dos jogos olímpicos principalmente pela plataforma televisão aberta e TV por assinatura.

O Brasil é o país sede dos jogos olímpicos. A tocha olímpica, símbolo da união entre os povos, percorreu diversas cidades brasileiras nas mãos dos atletas.

Os jogos olímpicos são o evento esportivo que será transmitido para, aproximadamente, 5 (cinco) bilhões de telespectadores pela televisão aberta e por assinatura, internet, e telefone celular, por mais de 105 emissoras de TV, para, mais de 200 (duzentos) países. Há a previsão da cifra de 4 (quatro) bilhões de dólares com receitas dos direitos de transmissão dos jogos olímpicos, nas plataformas de televisão aberta e por assinatura, internet e telefone celular, chega a superar.

Para além da importância econômica, os Jogos Olímpicos são relevantes na perspectiva da educação e cultura associados às mais diversas práticas esportivas. O seu legado é despertar a consciência quanto aspectos do corpo e da mente das pessoas. Afinal, os gregos ensinavam: mente sadia em corpo saudável!

Os Jogos Olímpicos são o maior evento desportivo mundial, com a união praticamente todos os povos do planeta e diversas culturas da humanidade. São mais de dez mil atletas de mais de duzentos países que participarão dos jogos olímpicos. A cobertura do evento esportivo será feita por 25 mil jornalistas, segundo noticia a imprensa.

Aqui, registre-se as origens dos Jogos Olímpicos, realizados na cidade de Olímpia, na Grécia, em homenagem aos deuses. Os gregos organizaram os jogos como forma de homenagem da humanidade aos deuses. Aos competidores vitoriosos o êxtase, aos vencidos a agonia da derrota. Como símbolo moderno dos jogos olímpicos, os cincos anéis interligados que identificam os cinco continentes do planeta: América, Europa, Ásia, África e Oceania. O evento em si é símbolo da união fraterna entre os povos.

Para viabilizar a realização da transmissão dos jogos olímpicos, foram feitos investimentos na infraestrutura de telecomunicações, principalmente na capacidade da rede móvel. Também, foram realizados investimentos em redes de fibra óptica, bem como em soluções de rede de comunicações digitais.

A lei 13.284/16 trata das medidas relativas à organização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. Especificamente, a referida lei trata das regras para acesso aos locais oficiais, da captação de imagens e sons e radiodifusão.

Daí o objetivo do presente texto em apresentar as regras relativas ao direito da radiodifusão e seu impacto na organização da transmissão dos jogos olímpicos principalmente pela plataforma televisão aberta e TV por assinatura.

A Lei dos Jogos Olímpicos reconhece que o Comitê Olímpico Internacional (COI) e o Comitê Paraolímpico Internacional são os titulares exclusivos e beneficiários de todos os direitos, títulos e interesses relacionados à imagens e aos sons dos eventos oficiais. Estes direitos incluem as faculdades de usar, explorar, negociar, autorizar e proibir o uso das imagens e sons e os direitos de capturá-los, gravá-los, reproduzi-los, transmiti-los, exibi-los ou disponibilizá-los.

Em razão do direito à proteção à marca dos jogos olímpicos, com reserva da exclusividade de direitos, há uma série de restrições à atividades de marketing e publicitária por pessoas que não têm o direito à exploração da marca comercial.

Além disto, somente o Comitê Olímpico Internacional (COI) e IPC (Comitê Paraolímpico Internacional) têm o direito de autorizar a captação de imagens ou sons de qualquer evento oficial, inclusive em relação aos representantes de imprensa.

Também, na referida lei dos jogos olímpicos, há previsão de que a transmissão, a retransmissão e a exibição, para fins comerciais, por qualquer meio de comunicação, em todos os formatos disponíveis, inclusive pela internet, de imagens ou sons dos eventos oficiais somente poderão ser feitas mediante prévia e expressa autorização escrita do Comitê Olímpico Internacional (COI) e do Comitê Paraolímpico Internacional.

Mas, o COI e o IPC são obrigados a disponibilizar flagrantes de imagens dos eventos oficiais aos veículos de comunicação, interessados em sua retransmissão, inclusive pela internet.

Nesta hipótese legal de cessão do direito à retransmissão dos Jogos Olimpicos, deve-se observar as seguintes condições: i) a retransmissão deve ser destinada à inclusão em noticiário, sempre com finalidade informativa, havendo a proibição da associação dos flagrantes de imagens a qualquer forma de patrocínio, promoção publicidade ou atividade de marketing; ii) a definição de sons e imagens deverá ser de maior padrão de qualidade disponível, garantindo-se, no mínimo, a resolução em televisão de alta definição (HDTV); iii) os veículos de comunicação interessados comunicarão ao COI, ao IPC ou às pessoa por eles indicadas, por escrito, até 72 (setenta e duas) horas antes do início dos Jogos Olímpicos e Jogos Paraolímpicos, a intenção de acesso a conteúdo dos flagrantes de imagens dos eventos oficiais; iii) a retransmissão de sinais de radiodifusão sonora e de sons e imagens ocorrerá somente na programação dos canais e nos meios disponíveis exclusivamente no território nacional.

Uma vez obtida a autorização, os veículos de comunicação não poderão: i) organizar, aprovar, realizar ou patrocinar qualquer atividade promocional, publicitária ou de marketing associada às imagens ou aos sons contidos no conteúdo disponibilizado nos termos do 1º, do art. 13; ii) explorar comercialmente o conteúdo fornecido nos termos do §1º, inclusive em programas de entretenimento, documentários e sítios da internet ou por qualquer outra forma de veiculação de conteúdo.

Além disto, a referida lei dos jogos olímpicos dispõe que o conteúdo disponibilizado aos radiodifusores de sons e imagens solicitantes poderá ser por eles distribuído para suas retransmissoras, as quais se submetem às condições do art. 13 e 14.

O Comitê Olímpico Internacional (COI) e o Comitê Paraolímpico Internacional devem preparar e disponibilizar aos veículos de comunicação interessados os flagrantes dos principais momentos dos eventos oficiais, observando-se os limites mínimos diários de: i) seis minutos das cerimônias de abertura e de encerramento dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos; ii) 21 (vinte e um) minutos das competições desportivas realizadas a cada dia.

Por outro lado, há a regra legal no sentido de que o veículo de comunicação interessado não pode exceder o limite máximo diário de exibição de 15 (quinze) minutos das imagens por ele escolhidas nos flagrantes dos eventos oficiais de que trata o §1º do art. 13. Daí a restrição ao direito à informação por parte da empresa de comunicação que não detém os direitos oficiais sobre a transmissão dos jogos olímpicos.

Também, a lei dispõe que as imagens das cerimônias de premiação e de entrega de medalhas com a participação de atletas brasileiros deverão ser disponibilizadas pelas entidades organizadoras com, no mínimo, 90 (noventa) segundos de duração, os quais serão computados no limite referido no §3º.

Enfim, a Lei dos Jogos Olímpicos retrata a organização de evento histórico transmitido para de bilhões de pessoas ao redor do mundo. A lei contém as regras relativas ao direito à radiodifusão de sons e imagens, bem como os limites ao direito à informação sobre a cobertura jornalística dos jogos. É mais um tema que integra o direito das comunicações, objeto de merecida análise jurídica.

 

Artigo publicado no site jurídico Migalhas em 08/08/2016.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI243507,71043-Direitos+de+transmissao+pela+TV+dos+Jogos+Olimpicos+na+lei+brasileira 

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WhatsApp: o debate sobre o conflito privacidade e segurança

Ao que parece, a proibição da criptografia em lei é medida excessiva. Mas, ao menos, é razoável o debate pelo Estado, mercado e sociedade sobre os limites à criptografia e acesso aos conteúdos das comunicações de dados.

O caso do último bloqueio judicial do WhatsApp merece reflexões. O tema é interessante porque apresenta a conexão entre as fronteiras do Direito e das tecnologias de comunicações. Vale a análise sobre o conflito entre o direito à privacidade dos usuários e a segurança pública, nas situações de investigação policial e ou penal, para fins de obtenção de conteúdo das comunicações de dados no âmbito privado, em cumprimento à determinação da Justiça.

O tema ainda ganhou destaque na imprensa devido à operação da Polícia Federal na investigação em atos preparatórios de terrorismo, às vésperas da Olímpiada. Cabe lembrar que no último caso do bloqueio do WhatsApp, o STF decidiu por manter o seu funcionamento, sob os fundamentos de que a decisão de bloquear o aplicativo de comunicações em todo território nacional, por magistrada do Rio de Janeiro, violava os direitos à liberdade de expressão e de comunicação, o princípio da proporcionalidade, bem como para evitar o estado de insegurança jurídica entre os usuários do aplicativo.

No caso do WhatsApp duas situações de fato devem ser diferenciadas, sob a ótica da legislação. Uma, o uso lícito do aplicativo do WhatsApp nas comunicações de pessoas e empresas, em seu âmbito privado, pela maioria dos cidadãos brasileiros. Outra situação diferente é a utilização ilícita do aplicativo de comunicações para a prática de delitos por algumas pessoas, contra a coletividade.

A Constituição Federal do Brasil, em seu art. 5º, inc. XII, garante o direito à inviolabilidade ao sigilo das comunicações de dados. Mas, como exceção, no mesmo dispositivo, a Constituição trata da hipótese da quebra do sigilo das comunicações de dados nos casos de investigação criminal ou instrução processual penal. Portanto, de acordo com a Carta, a lei pode disciplinar as hipóteses de quebra do sigilo das comunicações, mediante a devida ordem judicial e a garantia do devido processo legal.

Destaque-se que, nos termos do Marco Civil da Internet, em seu art. 15, o provedor de aplicações de internet (como é o caso do WhatsApp) tem a obrigação legal de manter os respectivos registros de acesso às aplicações no período de seis meses. Mas, esse mesmo provedor não tem a obrigação de manter o conteúdo das comunicações armazenado em seu banco de dados. Segundo as empresas de tecnologia, com a ativação da criptografia ponta a ponta, o WhatsApp não possuiria a chave mestra para decifrar o conteúdo das mensagens dos usuários, daí a impossibilidade de entregar informações requeridas à Justiça pelas autoridades investigatórias.

A nova Lei de Combate ao Terrorismo trata das disposições investigatórias e processuais aplicáveis pelas autoridades competentes. Esta lei prevê outros mecanismos, além da quebra do sigilo da comunicação de dados, nas atividades de investigação policial e instrução no processo penal. Decorre disso a tentativa por parte dos governos em criar mecanismos denominados de Backdoor (porta dos fundos), no sentido de permitir a quebra da criptografia adotada nos aplicativos, para fins de segurança pública.

O governo brasileiro declarou a intenção de criar um projeto de lei neste sentido. Por isso há a necessidade de análise rigorosa da constitucionalidade de eventual projeto de lei, quando for encaminhado ao Congresso Nacional, sob a perspectiva do direito à privacidade, bem como da proporcionalidade da medida legislativa.

É saudável o debate sobre o tema, especialmente dos limites à criptografia nos serviços de comunicação de dados, nas hipótese de ilícitos penais. Ao que parece, a proibição da criptografia em lei é medida excessiva. Mas, ao menos, é razoável o debate pelo Estado, mercado e sociedade sobre os limites à criptografia e acesso aos conteúdos das comunicações de dados, em hipóteses precisas e detalhadas em lei. Este debate é fundamental sob a ótica da democracia, principalmente para fins de delimitação do direito à privacidade nas comunicações de dados pelas redes digitais, diante da segurança e interesse da Justiça.

Enfim, este tema sobre a regulação dos aplicativos de comunicações, bem como a imposição de eventuais limites, no interesse da Justiça, é de interesse da sociedade, do mercado e do estado. Daí a pertinência do debate no foro adequado que é o Congresso Nacional.

Ericson M. Scorsim, advogado e consultor em direito público, especializado em direito das comunicações. Doutor em Direito pela USP e autor do e-book “Direito das Comunicações”.
Artigo publicado no jornal Gazeta do Povo em 05/08/2016.

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STJ: julgamento de Recursos Repetitivos de telefonia fixa – Tema 954

O STJ no Resp 1.525.174/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, definiu as questões relacionadas aos serviços de telefonia fixa (tema 954), indenização por dano moral na hipótese de cobrança indevida de valores na alteração de plano de serviços/franquia sem solicitação dos usuários, a serem objeto de julgamento do regime dos recursos repetitivos.

Em decisão de 31/5/16, no Resp 1.574.174/RS, o Min. Relator decidiu que o incidente dos recursos repetitivos envolve questões sobre indenização por dano moral na hipótese de mudança de alteração de plano de serviço/franquia sem solicitação do usuário relacionadas aos serviços de telefonia fixa e internet.

Mas, posteriormente, o próprio Min. Relator Luis Felipe Salomão reviu seu entendimento, em decisão de 22 de junho de 2016, no Resp 1.525.134/RS, e decidiu desafetar do julgamento dos recursos repetitivos a questão relacionada ao direito à indenização por danos morais na hipótese de alteração do plano de serviço/franquia sem solicitação do usuário e os serviços de internet.

Em 24 de junho, a OAB Nacional, com fundamento no art. 44, I, da lei 8.906/94, em petição assinada pelo seu Presidente, requereu a suspensão dos efeitos dos sobrestamento do tema 954, até definição do julgamento do conflito de competência 138.405/DF, em trâmite na Corte Especial do STJ, para saber se a competência para julgamento do caso, se Seção de Direito Privado ou Seção de Direito Público.

Até o momento da finalização do presente texto, o pedido de reconsideração formulado pela OAB ainda não havia sido apreciado.

Para melhor compreensão do caso, o Resp 1.525.174/RS foi interposto por pessoa física contra empresa de telefonia fixa, diante de acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em ação de inexigibilidade de cobrança cumulada com pedido de repetição de indébito, dano moral e responsabilidade civil pela prática de conduta abusiva de alteração unilateral de contrato de telefonia fixa, e instalação e serviços não autorizados pelo usuário.

Aqui, duas perspectivas de análise do caso do tema 954, objeto do julgamento dos recursos repetitivos pelo STJ.

Primeira, a questão processual sobre o rito de julgamento de recursos repetitivos, à luz do CPC/15, inclusive sobre a decisão sobre afetação dos recursos. Com efeito, neste aspecto compete ao STJ definir a questão representativa da controvérsia, para fins de delimitação do tema objeto do julgamento dos recursos repetitivos.

Segunda, a questão de mérito relacionada aos serviços de telefonia fixa, se é cabível o direito à indenização por danos na hipótese de modificação do plano de serviço/franquia de telefonia fixa ou não, bem como quais os dispositivos da legislação aplicáveis à espécie.

As questões relacionadas aos serviços de telefonia fixa objeto de julgamento do Superior de Tribunal de Justiça, definidas no Resp n. 1.525.174/RS, são as seguintes:

a) indevida cobrança de valores referentes à mudança do plano de franquia/plano de serviços sem solicitação do usuário e, respectivamente, o pedido de indenização por danos morais, nos contratos de prestação de serviços de telefonia fixa;

b) ocorrência de dano moral indenizável, em razão da cobrança da alteração do plano de franquia/plano de serviços de telefonia fixa, sem a solicitação do usuário, e a necessidade de comprovação nos autos;

c) definição do prazo de prescricional nas ações de repetição de indébito, nas hipóteses de pagamento maior ou cobranças indevidas, em casos de serviços não contratados, sem a solicitação do usuário, se decenal (art. 205 do Código Civil) ou trienal (art. 206, §3º, IV, do Código Civil);

d) repetição de indébito simples ou em dobro, se, em dobro, se necessária a comprovação da má-fé do credor (art. 42, do Código de Defesa do Consumidor);

e) abrangência da repetição de indébito, se limitada aos pagamentos documentalmente comprovados pelo autor da ação ou se possível que o quantum seja apurado em sede de liquidação de sentença.

Em decisão monocrática, o Min. Rel. Luis Felipe Salomão no Resp n. 1.525.174-RS, determinou a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no território nacional e que tratam do tema 954 (telefonia fixa/modificação unilateral plano de serviço/franquia sem solicitação do usuário/indenização por danos morais/prescrição). Assim, foi determinada a suspensão dos processos em trâmite na Justiça comum, estadual e federal, inclusive Juizados Especiais Cíveis.

O CPC/15, em seu art. 1036, dispõe que na hipótese de multiplicidade de recursos especiais, com fundamento em idêntica questão de direito, o STJ poderá determinar a afetação para julgamento dos recursos repetitivos, com a suspensão dos demais processos que tramitam em outras instâncias.

O julgamento dos recursos repetitivos está fundamentado no art. 1037, inc. II, do CPC/15, o qual exige a identificação com precisão da questão objeto do julgamento e a suspensão dos processos com idêntica questão.

Ao que parece, é positiva a mudança de orientação na decisão do Min. Rel. no Resp n. 1.525.174-RS, no sentido de afetar ao julgamento do rito dos recursos repetitivos somente as questões relacionadas às ações que envolvem a tema da telefonia fixa, excluindo-se do julgamento os casos relacionados à indenização por danos nas hipotese de modificação unilateral dos planos de serviços/franquias nos serviços de internet.

Embora haja semelhança dos temas, para fins de segurança na interpretação do direito, talvez seja aconselhável o julgamento em separado dos recursos relacionados aos casos de indenização por danos na cobrança indevida de valores em casos de alteração de planos de serviços, sem solicitação do usuário, em relação à telefonia fixa e internet, daí o acerto na referida decisão do Min. Relator pela desafetação do tema internet.

O Min. Relator Luis Felipe Salomão no Resp 1.525.174/RS, com fundamento no art. 1038, do CPC/15, determinou a ciência da decisão para Defensoria Pública da União, Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, Federação Brasileira de Telecomunicações – Febratel, e Associações Brasileira de Telecomunicações – Telebrasil e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDE, para se manifestem caso tenham interesse.

No caso da participação Anatel no julgamento dos recursos repetitivos no tema 954, algumas considerações adicionais. De fato, a Anatel tem o potencial interesse jurídico em participar de julgamento de recursos representativos da controvérsia que se repete com milhares de usuários dos serviços de telefonia fixa, bem como com diversas prestadoras de serviços. Também, o interesse da agência reguladora de telecomunicações encontra-se na preservação da interpretação sobre a regulação setorial do tema.

Curiosamente, o tema 954 da telefonia fixa no Resp 1.525.174/RS, no rito dos recursos repetitivos, será analisado pelo STJ sob a perspectiva do direito civil e direito do consumidor.

Em que pese a classificação do tema sobre telefonia fixa e indenização por danos morais na perspectiva do Código Civil e CDC, registre-se que há a existência de regulação setorial sobre os serviços de telefonia fixa, nos termos da Lei Geral de Telecomunicações e em resoluções editadas pelas Anatel.

Há, inclusive, o conflito de competência 138.405/DF, quanto à definição da competência jurisdicional em relação ao prazo prescricional para ajuizamento de ações de indenização por danos morais na hipótese de modificação de plano de serviço/franquia, sem solicitação do usuário, bem como, bem como se a competência para julgamento é das Turmas da Seção de Direito Privado ou da Seção de Direito Público.

Neste caso do conflito de competência 138.405/DF há o parecer do representante do Ministério Público Federal no sentido da competência da Seção Seção do STJ, por entender que se trata de ação judicial de caráter tipicamente privado. No entender do referido parecer, embora uma das partes seja concessionária de serviço público de telefonia fixa, o caso classifica-se como questão de direito privado.

Ora, destaque-se que se concessão ou autorização para a execução do serviço de telefonia fixa, há a incidência da legislação setorial de telecomunicações, juntamente com o Código Civil e Código de Defesa do Consumidor.

Neste aspecto, é importante o diálogo entre o Código Civil, Código de Defesa do Consumidor e a legislação setorial aplicável ao setor de telecomunicações. Este diálogo das fontes serve à coerência e unidade do sistema jurídico, evitando-se eventuais dúvidas na aplicação das regras e princípios de direito.

Quem sabe em futuro próximo possa ocorrer o reenquadramento do tema, à luz do direito das comunicações. Afinal, a especialização do tema justifica o seu tratamento jurídico diferenciado dos demais.

O Resp 1.525.174/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, objeto dos recursos repetitivos (tema 954), é ilustrativo do impacto do CPC no julgamento de recursos repetitivos no setor dos serviços de telefonia fixa, o qual repercute sobre milhares de usuários e diversas empresas prestadoras destes serviços de telecomunicações. Daí a importância do conhecimento pelos profissionais do direito do julgamento do tema 954 pelo STJ dos recursos repetitivos em matéria de telefonia fixa.

Ao final, o STJ, no Resp 1.525.174/RS decidirá sobre o tema 954, objeto do regime dos recursos repetitivos, a existência do direito à indenização por danos morais na hipótese de cobrança de valores indevidos na alteração de planos de serviços/franquias nos serviços de telefonia fixa, bem como prazo de prescrição para ajuizamento da ação entre outras questões derivadas em relação à prova do respectivo direito.

 

Artigo publicado no site jurídico Migalhas em 13/07/2016

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI242281,101048-STJ+Julgamento+de+recursos+repetitivos+de+telefonia+fixa+tema+954 

 

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Desafios da Anatel em comunicar ao público: a regulação setorial de telecomunicações e internet

Segundo a OAB, a regulamentação da franquia de dados nos serviços de conexão à internet fixa deve ser atualizada à luz do Marco Civil da Internet.

 

A Anatel realizará consulta pública sobre a questão da franquia de consumo de dados nos serviços de conexão à internet fixa.

Em destaque, o voto do Conselheiro Relator da Medida Cautelar1, Otavio Luiz Rodrigues Junior, que suspendeu a cobrança da franquia do consumo de dados na internet fixa, até a adoção pelas empressa de medidas transparência e esclarecimento dos consumidores, registra o seguinte:

“Ao estilo da literalidade dos regulamentos em vigor da Agência, em princípio, existe previsão para que as empresas prestadoras do SCM (banda larga fixa), estabelecessem cláusula de franquia em seus contratos. Ressalta-se, contudo, conforme informou a área técnica no Informe 3/2016/SEI/SRC, de 15 de abril de 2016, que ‘a previsão de franquia somente é admitida se prévia e expressamente informada ao usuário do serviço”.

Também, o Conselheiro Relator da Anatel destaca a essencialidade do acesso à internet para o exercício da cidadania, nos termos do art. 7º, do Marco Civil da Internet.

Daí ele registra a formação de duas correntes a respeito da interpretação do Marco Civil da Internet em relação aos efeitos sobre as práticas comerciais e os direitos dos consumidores.

De um lado, a interpretação do art. 7º do Marco Civil da Internet no sentido de que o direito de acesso à internet admite limitação para seu exercício, como é o caso da franquia ou de valores excedentes.

De outro lado, a interpretação do art. 7º do Marco Civil da Internet para reconhecer o suporte fático amplo do direito de acesso à internet, sem possibilidade de restrição ou limitação por empresas ou atos normativos do poder regulador.

Ademais, o Conselheiro Relator da Anatel registra a manifestação do Conselho Federal da OAB no sentido da mudança do Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, sob fundamento da contrariedade à legislação em vigor em relação aos contratos vigentes.

Segundo a OAB, a regulamentação da franquia de dados nos serviços de conexão à internet fixa deve ser atualizada à luz do Marco Civil da Internet. De fato, esta questão regulatória afeta sobremaneira os advogados que dependem dos serviços de conexão à internet para atuarem perante a Justiça, mediante o peticionamento em processo eletrônico.

Além disto, ele sugere a realização da análise de impacto regulatório – AIR, com a análise da medição dos possíveis benefícios, custos e efeitos de ações regulatórias referentes à franquia de dados da internet por banda larga fixa, para auxiliar a decisão futura do Conselho Diretor da Anatel.

Daí o chamamento pela Anatel da participação da sociedade civil, na análise do impacto regulatório da medida da franquia de consumo de dados na internet fixa. Também, a consideração no estudo de impacto regulatório dos aspectos concorrenciais e de infraestrutura de rede de comunicação referentes à prestação da banda larga fixa.

De modo interessante, o Conselheiro Relator da Anatel registra o problema de comunicação da própria agência reguladora do setor de telecomunicações: “à pouca habilidade em comunicar ao povo tais complexidades ínsitas à atuação regulatória, soma-se uma percepção social generalizada, independentemente de classes sociais, quanto à qualidade dos serviços fruídos pelos usuários”.

E, segue ainda o raciocínio do Conselheiro da Anatel:

“Verdadeira ou não, agravada pelo fato de serem as telecomunicações mais presentes na vida do brasileiro do que o saneamento básico ou a saúde, tal percepção criou uma enorme dificuldade de se legitimar políticas regulatórias que, mesmo em nome de respeitáveis argumentos de sustentabilidade dos investimentos ou da natureza escassa dos recursos empregados, possa ser compreendidas como uma forma de restringir direitos. Em paralelo demonstra a riqueza do debate sobre o tema, há os que admitem haver equidade na diferenciação de perfis e consumo e de fruição de serviços de telecomunicações, de modo a onerar que deles mais se utiliza e reduzir o custo para os que os fruem de maneira não intensiva”.

Por fim, o Conselheiro Relator revela: “Para além disso, mesmo na esfera estritamente jurídica, há de se permanentemente resolver conflitos de qualificação, como saber se incidem regras de Direito Administrativo Regulador, Direito Econômico, Direito Civil e Direito do Consumidor sobre uma dada relação jurídica”.

A partir destas importantes considerações no relatório do Conselheiro da Anatel Otavio Luiz Rodrigues Junior, para organizar consulta pública a respeito do impacto regulatório da adoção da franquia de consumo de dados nos serviços de internet fixa, segue breve reflexão.

Primeiro, quanto ao mérito da questão, entendo que a legislação setorial em vigor permite a adoção do regime de franquia de dados nos serviços de internet por banda larga fixa.

A lei não proíbe a decisão empresarial no sentido de se adotar a franquia de consumo de dados no serviço de acesso à internet fixa. Para ser mais preciso, a Lei Geral de Telecomunicações e o Marco Civil da Internet não proíbem a adoção do regime de franquia de consumo de dados nos serviços de conexão à internet, por banda larga fixa.

Por sua vez, eventual proposta de mudança pela própria Anatel na regulação setorial, no caso o Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, deve ser suficientemente debatida, com as partes impactadas pelo ato regulatório. Isto porque esta mudança regulatória, sem dúvida alguma, afeta os consumidores. Mas, também repercute nos investimentos pelas empresas que prestam os serviços de acesso à internet fixa.

Aqui, cumpre lembrar que os serviços de acesso à internet por banda larga fixa encontram-se sob regime privado, daí a vigência da liberdade na fixação de preços. Esta é uma premissa fundamental que não pode ser ignorada na regulação setorial. O modelo regulatório dos serviços de acesso à internet parte do pressuposto do regime de liberdade do negócio. Este modelo diferente radicalmente do regime clássico de serviço público. Daí a cautela na interferência estatal sobre o regime dos contratos de acesso aos serviços de internet.

Nesta perspectiva, a duvidosa constitucionalidade dos projetos de lei que pretendem proibir a adoção do regime de franquia nos serviços de acesso à internet fixa. Ao que parece, a tendência regulatória é no sentido da diferenciação do perfil do consumo de dados nos serviços de internet fixa, distinção esta favorável ao tratamento equitativo no consumo dos respectivos serviços de conexão à internet.

Segundo, o Marco Civil da Internet inovou no ordenamento jurídico ao reconhecer o acesso à internet como essencial ao exercício da cidadania. Porém, da interpretação do art. 7º do Marco Civil da Internet não é possível a conclusão no sentido da ilimitabilidade do consumo de dados nos serviços de conexão à internet fixa.

Terceiro, o desafio da Anatel é portar-se como o ponto de equilíbrio do sistema regulatório, considerando todos os pontos de vista: dos consumidores e das empresas prestadoras de serviços de acesso à internet. A função da Anatel é garantir o equilíbrio do funcionamento sistêmico do mercado de telecomunicações, corrigindo suas eventuais distorções, e impedir a formação de abusos empresariais contra os direitos dos consumidores.

Quarto, outro desafio da Anatel é comunicar e esclarecer à sociedade e aos usuários dos serviços de telecomunicações e de acesso à internet, a regulação setorial, com os direitos e obrigações das empresas que prestam os serviços de conexão à internet fixa. Daí a necessidade de esclarecimento das regras jurídicas inerentes à regulação setorial de telecomunicações e internet, para facilitar a compreensão pelos consumidores. Também, é de sua responsabilidade ouvir os usuários destes respectivos serviços de comunicação pessoal.

Quinto, existem medidas regulatórias adequadas, tais como as metas de qualidade dos serviços de telefonia e acesso à internet, previstas na regulamentação setorial da Anatel. A questão é a fiscalização eficiente sobre a qualidade da prestação dos serviços de telecomunicações e internet. As multas às empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações são impostas pela agência reguladora. Mas, surgem as dificuldades na cobrança dos valores, em processo administrativo ou judicial. Recentemente, a Anatel realizou termo de ajustamento de conduta com prestadora do serviço de telecomunicações, para converter multas em investimentos na ampliação da cobertura da rede de telecomunicações.

De fato, a legitimidade social da aplicação da regulação setorial pela Anatel somente será melhorada, mediante a comunicação eficiente, com precisão e clareza, aos destinatários das normas jurídicas. Compete à referida agência reguladora simplificar e sintetizar a comunicação com os usuários dos serviços de telecomunicações e internet, explicando, de modo acessível, os direitos e as obrigações setoriais. Destaque-se que a Anatel já avançou muito na comunicação ao público em seu site. Porém, ele pode ser melhorado para ajudar o entendimento das regras pelo público leigo.

Uma das missões da Anatel é a simplificação da complexidade da regulação setorial das telecomunicações e internet, mediante ações de comunicação com os destinatários das regras. Certamente, a eficiência da ação regulatória ganhará com a participação social dos usuários dos serviços de telecomunicações e internet.

A Anatel pode ser protagonista em relação à educação dos consumidores, bem como para na criação do ambiente para a difusão da cultura regulatória no País, com a disseminação dos direitos e das obrigações inerentes ao setor. Se a Anatel cumprir esta tarefa regulatória, então haverá melhor calibragem das expectativas dos destinatários das normas jurídicas, com a diminuição das tensões setoriais entre consumidores e empresas.

Além disto, de nada adianta responsabilizar unicamente a Anatel se a mesma não tem condições materiais, para cumprir com suas responsabilidades regulatórias. Daí a urgente necessidade de se preservar a autonomia orçamentária-financeira da Anatel, no que se referente à dotação de recursos públicos suficientes à altura de suas responsabilidades institucionais.

Enfim, os temas abordados encontram-se dentro do Direito das Comunicações. Estas questões regulatórias são abordadas no Ebook que escrevi sobre Direito das Comunicações: regime jurídico de telecomunicações, internet, TV por radiodifusão e TV por assinatura, disponível para download gratuito na internet, para compartilhar o conhecimento jurídico especializado a respeito da regulação setorial, com os profissionais do direito.

__________________

1 Processo n. 53500.008501/2016-35, interessado Superintendência de Relações com Consumidores. Análise n. 40/2016/SEI/OR.

Artigo publicado no site jurídico Migalhas em 22/06/2016

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI241085,61044-Desafios+da+Anatel+em+comunicar+ao+publico+a+regulacao+setorial+de 

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Resenha Direito das Comunicações

Por Roberta Resende – www. migalhas.com.br

A rubrica “Direito das Comunicações” abrange o regime jurídico da telefonia fixa e móvel, da internet, da televisão e do rádio, da TV por assinatura. Organizados sob o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal, tais serviços são prestados pelo particular ora sob outorga do Poder Público sob as formas de concessão ou autorização, ora simplesmente sob sua regulação e fiscalização.

É fácil perceber que todos esses modelos legais estão intimamente relacionados ao Direito Administrativo e aos princípios constitucionais que regem a administração pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A grande contribuição da obra, contudo, talvez consista em revelar ao leitor outra dimensão constitucional ínsita a tais atividades, o direito à liberdade de expressão, de pensamento e de informação.

Nesse sentido, ao examinar o regime jurídico do serviço de telefonia móvel, desempenhado por empresas particulares sob autorização administrativa da Anatel, o autor ensina que “Os condicionamentos à atividade econômica no regime privado impostos pela Agência devem observar que a liberdade é a regra, sendo excepcionais as proibições, interferências do Poder Público, e nenhuma autorização será negada, salvo por motivo relevante”.

Ao constatar que “O adequado funcionamento dos serviços de telecomunicação depende de expressivos investimentos em infraestrutura de redes”, o autor desnuda a complexidade do tema “Direito das Comunicações”, ligando-o a mais uma grande questão de nosso tempo, o Direito dos Consumidores. Aqui a obra debruça-se sobre a resolução 632/2014 da Anatel, que dispõe, dentre outras, sobre regras de atendimento, cobrança, contratação, suspensão de serviços e rescisão contratual de serviços de telecomunicações; sobre as ações civis públicas cujo objeto é a oferta publicitária de franquia ilimitada de dados; sobre a legalidade do bloqueio do usuário à internet.

O chamado Marco Civil da Internet, lei 12.965/2014, também recebe atenção especial, e além da íntima relação com o direito à informação, já ressaltado acima, as lições concentram-se nos fundamentos para a responsabilização dos provedores de serviços e dos provedores de conteúdo, cujas obrigações são distintas – os provedores de serviços de acesso ou de aplicações não respondem pelo conteúdo divulgado, sua responsabilidade limita-se à garantia do acesso à internet pelo usuário. A responsabilidade pelo conteúdo, por sua vez, escancara outro conflito contemporâneo, a tensão entre o acesso à informação e a proteção à intimidade, e remete o leitor às polêmicas medidas judiciais de suspensão do WhatsApp, examinando-as à luz da finalidade da norma legal.

Ao marcar os contornos da lei para as comunicações, a obra lança as luzes do Direito para questões tormentosas da atualidade.

Sobre o autor : Ericson M. Scorsim é especializado em Direito das Comunicações; mestre em Direito pela UFPR, doutor em Direito pela USP. Advogado do escritório Meister Scorsim Advocacia e consultor em Direito Público.

http://www.migalhas.com.br/LaudaLegal/41,MI240661,31047-Direito+das+Comunicacoes 

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Inconstitucionalidade dos PLs que proíbem a franquia de consumo de dados nos contratos de serviços de conexão à internet por banda larga fixa

A defesa dos consumidores pode muito bem ser concretamente realizada, com velocidade na modificação da realidade, mediante a redução da carga tributária.

A imprensa noticiou amplamente a polêmica sobre a proposta de cobrança de franquia de consumo de dados pelos provedores de serviços de conexão à internet por banda larga fixa. Este fato de ampla repercussão nacional despertou a atenção do Senado Federal. Assim, tramitam três projetos de lei no Senado para regular a franquia de consumo de dados nos serviços de internet por banda larga fixa. Também, uma proposta de decreto legislativo sobre o tema, para suspender os efeitos da resolução 614/13 da Anatel que permite a franquia de consumo de dados.

O PL 174, de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB), trata da mudança do marco civil da internet, para vedar a implementação da franquia limitada de consumo nos planos de internet por banda larga fixa.1

O PL 175 de autoria do senador Flexa Ribeiro (PSDB), propõe regras para comercialização da provisão de conexão à interrnet, com a inclusão de novas normas no marco civil da internet.2 Esta medida legislativa autoriza a franquia de consumo de dados, porém nos períodos de maior tráfego da internet.

O PL 176 do senador Eunicio Oliveira (PMDB), dispõe sobre a alteração do marco civil da internet, para assegurar o direito à não limitação no volume de dados das conexões de internet por banda larga fixa.3

Por sua vez, o projeto de decreto legislativo 14, do senador Cássio Cunha Lima (PSDB), propõe a sustação da resolução 614/13 da Anatel, a que autoriza a franquia de consumo de dados nos serviços de comunicação multimídia.4 Como fundamentos desta proposta legislativa a ofensa ao CDC e o marco civil da internet.

Tais projetos de lei partem da tese da possibilidade jurídica de regulação por lei dos preços dos serviços de conexão à internet, por banda larga fixa. Por sua vez, a proposta de decreto legislativo propõe a sustação da resolução da Anatel 614/13 que autoriza a franquia de consumo de dados na internet por banda larga fixa.

Destaque-se que o PL 175/16 do senador Flexa Ribeiro é o único a autorizar a adoção do regime de franquias de consumo de dados na internet por banda larga fixa, no período de maior tráfego das redes de comunicação. Os demais projetos de lei são no sentido da proibição da de franquia de consumo de dados na internet por band larga fixa.

A justificativa para a proposição dos projetos de lei no sentmido de proibir a franquia de consumo de dados nos serviços de conexão à internet é, dentre as razões apresentadas, os prejuízos aos consumidores e ofensa ao Marco Civil da Internet (art. 7º) .

Ao que parece, tais projetos de lei são flagrantemente inconstitucionais por diversas razões. A Constituição consagra o princípio da livre iniciativa, daí a inadmissibilidade de regulação de preços nos serviços de conexão à internet. Não compete à lei interferir no regime privado dos serviços de comunicação multimídia. Os preços em contratos privados de serviço de conexão à internet não podem ser objeto de regulação setorial. Tais iniciativas legislativas representam verdadeiro retrocesso legislativo, sob a perspectiva da regulação setorial consolidada do modelo de organização dos serviços de conexão à internet.

O princípio de defesa do consumidor não autoriza a imposição de regime de preços regulados, no caso dos serviços de conexão à internet por banda larga. Além disto, a Lei Geral de Telecomunicações, em seu art. 129, é clara e precisa quanto ao regime de liberdade de preços, dispositivo aplicável aos serviços de valor adicionado à rede de telecomunicações, como é o caso dos serviços de comunicação multimídia.5

Portanto, antes mesmo da edição da resolução 632/13 da Anatel, a Lei Geral de Telecomunicações já permitia a liberdade de preços no regime privado dos serviços de internet por banda larga fixa.

Aqui, destaque-se as diferenças essenciais de regime jurídico. No regime público, no qual submete-se o serviço de telefonia fixa, há restrições aos preços praticados, pois, a Anatel regula as tarifas dos serviços de telefonia fixa. Diferentemente, no regime privado, no qual se enquadra o serviço de conexão à internet por banda larga fixa, há a liberdade de preços. Sobre esta questão, a Lei Geral de Telecomunicações dispõe em seu art. 129 que: o preço dos serviços será livre, excetuadas as práticas prejudiciais à competição, bem como o abuso do poder econômico, nos termos da legislação. Portanto, se houver indícios ou provas de infrações à ordem econômica, decorrentes de práticas comerciais no aumento abusivo de preços, aí sim poderá ocorrer a responsabilização das empresas, sob a legislação do direito econômico.

Em outro dispositivo legal, a Lei Geral de Telecomunicações, em seu art. 128, inc. I, dispõe, sobre o regime privado, no qual a liberdade é a regra, sendo exceção as proibições, restrições e interferências do poder público.

Ressalte-se que a regulação setorial, aprovada pela Anatel na forma da resolução 614/13, prevê o mecanismo da franquia de consumo de dados nos serviços de internet por banda larga fixa. Acredita-se que diante da incidência do princípio constitucional da livre iniciativa, é vedado à Anatel proibir a adoção do regime de franquia de dados nos serviços de conexão à internet.

Ou seja, diante da aplicação da legislação setorial em vigor, não é possível adotar a tese da proibição da franquia de dados nos serviços por internet banda larga fixa. Ao contrário, a Lei Geral de Telecomunicações e o Regulamento dos Serviços de Comunicação Multimídia (resolução 614/13) autorizam o regime de franquia de dados nos serviços de internet por banda larga fixa. Por outro lado, o marco civil da internet não proíbe o regime de franquia de dados nos serviços de conexão à internet. Da interpretação do princípio da neutralidade da internet não é admissível a conclusão no sentido da proibição do regime de franquia de dados nos serviços de conexão à internet. Ao contrário da leitura do relatório da motivação do projeto de lei do marco civil da internet está clara a liberdade do modelo de negócios na internet, no aspecto dos preços cobrados pelos serviços dos consumidores. Segundo o texto do relator deputado Alessandro Molon (PT) contido no relatório do projeto de lei do marco civil da internet: “Cumpre ressaltar, ainda, que a neutralidade da rede prevista no Marco Civil não proíbe cobrança por volume de tráfego de dados, mas apenas a diferenciação de tratamento por pacotes de dados. O que o Marco Civil proíbe é a diferença de qualidade, mas não a de quantidade”.

E mais, quanto à constitucionalidade dos projetos de leis algumas considerações adicionais.

São inconstitucionais os projetos de leis com o intuito de proibir a adoção do regime de franquia de dados nos serviços de conexão à internet por banda larga fixa. Estes projetos de lei ferem gravemente o princípio constitucional da livre iniciativa e, consequentemente, a liberdade do modelo de negócios na internet. Também, os projetos de lei ofendem o princípio da proporcionalidade das medidas legislativas. Além disto, tais propostas legislativas acabam por ferir o princípio do devido processo legal, o que exige adequação da medida legislativa à finalidade pública, cuja concretização é objetvo de ação estatal. É fundamental a análise de impacto regulatório destas propostas legislativas sobre o setor de conexão à internet por banda larga fixa. Daí a mudança da regra legislativa sobre o modelo de cobrança de preço dos serviços de conexão à internet requer a cuidadosa análise técnica dos custos-benefícios.

Para além das propostas legislativas em anállse de mudança do regime de preços dos serviços de conexão à internet, cabem outras medidas tão mais eficazes ao propósito de defesa dos milhões de consumidores brasileiros. De fato, quanto ao impacto econômico da medida, é importante ampliar o debate sobre a redução da carga do ICMS sobre o setor de conexão à internet e telecomunicações, algo extremamente benéfico aos consumidores.

Assim, a defesa dos consumidores pode muito bem ser concretamente realizada, com velocidade na modificação da realidade, mediante a redução da carga tributária, em benefício da realização de mais investimentos setoriais e diminuição do preço final dos serviços para os consumidores. Se adotada esta nova direção política haveria uma sinalização, mais precisa e clara, para a defesa concreta e real dos consumidores dos serviços de conexão à internet.

__________

1 PL n. 174/2016 do Senado:

“Art. 7º. …

XIV – a não implementação de franquia limitada de consumo nos planos de internet banda larga fixa.”

2 PL n. 175/2016 do Senado:

“Art. 23-A. A comercialização da provisão de conexão à internet observará o seguinte:

I – as franquias de consumo; as reduções contratuais de velocidade e as cobranças adicionais por volume de dados utilizado somente podem incidir durante os períodos de maior tráfego das redes, nos termos da regulação;

II – as franquias de consumo devem corresponder, no mínimo, a 20% do total da capacidade de tráfego da conexão em sua velocidade máxima contratada;

III – as reduções contratuais de velocidade devem preservar, no mínimo, 50% da velocidade máxima contratada, sem aplicação de cobranças adicionais;

IV – são permitidaas cobranças adicionais por volume de dados utilizado exclusivamente para a não aplicação das reduções contratuais de velocidade após o término das franquias de consumo.”

3 PL n. 176/2016 do Senado:

“Art. 7.

(…)

XIV – não limitação no volume de dados das conexões fixas.”

4 Projeto de Decreto Legislativo n. 14/2016 do Senado:

“Art. 1º. Fica sustado, nos termos do art. 49, inciso V, da Constituição Federal, o inciso III e os §§1º e 3º do art. 63, da Resolução n. 614, de 28 de maio de 2013, da Agência Nacional de Telecomunicações.”

5 Conforme Lei Geral de Telecomunicações:

“Art. 129. O preço dos serviços será livre, ressalvado o disposto no §2º do art. 136 desta Lei, reprimindo-se toda prática prejudicial à competição, bem como abuso do poder econômico, nos termos da legislação própria.”

Artigo publicado no site jurídico Migalhas em 09/05/2016

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Novo bloqueio judicial do WhatsApp, pela justiça de Sergipe, em todo território nacional

A Justiça Estadual de Sergipe determinou o bloqueio do aplicativo WhatsApp, em todo o território nacional, pelo prazo de 72 horas. A decisão judicial foi motivada pelo fato do WhatsApp se recusar a apresentar dados pessoais de pessoas investigadas pela prática de crime de tráfego de drogas. A determinação judicial é para quebrar o sigilo das mensagens transitadas pelo aplicativo.

Segundo noticia a imprensa, a decisão foi fundamentada no Marco Civil da Internet (arts. 11, 12, 13 15, caput, parágrafo §4º). Em sua defesa, a empresa WhatsApp alega que não possui os dados pessoais requeridos pela Justiça brasileira e que não armazena o conteúdo das conversas das pessoas, somente possui os números do telefone. O Tribunal de Justiça de Sergipe não deferiu o recurso do WhatsApp, sob o fundamento da não colaboração com a Justiça brasileira.

Aqui, o caso judicial tem quatro pontos para sua análise.

Primeiro Ponto: Marco Civil da Internet não autoriza o bloqueio judicial de aplicativo na hipótese de descumprimento de ordem judicial.

O Marco Civil da Internet, na forma da Lei n. 12.965/2014, não autoriza a suspensão do aplicativo de mensagens eletrônicas, em caso de descumprimento de ordem judicial. Portanto, a decisão judicial, com o devido respeito, equivoca-se na interpretação do Marco Civil da Internet.

Ponto segundo: bloqueio judicial do aplicativo WhatsApp fere gravemente o princípio da razoabilidade e proporcionalidade das medidas judiciais, bem com causa grave lesão ao direito à informação e à comunicação dos brasileiros.

A medida judicial de bloqueio do WhatsApp é irrazoável e desproporcional, ao atingir milhões de brasileiros usuários do aplicativo. É inexplicável justificar juridicamente que milhões de brasileiros são privados da utilização do aplicativos, para as mais diversas finalidades, por causa do descumprimento de uma ordem judicial, adotada em investigação criminal.

Assim, a decisão judicial viola o direito fundamental à informação e à comunicação de milhões de cidadãos e consumidores brasileiros. Ou seja, estes direitos fundamentais à informação e à comunicação devem respeitados pela Justiça e não lesionados por medida judicial.

Ponto terceiro: inexigibilidade de cumprimento de determinação judicial pelo fato de não possuir a guarda dos conteúdos das conversas realizadas pelo aplicativo WhatsApp.

Se ficar comprovado que de fato a empresa WhatsApp não possui os conteúdos das conversas das pessoas trocadas mediante o aplicativo, algo que soa crível em razão do direito à privacidade dos dados pessoais, então é inexigível e impossível o cumprimento da determinação judicial de apresentação de dados pessoais. Daí a excessividade da medida jurídica de bloqueio judicial do WhatsApp.

Ponto quarto: existência de sanções na legislação para a hipótese de descumprimento de ordem judicial: a multa para a empresa e a imputação de responsabilidade pelo crime de desobediência.

Existem sanções previstas na legislação para o caso de descumprimento de ordem judicial. Uma delas, é a imposição de multa à empresa, com fundamento no próprio Código de Processo Civil. Outra, é a imputação de responsabilidade penal pelo suposto crime de desobediência à ordem judicial.

Consideração final

Um problema jurídico isolado, representado pelo não atendimento à determinação judicial de apresentação de conteúdo de conversas em aplicativos, delimitado no âmbito de processo penal, não pode servir como pretexto para criar milhões de outros problemas, com a lesão ao direito à informação e à comunicação de milhões de brasileiros. O adequado funcionamento do sistema jurídico não pode admitir que a própria Justiça crie problemas ainda maiores. Daí a necessidade de revisão da interpretação da legislação do Marco Civil da Internet, para fins de sua aplicação prática adequada à razoabilidade e proporcionalidade.

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A banda larga e o interesse do consumidor

A polêmica de repercussão nacional em torno da legalidade da cláusula contratual da cobrança da franquia de pacotes de dados nos serviços de conexão à internet por banda larga fixa merece algumas considerações jurídicas. A Anatel, por sua Superintendência de Relações com Consumidores, adotou decisão cautelar para determinar às empresas que se abstenham de práticas de redução de velocidade, suspensão de serviço ou de cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia, ainda que estas medidas estejam previstas em contrato de adesão ou plano de serviço, até o cumprimento das condições impostas pela agência reguladora. As determinações devem ser cumpridas pelas operadoras em até 90 dias, após os quais podem ofertar e contratar planos de serviços com as franquias de dados.

A decisão da Anatel retrata o conflito entre os interesses dos consumidores dos serviços de banda larga fixa e as empresas prestadoras dos serviços de conexão à internet. A atuação da agência reguladora é uma demonstração da necessidade de se respeitar o direito à informação dos consumidores, com precisão e clareza, quanto ao consumo da franquia de dados nos serviços de conexão à internet por banda larga fixa. A legislação autoriza a intervenção da Anatel nas hipóteses de infração à legislação setorial, conforme dispõe a Lei Geral de Telecomunicações. Esta atuação da agência reguladora é boa, mas deveria ter ocorrido antes da lesão aos consumidores.

Em relação às novas ofertas de serviços e aos novos contratos de prestação de serviço de internet banda larga fixa, as operadoras podem fazer a mudança do modelo de cobrança da franquia de dados, no lugar da precificação por velocidade de navegação. Mas, nos contratos antigos, fundamentados na cláusula de pacote ilimitado de dados, a operadora vincula-se ao contrato originário. Portanto, a mudança da forma de cobrança pela franquia é, em tese, para contratos novos, e é possível desde que comunicado previamente o consumidor a respeito do plano de serviços de internet banda larga fixa. Tecnicamente, é razoável cobrar em função da mensuração do consumo de dados: os consumidores que mais consomem devem pagar mais; os consumidores que menos consomem pagam menos.

Da interpretação do Marco Civil da Internet não é possível extrair a proibição direta legal da adoção do modelo de cobrança por franquia na banda larga fixa. E, ao que parece, a tendência futura é que prevaleça esse modelo, em vez do parâmetro da velocidade da navegação. Por outro lado, seria mais saudável para os consumidores a existência de mais agentes econômicos em competição no setor, para diminuir os preços dos serviços de conexão à internet.

Destaque-se, ademais, que os consumidores podem ser pessoas físicas ou jurídicas, sendo que ambas dependem de serviços e infraestruturas adequadas de redes de telecomunicações e internet. Aqui, há incidência do Regulamento Geral dos Direitos dos Consumidores nos serviços de telecomunicações e internet, e as pessoas que se sentirem prejudicadas com a mudança do modelo de cobrança da internet fixa podem acionar os órgãos de defesa do consumidor, inclusive o Poder Judiciário.

A tendência é a entrada deste novo tema na pauta da Justiça. Ao fim, o Judiciário brasileiro terá de decidir sobre a tese mais adequada à interpretação da legislação federal dos serviços de telecomunicações e internet. É saudável o debate público do tema para equilibrar e harmonizar os interesses dos consumidores e os empresariais, naquilo que for possível e na medida da legislação setorial.

Ericson M. Scorsim, mestre e doutor em Direito, é advogado especializado em Direito das Comunicações e autor do e-book “Direito das comunicações: regime jurídico de telecomunicações, internet, TV por radiodifusão e TV por assinatura.
Artigo publicado no jornal Gazeta do Povo em 19/04/2016.

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Competência da Anatel para outorgar e fiscalizar os serviços de acesso à internet : limites e possibilidades

Ericson Scorsim.

Advogado, em Curitiba, sócio fundador do escritório Meister Scorsim Advocacia, com especialização no Direito das Comunicações.

Doutor em Direito (USP). Mestre em Direito (UFPR).

 

 RESUMO: O artigo analisa o regime jurídico dos serviços de acesso à Internet, regulados pelo Marco Civil da Internet, na forma da Lei n. 12.965/2014. O tema demanda a sua interpretação sistemática no contexto da Lei Geral de Telecomunicações, que disciplina os serviços de valor adicionado à rede de telecomunicações. Em destaque, a análise da competência da Anatel para regular e fiscalizar os serviços de conexão à internet, bem como para verificar o cumprimento do princípio da neutralidade. Também, é verificada incompetência da Anatel para outorgar e fiscalizar os serviços de aplicações de internet.

 

 PALAVRA-CHAVE: Serviços de acesso à internet – Regime Jurídico – Marco Civil Internet – Lei Geral Telecomunicações – Anatel – Limites competência – Fiscalização – Outorga – Princípio da neutralidade – Aplicações de internet.

 

 ABSTRACT: The article analyzes the legal regime of Internet access services, regulated by the Civil Internet Framework, in the form of Law no. 12,965 / 2014. The theme demands its systematic interpretation in the context of the General Telecommunications Law, which governs value added services to the telecommunications network. In particular, the analysis of Anatel’s competence to regulate and supervise Internet connection services, as well as to verify compliance with the principle of neutrality. Also, Anatel’s incompetence is verified to grant and oversee the services of internet applications.

 

KEYWORDS: Internet acess service – Legal regime – Internet civil benchmark – Value-added services (vas) to the telecommunications network – General telecommunications law – Anatel (national agency of telecommunications) – Authority to adopt internet rules for acess services – Authority to enforce the principle of net neutrality – Lack of authority of Anatel to grant licence and enforce the internet application services.  

 

SUMÁRIO

  1. Introdução – 2. Anatel: Características da Agência Reguladora do setor de telecomunicações: 2.1 Competências regulatórias; 2.2 Estrutura organizacional; 3. Serviço de conexão à internet: Classificação Normativa como Serviço de Valor adicionado ao serviço de telecomunicações, na forma da Lei Geral de Telecomunicações: 3.1 Incompetência da Anatel para outorgar e regular aplicações de Internet – 4. Princípio da neutralidade de Rede: aspectos regulatórios, controle e fiscalização da Anatel sobre os serviços de conexão à internet; 4.1. Competência da Anatel quanto à regulação dos serviços de conexão à internet; 4.2 Questão da competência da Anatel para fiscalizar o cumprimento do princípio da neutralidade: possibilidades e limites; 4.3 Tese da competência fiscalizatória da Anatel sobre o cumprimento do principio da neutralidade da internet; 4.4 Tese da incompetência da Anatel para fiscalizar o principio da neutralidade da internet – 5. Conclusões: 5.1 Lei Geral de Telecomunicações e serviços de acesso à internet; 5.2 Definição do serviço de conexão à internet como serviço de valor adicionado à rede de telecomunicações; 5.3 Competência da Anatel para outorgar e disciplinar os serviços de valor adicionado; 5.4 Marco Civil da Internet: 5.4.1 Serviço de acesso à internet; 5.4.2 Aplicações de internet; 5.4.3 Competência da Anatel para fiscalizar o principio da neutralidade da rede; 5.4.4 Incompetência da Anatel para fiscalizar os serviços de aplicações de internet – 6. Referências Bibliográficas.

 

1.INTRODUÇÃO

A Internet repercute intensamente na vida pessoal, nos negócios das empresas e nos poderes públicos. No Brasil, os serviços relacionados à internet apresentam números impressionantes. O acesso aos serviços de internet na banda larga móvel é, segundo dados atualizados, de 162,9 milhões. Por sua vez, o acesso aos serviços de internet na banda larga fixa é 24,3 milhões.[1]

Em atuação no cenário da Internet, as empresas que fornecem a infraestrutura para a prestação do acesso à internet, as empresas com a gestão sobre a rede da internet, os provedores de acesso à internet e os provedores de conteúdos.  A prestação dos serviços de acesso à internet depende de infraestrutura de rede de telecomunicações, distribuídas nas cidades e, em menor escala, em áreas rurais.[2]

A Lei n. 12.965/2014 que aprova o Marco Civil da Internet é tema estudado no âmbito do Direito das Comunicações. Aqui, a perspectiva adotada é interdisciplinar, isto é, o estudo do Marco Civil da Internet, juntamente com a Lei Geral de Telecomunicações, porque o serviço de acesso à internet é classificado como serviço de valor adicionado à rede de telecomunicações. O serviço de conexão à internet é espécie de serviço de comunicação, regulado em lei federal.

O foco do presente artigo é analisar a natureza jurídica dos serviços de acesso à internet, classificados como serviços de valor adicionado às redes de telecomunicações. Daí a interpretação do Marco Civil da Internet (suas definições legais), no contexto da Lei Geral de Telecomunicações.

O artigo analisa também as competências da Anatel em relação aos serviços de conexão à internet, principalmente em garantia da concretização do direito de acesso às redes de telecomunicações, bem como para fiscalizar o cumprimento do princípio da neutralidade da Internet. É analisada também a questão da incompetência da Anatel para outorgar e fiscalizar os serviços de aplicações de internet.

 

  1. ANATEL: CARACTERÍSTICAS DA AGÊNCIA REGULADORA DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES

A Agência Nacional de Telecomunicações é uma autarquia federal de natureza especial, caracterizada por sua independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo[3] e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.[4]

A agência reguladora tem a nomeação de seus dirigentes com prazo certo e mediante procedimento especial, ato de conjugação da vontade do Presidente da República e a aprovação do Senado Federal, com a vedação da exoneração ad nutum. O objetivo do mandato  é garantir o gestor público da autarquia contra ingerências políticas e manter a continuidade das políticas públicas.[5]

Destaque-se que as políticas públicas de telecomunicação ficam sob o encargo dos Poderes Executivo e Legislativo, enquanto que a fiscalização dos serviços fica sob a responsabilidade da Anatel.[6] A Anatel, o seu Presidente e os membros do Conselho Diretor são os responsáveis pela adequação do regime de outorgas,  edição de atos normativos e fiscalização dos serviços de telecomunicações, para adequação da relação entre as empresas e os consumidores.[7]

 

2.1. Competências regulatórias

A Lei Geral de Telecomunicações atribui à ANATEL as seguintes competências: i) a outorga dos serviços de telecomunicações[8];  ii) a competência normativa para editar atos regulatórios para o setor; iii) fiscalizar o cumprimento das obrigações pelos prestadoras de serviços, inclusive com a possibilidade de se adotar medidas administrativas cautelares para a defesa dos consumidores dos serviços de telecomunicações; e iv) solucionar conflitos.[9] Na hipótese de falhas da fiscalização da Anatel em relação aos serviços de telecomunicações são cabíveis ações judiciais pertinentes, sob a iniciativa do Ministério Público, Procons e inclusive Municípios.[10]

 

2.2. Estrutura organizacional

A ANATEL é constituída pelo Conselho Diretor[11], Conselho Consultivo, Procuradoria, Corregedoria e Ouvidoria. Além disto, existem unidades especializadas com diferentes funções, como por exemplo, as Superintendências de Planejamento e Regulamentação, Outorga e Recursos à Prestação, Fiscalização e Relações com Consumidores.[12]

 

  1. SERVIÇO DE CONEXÃO À INTERNET: CLASSIFICAÇÃO NORMATIVA COMO SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO AO SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÕES, NA FORMA DA LEI GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES

 

A Lei Geral de Telecomunicações tem dois conceitos relevantes: serviço de telecomunicações e o serviço de valor adicionado.[13]

O serviço de telecomunicações é: “o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação”. Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza”, conforme o art. 60, §1º, da Lei Geral de Telecomunicações.  Destaque-se entre os principais serviços de telecomunicações: o de telefonia fixa e o móvel pessoal. Por sua vez, o  serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, ao armazenamento, à apresentação, à movimentação ou recuperação de informações. O serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição”.[14] O provedor do serviço de conexão à internet, nos termos da lei federal, é usuário do serviços de telecomunicações. Daí porque o provedor de conexão tem o direito de acessar as redes de telecomunicações, compartilhar estas redes e fazer conexões entre as redes.

A Lei nº 13.116, de 20 de abril de 2015, estabelece normas gerais para licenciamento, implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações. Define como infraestrutura de suporte todos os meios físicos fixos (estruturas de superfície e suspensas) destinados ao suporte da rede de telecomunicações, dentre os quais: postes, torres, mastros, armários, cabos de fibras, fios, antenas e postes. [15]

O serviço de conexão à internet é classificado como espécie de serviço de comunicação multimídia (SCM), o qual é considerado como serviço de valor adicionado. Esta é a classificação adotada pela Agência Nacional de Telecomunicações. O serviço de valor adicionado não é rigorosamente espécie de serviço de telecomunicações, conforme determinação do art. 60, §1º, da Lei Geral de Telecomunicações. [16]  O serviço de valor adicionado utiliza como suporte as redes de telecomunicações para fins de oferecimento de utilidades aos usuários.[17] O serviço de conexão à internet é atividade econômica privada, porém submetida à regulação federal, sob o regime de autorização administrativa da Anatel.[18] No caso, a autorização é ato vinculado que outorga o direito à exploração do serviço de acesso à internet, após o atendimento aos requisitos legais para a sua expedição.[19] No regime privado, não há obrigações de universalidade e continuidade dos serviços. Há discussões no âmbito parlamentar para a qualificação dos serviços de acesso à internet  sob o regime público.[20]

Os serviços de conexão dos consumidores à internet são objeto de regulação federal nos aspectos de acesso às infraestruturas de redes de telecomunicações. Uma empresa de provimento de serviços de conexão à internet pode depender da rede de telecomunicações de propriedade de outras empresas. Daí a adoção de regras para o direito à utilização livre da rede. A regulação federal ocorre para assegurar a concorrência efetiva entre as empresas atuantes no segmento de provimento de conexão à internet.[21] Por que se não houver a efetiva competição entre as empresas, quanto à utilização das infraestruturas de redes, há graves riscos para os consumidores, no que tange ao acesso aos serviços, conteúdos e respectivos preços. E o maior risco para os consumidores é a configuração de monopólios ou oligopólios no setor. Neste aspecto, é cabível o acionamento dos mecanismos de controle de abuso de poder econômicos dos provedores de infraestrutura de acesso aos serviços de internet no âmbito do CADE.

 

3.1. Incompetência da Anatel para outorgar e regular aplicações de Internet

Os serviços de aplicações de internet não são serviços de valor adicionado à rede de telecomunicações, muito menos serviços de telecomunicações, razão pela qual não incide a Lei Geral de Telecomunicações e, respectivamente, da não competência da Anatel para outorgar e fiscalizar as aplicações de internet.

Discute-se a respeito da atribuição da competência da Anatel para outorgar e regular os serviços de aplicações de Internet, como o caso do WhatsApp, Netflix, Facebook entre outros.[22] O tema é polêmico na medida em que a legislação atual não atribui expressamente esta competência da Anatel para regular aplicativos da internet, como referido acima. Também, eventual atualização da legislação para condicionar os aplicativos da Internet sob a jurisdição da Anatel pode ser inconstitucional. Ou seja, a equiparação do serviço de aplicação de internet ao regime das telecomunicações seja por ato legislativo ou outro ato normativo pode ser considerado inconstitucional pelo Poder Judiciário.

 

  1. PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE DE REDE: ASPECTOS REGULATÓRIOS, CONTROLE E FISCALIZAÇÃO DA ANATEL SOBRE OS SERVIÇOS DE CONEXÃO À INTERNET

Uma das questões centrais e polêmicas da Lei do Marco Civil da Internet é a interpretação do princípio da neutralidade da rede. Este princípio tem repercussão sobre o interesse dos consumidores, dos provedores de acesso à internet e dos provedores de conteúdos. A norma aplica-se em relação ao acesso à Internet e o acesso aos conteúdos nela trafegados.[23] O princípio da neutralidade da internet é uma garantia da ampla liberdade de expressão para difusão de conteúdos os mais diversos e plurais possíveis.[24] Veda-se à censura à difusão dos conteúdos. Daí porque são excepcionais as regras de restrições à difusão de conteúdos, salvo para a proteção de direitos da personalidade e outros direitos fundamentais.

Conforme a Lei n. 12.965/2014: “O responsável pela transmissão, comutação, ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”.[25] O princípio da neutralidade garante, portanto, o tratamento isonômico entre quaisquer pacotes de dados. Portanto, trata-se de garantia de aplicação do princípio da igualdade no funcionamento da transmissão, comutação ou roteamento do pacote de dados.[26]

Em razão do princípio da neutralidade, um provedor de serviços de internet não pode discriminar um provedor de serviços de vídeo online de uma empresa concorrente. Também, uma empresa de telecomunicações, que preste o serviço de conexão à internet, não pode tratar diferentemente as aplicações de voz dos usuários na rede.[27] Exemplo, a empresa de telecom não pode reduzir a velocidade de transmissão de dados do Skype. Além disso, pelo princípio da neutralidade não é possível favorecer a transmissão de pacotes de dados dos usuários de uma cidade x ou bairro y, em detrimento da cidade w e bairro z.  Também, nos serviços de internet não pode ocorrer a discriminação entre os serviços prestados em terminais fixos e dos serviços em terminais móveis. Exemplos: um serviço para a internet banda larga fixa, outro serviço para internet banda larga móvel.

Além disto, o princípio da neutralidade tem a função de evitar o risco da promoção da discriminação de aplicativos ou conteúdos, na denominada última milha da Internet[28], pelas empresas de telecomunicações em relação ao conteúdo concorrente com os serviços de telecomunicações ou com seu grupo econômico, conteúdo de parceiros comerciais (priorização paga) ou conteúdo que consome grande largura de banda.[29]

 

4.1. Competência da Anatel quanto à regulação dos serviços de conexão à internet

Como já referido, o serviço de provimento de conexão à internet é classificado como serviço valor adicionado à rede de telecomunicações (serviço de comunicação multimídia), mas não é serviço próprio de telecomunicações, conforme dispõe a Lei Geral de Telecomunicações e a Resolução n. 614/2013 da Anatel. A Anatel tem competência legal para regular os serviços de valor adicionado, sob o aspecto das regras de acesso às infraestruturas de redes de telecomunicações e as regras de interconexão e compartilhamento dessas mesmas redes.[30] Neste contexto, a Anatel tem competência para regular os serviços de valor adicionado à rede de telecomunicações[31], como é o caso do serviço de conexão à internet.[32]

 

4.2. Questão da Competência da Anatel para fiscalizar do cumprimento do princípio da neutralidade: possibilidades e limites

Com o Marco Civil da Internet surge a questão sobre a fiscalização do princípio da neutralidade da rede. Assim, como justificar a competência da Anatel para fiscalizar o cumprimento do princípio da neutralidade da rede? Esta recente questão jurídica decorre da referida Lei do Marco Civil da Internet que, em caráter incidental, apenas referiu-se à oitiva da Anatel nas hipóteses de regulamentação pela Presidente da República das exceções ao princípio da neutralidade da internet. Conforme já mencionado, a regulação do princípio da neutralidade da rede consta no Marco Civil da Internet, e a sua regulamentação está sob a competência do Presidente da República.[33]

Duas interpretações sobre o tema da competência da Anatel para fiscalizar o atendimento ao princípio da neutralidade da rede pelas empresas que prestam os serviços de acesso à Internet, a seguir analisados.

 

4.3. Tese da competência fiscalizatória da Anatel sobre o cumprimento do princípio da neutralidade da Internet

A interpretação mais adequada da legislação é no sentido de se reconhecer a competência fiscalizatória da Anatel sobre o princípio da neutralidade da rede, com fundamento no próprio dispositivo da Lei Geral de Telecomunicações, que trata dos serviços de valor adicionado. Neste sentido, uma vez que a Anatel detém competência para tratar dos serviços de valor adicionado, a agência reguladora também teria poderes para tratar da fiscalização do princípio da neutralidade, tema que envolve os serviços de telecomunicações e os serviços de valor adicionado à rede de telecomunicações.[34] A Anatel tem o dever de garantir o direito de acesso pelas OTTS  (serviços over the top) às redes de telecomunicações, conforme determina o art. 61, § 2º, da Lei Geral de Telecomunicações. Além disto, compete à agência reguladora controlar, prevenir e reprimir infrações à ordem econômica, conforme preceitua o art. 19, inc. XIX, da Lei Geral de Telecomunicações, bem como nos respectivos arts. 5º e 6º.[35]

Por outro lado, registre-se que, formalmente, o Comitê Gestor da Internet não tem competência legal para tratar deste assunto, pois não há lei que lhe atribua tal competência.  A Lei do Marco Civil da Internet apenas confere a tal comitê o caráter opinativo quanto à regulamentação do princípio da neutralidade da rede.

No âmbito do direito comparado, nos EUA a prática regulatória é no sentido de se reconhecer a competência da Federal Communications Comission (FCC) para regular e fiscalizar o princípio da neutralidade da internet, através da reclassificação da banda larga, tanto fixa quanto móvel, como serviço de telecomunicações (em vez de serviço de informação). Com tal alteração, fixa-se a competência da referida agência reguladora.

Por sua vez, no direito europeu o projeto de lei que trata da neutralidade da internet, elaborado e debatido pelos órgãos legislativos da União Europeia – Parlamento, Comissão e Conselho, prevê em seu artigo 3.3 que: “os fornecedores de serviços de acesso à Internet devem tratar todo o tráfego igualmente, ao prestarem serviços de acesso à Internet, sem discriminação, restrição ou interferência, e independentemente do emissor e receptor, o conteúdo acedido ou distribuído, as aplicações ou serviços usados ou fornecidos ou o equipamento terminal utilizado”. O projeto de lei aguarda publicação no diário oficial para entrar em vigor.

 

4.4. Tese da incompetência da Anatel para fiscalizar o princípio da neutralidade na Internet

Cumpre registrar a tese em sentido contrário da incompetência da Anatel para fiscalizar o cumprimento do princípio da neutralidade da rede. Isto porque o Marco Civil da Internet não lhe conferiu esta competência e, também, não há previsão desta específica competência na Lei Geral de Telecomunicações. Portanto, somente mediante alteração nas citadas leis a Anatel passaria a ter competência expressa para fiscalizar o cumprimento do princípio neutralidade da rede.[36]

 

  1. CONCLUSÕES

5.1 Lei Geral de Telecomunicações e serviços de acesso à internet

A Lei Geral de Telecomunicações contém os parâmetros para regulação dos serviços de acesso à internet, mediante a atuação da Agência Nacional de Telecomunicações, a seguir detalhados.

 

5.2 Definição do serviço de conexão à internet como serviço de valor adicionado à rede de telecomunicações

A natureza jurídica do serviço de conexão à Internet, para além da definição do Marco Civil da Internet, é definida na Lei Geral de Telecomunicações. Trata-se de serviço de valor adicionado à rede de telecomunicações, previsto no art. 61, §1º, da Lei Geral de Telecomunicações.

 

5.2. Competência da Anatel para disciplinar os serviços de valor adicionado

A Anatel tem competência para disciplinar os serviços de valor adicionado à rede de telecomunicações, como é o caso do serviço de conexão à Internet. Compete à agência reguladora a garantia do direito de acesso das empresas de internet às infraestruturas de redes de telecomunicações. A título ilustrativo, a Anatel baixou regulamento sobre as metas de qualidade dos serviços de internet banda larga.[37]

 

5.4 Marco Civil da Internet

O Marco Civil da Internet contém as definições relevantes de serviço de conexão à internet e serviços de aplicações de internet a seguir analisados.

 

5.4.1. Serviço de acesso à internet

A Lei do Marco Civil da Internet define o serviço de conexão à internet da seguinte forma: habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP.[38]

 

5.4.2. Aplicações de internet

O Marco Civil da Internet conceitua os serviços de aplicações de internet como o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet.[39]

 

5.4.3. Competência da Anatel para fiscalizar o princípio da neutralidade da rede

A interpretação mais adequada da legislação é no sentido de se reconhecer a competência fiscalizatória da Anatel sobre o princípio da neutralidade da rede, com fundamento no próprio dispositivo da Lei Geral de Telecomunicações, que trata dos serviços de valor adicionado.

 

5.4.4. Incompetência da Anatel para fiscalizar os serviços de aplicações de internet

Os serviços de aplicações de internet não são serviços de valor adicionado à rede de telecomunicações, muito menos serviços de telecomunicações, razão pela qual não incide a Lei Geral de Telecomunicações. E, também, razão para a incompetência da Anatel para outorgar e fiscalizar as aplicações de internet.

 

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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ANATEL. Resolução nº 575, de 28 de outubro de 2011.  Aprova o Regulamento de Gestão da Qualidade da Prestação do Serviço Móvel Pessoal – RGQ-SMP e altera o Regulamento do Serviço Móvel Pessoal – SMP, aprovado pela Resolução nº 477, de 7 de agosto de 2007, e alterado pelas Resoluções nº 491, de 12 de fevereiro de 2008, nº 509, de 14 de agosto de 2008, nº 564, de 20 de abril de 2011 e nº 567, de 24 de maio de 2011. DOU de 31.out.2011.

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CURITIBA. Lei 14.593, de 16 de janeiro de 2015. Altera os artigos 85, 285 e 286 da Lei nº 11.095, de 21 de julho de 2004, que “Dispõe sobre as normas que regulam a aprovação de projetos, o licenciamento de obras e atividades, a execução, manutenção e conservação de obras no município”. Publicada em 20. Jan. 2015.

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[1] Dados públicos sobre acesso à internet do IBGE (2013). Agradecimento especial ao advogado Marcel Scorsim Fracaro que colaborou nas pesquisas e revisão do presente texto, bem como à bacharel em direito Alessandra Filla Schuster que contribui nas pesquisas.

[2] Por exemplo, existem as redes de telecomunicações fixas e as redes móveis. O acesso à internet banda larga pode ocorrer por meio da rede fixa, mediante a oferta por ADSL, fibra ótica, cable modem, algo ofertado pelas operadoras de telefonia fixa e TV a cabo. O acesso à internet banda larga pode ocorrer por meio da rede móvel, mediante modems 3G, tablets e celulares (handsets).

[3] Diante da garantia em lei do mandato fixo para os cargos do Conselho Diretor da Anatel, torna-se inaplicável à hipótese a Súmula 25 do STF que dispõe: “A nomeação a termo não impede a livre demissão pelo Presidente da República, de ocupante de cargo dirigente de autarquia”.

[4] Quanto à estabilidade dos dirigentes, cumpre lembrar a ADIN 1949-0, STF:

EMENTA: I – Agências reguladoras de serviços públicos: natureza autárquica, quando suas funções não sejam confiadas por lei a entidade personalizada e não, a própria administração direta.

II – Separação e independência dos Poderes: submissão à Assembleia Legislativa, por lei estadual, da escolha e da distribuição, no curso do mandato, dos membros do Conselho Superior da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul – AGERGS: parâmetros federais impostos ao Estado-membro.)

[5] Para análise das razões históricas e o debate sobre a constitucionalidade da vedação da exoneração ad nutum dos dirigentes das agências reguladoras no âmbito da jurisprudência do STF, conferir: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2002, p. 341-346. Também consultar: MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo, 26, edição. São Paulo: Editora Malheiros,  p. 169-181.

[6] O Decreto 4.733/2003 estabelece as políticas públicas de telecomunicações. Dispõe este ato o seguinte: “Art. 3. As políticas para as telecomunicações têm como finalidade primordial atender ao cidadão, observando entre outros, os seguintes objetivos gerais: (…) garantir adequado atendimento na prestação dos serviços de telecomunicações”.

[7] SCORSIM, Ericson Meister. Regime de responsabilidade administrativa do Presidente do Conselho Diretor da Anatel: exame das conclusões da CPI da Assembleia Legislativa do Paraná sobre falhas na fiscalização dos serviços de comunicação móvel. Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, v. 2, p. 63-82, 2014.

[8]  Registre-se, a título ilustrativo, que o ambiente regulatório do setor de comunicações é integrado por diversos serviços: telefonia fixa (Lei 9.472/1997, regime público da concessão), telefonia móvel (Lei 9.472/1997, regime privado da autorização), radiodifusão de sons e imagens (televisão, Lei 4117/1962, regime de concessão), radiodifusão sonora (rádio, Lei 4.117/1962, regime de concessão), comunicação audiovisual de acesso condicionado (TV por assinatura, Lei 12.485/2011, regime da autorização), serviços de comunicação multimídia (acesso à internet, regime da autorização).

[9] Conforme Marçal Justen Filho:

“A natureza contínua e permanente da regulação estatal compreende uma função de planejamento. O Estado tem o dever de avaliar a situação contemporânea, identificar os problemas previsíveis do futuro e estimar as providências cabíveis e adequadas a serem adotadas. O planejamento deve traduzir-se em projetos de atuação concreta, visando a interferir sobre a realidade e orientar as providências futuras”, In Curso de Direito Administrativo, 10ª edição. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, p. 677.

E segundo Floriano de Azevedo Marques Neto: “o poder de fiscalização do setor, a qual se revela tanto pelo monitoramento das atividades reguladas (de modo a manter-se permanentemente informada sobre as condições econômicas, técnicas e de mercado do setor), quanto na aferição das condutas dos regulados de modo a impedir o descumprimento de regras ou objetivos regulatórios”, in Agências Reguladoras Independentes: fundamentos e seu regime jurídico, 1 edição, Belo Horizonte: Ed. Fórum, p. 60.

[10] A título exemplificativo, merece destaque o Processo n. 0003367 52.2015.4.01.4200, em trâmite na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Roraima. Nesses autos de Ação Civil Pública, o MPF/RR requer que a operadora Telemar Norte Leste S/A preste, de maneira adequada, eficiente e regular, em padrões mínimos de qualidade, os serviços de conexão à internet no Estado de Roraima. Em sede de liminar, solicita a redução dos valores cobrados em 70% do contratado, independentemente do tipo de plano contratado, até que seja ofertado o serviço de internet banda larga em padrões mínimos de qualidade estabelecidos pela ANATEL na Resolução n. 574/2011. Também, requer que a Anatel seja condenada a exercer com plenitude seu poder de polícia dentro do Estado, intensificando os trabalhos de fiscalização. A liminar foi parcialmente deferida, para determinar que a empresa Telemar Norte Leste SA apresentasse, no prazo de 30 trinta dias, plano de melhorias com vistas a atender os padrões mínimos com medidas concretas e efetivas para alcançar as metas estabelecidas pela ANATEL. Também foi determinado, em sede de limar, que a ANATEL instaurasse procedimento administrativo visando à apuração da responsabilidade da operadora, a fim de, se fosse o caso, aplicar-lhe as penalidades previstas em lei. A análise do pedido redução dos valores foi postergada e somente será realizada após a entrega do plano de melhoria. Até a finalização do presente artigo, o pedido de redução não havia sido analisado pelo Judiciário.

[11] De acordo com a Lei 9.472/1997:

Art. 20. O Conselho Diretor será composto por cinco conselheiros e decidirão por maioria.

“Art. 23. Os conselheiros serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de sua especialidade, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal.

Art. 24. O mandato dos membros Conselho Diretor será de cinco anos”.

[13] O conhecimento da Lei Geral de Telecomunicações é fundamental para os serviços de aconselhamento legal nos aspectos relacionados ao Direito das Comunicações e Direito do Consumidor. A título de síntese, a Lei n. 9.472/1997 trata dos princípios fundamentais, do órgão regulador e das políticas setoriais, das competências da Anatel, da organização dos serviços de telecomunicações, das redes de telecomunicações, do espectro de frequências, da concessão, da autorização, etc. Sobre a análise da Lei do Licenciamento, Implantação e Compartilhamento de Redes de Telecomunicações, ver SCORSIM, Ericson Meister, artigo Lei Federal que estabelece Normas Gerais para Implantação e Compartilhamento de Infraestrutura de Telecomunicações (Lei Geral das Antenas), em vias de publicação. Resumo disponível em https://www.meisterscorsim.com/impactos-da-lei-geral-das-antenas/

[14]  A Lei Geral de Telecomunicações preceitua:

“Art. 60, §2:

“É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações”.  Sobre o tema, consultar: SUNDFELD, Carlos Ari. Regime do serviço de valor adicionado a telecomunicações. In Pareceres, vol. I, Direito Administrativo Econômico, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013,  pps. 379-388.

[15] A título de conhecimento, o Município de Curitiba aprovou a Lei n. 14.593, em janeiro de 2015, que trata da substituição das redes de cabos aéreos por redes subterrâneas. Esta lei municipal obriga a mudança das redes de cabos utilizadas por empresas prestadoras de serviços de distribuição de energia elétrica, de telefonia, de comunicação de dados por fibra ótica e de TV a cabo. Segundo a referida lei, as empresas citadas têm a obrigação de realizar as obras de troca da infraestrutura de rede de cabos, na zona central da cidade de Curitiba, no prazo de seis anos, a partir da sua vigência, ou seja, partir de março de 2015.  Sobre o tema, SCORSIM. Ericson Meister. A Lei de Cabeamento Subterrâneo e a Constituição. Análise publicada na versão digital do jornal Gazeta do Povo, edição de 24/04/2015.

[16] Segundo Márcio Aranha, é desafiadora a questão jurídica da delimitação da fronteira entre os serviços de telecomunicações e os serviços que apenas adicionam valor ou utilizam as redes de telecomunicações. In Direito das Telecomunicações. Histórico normativo e conceitos fundamentais. 3., 2015, p. 175.

E, ainda, o referido autor: “os serviços de valor adicionado submetem-se apenas aos controles necessários à garantia da integridade das vias de telecomunicações e serviços correspondentes, pois seus provedores classificam-se como usuários (art. 61, §1, da LGT), com os direitos e deveres inerentes a essa condição”.

[17] A Lei Geral de Telecomunicações trata dos serviços de valor adicionado.

[18] A classificação jurídica do serviço de conexão à internet como serviço de valor adicionado é confirmada em decisões do STJ: REsp 456.650-PR; REsp 453.107-PR; REsp 456.650-PR; REsp 511.390-MG; REsp 736.607-PR e REsp 745.534-RS.

[19]  A Lei Geral das Telecomunicações, Lei n. 9.472/97, estabelece que a atividade de telecomunicações que extrapole os limites de uma mesma edificação, depende de uma autorização prévia da Anatel.

[20] No direito comparado, a Federal Communication Comission (FCC) dos Estados Unidos, agência reguladora das comunicações, declarou o serviço de acesso à internet como público (public utility). Na prática, a banda larga, tanto fixa quanto móvel, passa a ser classificada como serviço de telecomunicações (em vez de serviço de informação), sob o arcabouço legal da Title II, que regula os serviços de telecom.

[21] Conforme Lei Geral de Telecomunicações. Trata-se de regras que envolvem o Direito administrativo e o Direito Econômico.

Além disto, a natureza do serviço de valor adicionado, por não ser um serviço de telecomunicações, impõe limites à competência da Agência Nacional de Telecomunicações. As fronteiras entre os serviços de telecomunicações e os serviços de conexão à internet são analisadas mais à frente, no tópico pertinente às competências da Anatel.

[22] Há conflito entre empresas de telecomunicações e a empresa Whatspp. As empresas de telecomunicações defendem a aplicação da Lei Geral de Telecomunicações sobre as atividades da empresa WhatsApp. E, respectivamente, a fiscalização pela Anatel e a incidência da tributação dos serviços de voz realizados pelo WhatsApp. Todavia, a WhatsApp sustenta que é uma empresa de provimento de conteúdo da internet. A Lei Geral das Telecomunicações não se aplica aos serviços de provimento de conteúdo, tampouco, a Anatel tem competência para fiscalizar os serviços de voz prestados mediante aplicativo da Internet. Pelo mesmo motivo, também há conflito entre as empresas de TV por Assinatura e a empresa Netflix, prestadora de serviços de aplicações de Internet. Assim, a solução do conflito entre as empresas de telecomunicações e a empresa WhatsApp, bem como das empresas de TV por Assinatura e empresa Netflix, depende da interpretação adequada da legislação em vigor aplicável sobre os serviços de telecomunicações, serviços de TV por Assinatura e serviços de aplicações da Internet, todas objeto de estudo no âmbito do Direito das Comunicações.

[23] Segundo Márcio Aranha, as discussões no Brasil sobre a neutralidade da rede limitaram-se ao debate sobre a autorização de contratos de priorização de tráfego na Internet. In Direito das Telecomunicações. Histórico normativo e conceitos fundamentais. 3, 2015, p. 175.

[24] Sobre o tema, Machado Jónatas. Liberdade de expressão: Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.  Coimbra: Coimbra Editora, 2002. O autor aborda o tema da liberdade de expressão e a internet, bem como as restrições possíveis, bem como as técnicas que podem ser utilizadas para a harmonização dos diferentes direitos em conflito, por exemplo: liberdade de expressão e a proteção da infância e juventude e direitos de personalidade. E, também, o regime de responsabilidade dos provedores de acesso, bem como de responsabilidade dos fornecedores de conteúdo.  O Marco Civil da Internet, na forma da Lei n. 12.965/2014, aborda o regime de responsabilidade dos provedores de acesso (isenção de responsabilidade pelos conteúdos, e o regime de responsabilidade dos provedores de conteúdos).

[25] Para entendimento dos elementos da internet previstos na Lei do Marco Civil da Internet, transmissão, comutação e roteamento são termos que provém do âmbito da computação. A evolução tecnológica é que permitiu a comunicação na rede mundial de computadores.

Segundo Walter Isaacson: “ Um método mais eficiente é a comutação de pacote, na qual as mensagens são reduzidas a unidades pequenas, do mesmo tamanho, chamadas pacotes, que recebem cabeçalho com endereço descrevendo para onde devem ir. Esses pacotes são enviados pela rede para seu destino, retransmitidos de nodo a nodo, usando as conexões mais disponíveis naquele instante. Se as conexões começam a ficar entupidas, com excessos de dados, alguns pacotes são roteados para caminhados alternativos”. Ver: Os inovadores. Uma biografia da revolução digital. São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 252. O roteamento tem a função de estabelecer o direcionamento do tráfego dos pacotes de dados, da rede mundial de computadores. Em síntese, a rede mundial de computadores é uma rede de dados de pacotes comutados entre milhões de usuários espalhados em diversos pontos geográficos do planeta. A título ilustrativo, os roteadores IP da empresa Alcatel-Lucent prometem quadruplicar o tráfego de dados e vídeos nas redes. O produto tem a função de aumentar o ganho de eficiência da comunicação entre datacenters, por intermédio do roteamento do IP. Ver: www.convergenciadigital.uol.com.br, acesso em 23.02.2015.

A título de curiosidade para quem quiser aprofundar o tema das inovações tecnológicas e o surgimento da computação, especificamente sobre a formação da internet e constituição da rede de pacotes de dados, com o desenvolvimento das funções de comutação e roteamento, veja: ISAACSON, Walter. Os inovadores. Uma biografia da revolução digital.  São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

[26] Sobre o assunto, HOBAIKA, Marcelo Bechara de Souza e BORGES, Luana Chystyna Carneiro. Responsabilidade jurídica pela transmissão, comutação ou roteamento e dever de igualdade relativo a pacote de dados. In Marco Civil da Internet (George Salomão Leite, Ronaldo Lemos, coordenadores, São Paulo: Atlas, 2014, p. 651.

Também, segundo Pedro Henrique Soares Ramos: “… a neutralidade da rede é um princípio de arquitetura de rede que endereça aos provedores de acesso o dever de tratar os pacotes de dados que trafegam em suas redes de forma isonômica, não os discriminando em razão de sua conteúdo ou origem”. In Neutralidade da Rede e o Marco Civil da Internet: um guia para interpretação. In Marco Civil da Internet (George Salomão Leite, Ronaldo Lemos, coordenadores, São Paulo: Atlas, 2014, p. 165. Segundo ainda Márcio Aranha sobre o histórico do debate brasileiro sobre a interpretação do princípio da neutralidade da internet limitou-se ao controle dos eventuais abusos dos contratos de priorização de tráfego entre as empresas de proprietárias de infraestrutura de banda larga e as demais empresas de aplicações de internet. Ver: Direito das comunicações: histórico normativo e conceitos fundamentais, 3 edição, 2015, London: Laccademia Publishing, 2015, p. 175-176.

[27] Exemplos constantes do Relatório Final do Projeto de Lei da Internet, aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados, citado por MELCHIOR, Silvia Regina. Neutralidade no direito brasileiro. In Marco civil internet: lei n. 12.965/2014. São Paulo: Thomson Reuters, Revista dos Tribunais, p. 133.

[28] Ponto de conexão entre o domicílio do usuário final do serviço de acesso à internet e a rede de infraestrutura de telecomunicações.

[29] Ver WIMMER, Miriam. Seminário Marco Civil da Internet: neutralidade e Proteção de Dados Pessoais, 17.03.2015.  Sobre as questões subjacentes à neutralidade da rede (tarifa zero para os serviços de acesso à internet e a autorização da cobrança de preços diferenciados conforme pacote de serviços), ver SCORSIM, Ericson Meister. Marco Civil da Internet: análise do regime jurídico dos serviços de acesso e aplicações de internet: direitos e deveres dos provedores, artigo inédito.

[30] A Competência da Anatel decorre dos artigos 61, § 2º, da Lei Geral de Telecomunicações.

A título ilustrativo, no exercício de sua competência para garantir o acesso às redes de telecomunicações, a Anatel atuou mediante a repressão de condutas anticompetitivas como é o caso da degradação do tráfego do VoiP ou de SMS de banda larga.

Diversamente, é o de entendimento de Floriano de Azevedo Marques Neto e Milene Louise Renée Coscione:

“Destaque-se que a competência regulatória da Anatel está adstrita aos serviços de telecomunicações e, portanto, a Agência não regula os serviços de valor adicionado. É dizer, em outras palavras, que a Anatel não regula o provimento de acesso à internet aos consumidores e não regula o conteúdo multimídia”. Cf. Telecomunicações. Doutrina, jurisprudência, legislação, e regulação setorial. (Coleção Direito Econômico, Coordenador Fernando Herren Aguilar, São Paulo: Ed. Saraiva, p. 50.

[31] Vide nota n. 17, página 7.

[32] O Decreto Nacional da Banda Larga formulou diretriz para Anatel atuar na ampliação da oferta de serviço de conexão à internet em banda larga na instalação de infraestrutura de telecomunicações. Este decreto dispôs que a Anatel deve observar as políticas públicas estabelecidas pelo Ministério das Comunicações sobre internet banda larga.

[33] Cf. Art. 9º, §1º, da Lei n. 12.965/2014. Até o momento da conclusão deste artigo, o Decreto de regulamentação do princípio da neutralidade da internet não havia sido ainda publicado.

[34] Sobre o assunto da garantia do acesso às redes de telecomunicações, especialmente da garantia de acesso pela Anatel ao acesso das OTTs às redes de telecomunicações, com fundamento no art. 61, 2, bem como no art. 19, XIX, da Lei Geral de Telecomunicações, ver: BECHARA, Marcelo. O Marco Civil da Internet e o setor de telecomunicações. Artigo publicado no livro: O Marco Civil da Internet – Análise Jurídica sob uma Perspectiva Empresarial, abril de 2015.

[35] Sobre o tema, Bechara, Marcelo e Luana Borges. O Marco Civil da Internet e o setor de telecomunicações. Artigo publicado no livro: O Marco Civil da Internet – Análise Jurídica sob uma Perspectiva Empresarial, abril de 2015.

[36] A internet é um tema complexo e de natureza internacional, pois afeta diversos países, inclusive a afeta a soberania nacional. Por exemplo, o modelo regulatório da internet afeta o comércio mundial eletrônico de bens e serviços. A internet enseja discussões sobre a aplicação e a jurisdição das leis nacionais. Daí o enquadramento do tema como de governança mundial. Daí também porque alguns defendem a incompetência das agências reguladoras para regular a internet.

[37] Ver Regulamento de Gestão da Qualidade do Serviço de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução n. 574/2011 da Anatel, e Regulamento de Gestão da Qualidade do Serviço Móvel Pessoal, aprovado pela Resolução n. 575/2011 da Anatel.

[38] Cf. art. 5º, inc. V, da Lei n. 12.965/2014.

[39] Cf. art. 5º, inc. VII, da Lei n. 12.965/2014.

 

Artigo publicado na Revista de Direito Administrativo Contemporâneo: São Paulo, ReDAC, v. 3, n. 21, p. 201-220, nov./dez. 2015