Ericson Meister Scorsim
Sumário: 1.1 Apresentação – 1.2 Concepção clássica do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público privativo do Estado – 1.2.1 Marco Legislativo (Lei nº 4.117/62) – 1.2.2 Enfoque doutrinário – 1.2.3 Jurisprudência: julgados do STF, STJ e TSE – 1.2.3.1 Supremo Tribunal Federal – 1.3 Relativização da aplicação do conceito de serviço público ao serviço de televisão e seus novos contornos – 1.3.1 Expressões “atividade econômica” e “serviço público” no texto constitucional – 1.3.2 Princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão: serviço de televisão por radiodifusão como uma atividade compartilhada entre Estado, sociedade e mercado – 1.3.3 Serviço público privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal) – 1.3.3.1 Panorama geral – 1.3.3.2 A comunicação institucional como um dos fundamentos dos setores estatais de radiodifusão: federal, estadual e municipal – 1.3.3.3 Princípios e objetivos do sistema de radiodifusão estatal nos termos da Lei nº 11.652/2008 – 1.3.3.4 Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – 1.3.3.5 As televisões educativas: o tradicional enquadramento no sistema de radiodifusão estatal – 1.3.3.5.1 Âmbito federal: a abertura ao modelo das organizações sociais – 1.3.3.5.2 Âmbito estadual: os casos do Rio Grande do Sul e São Paulo – 1.3.3.6 Âmbito municipal – 1.3.4 Proposições – 1.3.4.1 Operacionalização do sistema de radiodifusão estatal – 1.3.4.2 Parâmetros para a conceituação da televisão estatal – 1.3.4.3 Enquadramentos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) no setor estatal – 1.3.4.4 Necessária desvinculação das televisões educativas no sistema estatal – 1.3.4.5 Gestão associada dos serviços públicos de comunicação institucional mediante a TV por radiodifusão – 1.3.5 Serviço público não privativo do Estado (sistema de radiodifusão público) – 1.3.5.1 Caracterização – 1.3.5.2 Televisões comunitárias – 1.3.5.3 Proposições – 1.3.5.3.1 Medidas de operacionalização e articulação do sistema de radiodifusão público – 1.3.5.3.2 Conceito de televisão pública – 1.3.5.3.3 Revisão do conceito de televisão educativa – 1.3.5.3.4 Compreensão de televisão comunitária – 1.3.5.3.5 Forma jurídica das entidades sociais: alguns critérios essenciais – 1.3.5.3.6 Financiamento das televisões públicas: educativas e comunitárias – 1.3.6 Atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado) – 1.3.6.1 Liberdade de radiodifusão – 1.3.6.2 Aplicação do regime de mercado ao serviço de televisão por radiodifusão: fundamentos e a necessária regulação estatal – 1.3.6.3 Disciplina da propriedade privada – 1.3.6.4 Participação estrangeira na mídia – 1.3.6.5 Proposições – 1.4 Regime jurídico dos serviços de televisão – 1.4.1 Regimes público e privado – 1.4.2 Reflexão sobre a utilização da concessão de serviço público ao sistema de radiodifusão privado – 1.4.3 Aplicação da autorização administrativa no sistema de radiodifusão privado – 1.4.4 Extensão dos princípios da produção e programação da radiodifusão à TV por assinatura e aos demais serviços de televisão – 1.4.5 Concretização da exigência de meios legais em defesa da pessoa e da família diante da programação de televisão ( arts. 220, §1º, e 221, incisos I a IV, CF) – 1.5.6 Atribuição da competência regulatória sobre os serviços de televisão por radiodifusão à Anatel – 1.5 Reflexos do Sistema Brasileiro de Televisão Digital sobre o regime jurídico dos serviços de televisão por radiodifusão – 1.5.1 Ausência de previsão normativa do conceito de serviço de televisão por radiodifusão digital – 1.5.2 Definição do objeto do ato de outorga: a questão dos serviços de televisão digital de alta definição e/ou de definição padrão – 1.5.3 Instituição do operador da rede de difusão: a distinção entre as atividades de transporte de sinais e de programação audiovisual – 1.5.4 Direitos dos consumidores
1.1 Apresentação
O primeiro capítulo versou sobre o conceito de televisão por radiodifusão, comparando-o e diferenciando-o diante dos demais serviços de televisão (TV por assinatura) e de telecomunicações. A partir da delimitação conceitual do serviço de televisão por radiodifusão é imprescindível estabelecer o seu regime jurídico, o que será feito mais à frente.
A compreensão da noção de serviço público está atrelada à evolução histórica do Estado, sendo que este é um sistema regulador na sociedade (e não da sociedade)[1], razão pela qual ele cumpre um papel essencial quanto à sua respectiva disciplina e organização em favor da realização dos direitos fundamentais. Estes, em vez de serem garantidos pelo aparelho estatal, podem ser ameaçados por ele, como também pelos próprios meios de comunicação. Daí a necessária função do ordenamento jurídico de proteger os referidos direitos fundamentais[2].
Aqui não se descarta o provimento estatal de serviços públicos. Contudo, tal tarefa há de ser devidamente delimitada. Tal atividade deve conviver ao lado das funções de regulação e de fomento ás iniciativas privada e social na comunicação por radiodifusão. Nesse sentido, o Estado regulador atua diante dos serviços públicos e das atividades econômicas em sentido estrito.
A categoria serviço público no âmbito doutrinário é construída com base em três critérios: o subjetivo, o objetivo e o formal[3]. Partindo-se desse enfoque será apresentada a releitura da interpretação clássica que qualifica o serviço de televisão por radiodifusão como uma modalidade de serviço público privativo do Estado, cuja prestação pode ser direta, pela União, ou indireta, mediante concessão, permissão ou autorização[4]. É necessária a relativização deste conceito tradicional de serviço público, para adaptá-lo à evolução histórico-social e tecnológica, mostrando os seus respectivos contornos perante os serviços de televisão, especialmente diante da Constituição.
O livro propõe um novo modelo de serviço de televisão por radiodifusão, orientando pelo principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, previsto no art. 223 da Constituição Federal, que dispõe o seguinte:
Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. (grifo nosso)
Sustenta-se que o serviço de televisão é uma atividade compartilhada entre o Estado, a sociedade e o mercado. Não deve ocorrer a qualificação, em caráter exclusivo, do serviço de televisão como uma das modalidades de serviço público privativo do Estado. Ao contrário, defende-se a possibilidade de delimitação do âmbito de aplicação do conceito de televisão, da seguinte maneira: serviço público privativo do Estado, serviço público não privativo, atividade econômica em sentido estrito e o exercício, de modo direto, dos direitos fundamentais pelos próprios cidadãos. Portanto, em vez de um olhar singular sobre tema, apresenta-se uma visão plural a respeito da organização dos serviços de televisão por radiodifusão[5].
Nesse sentido, inexiste uma única modalidade de serviço de televisão, mas diversas espécies submetidas a vários regimes jurídicos que se manifestam diferencialmente nos sistemas privado, público e estatal. Em outras palavras, a técnica de serviço público é uma das modalidades de organização do setor televisivo, contudo, ela não é a única alternativa autorizada pela Constituição para a regulação de todos os três sistemas de radiodifusão. Há, ainda, a possibilidade de sua aplicação no caso do sistema de radiodifusão estatal. E, também, é admissível o afastamento da noção de serviço público em relação ao sistema de radiodifusão privado, classificando o serviço de televisão como uma atividade econômica em sentido estrito[6].
Faz-se necessária a flexibilização do regime jurídico então utilizado ao serviço de televisão por radiodifusão, para permitir, por via de revisão do marco regulatório[7], a coexistência dos regimes público e privado. Vale dizer, a doutrina clássica promoveu a generalização da ideia de “reserva de estabilidade” no campo da radiodifusão[8]. Em função disso, o propósito deste trabalho é o de defender a relativização da aplicação do conceito de serviço público de televisão, a partir de sua incidência em relação aos três sistemas de radiodifusão, delimitando-se aos seus contornos.
A seguir será apresentado o entendimento clássico a respeito da classificação do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público privativo do Estado.
1.2 Concepção clássica do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público privativo do Estado
1.2.1 Marco legislativo (Lei nº 4.117/62)
A Lei nº 4.117/62, ao tratar da classificação dos serviços de telecomunicações quanto aos seus fins, dispõe o seguinte:
Art. 6º. Quanto aos fins a que se destinam, as telecomunicações assim se classificam:
a) Serviço público, destinado ao uso do público em geral;
b) Serviço público restrito, facultado ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço público de telecomunicações;
c) Serviço limitado, executado por estações não abertas à correspondência pública e destinado ao uso de pessoas físicas ou jurídicas nacionais. Constituem serviço limitado entre outros: 1) o de segurança, regularidade, orientação e administração dos transportes em geral; 2) o de múltiplos destinos; 3) o serviço rural; 4) o serviço privado;
d) Serviço de radiodifusão, destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo a radiodifusão sonora e televisão;
e) Serviço de rádio-amador […];
f) Serviço especial, relativo a determinados serviços de interesse geral, não abertos à correspondência pública […][9] (grifos nossos)
Como se observa, a legislação distingue entre os serviços públicos e os serviços de radiodifusão. Aliás, em várias ocasiões ela emprega as expressões “serviços públicos de telecomunicações” (art. 29, letra “e”), serviços públicos de telégrafos, de telefones interestaduais e de radiocomunicação (art. 10, I, letra “b”) e “serviços de radiodifusão”, não havendo a utilização do termo “serviço público de radiodifusão”.
O serviço de televisão é uma modalidade de serviço de radiodifusão de competência da União, “destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral”, podendo ser executado diretamente por ela ou, indiretamente, por outros entes estatais ou empresas privadas, mediante concessão, permissão ou autorização.
O modelo brasileiro de TV por radiodifusão prevê as seguintes espécies de serviços de televisão por radiodifusão: televisões comerciais com fins lucrativos (integradas pelos serviços de radiodifusão de sons e de imagens e retransmissão e repetição de televisão) e as televisões educativas sem fins lucrativos (integradas pelos serviços de radiodifusão de sons e de imagens e de retransmissão de sinais de televisão)[10].
A seguir serão apresentadas algumas reflexões relacionadas ao entendimento tradicional sobre a qualificação do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público.
1.2.2 Enfoque doutrinário
O ponto de partida da análise reside na consideração do aspecto subjetivo do serviço público de televisão por radiodifusão, isto é, a questão em torno da titularidade[11] sobre a atividade de transmissão e de programação de televisão por ondas hertzianas[12].
Em regra, na visão clássica, o serviço público está associado à titularidade estatal, ou seja, à competência do Estado relativa à organização, à gestão e ao controle de um serviço público[13]. Nesse caso, a iniciativa privada até pode executar o serviço público, desde que em regime de concessão, permissão ou autorização. O poder público não é obrigado a delegar o serviço público à iniciativa privada; o ato de delegação, em princípio, é discricionário[14]. Como explica Celso Antônio Bandeira de Mello: “Não se deve confundir a titularidade da prestação do serviço. Uma e outra são realidades jurídicas visceralmente distintas” [15].
Há relativa discricionariedade legislativa quanto à criação de novos serviços públicos, ainda que não previstos pela Constituição, todavia, esta tarefa encontra-se vinculada aos parâmetros constitucionais, sob pena de violação ao princípio da livre iniciativa e ao princípio da subsidiariedade da ação estatal[16].
Segundo Celso Antônio de Mello:
[…] são elas (as emissoras de radiodifusão de sons e imagens e não as operadoras de serviços de televisão por assinatura) as colhidas por um regime que, de direito, as encaixa em um quadro típico de serviço público, por força do qual o Estado brasileiro dispõe de base normativa para enquadrá-las devidamente nada mais requerendo senão a vontade política de fazê-lo[17].
Umas das consequências direta da qualificação da atividade como serviço público é a seguinte: “Quando se afirma tratar-se de serviço público deve ficar claro que o Estado jamais pode dele se desligar, ficando a seu cargo, eternamente, a tarefa de fiscalizar o seu satisfatório cumprimento.”[18] Outro reflexo é apontado por Marçal Justen Filho: “Daí decorre que o serviço público, por ser de titularidade pública, será prestado nas condições estabelecidas pelo ente político que for seu titular”.[19]
Há os seguintes modos de gestão: estatal (aquela efetuada por organizações de direito público que integram a administração pública – exemplos: órgãos administrativos ou autarquias) e privada (aquela efetuada por organizações de direito privado ou organizações privadas do setor público – exemplos: fundações e sociedades comerciais) [20].
Quanto ao aspecto objetivo, o serviço público “é atividade indispensável à consecução da coesão social e sua noção há de ser construída sobre as ideias de coesão e de interdependência social” [21]. Tal ideia aplica-se ao caso dos serviços de televisão por radiodifusão. Entende-se que esta modalidade de televisão serve “às necessidades de toda coletividade – e não de um ínfimo segmento dela que se encontra no ápice da pirâmide social” [22]. Trata-se de um serviço de interesse nacional com finalidade educativa, cultural, informativa e artística [23]. Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, o serviço de televisão por radiodifusão serve à
valorização do que é nacional (representado pelos interesses das empresas brasileiras em face das empresas pertencentes a grupos estrangeiros) e o empenho no desenvolvimento nacional, cuja garantia, aliás, está expressamente referida como um dos objetivos fundamentais da República (art. 3º, II) [24].
Para Eros Roberto Grau, o serviço de televisão serve à promoção da “universalização da identidade sócio-cultural brasileira, a comunicação social viabilizada pelas empresas de radiodifusão sonora e de sons e imagens é, em última instância, instrumental da concreção da soberania nacional” [25].
Quanto ao aspecto formal, aplica-se regime jurídico-administrativo. O Estado, a partir do quadro constitucional, no exercício da competência legislativa (atuação do Parlamento) e da competência regulamentar (Presidente da República e Ministério das Comunicações), é quem define o marco regulatório do setor de televisão por radiodifusão.
Entretanto, o referido regime pode ser derrogado parcialmente por regras de direito privado[26].
A Constituição do Brasil contempla um regime especial para o setor de radiodifusão, integrando-o no capítulo dedicado à comunicação social (arts. 220, §3º, II, §5º, 221, 222, 223 e 224). Em virtude da importância da matéria para a sociedade brasileira e para o Estado Democrático de Direito é que resolveram os constituintes destinar um conjunto de regras e princípios para o setor de radiodifusão. Segundo Eros Grau: “[…] essa atividade é prestada mediante delegação do Poder Público, ademais estando em um regime jurídico especial, demarcado pela própria Constituição” [27].
Em síntese, para o entendimento clássico, como o serviço de televisão por radiodifusão é um serviço público privativo do Estado, então, sua execução por agentes particulares depende de um ato de delegação: a concessão, a permissão ou a autorização. Mais à frente será examinada a necessária flexibilização do regime jurídico no contexto da proposição de um novo modelo de ordenação dos serviços de televisão.
O foco da doutrina brasileira tradicional em torno do estatuto do serviço de televisão por radiodifusão está centralizado na competência privativa da União para legislar sobre o setor de radiodifusão (arts. 22, IV, 48, XII, da CF) e em sua competência administrativa para “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens” (arts. 21, XII, e 49, XII, CF). E mais, o entendimento ampara-se na regra que assegura ao “[…] Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (art.175, CF).
A visão clássica merece revisão, justamente porque se fundamenta exclusivamente na compreensão sobre o serviço de televisão a partir das competências estatais. É importante a interpretação sistemática do texto constitucional que considere todas as normas que afetam a regulação da atividade de televisão por radiodifusão. Não é admissível o entendimento no sentido de que as normas, especialmente, aquela que trata do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão (art. 223, CF) [28].
Pelo contrário, é imprescindível a ponderação das normas que defendem interesses conflitantes, para o fim de dar cumprimento aos objetivos do Estado Democrático, garantindo o desenvolvimento de novas tecnologias, o aparecimento de novos canais de comunicação social e atuação harmônica e equilibrada dos operadores estatais, públicos e privados, na oferta de programação de televisão para os cidadãos brasileiros.
A seguir será analisada a jurisprudência tradicional a respeito do tema, a partir de alguns julgados do STF, do STJ e do TSE, que abordam a questão referente aos serviços públicos, análise importante para a intelecção do novo modelo proposto.
1.2.3 Jurisprudência: julgados do STF, STJ e TSE
1.2.3.1 Supremo Tribunal Federal
Em verdade, existem poucos julgados na jurisprudência brasileira sobre os serviços públicos no âmbito das instâncias especiais; o número é ainda menor em se tratando da classificação do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público.
No STF, pode-se citar, mesmo no contexto anterior à atual Constituição, o voto do Ministro Relator Célio Borja, proferido na Representação nº 1.320-1 – Mato Grosso do Sul, no sentido de qualificar o serviço de radiodifusão como uma das modalidades de serviços públicos privativos da União:
A radiodifusão sonora e a de sons e imagens (televisão) compreendem-se no âmbito das telecomunicações, cuja exploração compete com exclusividade à União (Constituição, art. 8º, XV, “letra a”). Trata-se, portanto, de um serviço público federal, que pode ser executado diretamente ou delegado a empresas privadas[29].
O STF decidiu na ADIN nº 261-8 (Distrito Federal), Rel. Ministro Celso de Mello, em 23 de agosto de 1995, que a noção conceitual de telecomunicações prevista na Lei 4.117/62 foi recepcionada pela Constituição. Nesse sentido, o voto do relator tem o seguinte teor:
Tenho pra mim, presentes essas considerações que a noção conceitual de telecomunicações – não obstante os sensíveis progressos de ordem tecnológica registrados nesse setor constitucionalmente monopolizado pela União Federal – ainda subsiste com o mesmo perfil e idêntico conteúdo, abrangendo, em consequência, todos os processos, formas e sistemas que possibilitam transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons e informações de qualquer natureza. Em uma palavra: o conceito técnico-jurídico de serviços de telecomunicações não se alterou com o advento da nova ordem constitucional[30].
Além disso, a referida decisão faz expressa diferenciação entre a noção de serviço público e a de serviço de radiodifusão, presente na Lei nº 4.117/62. Eis parte do voto:
A Lei nº 4.117/62, como visto, ao mencionar os serviços de telecomunicações, classificou-os – quanto aos fins a que se destina – em serviços público, serviço público restrito, serviço limitado, serviço de radiodifusão, serviço de radioamadores e serviço especial, Vê-se, daí, que a classificação legal dos serviços de telecomunicações claramente distinguiu e destacou, do serviço público, o serviço limitado, conceituando este último como aquele “executado por estações não abertas à correspondência pública e destinado ao uso de pessoas físicas ou jurídicas nacionais […]” (art. 6º, c).
O STF esclarece, ainda na mesma ADIN nº 561-8, que a “reserva de estatalidade” atinge tão-somente os serviços públicos de telecomunicações. Eis a fundamentação da decisão:
É por essa razão que a nossa melhor doutrina – Caio Tácito, Miguel Reale, Ives Gandra da Silva Martins e Manoel Gonçalves Ferreira Filho – , ao sustentar, a uma só voz, que a Lei nº 4.117/62 e os atos que a regulamentaram foram recebidos pela nova Constituição, com a qual guardam a necessária relação de compatibilidade material e formal (e com o que subsistem vigentes as próprias formulações conceituais que enunciam e contêm), também acentua, especialmente em face do que prescreve o art. 6º do Código Brasileiro de Telecomunicações, e tendo presente a reserva de estatalidade fixada pelo art. 21, XI, da Carta Federal, que, para esse específico efeito, serviço público de telecomunicações não abrange senão aquele que é destinado ao uso das pessoas em geral, excluídos, portanto, de sua disciplina restritiva, os serviços limitados, cuja natureza periférica os remete ao tratamento jurídico mais aberto, consagrado pelo art. 21, inciso XII,a, da Carta da República[31].
Daí a conclusão do relator no sentido de limitar a “reserva de estatalidade” tão-somente aos serviços públicos de telecomunicações, da seguinte forma:
Foi por essas razões que o Presidente da República – tendo presente a reserva de estatalidade proclamada exclusivamente para a hipótese contemplada no art. 21, XI, da Constituição, e objetivando implementar, mesmo em se tratando de exploração de serviços públicos de telecomunicações, a possibilidade de intervenção de empresas meramente privadas – formalizou, perante o Congresso Nacional, mas sem qualquer reflexo sobre o tratamento normativo mais favorável dispensado aos serviços limitados de estatalidade nos domínios da ordem econômica – quer porque não se integram ou vinculam à pessoa política da União, quer porque não se subsumem à noção doutrinária de duplo do Estado – apenas incide na hipótese única, de radical singularidade, pertinente à exploração dos serviços públicos de telecomunicações, tais como definidos na Lei nº 4.117/62 (art. 6º, a) e referidos no preceito inscrito no art. 21, XI, do texto constitucional.
Esta decisão será importante quando do exame crítico da qualificação tradicional do serviço de televisão por radiodifusão como um serviço público privativo do Estado, conforme exposição mais à frente. Isto porque o STF destacou que a “reserva de estatalidade” está assegurada pela Constituição tão-somente aos serviços públicos de telecomunicações e não aos serviços de radiodifusão. Ainda mais, “a reserva de estatalidade” no campo da radiodifusão é afastada em função do principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, razão pela qual o presente trabalho propõe uma nova visão sobre o modo de disciplina dos serviços de televisão por radiodifusão.
1.2.3.2 Superior Tribunal de Justiça
No julgamento do Mandado de Segurança nº 5.307/DF, o STJ decidiu que os serviço das denominadas “televisões educativas” são serviços públicos. Eis parte de sua decisão, expressa por sua ementa:
Os serviços de radiodifusão sonora de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações constituem, por definição constitucional, serviços públicos a serem explorados diretamente ou pela União ou mediante concessão ou permissão, cabendo à lei dispor sobre a licitação, o regime das empresas concessionárias e permissionárias e o caráter especial do respectivo contrato (art. 175, parágrafo único, I, da C. Federal).
[…]
As TVs educativas, cujos serviços que exercem são regidos por normas de direito público e sob regime jurídico específico, não desenvolvem atividades econômicas sob regime empresarial e o predomínio da livre iniciativa e da livre concorrência e não estão jungidas ao sistema peculiar ás empresas privadas, que é essencialmente lucrativa. Não se inclui no conceito de atividade econômica, ainda que potencialmente lucrativa (v.g. serviços de radiodifusão sonora), mas, se sujeita a uma disciplina cujo objetivo é realizar o interesse público[32].
1.2.3.3 Tribunal Superior Eleitoral
Além disso, no âmbito do TSE, o atual Ministro do STF Sepúlveda Pertence, na qualidade de Procurador-Geral Eleitoral, manifestou-se mediante parecer no sentido da qualificação dos serviços de televisão como serviços públicos privativos do Estado. O entendimento assim se expressa:
É que as telecomunicações – inclusive a radiodifusão, que compreende a televisão (art. 32, C. Br. Telec.) – constituem, no Brasil como no mundo todo, um serviço público. Não o descaracteriza a admissão, entre nós, da sua exploração privada, que se faz “mediante autorização ou concessão” federal (art. 8º, XV, a, CF). Concessionárias, as emissoras de radiodifusão – ao contrário das empresas jornalísticas – ainda, na área da divulgação noticiosa, não exercem atividade privada, de liberdade garantida, mas sim, ainda que mediante delegação, uma atividade estatal, dado que erigida em serviço público, por disposição constitucional explícita. Cuidando-se de um serviço público, parece indisputável possa a União restringir a liberdade de informação do concessionário, tanto mais quanto a restrição se oriente no sentido de garantir valor constitucional eminente, qual a preservação do regime democrático contra o abuso do poder econômico, tanto mais de reprimir, quanto seja praticado no exercício de atividade estatal delegada[33].
Uma vez apresentada a compreensão tradicional, nos âmbitos da legislação, doutrina e jurisprudência, cumpre demonstrar a proposição de um novo modelo de televisão, com a relativização da aplicação do conceito de serviço público ao setor de televisão e, consequentemente, mostrar os novos contornos para a categoria.
1.3 Relativização da aplicação do conceito de serviço público ao serviço de televisão e seus novos contornos
1.3.1 Expressões “atividade econômica” e “serviço público” no texto constitucional
Uma parte da doutrina entende que o serviço público é uma modalidade de atividade econômica, sendo esta um gênero que contempla também a atividade econômica em sentido estrito. Não há, é importante destacar, uma oposição absoluta entre os dois fenômenos, pelo contrário, ambos possuem natureza comum[34].
Tal diferenciação parte das expressões constantes do texto da Constituição do Brasil.
De um lado, a Constituição dispõe que “incumbe ao poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (art. 175, grifo nosso).
De outro, a Carta preceitua: “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei” (art. 173, grifo nosso). E mais, a Constituição define as hipóteses excepcionais de monopólio estatal sobre a atividade econômica em sentido estrito (art. 177).
Além disso, há o dispositivo que prevê o seguinte: “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei” (art. 170, parágrafo único).
Por sua vez, a expressão “serviço público” é encontrada na parte referente à disciplina da administração pública (art. 37, § 3º, I), ao sistema tributário (art. 145, II) e à saúde (art. 198) e no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (art. 2º, §1º – “meios de comunicação de massa cessionários de serviço público” – e art. 66 – “serviços públicos de telecomunicações”). E, ainda, a Constituição, quando trata da saúde, refere-se ao termo “serviços de relevância pública” (art. 197).
Para além do sentido jurídico da expressão “serviço público” referida na Carta Constitucional, cuida apontar que o termo “serviço” é proveniente da ciência econômica[35] e designa uma atividade de produção e de prestação de utilidades para os consumidores. Já a palavra “público”, ora representa os destinatários dessas respectivas prestações efetuadas por pessoas que desempenham as atividades econômicas, ora representa a figura do Estado responsável pelo cumprimento do serviço.
A junção desses dois elementos para formar a expressão “serviço público” assume uma significação particular no campo jurídico, eis que implica na adoção de um regime especial para os serviços de televisão por radiodifusão. Em verdade, quando a Constituição refere-se às expressões televisão (arts. 220, § 3º, II, 221) e radiodifusão (arts. 222 e 223), em nenhum momento, há a associação com o termo “serviço público”. Nem mesmo no texto da Lei nº 4.117/62 há essa conexão direta entre os dois termos, pois em nenhuma parte ela emprega o vocábulo “serviço público de radiodifusão” ou “serviço público de televisão”.
A doutrina e a jurisprudência brasileira tradicionais promovem a classificação do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público privativo do Estado, por entenderem que a norma contida no art. 21, XX, letra “a”, da Constituição estabelece a reserva de titularidade dos serviços públicos ao Estado.
Com o devido respeito à referida posição, sustenta-se que não deve ocorrer a reserva absoluta de todas as modalidades de serviços de televisão em titularidade da União.
Em virtude disso, a seguir será demonstrado que os serviços de televisão não configuram uma atividade exclusiva do Estado, o que se faz a partir do desenvolvimento do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal.
1.3.2 Princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão: serviço de televisão por radiodifusão como uma atividade compartilhada entre Estado, sociedade e mercado
O princípio[36] da complementaridade dos sistemas de radiodifusão (privado, público e estatal), contido no art. 223 da Constituição, exige um novo modelo de disciplina dos serviços de televisão para além do paradigma clássico voltado unicamente ao serviço público de televisão por radiodifusão, associado à reserva da atividade em favor do Estado[37].
O novo modelo, que ora se defende, considera que os serviços de televisão devem ser classificados como: (i) serviço público privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal); (ii) serviço público não privativo (sistema de radiodifusão público); e (iii) atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado).
A Constituição impõe a complementaridade entre os setores de televisão por radiodifusão privado, público e estatal, o que, evidentemente, implica harmonia e colaboração entre as estruturas de comunicação social. Em outras palavras, garante-se o equilíbrio apropriado entre os campos de comunicação social com funções diferenciadas, porém, complementares, haja vista as diferenças de fundamentos, evitando-se, assim, distorções arbitrárias no processo de comunicação social[38].
Trata-se de uma manifestação particular do princípio do pluralismo no campo da comunicação social por meio da radiodifusão em prol da estruturação policêntrica do sistema de radiodifusão, isto é, em favor da diversidade das fontes de informação e da multiplicidade de conteúdos audiovisuais para a sociedade brasileira. Vale dizer, a interpretação da referida norma constitucional deve ser feita com base no princípio do pluralismo nos seus âmbitos quantitativo (pluralidade de estruturas organizacionais comunicativas) e qualitativo (pluralidade de conteúdo audiovisual diverso). Assim deve ser porque tal norma tem por função a oferta equilibrada de programas de televisão nos setores privado, público e estatal, cabendo ao Estado a adoção de normas e procedimentos para cumprir tal tarefa, que logo a seguir serão expostos[39].
A organização dos sistemas de televisão por radiodifusão há de ser feita pelo Estado, no exercício de sua função regulatória (art. 174), conforme os objetivos da regulação[40]. Há, aqui, uma forte conexão entre o princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão e o conceito de regulação[41]. A ideia de complementaridade representa a negação de uma relação de hierarquia entre os sistemas de radiodifusão; e, por consequência, requer a funcionalidade integrada dentro do sistema de comunicação social.
O princípio da complementaridade exige, ainda, a fixação de critérios de facilitação do acesso prioritário às frequências do espaço eletromagnético pelo setor público e pelo setor estatal. Isto porque, em face da hegemonia da radiodifusão privada em nosso País, há o dever de que as frequências disponíveis para uso de canais de televisão sejam, preferencialmente, outorgadas aos setores estatal e público (aqueles responsáveis pela prestação de serviços públicos privativos e não privativos do Estado), pois em relação aos mesmos existem maiores exigências em favor dos interesses públicos e das obrigações constitucionais. Trata-se de uma medida de correção das oportunidades comunicativas no interior da comunicação social, sendo que a própria noção de regulação é que ampara tal medida de planejamento administrativo quanto à gestão do espaço radioelétrico, voltada ao equilíbrio entre os sistemas[42].
Enfim, a atribuição prioritária de frequências justifica-se em razão da prestação do serviço público. Este, é importante destacar, não se limita à correção das falhas estruturais e/ou conjunturais do sistema de radiodifusão privado (mercado de televisão). A sua função consiste em atuar mesmo quando o sistema comercial, hipoteticamente, funciona bem. Vale dizer, a existência do regime de serviço público de televisão não está atrelada ás falhas do mercado (um paradigma liberal); ao contrário, sua causa originária encontra-se em razões que o transcendem, alcançando bens não-econômicos que necessitam de difusão perante o público em geral, daí a exigência do desempenho da função estatal de distribuição dos bens, por exemplo, culturais.
Os serviços públicos consistem em importante mecanismo de garantia dos direitos fundamentais[43]. Alerte-se, contudo, que não se trata do único meio de satisfação dos mesmos. Nesse sentido, o serviço público de televisão é uma das formas de realização dos direitos à liberdade de expressão, liberdade artística, informação (inclusive informação jornalística), culturais, à educação e à comunicação social, entre outros[44].
No sistema de radiodifusão estatal, há maior espaço para a realização do direito dos cidadãos à informação de caráter institucional e, ao mesmo tempo, de cumprimento do dever do Estado em termos de comunicação institucional. Isto implica na possibilidade de criação e manutenção de canais de televisão para atendimento da referida obrigação.
Já o sistema de radiodifusão público possibilita a concretização dos direitos à educação e à cultura, por intermédio das televisões educativas, e especialmente, no caso das televisões comunitárias, o exercício direto pelos cidadãos das liberdades de expressão e de comunicação social. Vale dizer, o sistema público é o âmbito, por excelência, para a realização dos direitos sociais relacionados à educação e à cultura.
Por sua vez, no sistema privado há maior autonomia privada das emissoras de televisão quanto à execução dos aludidos direitos em função de sua liberdade de radiodifusão e, consequentemente, sua liberdade de programação. Os princípios constitucionais catalogados no art. 221 da CF, relacionados à produção e à programação das emissoras de rádio e televisão consistem em manifestação especial dos direitos fundamentais à liberdade de expressão artística, à educação, à cultura e à informação jornalística, livre iniciativa e dignidade da pessoa humana, o que será visto mais à frente em item específico[45].
O eixo da estruturação dos três sistemas de radiodifusão consiste na liberdade de comunicação. Esta manifesta-se, de modo especial, no campo da comunicação social (arts. 220 a 224, da CF), no entanto, não se confunde com a liberdade de comunicação pessoal ou de âmbito coletivo (art. 5º, IX, CF). Com efeito, é sintomático que o princípio da complementaridade esteja contemplado no capítulo constitucional dedicado à Comunicação Social. Portanto, em virtude disso, os “sistemas de comunicação de massa” atuam como mecanismos de realização das liberdades comunicativas asseguradas aos cidadãos e à sociedade. Tais liberdades servem tanto à autodeterminação individual quanto à autodeterminação democrática do povo brasileiro. Daí a imprescindibilidade da pluralidade das fontes de informação em um País proclamado como Estado Democrático de Direito em garantia da livre formação da opinião pública[46].
A Constituição faz referencia aos serviços de radiodifusão. Isto, porém, não quer significar que todos os serviços de radiodifusão possam ser qualificados como serviço público de radiodifusão. A simples previsão da atividade em determinado artigo constitucional não implica necessariamente em sua classificação como serviço público[47].
A Carta Magna assegura a competência do poder público para organizar e prestar serviços públicos (art. 175) e, de outro lado, confere competências à União, de natureza legislativa (arts. 22, IX, 48, XII) e administrativa (arts. 21, XII, letra “a”, 49, XII).
Nesse contexto, compete à Administração Pública a outorga das concessões, permissões e autorizações para prestação dos serviços de televisão por radiodifusão, sendo que a concessão depende da colaboração do Congresso Nacional (art. 223 e 49, XII, CF). Há um vínculo orgânico entre a noção de serviço público e a administração pública, inafastável mesmo na hipótese de delegação estatal da execução à iniciativa privada[48]. Compete á Administração, ainda, a correta ordenação das frequências radioelétricas, a fim de assegurar o respectivo uso pelos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, sendo que essa tarefa hoje é atribuída à Anatel, nos termos da Lei nº 9.472/97 (art. 157).
Tais normas relativas às competências estatais devem ser interpretadas sob o ângulo do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, contido no art. 223 da CF[49].
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o Estado tem a obrigação de prestar e de conceder o serviço de televisão:
Isto porque o art. 223 determina que, na matéria, seja observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Se esta complementaridade deve ser observada, o Estado não pode se ausentar da atuação direta em tal campo, nem pode deixar de concedê-los, pena de faltar um dos elementos do trinômio constitucionalmente mencionado[50].
O reconhecimento do serviço de televisão por radiodifusão como serviço público privativo do Estado não implica, necessariamente, execução estatal. Se quiser, o Estado pode delega-lo à iniciativa privada. Não há, no entanto, obrigatoriedade de transferência da prestação aos particulares, conforme a Lei nº 4.117/62 (art. 10).
Quanto à participação do poder público em relação às comunicações por televisão, Marçal Justen Filho destaca:
O Estado não pretende (nem nunca pretendeu) assumir direta e imediatamente o desempenho das comunicações televisivas. A atuação estatal brasileira no âmbito dos serviços de televisão é absolutamente secundária. O que se verifica (e muito tenuamente) é uma intervenção regulatória destinada a restringir o poder produzido a partir do controle dos meios de comunicação de massa[51].
O art. 21 da Constituição, ao prever as competências materiais privativas da União, não trata apenas de serviços públicos, pois engloba inclusive atividades econômicas[52]. Há a abertura do texto para que a lei discipline o setor de radiodifusão, dividindo-o adequadamente entre os três sistemas de radiodifusão e, também, estabelecendo as hipóteses de serviços públicos e de atividades provadas de radiodifusão. Alguns serviços de televisão por radiodifusão devem ser qualificados como serviços públicos privativos do Estado, enquanto outros não se sujeitam a essa classificação jurídica[53].
No âmbito do STF, pode-se citar como paradigmático o caso concernente à conclusão no sentido de que a mera referência constitucional a uma determinada atividade não significa a sua qualificação como serviço público. Trata-se do julgamento sobre uma questão envolvendo serviços de transporte aquaviário, disciplinado pelo art. 21, XII, letra “d”, da Constituição Federal. Ao interpretar o referido dispositivo o Ministro Nelson Jobim relatou: “A CF não obriga a União a essa exploração. A norma constitucional é de distribuição de competência federativa. Não é uma regra que crie dever ou obrigação” [54].
E mais, como já demonstrado, o STF decidiu na ADIN nº 561-9 que a Constituição de 1988 assegurou a “reserva de estatalidade” aos serviços públicos de telecomunicações (texto original do art. 21, XI), porém, não em relação aos serviços de radiodifusão. Em razão disso, é que foi editada a Emenda Constitucional nº 08/95 rompendo o monopólio quanto à prestação dos serviços de telecomunicações e distinguindo-o dos serviços de radiodifusão.
Passa-se a discorrer sobre alguns dispositivos da nova Lei Geral de Telecomunicações que são fundamentais para a compreensão do novo modelo de televisão por radiodifusão, que ora se propõe. Trata-se de um paradigma de referência para o presente trabalho, razão pela qual é justificado seu estudo analítico[55].
A nova Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97) superou o modelo clássico de organização do setor na medida em que não se pautou na noção de serviço público de telecomunicações. Pelo contrário, o dispositivo contém o conceito de serviço de telecomunicações (art. 60), para então estabelecer as suas respectivas modalidades conforme os interesses atendidos (serviços de interesse coletivo e serviços de interesse restrito conforme seu art. 62). A lei ainda delega poderes ao poder Executivo para, entre outras disposições, por meio de decreto “instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público, concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado” (art.18).
Além disso, ela prevê que os serviços de telecomunicações podem ser prestados nos regimes público, privado e concomitantemente nos regimes público e privado (art.65, incisos I a III).
O regime público dos serviços de telecomunicações refere-se “àquele prestado mediante concessão ou permissão, com atribuição a sua prestadora de obrigações de universalização e de continuidade” (art. 63, parágrafo único). Tal regime é aplicável aos serviços de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União compromete-se a assegurar (art. 64). Contudo, ele não incide nos serviços de telecomunicações de interesse restrito (art. 67).
O regime privado dos serviços exige a observância dos princípios gerais que regem a atividade econômica (art. 126), sendo que a sua respectiva prestação depende de prévia autorização administrativa, esta um ato vinculado à observância de condições objetivas e subjetivas previstas na lei (art. 131 a 133).
Por sua vez, conforme a mesma lei é possível a coexistência da aplicação dos regimes público e privado aos serviços de telecomunicações (art.65, II), nos âmbitos nacional, regional, local ou em áreas determinadas (art.65, § 2º), desde que assegurada a viabilidade econômica de sua prestação no regime público (art. 66).
Além disso, ela dispõe o seguinte: “As modalidades de serviço serão definidas pela Agência em função de sua finalidade, âmbito de prestação, forma, meio de transmissão, tecnologia empregada ou de outros atributos” (art.69).
Vários dispositivos da Lei nº 9.472/97 foram objeto de questionamento quanto a sua constitucionalidade junto ao STF, por intermédio da Medida Cautelar em ADIN nº 1.668-5. Tal decisão é extremamente útil para o presente trabalho na medida em que foi reconhecida a possibilidade da aplicação dos regimes público e privado aos serviços de telecomunicações, reconhecendo-se a viabilidade jurídica da utilização da autorização enquanto ato administrativo vinculado.
Quanto ao art. 18, inc. I, da lei que prevê a competência do Poder Executivo para tratar, por intermédio de decreto, da modalidade de serviço no regime público, o STF, por maioria de votos entendeu pela constitucionalidade do artigo, eis que não haveria violação à competência legislativa assegurada à União para tratar da matéria (arts. 21, inc. XI, e 48, inc. XII, da CF)[56].
Quanto ao art. 65, III, da mesma lei, que trata da possibilidade de coexistência dos regimes jurídicos público e privado, o então Ministro Nelson Jobim afirmou o seguinte:
[…] não vejo inconstitucionalidade alguma no fato de cada modalidade de serviço estar destinada à prestação exclusivamente no regime público, do regime privado, ou, concomitantemente, a ambos os regimes, sem qualquer exclusão. Agência poderá definir, e, em alguns casos concretos, há o interesse público no sentido de que um serviço possa ser, ao mesmo tempo privado – forma pela qual poderá ser financiado – e aberto ao público[57].
O referido entendimento foi acompanhado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, que lavrou seu voto nos seguintes termos:
Não me parece, à vista da alteração constitucional do inciso XI do art. 21 da Constituição, que haja a impossibilidade essencial de que o serviço, por ser de interesse coletivo, seja prestado em regime público, como está na lei, e, concomitantemente, em regime privado. É esta, má ou boa, a inspiração da revisão constitucional[58].
Quanto ao art. 69 da lei, o Ministro Nelson Jobim manifestou-se no sentido de que a norma não é uma espécie de delegação legislativa. Eis suas palavras:
Não se está criando modalidade nova ou definindo-se juridicamente, mas tecnicamente, tendo em vista o âmbito da prestação, o universo de personagens, “a forma, meio de transmissão, tecnologia empregada ou de outros atributivos”, a definição se aquele tipo de serviço terá de ser prestado no sentido de acesso global ou público, se será possível fechar-se privadamente ou se poderá ser concomitante de ambos[59].
Enfim, os apontados artigos da Lei Geral de Telecomunicações que interessam, para os fins de presente trabalho, foram declarados constitucionais pelo STF, assegurando a validade do novo modelo de organização do setor de telecomunicações, com a coexistência dos regimes público e privado.
Em síntese, a nova Lei Geral de Telecomunicações rompeu com vários dogmas jurídicos em relação à teoria dos serviços públicos. O primeiro, em relação à abertura do setor de telecomunicações à atuação dos agentes econômicos privados e à possibilidade de aplicação do regime de competição. O segundo, referente à não qualificação de todos os serviços de telecomunicações como serviços públicos, com o reconhecimento de serviços de telecomunicações em caráter privado. O terceiro, pertinente à flexibilidade do regime jurídico aplicável às modalidades de serviços de telecomunicações: privado, público e misto, conforme decisão do órgão competente. O quarto, concernente à utilização da concessão para a prestação de serviços no regime público e da autorização no regime privado, esta sendo qualificada como um ato administrativo vinculado[60].
Importante destacar que a entrada em vigor da Lei nº 9.472/97 despertou forte polêmica no cenário brasileiro, especialmente com a utilização da figura da autorização para a prestação de serviços de telecomunicações. De um lado, há aqueles que defendem que os serviços públicos somente podem ser prestados, mediante o regime de concessão e/ou permissão, daí a inadmissibilidade do uso da autorização. De outro, há aqueles que sustentam que a lei não adotou um modelo estatal e monopolista na exploração dos serviços de telecomunicações, razão pela qual podem ser prestados no regime de direito público e/ou no regime de direito privado. A questão específica do uso da autorização no campo dos serviços de radiodifusão será vista mais à frente[61].
Defende-se aqui que o serviço de televisão por radiodifusão deve ser qualificado como um serviço público privativo do Estado em relação ao sistema estatal de radiodifusão, aquele voltado à realização, basicamente, da comunicação institucional, porém não unicamente.
Contudo, no caso do sistema de radiodifusão público, os serviços de televisão são compartilhados, sendo a titularidade comum entre o Estado e as entidades sociais, sem fins lucrativos.
A doutrina tem reconhecido alguns casos de serviços públicos não privativos, como é o caso da saúde e da educação. Segundo Eros Roberto Grau, em sua interpretação originária, trata-se de atividade econômica que tanto pode ser desenvolvida pelo Estado, como serviço público, quanto pelo setor privado. Quando os serviços. Quando os serviços forem prestados pela iniciativa privada, tratar-se-á de atividade econômica em sentido estrito. Por sua vez, quando forem prestados pela União, Estados ou Municípios, então, será a hipótese de serviço público[62].
Posteriormente, o autor reviu seu entendimento para afirmar que a distinção entre os serviços públicos não privativos dos serviços públicos privativos reside no fato de que os “ primeiros podem ser prestados pelo setor privado independentemente de concessão, permissão ou autorização, ao passo que os últimos apenas poderão ser prestados pelo setor privado sob um desses regimes”. Segundo ele, “há, portanto, serviço público mesmo nas hipóteses de prestação dos serviços de educação e saúde, em qualquer hipótese, quer estejam sendo prestados pelo Estado, quer por particulares, configuram serviço público – serviço público não privativo”[63].
Nesse sentido, o serviço público de televisão aproxima-se do regime dos serviços sociais, especialmente aqueles relacionados à educação e à cultura. As atividades educacionais e culturais não são atividades exclusivas de Estado, razão pela qual há a plena abertura à participação da iniciativa privada (em verdade, iniciativa da sociedade), mediante organizações integrantes do terceiro setor.
Por exemplo, a Constituição prevê a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação” (art. 23, V). Contudo, ela não impede a participação da iniciativa privada os campos cultural e educacional.
No que se refere à educação, a Carta Magna especialmente estabelece que “o ensino é livre iniciativa privada, atendida as seguintes condições: cumprimento das normas gerais da educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público” (art. 209, I, II).
Quanto à cultura, a Constituição dispõe a respeito do dever do Estado de garantir o exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, com apoio e incentivo à valorização e a difusão das manifestações culturais (art. 215), estabelecendo que a lei criará o Plano Nacional de Cultura com vistas ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público, para os seguintes fins: defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro: produção, promoção e difusão de bens culturais, formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões, democratização do acesso aos bens de cultura e sua respectiva valorização (art. 215, § 3º, incisos I a IV)[64].
Ademais, prevê que o próprio mercado interno integra o patrimônio nacional[65] e será incentivado para viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico e o bem-estar da população (art. 219).
No presente trabalho, são apresentados as seguintes proposições em relação aos serviços de televisão por radiodifusão: (i) sistema de radiodifusão estatal (serviço público privativo do Estado – serviços de comunicação institucional); (ii) sistema de radiodifusão privado (televisões comerciais – atividade econômica em sentido estrito); e, finalmente, (iii) sistema de radiodifusão público (televisões educativas e televisões comunitárias – serviço público não privativo e atividade voltada ao exercício, demo do direto, de direitos fundamentais).
A assertiva é no sentido de que o serviço de televisão por radiodifusão não deve ser considerado como uma atividade exclusiva do Estado e qualificada unicamente como serviço público privativo. Ao lado dessa modalidade, há ainda, o serviço público não privativo integrante do sistema de radiodifusão público.
Além disso, propõe-se que o sistema de radiodifusão de natureza comercial seja qualificado pelo legislador como uma atividade econômica, a ponto de alcançar o sistema de radiodifusão privado[66]. A publicatio não é passível de generalização a ponto de alcançar o sistema de radiodifusão privado[67].
Isto porque o regime de serviço não corresponde mais à evolução histórico-social. Desde as suas origens, o serviço de televisão por radiodifusão tem sido caracterizado como uma espécie de serviço público. Contudo, tal regime não impediu a prática constante de abusos do poder político e poder econômico, e a configuração de um estado de falta de democratização da mídia, conforme visto no capítulo primeiro. Daí a necessidade de revisão desse histórico paradigma.
As emissoras de televisão comerciais adotam pressupostos de mercado, eis que seu mecanismo de financiamento consiste em receitas derivadas da publicidade comercial. Elas, além do poder econômico, desfrutam de um poder simbólico capaz de afetar significativamente a sociedade.
A mudança de enfoque (substituição do modelo de serviço público pelo de atividade econômica regida pelo regime privado) não é uma mera troca de palavras. Pelo contrário, o objetivo é o de justamente possibilitar o equilíbrio entre o poder do Estado e o poder da mídia, por intermédio do ordenamento jurídico. Se há um mercado, então, deve ser a ele aplicado um regime voltado à eficiência. Mas não só, eis que, para além das preocupações econômicas, existem valores não econômicos que precisam ser tutelados na comunicação social, mediante os serviços de televisão.
Com isso, pretende-se evitar o uso indiscriminado da noção de serviço público a todas as modalidades de serviços de televisão, em detrimento do equilíbrio entre os sistemas de radiodifusão no contexto de uma sociedade plural e comunicativa, adotando-se um regime mais adequado à dinâmica do mercado[68].
A proposta de um novo modelo visa garantir a estruturação policêntrica do sistema de radiodifusão, mediante os três pólos de difusão de conteúdo audiovisual: as televisões comerciais, estatais e públicas. Nesse contexto, para evitar a referida sobrevalorização da “reserva de estatalidade” do setor de radiodifusão, busca-se a compreensão do serviço público, considerando-se o aspecto subjetivo plural, de valorização equilibrada do Estado, da sociedade e do mercado em relação à comunicação social por radiodifusão.
Seguem-se, nos tópicos seguintes, os desdobramentos das referidas propostas.
1.3.3 Serviço público privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal)
1.3.3.1 Panorama geral
A conhecida “televisão pública”, gênero que abrange as “televisões educativas”, tradicionalmente, está vinculada, aos poderes públicos, em regra, à União e aos Estados. Sua forma jurídica é diversificada, conforme seu âmbito, se federal ou estadual (em geral: autarquias e/ou fundações).
Na visão clássica, elas são elementos constitutivos do sistema de radiodifusão estatal, sem a necessária autonomia em relação ao governo. Além disso, o seu paradigma está baseado na centralização de poderes em mãos da União em detrimento das demais instâncias federativas.
A seguir, será delimitado o sistema de radiodifusão estatal em seus diversos âmbitos: federal, estadual e municipal, demonstrando-se a necessária instituição de um novo marco jurídico que assegure o espaço adequado para a transmissão de canais de televisão para a realização da comunicação institucional dos poderes públicos da República Federativa do Brasil.
1.3.3.2 A comunicação institucional como um dos fundamentos dos setores estatais de radiodifusão: federal, estadual e municipal
Umas das finalidades do setor estatal de radiodifusão é a realização da comunicação social de interesse público[69]. Seu fundamento específico encontra-se na regra constitucional que garante a realização da publicidade institucional pela administração pública com a divulgação dos “atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos” com “caráter educativo, informativo ou de orientação social”, em observância do princípio da impessoalidade (art. 37, § 1º)[70].
A comunicação institucional, além de abranger o poder Executivo, alcança o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Trata-se de um dever de Estado, o que inclui, obviamente, os três poderes republicanos[71]. Sustenta-se aqui, caso haja viabilidade técnica e interesse público, que todos os poderes públicos republicanos possam receber a outorga para a prestação de serviço de radiodifusão. Não se admite que a outorga restrinja-se apenas ao poder Executivo, o que implicaria violação ao principio da harmonia e colaboração entre os poderes.
No âmbito federal, há a previsão do sistema de comunicação social da administração pública, o qual a Radiobrás – Empresa Brasileira de Comunicação , pessoa jurídica de direito privado, organizada sob a forma de sociedade por ações, estando vinculada à Presidência da República, cuja diretoria é nomeada pelo Presidente da República (sendo seus integrantes demissíveis ad nutum) e os membros do Conselho de Administração dependem de aprovação prévia do Chefe do poder Executivo, tendo a empresa como um de seus objetivos: “divulgar as realizações do Governo Federal nas áreas econômicas, política e social e difundir para o exterior conhecimento adequado da realidade brasileira, bem como implantar e operar emissoras e explorar serviços de radiodifusão do Governo Federal”, conforme o Decreto nº 26958/99 (arts. 1º e 5º). Entre outras atividades, a Radiobrás também tem por função o gerenciamento de canais de televisão: TV Nacional de Brasília (difusão de notícias sobre a capital federal), TV NBR (transmissão de notícias sobre o poder Executivo Federal) e TV Brasil (divulgação de notícias brasileiras dos três Poderes da República no âmbito internacional) [72].
Com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), houve a modificação na organização do sistema estatal de radiodifusão, ocasionando a extinção da RADIOBRÁS. Com efeito, a EBC tem por finalidade prestar serviços de radiodifusão “pública”, nos termos da Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, e do Decreto nº 6.426, de 24 de outubro de 2007[73].
A Lei nº 11.652/2008 dispõe expressamente que a “EBC sucederá a RADIOBRÁS nos seus direitos e obrigações, e absorverá, mediante sucessão trabalhista, os empregados integrantes do seu quadro de pessoal” [74]. Além disso, o mesmo ato normativo preceitua o seguinte: “As outorgas de serviços de radiodifusão exploradas pela RADIOBRÁS serão transferidas diretamente à EBC, cabendo ao Ministério das Comunicações, em conjunto com a EBC, as providências cabíveis para formalização desta disposição” [75]. Por último, há a previsão no sentido de que: “A RADIOBRÁS será incorporada à EBC após sua regular constituição, nos termos do art. 5º desta Medida Provisória” [76].
O Decreto nº 4.799/2003, ao tratar da comunicação do governo do poder Executivo, aponta os objetivos da comunicação institucional: disseminar informações sobre assuntos dos mais diferentes interesses sociais, estimular a sociedade a participar do debate e da definição de políticas públicas essenciais para o desenvolvimento do País. Realizar ampla difusão dos direitos do cidadão e dos serviços colocados à sua disposição, explicar os projetos e políticas de governo propostos pelo Poder Executivo nas principais áreas de interesse da sociedade, promover o Brasil no exterior, atender às necessidades de informação de clientes e usuários das entidades integrantes da administração pública[77].
A comunicação social de caráter institucional não é uma tarefa exclusiva da União, pois abrange a República Federativa do Brasil, a qual tem a importante missão de levar ao conhecimento da sociedade assuntos de interesse público, o que implica na organização da comunicação social em consideração também aos Estados e Municípios. Afinal, a organização político-administrativa da República compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos com autonomia constitucional (art. 18). Assim, as Comunicações Estaduais e as leis Orgânicas devem definir as tarefas e a organização do setor estatal de comunicação social, respectivamente, dos Estados e dos Municípios[78].
Além disso, o Sistema Brasileiro de Televisão Digital prevê que a União poderá explorar os serviços de radiodifusão de sons e imagens em tecnologia digital, mediante normas de operação compartilhada a serem fixadas pelo Ministério das Comunicações, especialmente para assegurar um Canal do Poder Executivo (para transmissão de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos do Poder Executivo) e um Canal de Cidadania (para transmissão de programações das comunidades locais, bem como para a divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal), conforme disposto no art. 13 do Decreto nº 5.820/2006.
1.3.3.3 Princípios e objetivos do sistema de radiodifusão estatal nos termos da Lei nº 11.652/2008
A Lei nº 11.652/2008 estabelece os seguintes princípios referentes à prestação dos serviços de radiodifusão “pública” por órgãos do poder Executivo ou mediante a outorga a entidades de sua administração indireta: complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal, promoção do acesso à informação por meio da pluralidade de fontes de produção e distribuição de conteúdo, produção e programação com finalidades educativas, artísticas, culturais, científicas e informativas, promoção da cultura nacional, estímulo à produção regional e à produção independente, autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema “publico” de radiodifusão, e participação da sociedade civil no controle da aplicação dos princípios do sistema de radiodifusão, respeitando-se a pluralidade da sociedade brasileira[79].
Além disso, o mesmo ato normativo dispõe sobre os objetivos dos serviços de radiodifusão “pública” que são os seguintes: oferecer mecanismos para debate público acerca de temas de relevância nacional e internacional; desenvolver a consciência crítica do cidadão, mediante programação educativa, artística, cultural, informativa, científica e promotora da cidadania; fomentar a construção da cidadania, a consolidação da democracia e a participação na sociedade, garantido o direito à informação do cidadão; cooperar com os processos educacionais e de formação do cidadão; apoiar processos de inclusão social e socialização da produção do conhecimento por intermédio do oferecimento de espaços para exibição de conteúdos produzidos pelos diversos grupos sociais e regionais; buscar excelência em conteúdos e linguagens e desenvolver formatos criativos e inovadores, constituindo-se em centro de inovação e formação de talentos; direcionar sua produção e programação pelas finalidades educativas, artísticas, culturais, informativas, científicas e promotoras da cidadania, sem com isso retirar seu caráter competitivo na busca do interesse do maior número de ouvintes ou telespectadores; e promover parcerias e fomentar produção audiovisual nacional, contribuindo para a expansão de sua produção e difusão[80].
1.3.3.4 Empresa Brasil de Comunicação (EBC)
Diante da importância da criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), alardeada pelo governo como uma espécie de televisão “pública” abre-se aqui um tópico especial.
A EBC é uma sociedade anônima de capital fechado, este representado por ações ordinárias nominativas, das quais pelo menos cinquenta e um por cento são de titularidade da União.
Seus recursos decorrem de diversas fontes: dotações orçamentárias, exploração dos serviços de radiodifusão “pública”, prestação de serviços a entes públicos ou privados, da distribuição de conteúdo, modelos de programação, licenciamento de marcas e produtos e outras atividades inerentes à comunicação, doações, legados, subvenções e outros recursos que lhe forem destinados por pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, de publicidade institucional d entidades de direito público e direito privado, voltada a programas, eventos e projetos de utilidade pública, de promoção da cidadania, de responsabilidade social ou ambiental, da distribuição da publicidade legal dos órgãos e entidades da administração pública federal, de recursos obtidos nos sistemas instituídos pelas Leis nºs 8.313/91, 9.685/93 e 11.437/2006, recursos provenientes de acordos e convênios que realizar com entidades nacionais e internacionais, públicas ou privadas, rendimentos de aplicação financeira quer realizar e de rendas provenientes de outras fontes. Admite-se publicidade institucional de entidades de direito público e privado, a título de apoio cultural, e a distribuição de publicidade legal dos órgãos e entidades federais, porém veda-se a veiculação de anúncios de produtos e serviços.
Compete ainda à EBC: “implantar e operar as emissoras e explorar os serviços de radiodifusão ‘pública’ sonora de sons e imagens do Governo Federal”, “estabelecer cooperação e colaboração com entidades públicas ou privadas que explorem serviços de comunicação ou radiodifusão pública, mediante convênios ou outros ajustes, com vistas à formação de Rede Nacional de Comunicação Pública”, “produzir e difundir programação informativa, educativa, artística, cultural, científica, de cidadania e de recreação”, “prestar serviços no campo de radiodifusão, comunicação e serviços conexos, inclusive para transmissão de atos e matérias do Governo Federal”, “distribuir a publicidade legal dos órgãos e entidades da administração da administração federal, à exceção daquela veiculada pelos órgãos oficiais da União”, conforme preceitua o art. 8º da referida Lei Federal.
A administração da EBC compete a um conselho de Administração, cujos membros são nomeados pelo Presidente da República da seguinte forma: um Presidente, indicado pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Diretor-Presidente da Diretoria Executiva, um Conselheiro, indicado pelo Ministro do Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, um Conselheiro, indicado pelo Ministro de Estado das Comunicações e um Conselheiro, indicado conforme Estatuto.
A par do Conselho de Administração, existe o Conselho Curador nos termos Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, órgão de natureza consultiva e deliberativa da EBC, integrado por vinte membros, designados pelo Presidente da república. Os titulares são escolhidos dentre brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, de reputação ilibada e reconhecido espírito público, da seguinte forma: Ministros de Estado, um representante indicado pelo Senado Federal e outro pela Câmara dos Deputados, um representante dos funcionários, escolhido na forma do Estatuto, quinze representantes da sociedade civil, indicados na forma do Estatuto, segundo critérios de representação regional, diversidade cultural e pluralidade de experiências profissionais. Veda-se a entrada no Conselho Curador de parente até terceiro grau membro da Diretoria Executiva e agentes públicos que possuam cargos eletivo ou investido em cargo em comissão de livre provimento da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.
O mandato dos conselheiros representantes da sociedade civil é de quatro anos, renovável por uma única vez, enquanto o mandato do conselheiro representante dos funcionários é de dois anos, vedada a recondução.
O Conselho Curador tem as seguintes funções: aprovar as diretrizes educativas, artísticas, culturais e informativas integrantes da política de comunicação propostas pela Diretoria Executiva da EBC; zelar pelo cumprimento dos princípios e objetivos do sistema de radiodifusão “público”; opinar sobre matérias relacionadas ao cumprimento dos princípios e objetivos acima referidos; aprovar a linha editorial de produção e programação proposta pela Diretoria Executiva da EBC e manifestar-se sobre sua aplicação prática; deliberar, pela maioria absoluta de seus membros, quanto à imputação de voto de desconfiança aos membros da Diretoria Executiva, no que diz respeito ao cumprimento dos princípios e objetivos da Medida Provisória; e eleger o seu Presidente, entre seus membros. Cabe, ainda, ao Conselho Curador acompanhar o processo de consulta pública, a ser implementado pela EBC, na forma do Estatuto, para a renovação de sua composição, relativamente aos membros referidos no inciso III do § 1º do art. 15.
A EBC encontra um difícil desafio pela frente. Se, de um lado, ela poderá representar a concretização do principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão, de outro ela poderá comprometer o principio do pluralismo mediante uma programação que não absorve todos os pontos de vista político-partidários e seja apenas favorável ao governo de plantão. Compete ao Conselho Curador a missão de cuidar dos princípios e objetivos que vinculam a TV estatal. Se falhar nessa tarefa, a própria democracia brasileira estará em perigo.
1.3.3.5 As televisões educativas: o tradicional enquadramento no sistema de radiodifusão estatal
A Constituição do Brasil atribui à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a competência comum para “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência” (art. 23, VI). Em virtude desse dispositivo, uma outra finalidade do sistema de radiodifusão estatal é a de promover a educação, mediante a atuação das televisões educativas, operadas pela União, Estados e Municípios, originariamente previstas pelo Decreto-lei nº 236/67.
Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao tratar da modalidade de ensino a distância, estabelece a “concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas” (art. 80 da Lei nº 9.394/96).
E mais, no âmbito do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, um dos objetivos é a “criação de rede universal de educação a distância” (art. 1º, II, do Decreto nº 4.901/2003). Ele prevê que a União poderá explorar os serviços de radiodifusão de sons e imagens em tecnologia digital, mediante normas de operação compartilhada a serem fixadas pelo Ministério das Comunicações, especialmente para assegurar um Canal de Educação (para transmissão destinada ao desenvolvimento e aprimoramento), entre outros, do ensino a distância de alunos e capacitação de professores, e um Canal de Cultura (para transmissão destinada a produções culturais e programas regionais), conforme disposto no art. 13 do Decreto nº 5.820/2006.
Após essa breve exposição a respeito da televisão educativa, cumpre apontar os seus respectivos modelos de organização presentes nos planos federal e estadual. Vale dizer, aqui será analisada a experiência brasileira para fins de crítica e enquadramento diante do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão.
1.3.3.5.1 Âmbito federal: a abertura ao modelo das organizações sociais
Com o processo de reforma do Estado[81], houve a reformulação de sua organização e repasse de certas atividades para a execução por particulares. Nesse contexto, foram criadas as organizações sociais, “figuras” integrantes do denominado terceiro setor, na forma da Lei nº 9.637/98.
Em razão disso, no âmbito federal, por exemplo, a Fundação Roquete Pinto (originariamente uma organização integrante da administração pública indireta), encarregada da operação do canal de televisão TVE, foi extinta, na forma da lei nº 9.637/98, sendo sucedida pela Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto (ACERP), esta qualificada como organização social, na forma do Decreto nº 2.442/97, e que celebrou um contrato de gestão com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Nesse caso, o repasse dos recursos públicos está condicionado ao cumprimento das metas estabelecidas pelo poder central.
Ora, as organizações sociais não pertencem ao primeiro setor (Estado), nem ao segundo setor (mercado), mas elas encontram-se no terceiro setor (sociedade civil) e desempenham serviços qualificados como não-exclusivos do Estado, daí por que não podem ser enquadradas no sistema de radiodifusão estatal, mas tão-somente no sistema de radiodifusão público (terceiro setor). Em outras palavras, por um a questão de unidade e coerência do ordenamento jurídico, uma vez qualificada uma entidade como organização social, então, ela passará a integrar o terceiro setor e não mais o âmbito da administração pública. Evidentemente que isto não afasta a responsabilidade estatal quanto à execução da política pública em termos de educação, por intermédio do sistema de radiodifusão público.
1.3.3.5.2 Âmbito estadual: os casos do Rio Grande do Sul e de São Paulo
No âmbito dos estados, as televisões educativas, em geral, ora assumem a forma de fundações, ora de autarquias, sendo a exceção a qualificação como organizações sociais.
O padrão é o controle do Estado-membro sobre a organização administrativa encarregada da gestão da “televisão educativa”. Nesse caso, a lei estadual autoriza a criação do ente administrativo, sendo a supervisão feita por uma das secretarias vinculadas ao Chefe do Poder Executivo. Em regra, é o Governador do Estado quem nomeia o Presidente da fundação ou da autarquia encarregada da execução do serviço de televisão.
Nesse sentido, destaca-se o precedente envolvendo a comunicação social do Estado do Rio Grande do Sul que apresenta alguns contornos importantes para a compreensão do sistema estatal de radiodifusão, em razão de sua Constituição originariamente conter um artigo que previa a independência dos órgãos oficiais de comunicação social em face do governo e demais poderes públicos e um outro que assegurava o direito de antena a partidos políticos e organizações sociais. Em outras palavras, ela serve como paradigma em torno da discussão sobre a delimitação do grau de autonomia das emissoras de televisão estatais perante o próprio Estado[82].
O STF, ao apreciar a ADIN nº 821-8, em 05+02.93, Relator Ministro Octavio Galotti, julgou procedente a ação, para fim de declarar a inconstitucionalidade do art. 238 da Constituição do Rio Grande do Sul que garantia a independência dos órgãos de comunicação social do Estado (inclusive fundações e quaisquer entidades sujeitas direta ou indiretamente ao controle econômico estatal), em face do Governo Estadual e demais Poderes Públicos, e para assegurar “possibilidade de expressão e confronto de diversas correntes de opinião”. Além disso, a norma impugnada garantia a existência de um Conselho de Comunicação Social, em cada órgão de comunicação social do Estado, integrado por representantes da Assembléia Legislativa, das universidades, dos órgãos culturais e de educação do Estado e do Município, bem como da sociedade civil[83].
Também foi declarada a inconstitucionalidade do art. 239 da referida Constituição Estadual que assegurava aos partidos políticos, organizações sindicais, profissionais, comunitárias e ambientais dedicadas á defesa dos direitos humanos e à liberdade de expressão e informação social, no âmbito estadual, “direito a espaço periódico e gratuito nos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, de acordo com sua representatividade e critérios a serem definidos em lei” [84].
E, ainda, a Lei Estadual nº 9.726/92 foi declarada inconstitucional na medida em que instituiu a figura do Conselho de Comunicação Social, integrado por vinte e três membros, entre os quais três indicados pelo Governador, e por demais entidades da sociedade civil[85].
O STF entendeu que a independência conferida pelos dispositivos impugnados aos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado ofenderia o principio da separação e da harmonia dos Poderes, com a usurpação da competência substancialmente administrativa do Poder Executivo. E mais, também violaria a norma da Constituição Federal que prevê a competência da União para legislar sobre radiodifusão e explorar ou conceder tais serviços e as garantias constitucionais da liberdade de expressão e da isonomia em razão da discriminação de segmentos representativos da sociedade[86].
O ministro Relator Octávio Galotti expressou seu volto no seguinte sentido:
Dentre essa pletora de proposições, parecem-me bastarem – fim de emprestar relevo à fundamentação jurídica do pedido – as questões vinculadas á separação dos Poderes e à exclusividade de iniciativa do Chefe do poder Executivo, bem como à competência privativa deste para exercer a direção superior e dispor sobre a organização e o funcionamento da administração[87].
Não há regra na Constituição Federal que vede tal espécie de norma impugnada[88].
Em razão dessa decisão, no Rio Grande do Sul mantém-se um modelo de televisão estatal, ainda que aberto à participação da sociedade civil em sua organização interna, cuja análise se impõe para melhor delineamento da problemática em torno dos limites do sistema de radiodifusão estatal, especialmente a autonomia da entidade executora dos serviços de televisão. A TVE-RS – Fundação Cultural Piratini – tem por finalidade a “promoção de atividades educativas, culturais e informativas”, nos termos de seu Estatuto, aprovado pela Lei nº 10.535/95. A sua estrutura interna é composta por um Conselho Deliberativo (com a missão, entre outras, de “estabelecer as diretrizes da programação e da população de acordo com as finalidades da Fundação” – art. 21, V, de seu Estatuto) e por uma Diretoria Executiva (com a função, entre outras, de ”cumprir e fazer cumprir as deliberações e recomendações do Conselho Deliberativo” – art. 28, VI, do Estatuto). Há, ainda, a figura do Conselho Curador encarregado da fiscalização das atividades efetuadas pela organização administrativa, cujos membros são de livre nomeação e exoneração pelo Governador do Estado (art. 36) [89]. O Conselho Deliberativo é integrado por vinte e seis membros, sendo três representantes do Estado do Rio grande do Sul (Secretaria de Educação, Secretaria da Cultura e Assembléia Legislativa) e os demais representantes da sociedade civil (reitores, imprensa, jornalistas, trabalhadores das empresas de radiodifusão, músicos, estabelecimentos de ensino, etc.) conforme disposição da lei Estadual nº 10.536/95[90].
O Presidente da Fundação “será escolhido dentre personalidades de alto nível intelectual e cívico, com serviços prestados à causa da cultura e da educação” (art. 25, § 2º, do Estatuto), sendo que o “Governador do Estado submeterá a escolha do Presidente da Fundação ao Conselho Deliberativo” (art. 25, § 1º, do referido ato), mas cuja investidura no cargo, diga-se, estranhamente, “dependerá de prévia autorização do Ministério das Comunicações” (art. 26 do mesmo ato normativo). Também, a investidura dos demais administradores da Fundação deverá ser “precedida de expressa aprovação do Ministério das Comunicações” (art. 18, parágrafo único do Estatuto) [91].
Em seu Estatuto, há dispositivos em garantia ao pluralismo ideológico, especialmente a proibição de sua utilização “para fins político-partidários” (art. 9º). E mais, há a seguinte previsão: “na produção e veiculação do material jornalístico, as emissoras da Fundação Piratini observarão a pluralidade de versões em matéria controversa, ouvindo as partes envolvidas em polêmicas sobre fatos da atualidade e interesse público” (art. 13).
Por outro lado, é ilustrativa a comparação do modelo gaúcho com o paradigma de organização paulista da TV Cultura, para verificação do grau de autonomia do veículo de comunicação social perante o governo do Estado[92].
O caso da TV Cultura de São Paulo, gerida pela Fundação Padre Anchieta, é sui generis. Trata-se de uma emissora de televisão criada pelo Estado de São Paulo, e financiada com recursos do orçamento estadual, porém de âmbito nacional, cuja finalidade é a “promoção de atividades educativas e culturais através de rádio e televisão”, com a autonomia jurídica, administrativa e financeira, sob a forma de fundação de direito privado, e a previsão de um Conselho Curador, com quarenta e sete membros, que exercem mandatos gratuitos, sendo uma de suas missões “estabelecer as diretrizes da programação de acordo com as finalidades da fundação”, na forma do art. 14, IV, do Decreto Estadual nº 25.117/1986, constituído por representantes da sociedade, jos moldes do modelo da BBC de Londres, integrado por reitores de universidades, secretários do governo estadual e municipal e de diversos segmentos sociais[93].
Do ponto de vista formal, apesar de ser uma fundação da administração pública indireta, não é o Governador do Estado quem nomeia o Presidente da Fundação Padre Anchieta (o candidato deve ser preferencialmente um dos conselheiros, mas não necessariamente), mas sim o Conselho Curador. Ao lado do referido órgão, há a previsão de uma Diretoria Executiva, cujo Presidente também é indicado após a eleição efetuada pelos membros do Conselho Curador.
Comparando-se ambos os modelos de televisão, têm-se os seguintes pontos em comum: tanto a “TVE” do Rio Grande do Sul quanto a “TV Cultura” de São Paulo adotaram a forma jurídica de fundação, a presença de representantes do Estado, a figura de um Conselho aberto à participação da sociedade e a dependência do financiamento público por intermédio do orçamento estadual.
Um dos pontos de diferenciação consiste na nomeação do Presidente da instituição. No exemplo gaúcho, ele é indicado pelo Governador à aprovação do Conselho Deliberativo e sua investidura depende de prévia autorização do Ministério das Comunicações. No caso paulista, ele é eleito pelo Conselho Curador, não dependendo de ato do Governador do Estado[94].
Os modelos gaúcho e paulista de “televisão pública” foram expostos para demonstrar a problemática d autonomia da gestão perante os respectivos governos estaduais[95]. Cuida destacar que um dos objetivos maiores a serem defendidos em relação à “televisão pública” é a sua independência em face do poder público, valor substancial protegido nos sistemas norte-americano e francês, consoante análise nos capítulos terceiro e quarto. Em razão disso, propõe-se o definitivo enquadramento no sistema de radiodifusão público, mediante a retirada das emissoras de “televisão educativas” do âmbito da administração pública (sistema de radiodifusão estatal), e, consequentemente, a sua qualificação como organizações sociais e/ou organizações civis de interesse público.
1.3.3.6 Âmbito municipal
Registre-se que será feito, no momento, um estudo analítico do direito positivo em torno da comunicação institucional em relação aos municípios.
No âmbito regulamentar federal, havia a previsão de Serviço de Transmissão Institucional (RTVI) que “é a modalidade de Serviço de RTV destinada a retransmitir, de forma simultânea ou não-simultânea, os sinais oriundos de estação geradora de serviço de radiodifusão de sons e imagens (televisão), explorado diretamente pela União” (art. 6º, XVI, do Decreto nº 5.371/2005).
Houve inclusive a previsão, no apontado decreto, da possibilidade de realização de comunicação institucional pelos Municípios brasileiros, mediante os serviços de repetição dos sinais de radiodifusão. O referido ato normativo estabelecia que a autorização para a execução do Serviço de Retransmissão Institucional é outorgada pelo Ministério das Comunicações somente a pessoa jurídica de direito público interno municipal (art.11). Em outras palavras, o citado decreto previu, inicialmente, no âmbito do sistema de radiodifusão estatal, a possibilidade de citação de “televisões municipais”.
Estabeleceu-se, inclusive, a faculdade de inserções de programação de responsabilidade do ente federativo em, no máximo, quinze por cento do total de horas de programação retransmitida, com “finalidades institucionais, educativas, artísticas, culturais e informação, em benefício do desenvolvimento e interesse geral da municipalidade”, garantindo-se o tempo de programação na seguinte proporção: um terço para a divulgação das atividades do Poder Legislativo do Município, preferencialmente, para a transmissão, de suas sessões e um terço para entidades representativas da comunidade, sem fins lucrativos, assegurada a pluralidade de opiniões e representação dos diversos segmentos sociais, com a possibilidade de apoio institucional para o financiamento de seus respectivos custos (art. 34, §§ 1º, 2º, 3º, e art. 35, do Decreto nº 5.371/2005).
Além disso, previa-se que as pessoas autorizadas a executar o Serviço de Retransmissão Institucional deveriam constituir um conselho de programação com a finalidade de definir diretrizes, acompanhar a inserção de programação e de publicidade, com a participação de representantes indicados pelo Poder Executivo municipal, pelo Poder Legislativo municipal e um representante da comunidade residentes ou domiciliados no Município onde estiver instalada a estação retransmissora (art. 36).
Contudo, os dispositivos que garantiam o acesso do Município e de entidades comunitárias à atividade de televisão por radiodifusão, bem como a previsão de um conselho de programação foram revogados pelo Decreto nº 5.413/2005, o que configura um verdadeiro retrocesso em termos de democratização do setor de radiodifusão.
Por outro lado, o Decreto nº 5.820/06, que trata dos serviços de televisão digital, contempla um Canal de Cidadania (para transmissão de programações das comunidades locais, bem como para divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal). Ou seja, um mesmo canal de televisão serve ao propósito da comunicação institucional e à afirmação da cidadania. Entende-se que se trata de um dispositivo importante para a afirmação da cidadania, contudo, isto não dispensa o dever de o poder público criar, mediante lei, as televisões de âmbito comunitário que integrarão o sistema de radiodifusão público, conforme exposição a seguir:
1.3.4 Proposições
1.3.4.1 Operacionalização do sistema de radiodifusão estatal
O funcionamento do sistema de radiodifusão estatal requer a existência de estruturas organizacionais que podem estar dentro ou fora do aparelho do Estado. Em outras palavras, a prestação dos serviços de televisão pode ser feita pela administração pública direta ou indireta, ou inclusive mediante a atuação de empresas particulares.
Suas finalidades básicas consistem na execução de tarefas voltadas à comunicação institucional, e também em relação ao provimento de prestação em termos de educação e cultura, mediante os serviços de radiodifusão.
Em outras palavras, muito possa ocorrer a integração das “televisões educativas” no campo do sistema de radiodifusão público, mediante a criação de estruturas fora do aparelho estatal, insto não quer significar o abandono do Estado quanto à sua responsabilidade em definir políticas públicas sobre a matéria. O governo traçará as diretrizes em termos de educação e cultura, mas a respectiva execução ficará a encargo de entidades privadas de interesse público, como é o caso das organizações sociais ou organizações da sociedade civil de interesse público em termos de comunicação social. Nesse caso, a responsabilidade estatal não é mais pela execução direta do serviço de televisão por radiodifusão, mas sim indireta, com o apoio às organizações sociais.
Além disso, não se sustenta aqui uma divisão absoluta entre as tarefas de comunicação social e o dever quanto às prestações em termos de educação e cultura. Não há imposição constitucional da adoção de canais de televisão estatais que transmitam exclusivamente comunicação institucional dos poderes públicos. Ao contrário, é possível conciliar uma programação de televisão, combinando o conteúdo relacionado a informações institucionais, com finalidades educacionais e culturais.
Vale dizer, o sistema estatal tem como uma de suas missões a realização da comunicação institucional. Entretanto, além dessa tarefa, ele deve estar orientado para a prestação de serviços de televisão em atendimento ao princípio constitucional da “preferencia a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”, contido no art. 221, I, da Constituição Federal.
1.3.4.2 Parâmetros para a conceituação da televisão estatal
A televisão estatal por radiodifusão constitui uma modalidade de serviço público privativo do Estado, sendo que uma de suas finalidades é assegurar a comunicação social de caráter institucional, nos termos do art. 37, § 1º, da CF, a respeito dos atos e/ou relacionados ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário.
Ademais, o poder público tem deveres a cumprir no que tange à educação e à cultura. Em razão disso, a televisão estatal não se reduz à realização da comunicação institucional. Nesse sentido, é possível que um canal de televisão integrante do sistema estatal veicule tanto conteúdos relacionados à informação institucional quanto à educação e à cultura[96].
Por outro lado, a conceituação da televisão estatal deve estar vinculada à titularidade exclusiva e controle do Estado sobre a programação. Com efeito, o núcleo de sua definição corresponde às ideias de competência estatal quanto à organização e prestação de serviço por radiodifusão. Daí a incompatibilidade entre a livre iniciativa e o sistema estatal.
Por sua vez, a gestão pode ser direta ou indireta. Em outras palavras, tanto o poder público pode executar o serviço de televisão por órgãos administrativos ou pessoas especialmente criadas para esse propósito quanto a execução pode ser realizada por empresas privadas, mediante licitação.
1.3.4.3 Enquadramento da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) no setor estatal
A Empresa Brasil de Comunicação (EBC), pessoa jurídica de direito privado sucessora da Radiobrás deve ser enquadrada no sistema de radiodifusão estatal. Em verdade, a EBC não é propriamente uma televisão pública vez que sua criação ocorreu por ato estatal e seu respectivo controle pertence à União.
Como referido acima, a conceituação da televisão estatal deve estar vinculada à titularidade exclusiva e o controle do Estado sobre a programação. Além disso, uma verdadeira televisão pública, como a seguir será mostrado, é aquela criada, organizada e controlada pela sociedade civil. Portanto, a previsão do Conselho Curador dentro da EBC, integrado por representantes da sociedade civil, por si só não a caracteriza como uma televisão pública.
1.3.4.4 Necessária desvinculação das televisões educativas no sistema estatal
As televisões educativas encontram-se, em sua grande maioria, no âmbito da estrutura da administração pública[97].
Em função disso, elas estão sob a influência dos governos que procuram imprimir uma determinada visão ideológica quanto ao conteúdo da programação de televisão. Para evitar isto, faz-se necessária a independência dessas estações de televisão para se tornarem de fato e de direito televisões públicas não-estatais, não vinculadas à esfera governamental.
Daí por que um dos caminhos para essa garantia de autonomia é a sua respecyiva transformação em organizações sociais (exemplo: Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto – ACERP que possui contrato de gestão com a União) ou organizações civis de interesse público (exemplo: Associação de Desenvolvimento da Radiodifusão de Minas Gerais que possui termo de parceria com a Fundação TV Minas Cultural e Educativa), as quais integram o terceiro setor, voltado à execução de atividades não-exclusivas do Estado, justamente os serviços sociais relacionados à educação e à cultura.
1.3.4.5 Gestão associada dos serviços públicos de comunicação institucional mediante a TV por radiodifusão
Com a Emenda Constitucional nº 19/98 foi alterado o art. 241 das Disposições Gerais da Carta Republicana, de modo a constitucionalizar a figura dos consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federativos, para fins de gestão associada de serviços públicos. Trata-se de um importante mecanismo de fortalecimento da federação brasileira e de respeito ao princípio da eficiência e da continuidade em relação à execução de serviços públicos.
Nesse caso, por exemplo, os Municípios, com interesses comuns poderão constituir uma pessoa jurídica especializada na organização e gestão do serviço público de comunicação institucional, repartindo custos e tarefas em termos de produção de conteúdo audiovisual e de transmissão dos sinais de televisão. A título ilustrativo, os municípios poderão constituir um canal de televisão vocacionado à difusão do potencial turístico da região onde estão situados, para fins de desenvolvimento social e econômico, em atendimento ao art. 180, da Constituição Federal.
Com a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, a possibilidade de compartilhamento de canais de televisão torna-se concreta à medida que a tecnologia envolve o conceito de multiprogramação, isto e´, um mesmo canal de televisão pode transmitir, concomitantemente, diversas programações de responsabilidade editorial de diversas entidades federativas.
Saliente-se, contudo, que o Decreto nº 5.820/06, que trata do referido sistemas, não aponta os critérios para o uso compartilhado do Canal de Cidadania que, entre outras funções, está destinado a divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal. Em verdade, a previsão de um único canal para as três esferas federativas é uma medida insuficiente para atender as necessidades dos mais diversos interesses em termos de comunicação social.
Por outro lado, a Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, que trata dos serviços de radiodifusão “pública”, possibilita a participação de Estados, do Distrito Federal e de Municípios, ou de entidade de sua administração indireta no capital da Empresa Brasil de Comunicação, conforme disposição de seu art. 9º, § 2º.
Além disso, garante-se a cooperação e colaboração com entidades públicas que explorem serviços de comunicação ou radiodifusão “pública”, mediante convênios ou outros ajustes, com o objetivo de constituir a Rede Nacional de Comunicação “Pública”, conforme disposto em seu art. 8º, III.
1.3.5 Serviço público não privativo do Estado (sistema de radiodifusão público)
1.3.5.1 Caracterização
Defende-se no presente trabalho que o “terceiro setor” da comunicação audiovisual ampara-se na cidadania (art. 1º, II, CF) e na liberdade de associação que assiste aos cidadãos brasileiros (art. 5º, XVII, CF). É uma proteção à auto-organização da sociedade relativa à comunicação social. Consiste em um mecanismo de realização cooperada dos direitos fundamentais relacionados à comunicação social, especialmente a liberdade de expressão, informação, comunicação e direitos culturais. Sua tarefa básica é a de assegurar uma comunicação social de interesse público[98]. Cuida-se, ademais, de uma verdadeira garantia em favor do acesso dos cidadãos e dos grupos ao meio de comunicação social na modalidade televisão por radiodifusão[99]. A inovação constitucional reside na diferenciação entre os sistemas de radiodifusão público e estatal. Na perspectiva da tradição do direito público brasileiro, o elemento estatal é identificado com o público. O público é o âmbito estatal (referente ao Estado), assim como o estatal está associado com a ideia de público. Ocorre que com as transformações sociais verificadas nas últimas décadas, passou-se a diferenciar o público do estatal, não mais e adotando o âmbito estatal como sinônimo de público, daí a emergência de um setor público não-estatal[100].
Pode-se afirmar que, o termo “público” é o gênero que compreende as seguintes espécies: estatal (âmbito destinado ao Estado em que há a atuação dos poderes públicos) e não-estatal (setor da sociedade em que há a ação de organizações fora do aparelho estatal em afirmação à cidadania, assegurando a redistribuição do poder político e do poder social). Tal diferenciação serve à expressão do pluralismo social, como fator de organização do sistema de radiodifusão, pois a unidade política do Estado pressupõe a pluralidade inerente à sociedade[101].
O ponto em comum entre o público-estatal e o público não-estatal consiste no fato de ambos os setores estarem atrelados ao que é de “todos e para todos”, ou seja, eles defendem e promovem os interesses públicos sem fins lucrativos. Aqui, adota-se a concepção contemporânea de interesse público, fundada em uma pluralidade de interesses públicos que expressam a diversidade de interesses sociais classificados em interesses especiais e interesses difusos[102]. Em um sentido amplo, o termo “público” refere-se tanto ao Estado quanto à sociedade, sendo que os interesses públicos não são mais objeto de “monopólio estatal”. A nota diferenciadora reside em que o público-estatal diz respeito à figura do Estado (e, respectivamente, ao exercício de poderes estatais), enquanto o público não-estatal designa a figura da sociedade civil (vocábulo público em sentido restrito).
Com efeito, a organização da gestão do setor público de radiodifusão comporta múltiplos arranjos institucionais, tais como: associações civis e fundações, sem fins lucrativos, organizações sociais, organizações civis de interesse público, em que prevalece a noção de propriedade pública (coletiva) e não de propriedade privada. Trata-se de um espaço para a ação cooperada dos cidadãos em favor da prestação de serviços de televisão por radiodifusão para a comunidade, assegurando-se a autogestão das respectivas atividades pelos próprios cidadãos e/ou usuários.
1.3.5.2 Televisões comunitárias
Um dos elementos do sistema de radiodifusão público é a televisão comunitária que, no entanto, sequer existe na realidade normativa; há tão-somente as rádios comunitárias que enfrentam sérios problemas para sua consolidação democrática em nosso País, principalmente em razão da demora da administração pública em apreciar os pedidos de autorizações para funcionamento[103]. Por enquanto, existem apenas projetos de lei relativos à criação e à operação de televisões comunitárias[104].
Em respeito ao principio democrático que exige a democratização do setor audiovisual, impõe-se a extensão do regime aplicável às rádios comunitárias, com as óbvias e necessárias adaptações, à organização do setor de televisão por radiodifusão de âmbito comunitário.
Tal modalidade televisiva constitui um instrumento a serviço da realização de direitos fundamentais, dentre outros: a liberdade de expressão, direitos culturais, liberdade da informação, comunicação, etc.
De acordo com a Lei nº 9.612/98, o serviço de radiodifusão comunitária tem por finalidade o atendimento à comunidade beneficiada, sendo os seus objetivos os seguintes: dar oportunidade à difusa de ideias, elementos de cultura, tradições e hábitos sociais da comunidade; oferecer mecanismos à formação e integração da comunidade, estimulando o lazer, a cultura e o convívio social; prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos serviços de defesa civil, sempre que necessário; contribuir para o aperfeiçoamento profissional nas áreas de atuação dos jornalistas com a legislação profissional vigente; e permitir a capacitação dos cidadãos ao exercício do direito de expressão da forma mais acessível possível[105].
Contudo, a atividade de radiodifusão desempenhada pelas associações de cidadãos não pode ser qualificada pelo legislador como um serviço público. É que esta noção está intimamente ligada à forma do Estado. Ora, a atividade realizada pela administração pública não se confunde com o exercício de direitos fundamentais, mediante os serviços de televisão por radiodifusão. O serviço público é uma das atividades assumidas pelo Estado, servindo precipuamente à concretização dos direitos fundamentais. Todavia, ele, em relação à televisão comunitária, deve limitar-se à realização das atividades de fomento e de polícia administrativa.
Em relação às televisões comunitárias há uma incompatibilidade congênita entre o modo de exercício direto de direitos fundamentais pela atividade de distribuição de sinais de TV para a comunidade com a noção de serviço público. Os direitos fundamentais não são objeto de delegação estatal; situação totalmente diferente é a exigência de uma autorização administrativa para permitir o acesso à atividade de radiodifusão e, por consequência, viabilizar o seu respectivo exercício. Em outras palavras, não deve ser confundido o suporte técnico para a realização direta dos direitos fundamentais pelos próprios cidadãos (serviço de televisão por radiodifusão) com a atividade estatal.
Além da necessária previsão legislativa, evidente que a implantação do serviço de TV Comunitária depende de sua viabilidade técnica e econômica. Certamente, haverá mais espaço no espectro eletromagnético para sua instalação fora das capitais brasileiras, eis que estas encontram-se bastante congestionadas. Daí po que, provavelmente, ela encontrará terreno propício para florescimento nas cidades de médio e pequeno porte. E mais, deve-se definir o âmbito de cobertura de seu sinal de modo adequado e proporcional, com a proteção contra as interferências de outros sinais, sob pena de não ser alcançada a sua finalidade substancial que é a de assegurar a comunicação social de alcance comunitário. Ainda, deve-se garantir um regime de financiamento, com a possibilidade de publicidade comercial atrelada às receitas advindas do comércio local, juntamente com fundos públicos de apoio ao seu desenvolvimento[106].
O fator de identidade da radiodifusão comunitária é a titularidade, a gestão e o controle da parte da sociedade civil, de forma independente do Estado; daí a necessidade de, por exemplo, previsão estatutária de um Conselho Comunitário composto por diversos representantes da comunidade local, independentemente de entidades religiosas, familiares, governamentais e político-partidárias ou comerciais, nos moldes das rádios comunitárias. Nesse caso, deve ser proibida a participação de representantes do poder público em sua gestão e controle, razão pela qual não pode ser qualificada como televisão comunitária uma organização social, eis que ela, por força da legislação, necessariamente há de contar com agentes estatais[107].
Em síntese, o Estado brasileiro, até o momento, omite-se quanto à disciplina das televisões comunitárias; sequer há sinal de sua respectiva criação no decreto que trata do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, enquanto em outros países ela já é uma realidade.
1.3.5.3 Proposições
1.3.53.3.1 Medidas de operacionalização e articulação do sistema de radiodifusão público
Um dos caminhos apontados para assegurar maior autonomia às televisões educativas perante os governos é a sua qualificação como organizações sociais e, respectivamente, o seu enquadramento no sistema público não-estatal de radiodifusão. Contudo, atualmente, não há como obrigar do ponto de vista do direito positivo, que as unidades federativas que possuem as televisões educativas promovam tal transformação. Daí a proposta de lege ferenda para que um novo marco regulatório imponha respectiva operação ou, ao menos, estimule-a.
Cuida salientar que a finalidade do sistema público de radiodifusão pode ir além das emissoras de televisão públicas. Em outras palavras, ela pode ser realizada, mediante a previsão legislativa da obrigatoriedade de cessão de tempo de televisão das atuais empresas privadas de radiodifusão para as organizações sociais sem fins lucrativos, com o estabelecimento de benefícios fiscais para a execução de tal obrigação. Tal medida é justificada porque frequência do canal de televisão não é de propriedade privada, ao contrário, como visto, trata-se de um bem público de uso da sociedade brasileira. Nesse caso, o sistema privado estará participando e colaborando com a efetivação do sistema público de radiodifusão em favor da democratização da mídia[108].
1.3.5.3.2 Conceito de televisão pública
Em razão do exposto, a televisão pública é uma das modalidades de serviço de televisão, integrante do sistema de radiodifusão público, caracterizada como um serviço público não-privativo do Estado, cuja função primordial é a execução de serviços sociais relacionados à educação, à cultura e à informação, realizada por organizações independentes do Estado, com a participação e o controle social, que não inegram a administração pública e que não possuem fins lucrativos, submetidas a um regime de direito público de modo preponderante.
1.3.5.3.3 Revisão do conceito de televisão educativa
Do ponto de vista do direito positivo, faz-se necessária a revisão do conceito de televisão educativa, eis que desatualizado diante do processo de evolução histórico-social. O Decreto-Lei nº 236/67 dispõe que a “televisão educativa se destinará à divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferencias, palestras e debates” (art.13).
Evidentemente que não é possível limitar o papel educativo de uma emissora de televisão à veiculação de “aulas, conferencias, palestras e debates”, sob pena de comprometer a própria finalidade educacional. Daí por que tal regra há de ser revisada para garantir a autonomia à emissora de televisão para definir os meios pelos quais atenderá ao conteúdo educacional.
Além disso, defende-se que as televisões educativas no âmbito da radiodifusão não devem se restringir às universidades, tal como ocorre no modelo dos serviços de TV a cabo[109]. Pelo contrário, é imprescindível estender a faculdade de prestação de serviços às instituições de ensino superior. Em que pese a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional tratar, de modo diferenciado, a duas entidades, não existe razão jurídica que justifique a exclusão delas no sistema de radiodifusão público. Em outras palavras, a finalidade educacional, mediante a atividade de televisão por radiodifusão, pode ser atendida tanto pelas universidades quanto pelas instituições de ensino superior[110].
1.3.5.3.4 Compreensão de televisão comunitária
Por sua vez, a televisão comunitária é uma das modalidades de serviço de televisão, integrante do sistema de radiodifusão público, de baixa potência nos termos definidos em lei, cuja finalidade é a de assegurar a realização de uma comunicação de âmbito comunitário, em afirmação à cidadania e os direitos à liberdade de expressão, informação e de comunicação social, por organizações independentes do Estado, sem compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais.
1.3.5.3.5 Forma jurídica das entidades sociais: alguns critérios essenciais
Embora o direito positivo preveja a figura das organizações sociais, em relação ao serviço público não privativo de televisão por radiodifusão associado às televisões educativas, não há obrigatoriedade de adoção de tal modelagem. Contudo, se os Estudos mantiverem as referidas estações de televisão no âmbito de sua organização interna (exemplos: autarquias ou fundações públicas)[111], então elas integrarão o sistema de radiodifusão estatal e não o sistema de radiodifusão público.
O critério essencial para o ingresso no sistema público é a independência diante do poder público, assegurada mediante a participação e controle social, particularmente o poder de auto-organização interna com a indicação de seus administradores e, sobretudo, a nomeação d seu Presidente.
Em princípio, é admitida a participação de membros diretos do governo, uma vez que o seu respectivo funcionamento dependerá de recursos públicos. Contudo, a presença de representantes estatais deve ser em caráter minoritário, assegurando-se o assento majoritário no conselho às entidades representativas da sociedade (exemplo: organizações sociais). Exceção à proposição da regra geral é o caso das televisões comunitárias, em que deve ser proibida a participação de representantes dos poderes públicos, para garantir a efetividade de sua autonomia.
Quanto ao aspecto organizacional, defende-se a adoção de um Conselho Consultivo da Programação, com representantes de segmentos representativos da sociedade, em garantia da pluralidade de ideias e de opiniões e a participação democrática em termos de programação de televisão[112].
Em sendo adotada a figura da organização social, necessariamente a relação entre o Estado e a televisão educativa será regida mediante os contratos de gestão. Estes consistem em um mecanismo que assegura o atendimento do princípio da eficiência da atuação da administração pública, com a otimização dos meios e recursos públicos voltados à prestação da referida atividade. Garante-se maior grau de liberdade na gestão, com o controle posterior dos resultados em termos de qualidade da programação de televisão.
Por sua vez, em sendo utilizada a forma da organização da sociedade civil de interesse público, a referida relação será disciplinada pelos termos de parceria, documento onde constarão as responsabilidades e obrigações das partes signatárias.
1.3.5.3.6 Financiamento das televisões públicas: educativas e comunitárias
Outra dificuldade é o financiamento do custeio das atividades das televisões públicas que, em regra, dependem de repasses orçamentários efetuados pelo governo.
Propõe-se, aqui, um sistema de financiamento misto. De um lado, a utilização de recursos orçamentários (federal, estaduais e municipais, dependendo da modalidade de serviço de televisão por radiodifusão), mediante a criação de fundos públicos especiais para a criação, manutenção e operação das atividades[113].
Ao lado das fontes estatais, devem-se prestigiar outros meios como, por exemplo, a cobrança de taxas sobre o consumo de aparelhos de televisão vendidos no País, a flexibilização nas regras de restrições à publicidade comercial, incentivo aos investimentos privados na programação educativo-cultural relacionados à sua responsabilidade social e a receita proveniente da remuneração paga pelas empresas comerciais pelo uso das frequências, licenciamento de produtos, prestação de serviços, etc[114].
Quanto ao aspecto tributário, a fonte de financiamento para o desenvolvimento d atividade televisiva pública pode ser ainda uma contribuição sobre uma parcela das receitas auferidas pelas televisões privadas com a venda do espaço audiovisual para publicidade ou um imposto sobre a venda de televisores[115].
1.3.6 Atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado)
1.3.6.1 Liberdade de radiodifusão
Em uma visão literal, a liberdade econômica até pode ser considerada como um fim em si, servindo aos interesses capitalistas dos proprietários e/ou controladores da empresa e de seus investidores. Nesse contexto, a regulação estatal serve apenas para tratar das falhas do mercado, especialmente quando surgem monopólios e/ou oligopólios. Contudo, tal entendimento sequer é o majoritário, mesmo em um dos países de acentuada tradição liberal como é o caso dos EUA[116].
No contexto de um Estado Democrático de Direito, a regulação estatal tem que garantir o justo equilíbrio entre o poder econômico das organizações da mídia e o poder político, sob pena de a liberdade dos meios de comunicação social tornar-se um fator de domínio da sociedade e de estrangulamento do sistema político. Aqui, a liberdade de comunicação deve não só favorecer os proprietários dos meios de comunicação, como também o público destinatário dos respectivos serviços, na qualidade de consumidores e de cidadãos.
A atividade de produção de conteúdo audiovisual pertence à livre iniciativa, ao passo que os serviços de distribuição dos sinais de televisão até o domicílio dos telespectadores por radiodifusão é classificado pela doutrina tradicional como uma das modalidades de serviço público privativo do Estado. Entretanto, propõe-se aqui um reexame da questão, com a adoção do regime privado para a exploração dos serviços de televisão por radiodifusão de natureza comercial, integrantes do sistema privado.
A proposta consiste na instituição de um regime de mercado favorável à liberdade de radiodifusão, esta compreendida como uma faculdade de desenvolver a atividade de transmissão de sinais de televisão pertencente aos agentes econômicos em um ambiente competitivo, com regras de proteção à concorrência, de combate aos monopólios e/ou oligopólios e de fomento à produção independente regionalizada, em regime de autorização administrativa[117].
A Lei nº 4.117/62 faz expressa referência à liberdade de radiodifusão, estabelecendo que os abusos em seu exercício serão punidos (art. 52). Ela prevê uma lista de hipóteses de configuração de abusos (art. 53). E, ainda, dispõe: “a autoridade que impedir ou embraçar a liberdade de radiodifusão ou de televisão, fora dos casos autorizados em lei, incidirá, no que couber, na sanção do art. 322 do Código Penal” (art. 72).
Se, de um lado, é imprescindível evitar os abusos praticados pela liberdade de radiodifusão, também é necessário restringir os abusos estatais contra ela cometidos[118]. Daí, o importante papel da função regulatória desempenhada por uma agência reguladora autônoma, pra evitar o abuso do poder econômico e do poder político, em garantia do pluralismo econômico e político e do equilíbrio entre os sistemas de radiodifusão. Nesse sentido, uma das propostas aqui sustentadas é a atribuição a uma agência especializada da competência para regular o setor de radiodifusão, conforme exposição logo a seguir.
A liberdade de radiodifusão não assegura o direito de acesso às frequências necessárias para a prestação dos serviços de televisão. Trata-se de uma liberdade condicionada às referidas restrições constitucionais e à reserva de lei definidora de seu marco regulatório. Compete ao Estado a imposição do regime jurídico para a entrada e a saída dos operadores privados (afinal, o uso das frequências dos canais de televisão não pode ser eternizado nas mãos das mesmas empresas comerciais, havendo necessidade de renovação do cenário audiovisual). No presente trabalho, propõe-se que o regime aplicável à atividade econômica de televisão por radiodifusão no sistema privado seja o da autorização administrativa.
A liberdade de radiodifusão funciona como um dos pilares de sustentação de uma sociedade democrática pluralista aberta, com a garantia da difusão plural do poder e da livre iniciativa individual e coletiva, enquanto fatores de dinamização dos vários sistemas sociais. De um lado, a sua dimensão negativa ou defensiva revela-se em face de ingerências estatais, assegurando-se a independência diante do poder político, mas também abrange a defesa contra interferências do poder econômico e social. De outro, a sua dimensão positiva implica a adoção de um marco legislativo adequado para seu respectivo exercício, com a previsão de regras materiais, de organização e procedimento[119].
Por sua vez, a liberdade de programação de televisão, que decorre da liberdade de radiodifusão, abrange a faculdade de organizar sequencialmente os conteúdos e os formatos dos programas audiovisuais destinados ao público. Vale dizer, ela compreende a liberdade de exibir dentro da programação de televisão quaisquer programas (de natureza informativa, formativa e de entretenimento), sendo que a decisão quanto ao conteúdo audiovisual compete à empresa de radiodifusão.
Evidentemente, o exercício da liberdade de programação pode ser limitado em razão da proteção garantida a outros bens. Entre as restrições, podem-se citar: o direito de resposta (art. 5ڎ, inc. V, CF); o direito de antena dos partidos políticos (art. 17, §3º, CF); o exercício da classificação indicativa dos programas de televisão conforme os horários, em defesa do público infantil e adolescente (art. 21, XVI, CF); limites à publicidade comercial (art. 220, §4º) [120].
A Constituição refere-se ao sistema privado de radiodifusão no art. 223, quando trata do princípio da complementaridade entre os sistemas de radiodifusão[121]. Considerando-se esse ponto de partida, será apresentada a proposta interpretativa de alteração do março regulatório, a fim de ser reconhecida a autonomia do sistema privado de radiodifusão[122], isto é, a configuração de uma verdadeira televisão privada, ainda que dependente de um ato de outorga estatal (no caso, a autorização administrativa), que explora uma atividade econômica em sentido estrito, com o objetivo de lucro, sob o regime de mercado, porém objeto de regulação estatal efetuada por uma agência reguladora[123].
Os fundamentos básicos constitucionais do sistema de radiodifusão privado são: a livre iniciativa (art. 170, caput, parágrafo único), a propriedade privada (art. 170, II) e o mercado interno como elemento integrante do patrimônio nacional (art. 219).
A Constituição no art. 21, XII, não promove diretamente o enquadramento de todas as modalidades de serviços por radiodifusão no âmbito normativo do conceito de serviço público. Pelo contrário, há plena margem de conformação legislativa quanto aos serviços de televisão que devem ser qualificados como serviços públicos privativos do Estado ou não privativos, bem como aqueles que podem ser classificados como atividades econômicas em sentido estrito. Aqui, parte-se do pressuposto de que não há uma oposição absoluta entre as categorias serviço público e atividade econômica em sentido estrito. Elas não se excluem mutuamente, ao contrário, possuem uma forte atração recíproca, cuja diferenciação reside no regime jurídico aplicado sobre os serviços por parte do legislador.
Em outras palavras, assiste ao legislador escolher entre a qualificação de atividade como serviço público ou submetê-la aos princípios gerais da atividade econômica. Defende-se a submissão do serviço de televisão do sistema de radiodifusão privado à regulação estatal mais intensa do que em relação ás demais atividades econômicas em geral, justamente em razão de seu regime especial (arts. 221, 222 e 223 da CF).
Com isso, se, de um lado, a lei tem que respeitar a norma que trata da competência do poder público para prestar serviços públicos (art. 175), de outro, ela deve atender o núcleo essencial da livre iniciativa, protegido pela Constituição (art. 170, caput, parágrafo único). Então, compete ao legislador adotar uma medida de equilíbrio e de ponderação entre os bens constitucionais, sob pena de incorrer em excessos e desfigurar uma das duas categorias, qualificando os serviços prestados no âmbito do sistema privado como uma das modalidades de atividade econômica, com potencial lucrativo. Vale dizer, a norma que protege a livre iniciativa impede uma leitura expansionista, de modo a evitar a generalização da matriz clássica de serviço público para as mais diversas espécies de serviços de televisão.
Do outro ponto de vista técnico, o serviço de radiodifusão é uma das modalidades de telecomunicações, todavia, na dimensão jurídica há a distinção entre os dois setores por força da Emenda Constitucional nº 08/05.
Com a Lei Geral de Telecomunicações houve a relativização do conceito de serviço público de telecomunicações; na medida em que ela, em nenhum momento, emprega a expressão “serviço público de telecomunicações”, mas tão-somente vale-se das expressões “regime público” (art. 63) e “regime privado” (art. 126), logo, nada mais razoável do que a flexibilização da aplicação do conceito de serviço público à atividade de televisão por radiodifusão, estabelecendo os seus respectivos contornos. E mais, isto se justifica porque a própria Lei nº 4.117/62 também não se utiliza do vocábulo “serviço público de radiodifusão”.
Desde suas origens, o serviço de televisão por radiodifusão prestado gratuitamente à população pelas “televisões comerciais” apóia-se no financiamento do mercado publicitário. Há, portanto, um dado da realidade inegável: a presença da figura do mercado em relação aos serviços de televisão[124]. Aliás, a universalização da radiodifusão no País deu-se, justamente, pela atuação das forças econômicas privadas e não pela ação estatal. A análise da história brasileira, consoante apresentação feita no capítulo primeiro, mostra que o Estado sequer regula o setor de radiodifusão, de modo a prestigiar o princípio do Estado Democrático de Direito. Em verdade, falta a necessária disciplina do setor televisivo para que o mesmo funcione, ao menos, segundo as regras do mercado. Para além disso, é preciso democratizar o setor audiovisual, no sentido de serem ampliadas as estrutura de comunicação e a diversificação do conteúdo na programação de televisão. Em uma verdadeira democracia não há liberdade absoluta de mercado; ao contrário, cumpre ao Direito a tarefa de regulá-lo, a fim de compatibilizar seu funcionamento conforme as demais liberdades e direitos[125].
Por outro lado, não é mais admissível sustentar a tese da eliminação da propriedade privada dos meios de radiodifusão, eis que vedada pela própria Constituição. Esta qualificada a propriedade como direito fundamental (art. 5º, caput) que não pode ser objeto de Emenda Constitucional (art. 60, § 4º, IV) [126].
Porém, é perfeitamente legítimo o exercício da função reguladora do Estado, na forma do art. 174, da CF, com a edição de normas sobre os procedimentos de outorga das frequências, parâmetros técnicos, obrigações em favor do interesse público e fiscalização de seu respectivo cumprimento, com o objetivo de assegurar o equilíbrio dos sistemas privado e radiodifusão, especialmente prevendo as condições de entrada e de saída, como também os standars para a atuação dos agentes econômicos que prestam serviços de televisão de natureza comercial.
Aliás, a constitucionalização do setor de radiodifusão impõe um estatuto especial de restrição à livre iniciativa e à propriedade privada (arts. 220, II, 221, 222, 223), passível ainda de detalhamento por parte do legislador quando da revisão marco regulatório, nos termos ora propostos.
Reprise-se que a não qualificação do serviço de televisão comercial por radiodifusão como uma espécie de serviço público privativo do Estado não ocasiona o afastamento do Estado de sua responsabilidade quanto à adequada regulação do setor, inclusive mais intensa do que em relação aos demais serviços privados, justamente porque se utiliza de um bem público (frequências radioelétricas) e sua prestação envolve fundamentais valores constitucionais.
1.3.6.2 Disciplina da propriedade privada
Quanto à questão específica da disciplina da propriedade privada, a Lei nº 4.117/62 dispõe que uma mesma pessoa não pode participar da administração ou da gerencia de mais de uma concessionária, permissionária ou autorizada do mesmo tipo de serviço de radiodifusão, na mesma localidade. Também, há a proibição do exercício da função de diretor ou gerente de concessionária, permissionária e autorizada do serviço de radiodifusão a quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial. Esta regra, no entanto, não impediu, na prática, que parlamentares fossem proprietários de inúmeras emissoras de rádio e televisão em nosso País[127].
Em relação à concentração econômica, em verdade, há um limite legal, um tipo de multiple ownership rule (regra sobre propriedade cruzada) do direito norte-americano[128], contido no Decreto-Lei nº 236/67, em relação às estações radiodifusoras de som e estações radiodifusoras de som e imagem. Contudo, ao contrário da regra originária do direito norte-americano, aqui é possível a acumulação por uma mesma entidade de emissoras de rádio e de televisão, dentro dos limites legais[129].
Em outras palavras, o próprio dispositivo normativo não impediu a concentração da propriedade privada, com a formação de grandes redes em território nacional, sendo que o limite legal jamais foi respeitado[130]. Na prática, as restrições legais não foram aplicadas em função da interpretação dada pelo Ministério das Comunicações que considera como entidade a “pessoa física”, desconsiderando o parentesco e ignorando as “redes” integradas com a “afiliação” contratual de emissoras que constituem subordinação “com a finalidade de estabelecer direção ou orientação única”. Desse modo, oficialmente, entendeu-se válido o fato de um único grupo ter participações direta no controle de, ao menos, 32 emissoras de televisão, como é o caso das Organizações Globo[131].
Curiosamente a lei nº 4.117/62 adotou parte do modelo norte-americano sem, no entanto, incorporar as regras de controle da concentração econômica da propriedade de emissoras de radiodifusão e de disciplina da influência das redes de TV sobre as emissoras afiliadas, em garantia do regime de competição e da diversidade de idéias. A referida lei não previu um órgão regulador nos moldes da Federal Communication Comission com autonomia suficiente para normatizar e exercer a fiscalização do setor de radiodifusão. No Brasil, tem-se um modelo muito mais liberal em relação ao dos Estados Unidos da América do Norte, em termos de controle da propriedade privada dos meios de radiodifusão[132].
Conforme explicação de André Almeida, o Brasil, apesar de ter incorporado, originariamente no Código Brasileiro de Telecomunicações, o trustsheep norte-americano quanto á disciplina do espectro eletromagnético, não contemplou a maioria das regras norte-americanas que disciplinam a concentração da propriedade privada, para fins de garantia do regime de competição, bem como a diversidade das fontes de informações. O modelo legal dos EUA de regulação do setor de radiodifusão possui regras rígidas para evitar a concentração econômica das propriedades privadas, as quais, ao longo do tempo, tendo em vista as mudanças no cenário tecnológico e econômico, foram gradualmente sendo relativizadas[133].
Assim, o atual marco regulatório conduz às seguintes situações: (i) o proprietário de uma emissora de rádio ou TV pode ser dono de jornal diário na mesma área geográfica; (ii) esse mesmo radiodifusor pode ser ainda proprietário de mais uma emissora de TV em UHF (respeitado o limite de duas por Estado) ou pode acumular a propriedade de emissoras de rádio AM-FM, na mesma área geográfica, (iii) não há limitação para a duração dos contratos de afiliação, sendo possível às redes inserir quaisquer cláusulas nos respectivos contratos que lhes outorguem poder para controlar índices de audiências das afiliadas, não havendo regra de controle de programação durante o horário nobre, nem mesmo regra que vede a participação das redes na produção e comercialização de programas[134].
A ausência de regras de controle do poder econômico no sistema de radiodifusão, com o objetivo de assegurar a concorrência saudável no mercado e o pluralismo de expressão de ideias e opiniões, é um sintoma do atraso brasileiro na democratização da comunicação social, comparativamente em relação aos países desenvolvidos[135]. Por essa razão, também, serão apresentadas algumas propostas concretas em relação a esse problema.
1.3.6.3 Participação estrangeira na mídia
A Constituição brasileira de 1988 em seu texto originário garantia o direito de propriedade privada das empresas de radiodifusão exclusivamente a brasileiros, restringindo-se inclusive a propriedade a propriedade de pessoa jurídica. A única exceção à regra consistia na participação societária de partido político ou de sociedade comercial, cujo capital pertencesse exclusiva e nominalmente a brasileiros. Competia, exclusivamente, aos brasileiros a responsabilidade pela administração e orientação intelectual da empresa de radiodifusão[136].
Em razão da crise econômico-financeira da mídia nacional (jornais e emissoras de televisão), foi permitida a entrada do capital estrangeiro, mediante a aprovação da Emenda Constitucional nº 36/2002, que alterou o art. 222. O novo dispositivo constitucional prevê a propriedade das empresas de radiodifusão por brasileiros ou por pessoas jurídicas constituídas sob a égide das leis brasileiras e que possuam sede no Brasil. Garante-se que, pelo menos, 70% (setenta por cento) do capital social total e do votante deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros, os quais deverão exercer obrigatoriamente a gestão das atividades e a definição do conteúdo da programação[137].
As empresas estrangeiras podem, em princípio, ser titulares de direitos fundamentais relacionados às liberdades comunicativas. Ocorre que existem bens protegidos constitucionalmente que justificam a restrição à presença da participação estrangeira na mídia brasileira. Entre eles, podem-se citar: a soberania nacional, a diversidade do patrimônio cultural brasileiro, a integração do mercado interno ao patrimônio nacional, os consumidores, a cidadania, a redução das desigualdades regionais e sociais.
Por isso tais bens não justificam uma intervenção estatal destinada ao fechamento do Brasil em relação às comunicações estrangeiras (ao conteúdo audiovisual estrangeiro) como ocorria no passado, em defesa da independência da pátria e segurança nacional. Contudo, é justificável um regime de maior restrição ao capital e à programação estrangeiros, em razão da proteção de valores culturais e políticos da sociedade. Por exemplo, a fixação de cotas de importação de programas de televisão é admissível para fins de proteção à indústria audiovisual nacional e a adoção de um regime de cotas, tal como faz o modelo francês[138].
1.3.6.4 Proposições
A proposta de qualificação do serviço de televisão por radiodifusão de natureza comercial como uma espécie de atividade econômica em sentido estrito, ainda que submetida ao regime de autorização administrativa, justifica-se na medida em que procura garantir o desenvolvimento do mercado audiovisual brasileiro. Não é admissível a disciplina do serviço de televisão por radiodifusão sem a reflexão em torno da produção audiovisual. Trata-se de assegurar a proteção ao mercado interno em prol do desenvolvimento cultural e socioeconômico do País, contribuindo com a realização dos objetivos da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 3º, CF.
Atualmente, não há como adotar-se um regime de mercado, submetido ao princípios gerais da atividade econômica, sem a aprovação de uma agência reguladora especializada no tema. No Brasil, a tradição das “televisões comerciais” é a de buscar, por meio de lobby, a imunidade em face do controle estatal, conforme já relatado no primeiro capítulo. Considerando o que se expôs, defende-se aqui um novo marco regulatório que contemple a possibilidade de exploração dos serviços de televisão por radiodifusão no regime público e no regime privado, este desenvolvido em favor da liberdade de radiodifusão no campo econômico.
É imprescindível que a legislação esteja voltada à garantia da competição no setor de radiodifusão, com a facilitação do acesso de novos competidores, assegurando-se a diversificação do conteúdo audiovisual. Assim deve ser porque o direito não pode criar eternas reservas de mercado para os atuais concessionários de serviços públicos. O serviço público não pode servir como um título justificador de um regime de reserva de mercado para poucos e grandes competidores. E mais, deve ser fomentada a cado para poucos e grandes competidores. E mais, deve ser fomentada a criação de novos fornecedores de conteúdo audiovisual. Somente com a ampliação do mercado é que serão criadas novas alternativas para os consumidores e cidadãos brasileiros, ainda mais agora no contexto da operação dos serviços de televisão baseados na técnica digital.
Sugere-se, aqui, a adoção de restrições legais à propriedade cruzada de diversos meios de comunicação social, isto é, evitar que um grupo econômico detenha vários veículos de comunicação (exemplos: rádio, TV, mídia impressa, telefonia, provimento de conteúdos, Internet, etc.), bem como o acúmulo de estações de televisão por um mesmo proprietário, baseado no critério da audiência (evitar a concentração horizontal que ocorre dentro do mesmo setor) [139].
As relações entre as redes nacionais de televisão e as emissoras afiliadas devem ser disciplinadas no novo marco regulatório, para evitar que as primeiras abusem de seu poder econômico perante as segundas (evitar concentração vertical de integração entre as etapas de produção e de distribuição) [140].
São necessárias medidas de fomento à produção independente, de caráter regional, com a imposição de um regime de tempo mínimo de programação, de incentivos fiscais, linhas de financiamento oficial, constituição de um fundo financeiro de apoio a novos projetos audiovisuais, entre outras[141].
Além disso, é preciso aprofundar as potenciais sinergias entre a televisão e o cinema nacional, de modo a permitir uma maior entrada de filmes brasileiros na programação das emissoras de televisão, com medidas de cooperação entre ambos os setores, com o fortalecimento do mercado interno, e a competição no mercado externo[142]. Nesse sentido, a adoção de um regime de cotas tem o condão de concretizar a realização desse objetivo de facilitar a conexão entre os dois setores de distribuição de conteúdo audiovisual.
Por outro lado, faz-se necessária a proteção do mercado audiovisual nacional contra os produtos importados, o que pode ser feito mediante a tributação e incentivos fiscais às empresas brasileiras que mais exibam conteúdo nacional. Alerte-se que não se trata de defender o fechamento do País à entrada de conteúdo audiovisual estrangeiro. Mas, sim, de sustentar o equilíbrio no mercado brasileiro, especialmente diante da presença maciça dos filmes estrangeiros na televisão por radiodifusão.
É imprescindível que a agência reguladora, cuja existência aqui se defende ( no caso propõe-se que a Anatel desempenhe a atividade regulatória sobre o campo da radiodifusão), promova o equilíbrio entre a programação nacional das redes nacionais de televisão e a proteção do conteúdo local, tal como ocorre nos modelos francês e norte-americanos. A excessiva centralização na produção do conteúdo audiovisual deve ceder espaço para a descentralização do processo produtivo pelas mais diversas regiões do País, tudo isso visando à diversificação na oferta audiovisual. Daí por que, novamente, um regime de cotas imposto em proteção à produção audiovisual independente, de caráter regional, é um dos mecanismos sugeridos para o cumprimento dos princípios constitucionais relacionados à produção e à programação de televisão, especialmente aquele que trata da “promoção da cultura nacional e regional e estímulo da produção independente que objetive sua divulgação” (art. 221, II) e o que dispõe sobre a “regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei” (art. 221, III) [143].
Por último, é fundamental a oxigenação do sistema de radiodifusão privado com a implantação de um procedimento adequado de renovação do ato de atribuição do direito à exploração do serviço de televisão por radiodifusão, com a participação dos usuários dos serviços e demais cidadãos interessados. Atualmente, por força do disposto no art. 223, §2º, da CF, a não-renovação da concessão dependerá de aprovação de, no mínimo dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal. Na prática, ocorre a renovação automática das concessões, cujo prazo de vigência é de quinze anos, nos termos do art. 223, § 5º, da CF, para a prestação do serviço de radiodifusão, sem qualquer controle sobre o desempenho da atividade pela emissora de televisão[144]. Sugere-se a revogação do referido dispositivo constitucional, desconstitucionalizando a matéria, tornando-a passível de tratamento por lei, a fim de possibilitar o maior e o melhor controle sobre a atividade de televisão[145]. Nesse sentido, a renovação do licenciamento deve ser compreendida em termos republicanos de modo a acompanhar o processo de atualização tecnológico e publicístico do setor de radiodifusão. Deve-se evitar o perigo de cristalização do status quo do campo da comunicação social, o que atua como entrave ao surgimento de novos atores comunicativos e a consequente atribuição de privilégios ilegítimos aos operadores existentes[146].
1.4 Regime jurídico dos serviços de televisão
1.4.1 Regimes público e privado
No atual momento histórico, não deve prevalecer uma estrutura rígida do Direito, ao contrário, exige-se a sua flexibilidade para acompanhar a dinâmica social, ainda mais nos setores que abrangem a evolução tecnológica. No passado, via-se o direito público e o direito privado como universos separados e incomunicáveis. Atualmente, considera-se a interpretação entre ambas as esferas; as suas fronteiras encontram-se abertas à influencia recíproca, sendo imprescindível a comunicação entre os dois regimes jurídicos. Vale dizer, em vez de distanciamento, há a aproximação entre os dois ramos do direito que não pode passar despercebida pela doutrina[147].
Este trabalho propõe-se a demonstrar a viabilidade jurídica da aplicação dos regimes público e privado aos serviços de televisão, em termos similares àquela efetuada pela Lei Geral de Telecomunicações, conforme exposto anteriormente[148].
Em razão dessa assertiva, é importante ainda um estudo analítico de uma das propostas para a regulação dos serviços de radiodifusão e demais serviços de comunicação eletrônica de massas[149], preparada pela Anatel que previa o seguinte: “serviços de comunicação eletrônica de massa poderão ser prestados no regime jurídico público ou privado” (art. 11). Em seguida dispunha que os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens enquadravam-se no regime público, mediante a outorga de concessão, permissão, autorização ou consignação de frequências (art. 44).
Além disso, o mesmo ato estabelecia as modalidades de serviços de radiodifusão: serviço de radiodifusão comercial (aquele que pode ser prestado com finalidade lucrativa), serviço de radiodifusão não-comercial (prestado por entidade sem fins lucrativos (art. 48, §1º, §2º)).
Esta última modalidade subdivide-se nas seguintes: serviço de radiodifusão educativa (aquele prestado com finalidade educativa), serviço de radiodifusão institucional (aquele prestado com finalidade de divulgar as atividades desenvolvidas pelos diversos poderes do Estado) e serviço de radiodifusão comunitária (aquele definido no art. º da Lei nº 9.612, de 19 de fevereiro de 1988), tudo conforme o art. 48, § 2º, I, II e III.
Por sua vez, o referido projeto quando trata da prestação dos serviços dispõe: “os serviços de radiodifusão comercial serão prestados mediante a outorga de concessão, aplicadas as disposições constitucionais pertinentes e as desta lei” (art. 49). Em seguida, ele prevê: “os serviços de radiodifusão institucional e educativa serão prestados mediante outorga de permissão, aplicadas as disposições da lei” (art. 50). E, quando for o caso de prestação direta pela União, haverá a consignação de frequência (art. 52).
A mesma proposta trata dos serviços prestados no regime privado, que são os seguintes: difusão de sinais via satélite, TV a Cabo, distribuição de sinais multicanal terrestre, distribuição de sinais multicanal via satélite e retransmissão de televisão (art. 100).
Por último, a autorização no regime privado é conceituada da seguinte forma: “autorização de serviço de comunicação eletrônica de massa no regime privado é o ato administrativo vinculado, expedido no exercício do poder de polícia, que permite a prestação de modalidade desse serviço desde que preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias” (art. 104).
Pelas razões aqui apontadas. Entende-se que o novo marco regulatório deve definir a escolha do regime jurídico, se público ou privado, aplicável às diversas modalidades de televisão.
A matriz clássica do serviço público de televisão está alicerçada em torno dos seguintes elementos: universidade do serviço, produção e distribuição de conteúdo diversificado[150], gratuidade e, finalmente, ampla audiência.
Nesse contexto, os parâmetros para o regime público são, basicamente, os seguintes: concessão e/ou permissão, gratuidade (em principio), obrigações de universalidade e continuidade da prestação, programação generalista, distribuição de conteúdos diversificados, acesso prioritário às frequências, entre outros[151].
Em razão da aplicação da tecnologia digital, faz-se necessária a adaptação ao novo cenário audiovisual, com a flexibilização do regime jurídico de serviço público, especialmente com a possibilidade de pagamento e segmentação da audiência e maiores garantias em torno do pluralismo cultural[152].
Por outro lado, o regime privado caracteriza-se pelos seguintes elementos: autorização (com ato vinculado), princípios gerais da atividade econômica (exemplos: cobrança de preço e concorrência), programação segmentada, entre outros. Evidentemente que é necessária a realização de licitação para obtenção das frequências. Aqui, sugere-se a alteração da legislação para o fim de incluir a modalidade leilão como um dos mecanismos para a outorga das frequências e a flexibilização do procedimento de transferência das autorizações.
Embora a digitalização implique a revisão dos conceitos e dos paradigmas regulatórios, ela não pode representar uma igualdade estatutária entre a televisão pública e a televisão comercial. Conforme explicam, ao tratar do futuro do serviço público por difusão na era digital, Mónica Ariño e Christinan Ahlert:
A distinção entre radiodifusores públicos e comerciais torna-se crucial para a compreensão dos regimes de pluralismo. Assuntos referentes ao pluralismo e diversidade são dirigidos diferentemente dependendo da natureza do radiodifusor. Maiores exigência podem ser mais legitimamente impostas em relação aos radiodifusores que prestam serviço público (dimensão interna do pluralismo), mas podem ser dificilmente aplicadas aos radiodifusores comerciais que são inevitavelmente constrangidos por suas necessidades em termos de audiência[153]
A seguir, será verificada a visão crítica a respeito da aplicação do instituto da concessão ao serviço de televisão por radiodifusão, no âmbito da televisão comercial.
1.4.2 Reflexão sobre a utilização da concessão de serviço público ao sistema de radiodifusão privado
Os primeiros serviços públicos de natureza econômica surgiram com o progresso técnico e a primeira Revolução Industrial. Os dogmas liberais funcionavam como um obstáculo a que o Estado assumisse diretamente a execução dos serviços públicos, eis que seu papel se limitava à garantia do livre e espontâneo desenvolvimento da iniciativa privada[154].
O direito brasileiro inspirou-se no modelo francês de concessão de serviço público, no contexto histórico do século XX. Isso não quer significar que o direito brasileiro restringiu-se a reiterar, ao longo dos anos, a concepção francesa; ao contrário, houve a construção própria do instituto em nosso País.
As raízes históricas da concessão remontam às ideias de natureza da prestação (delegação de serviço público) e à forma de remuneração do particular[155]. Uma peculiaridade tradicional ao direito francês era o caráter intuitu personae da concessão de serviço público, o que justificava a discricionariedade na seleção do concessionário, sem qualquer procedimento de licitação pública[156]. Em verdade, atualmente, na França, não se adota o regime da concessão de serviço público em relação ao setor privado de televisão por radiodifusão, mas sim o regime de autorização[157].
Conforme a tradição jurídica brasileira, um dos instrumentos para a delegação do serviço público de televisão por radiodifusão à iniciativa privada é a concessão de serviço público[158]. Em sendo qualificada a atividade de televisão por radiodifusão como serviço público, então é aplicável o regime da concessão. Há uma associação direta entre o instituto da concessão e a noção de serviço público[159]. As concessões são formalizadas por meio de Decreto do Presidente da República, em conformidade com o art. 29 do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto nº 1.720/95) e, em seguida, encaminhadas para apreciação pelo Congresso Nacional. Elas são qualificadas como um contrato administrativo, cujo objeto é a delegação de um serviço aos particulares[160].
Anteriormente à Constituição de 1988, houve na história jurídica brasileira a controvérsia em torno da aplicabilidade do instituto da concessão e da autorização no âmbito dos serviços de radiodifusão, em relação ao anteprojeto de lei sobre radiodifusão, elaborado pela então Comissão Técnica de Rádio, na década de 50[161].
Em defesa da aplicação da concessão de serviço público no setor de radiodifusão encontrava-se Saint-Clair Lopes, elencando os seguintes argumentos: (i) a natureza do serviço de radiodifusão exige que o governo imponha obrigações aos prestadores; (ii) o ajustamento de tais obrigações se faz melhor pela modalidade contratual; e (iii) é necessário um prazo adequado em razão dos investimentos de capitais na execução do serviço para a montagem e a operação de instalações técnicas, mantendo-se a estabilidade do negócio privado[162].
Segundo o autor, o serviço de radiodifusão não é um direito originário do indivíduo, mas sim do governo, razão pela qual, no exercício de prerrogativas administrativas, são impostas determinadas obrigações ao prestador do serviço. Para Saint-Clair Lopes:
- o serviço de radiodifusão, por sua natureza, sofre restrições de toda sorte; o poder público exerce constantemente sua ação sobre a radiodifusão, ora através dos órgãos policiais na censura dos programas, ora por intermédio dos organismos técnicos que zelam pelo cumprimento da fiel execução do serviço de acordo com as prescrições aprovadas e com as normas internacionais adotadas pelo Brasil[163].
E, ainda, conforme o mesmo autor, “o serviço de radiodifusão não está condicionado, apenas, ao exercício de um direito; exige obrigações importantíssimas do usuário para com o Poder Público, já que a natureza do serviço a executar é nitidamente de interesse público” [164].
Ele prossegue no seguinte sentido: “A autorização, criando um direito que não existe em potencial no indivíduo porque não é condição dele e sim do Estado, não se coaduna com a importância da radiodifusão, mesmo que o ato do Executivo venha acompanhado de cláusulas e condições”. Apesar de todos os argumentos lançados em defesa da tradicional concessão, para Saint-Clair Lopes o referido anteprojeto de lei não alterava os princípios fundamentais do setor de radiodifusão. Ele disse que “era forçoso reconhecer que a modificação do sistema, entretanto, não alterava os princípios fundamentais da concessão, nem no tempo nem no espaço. Concessão ou autorização, qualquer delas seria outorgada a aprazo certo” [165].
Em sentido contrário, encontrava-se Odilon de Andrade, sustentando a aplicação da autorização aos serviços de radiodifusão, considerados por ele como “serviços de utilidade pública” [166], defendendo o regime de autorização administrativa, com prazos determinados e variáveis, conforme a complexidade técnica e o volume de investimentos privados necessários à execução do serviço[167]. Ele era favorável à autorização no caso do serviço de radiodifusão porque uma das características essenciais da concessão era a fixação de tarifas maiores que as cobradas pela União por serviços similares; como não havia determinação de tarifas a serem percebidas dos usuários no caso dos serviços de radiodifusão não haveria como aplicar concessão.
Por sua vez, na década de 70, Vicente Greco Filho salientou que, no âmbito internacional, a doutrina defendia o direito de utilização das frequências do espectro eletromagnético como um direito originário da humanidade que preexiste ao reconhecimento formal feito pelo Estado. Tratar-se-ia de direito de comunicar-se, inerente à pessoa humana[168]. Em razão disso, ele afirmou que a doutrina dominante no direito administrativo era no sentido de que o regime aplicável à ordenação da utilização das frequências radioelétricas deveria ser sempre o da autorização e não o da concessão ou permissão[169].
Para o autor, o Estado soberano apropriou-se do espectro eletromagnético necessário à prestação dos serviços de radiodifusão, razão pela qual a concessão seria o instituto adequado á delegação da execução á iniciativa privada. Em outras palavras, ele reconhecia a importância do direito ao uso das frequências, para fins de prestação do serviço de radiodifusão, como um direito originário da humanidade, entretanto, concluía que o Estado pode, em razão de sua soberania, disciplinar a organização do setor de radiodifusão, mediante o instituto da concessão de serviço público[170].
Além da controvérsia doutrinária apresentada, é importante destacar que já na década de 70, no âmbito regulamentar da radiodifusão, houve o rompimento com a tradição do direito administrativo brasileiro ao tratar diferencialmente os institutos da concessão, permissão e autorização[171]. É que o Regulamento Geral do Código Brasileiro de Telecomunicações, aprovado pelo Decreto nº 52.795/63, dispunha que o conceito de autorização engloba a concessão (serviços de radiodifusão sonora de caráter nacional ou regional e de televisão) e a permissão (serviço de radiodifusão de caráter local) [172].
Em síntese, as visões opostas na tradição doutrinária, quanto à aplicação da concessão ou da autorização em relação aos serviços de radiodifusão, residem no seguinte: (i) de um lado, o instituto da concessão está associado à ideia de um contrato, em que se transfere um “um direito” do Estado para a iniciativa privada, o qual contém obrigações para ambas as partes (poder concedente e concessionário); porém garante a estabilidade das relações econômico-financeiras do empreendimento; (ii) de outro lado, a autorização está ligada à ideia de um ato administrativo de natureza precária e unilateral que permite o exercício de uma atividade privada[173].
Além disso, a problemática envolve os fundamentos e os limites de atuação do Estado em relação à organização e à prestação dos serviços de televisão por radiodifusão em face da sociedade, algo já analisado em item anterior.
Segundo Pedro Gonçalves. Na ótica do direito português, a doutrina tradicional parte da tese do condicionamento da técnica da concessão à prévia “monopolização estatal” da atividade. A permissa é de que ou a atividade é objeto de monopólio estatal ou a atividade é do setor privado. Ocorre que tal binômio não é correto na medida em que há tarefas administrativas, isto é, atividades públicas, que, por força de lei, a Administração
tem de exercer, mas que não lhe estão reservadas, não são um exclusivo seu – tais situações de concorrência, subsidiariedade ou complementaridade pública são aliás frequentes: é o que se passa com as atividades de televisão ou de radiodifusão, em que se exige uma presença pública em concorrência com o sector privado […] [174] (grifo nosso)
No Brasil, como já afirmado, o instituto da concessão está associado a um serviço público privativo do Estado. Contudo, em razão da proposição da configuração do sistema de radiodifusão privado como uma atividade econômica em sentido estrito (e não mais como serviço público), a concessão torna-se com ele incompatível.
Por outro lado, em princípio, o concessionário é uma pessoa de direito privado dotado de liberdade empresarial. Entretanto, a concessão de serviço público tem sido utilizada para delegar a execução das atividades a pessoas públicas, integrantes da administração pública. De certa forma, tal prática corresponde ao desvirtuamento da finalidade originária da concessão que é justamente a de atrair a iniciativa privada e seus respectivos capitais. Pode-se dizer que se trata de uma “concessão atípica”. Em verdade, tal mecanismo representa uma forma de cooperação ou coordenação entre organizações pertencentes à Administração Pública e não uma forma de colaboração entre o poder público e a iniciativa privada[175].
Conforme explicação de Calixto Salomão Filho, a tradição do direito brasileiro, tal como o direito continental europeu, é a de utilizar a técnica de serviço público como principal instrumento de regulação da economia, acompanhado do regime de direito público, este na forma da concessão de serviço público. A ideia de concessão nasce da impossibilidade material de o Estado prestar todos os serviços públicos (em regra, por falta de recursos econômicos): daí decorre o chamamento da iniciativa privada a partir do pressuposto da viabilidade de os agentes econômicos servirem ao interesse público e de o Estado controlá-los, mediante o regime de direito público.
Assim, supõe-se que o regime de direito público ofereça mais vantagens do que o regime de mercado, com o estabelecimento de fins públicos para os agentes particulares. Entretanto, a experiência brasileira tem mostrado que a eficácia da ação dos particulares prestadores de serviços públicos é limitada e o controle estatal sobre a concessão é insuficiente[176].
Existem fortes razões jurídicas para a flexibilização do modelo de concessão de serviço público como regra geral no âmbito dos serviços de televisão por radiodifusão (sistema privado), o que afirma a partir da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, em conformidade com a evolução histórico-social.
Na interpretação clássica, a finalidade da concessão de serviço público é a de transferir uma atividade estatal potencialmente lucrativa à iniciativa privada, para que a mesma por sua conta e risco, mediante a cobrança de tarifa dos usuários, execute a prestação dos serviços ao público em geral; contudo, no serviço de televisão por radiodifusão não há essa cobrança de preço diretamente dos usuários[177].
A concessão do serviço público de televisão por radiodifusão não se amolda ao instituto clássico da concessão, pois a existência de prerrogativas administrativas em favor da organização, da disciplina e da fixação do conteúdo do serviço, naturais à concessão, é incompatível com o exercício da liberdade de comunicação social pelas emissoras de televisão. Em sendo o poder público o titular do serviço público, em caráter exclusivo, na concessão há o poder de ficar o conteúdo da prestação material, disciplinando inclusive a organização interna da gestão, daí a referida incompatibilidade congênita entre a concessão e o serviço de televisão por radiodifusão no âmbito do sistema de radiodifusão privado[178].
Além disso, tome-se, por exemplo, a hipótese de uma ação de indenização por danos morais (ofensa aos direitos da personalidade) proposta contra a União por ato de veiculação de programa televisivo veiculado por “concessionária”. É legítimo e razoável condenar a União pelos atos das emissoras de televisão comerciais que violem direitos da personalidade? Sustenta-se que não, pois não é razoável essa responsabilização quando se trata de televisões estatais e televisões educativas, mas não em relação às televisões em um novo marco regulatório.
Ademais, cuida-se salientar que a Lei de Concessões de Serviços Públicos não se aplica aos serviços de radiodifusão porque há disposição expressa nesse sentido (art. 41 da Lei nº 8.987/95). Ora, o serviço de televisão por radiodifusão, em sendo objeto de concessão administrativa, não deveria se submeter à lei geral das concessões de serviços públicos? Mesmo em se tratando de uma “concessão especial” os serviços de radiodifusão deveriam estar contemplados na lei geral sobre concessões, contudo não o foram.
Poder-se-ia objetar que, em vez da superação da concessão de serviço público de televisão, o melhor seria seu aperfeiçoamento e sua reestruturação, mediante um controle eficaz, com o estabelecimento de novas regras e a fiscalização eficiente de sua aplicação ao setor de radiodifusão. Porém, com aqui se propõe a qualificação legislativa dos serviços de televisão do sistema de radiodifusão privado como uma atividade econômica em sentido estrito, a aplicação da figura da concessão de serviço público torna-se com ela incompatível.
A referida categoria jurídica é fruto de um determinado contexto histórico no qual foi construída, bem como utilizada em setores econômicos relacionados à infra-estrutura material do País (ex: ferrovias, portos, transportes, geração d energia elétrica, estradas, etc.). O setor de comunicação social por radiodifusão tem natureza especial porque trata de aspectos imateriais relacionados à soberania nacional, à identidade cultural, à educação, à informação, à afirmação da cidadania, etc., totalmente dissociados do uso clássico que se fez da concessão administrativa.
A seguir, serão vistas as razões que justificam a utilização do instituto da autorização aos serviços de televisão por radiodifusão.
1.4.3 Aplicação da autorização administrativa no sistema de radiodifusão privado
Propõe-se aqui a flexibilização legislativa do modelo clássico de utilização da concessão de serviço público no âmbito do sistema de radiodifusão privado. Tal proposição não pressupõe que sejam errôneos os conceitos, ora vigentes, na doutrina e na legislação brasileira. O objetivo é o de apresentar uma contribuição ao ordenamento jurídico, de modo a promover a dinamização do sistema de comunicação social por radiodifusão.
Tradicionalmente, a doutrina brasileira defende que a autorização é um ato administrativo praticado pela Administração Pública, unilateral, discricionário e precário e que, em regra, remove o obstáculo ao exercício de uma atividade material ou à prática de um ato jurídico, com vistas a atender a um interesse do autorizado ou a um interesse público[179].
Em verdade, cumpre salientar que o termo autorização é utilizado com os mais variados significados. Trata-se de uma palavra polissêmica que exige, por essa razão, a delimitação de seu sentido, sob pena de comprometer a aplicação do próprio direito.
Sob determinado enfoque, sustenta-se a utilização da autorização para a execução de serviços públicos, como no caso dos serviços de fácil execução de incumbência da Administração que são transferidos aos particulares, porém em regra não condicionados à remuneração por tarifas (exemplo: manutenção de praças) [180].
Já sob outro ângulo, há o entendimento de sua aplicação quanto ao uso de bens públicos. Por exemplo, a utilização de uso privativo de uma parte de via pública para a instalação de uma banca de revistas de jornais[181].
Além disso, há aqueles que sustentam seu emprego nas hipóteses de exercício de liberdades e/ou direitos submetidos ao regime da polícia administrativa[182].
O ponto em comum na doutrina é a classificação da autorização como um ato administrativo unilateral, precário e discricionário[183].
No âmbito jurisprudencial, o pensamento no sentido da precariedade da autorização é ratificado pelos Tribunais, a exemplo do acórdão no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 22.665-3 (Distrito Federal. Recorrente: Cabotec Ltda. Recorrida: União Federal. Relator Originário: Min. Marco Aurélio, Relator para o Acórdão: Min Nelson Jobim) [184].
Especialmente, no campo da radiodifusão, a Lei nº 4.117/62 prevê o uso da figura da autorização, contudo, ela não apresenta uma definição do instituto[185].
No âmbito regulamentar, é que houve a definição da figura da autorização e da concessão. O Decreto nº 82.795/63, ao aprovar o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, dispõe o seguinte:
Autorização – é o ato pelo qual o Poder Público competente concede ou permite a pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, a faculdade de executar ou explorar, em seu nome ou por conta própria, serviços de telecomunicações, durante um determinado prazo (art. 5º, I).
Por sua vez, com redação estranha, o citado ato normativo estabelece o seguinte: “Concessão – é a autorização outorgada pelo poder competente a entidades executoras de serviços de radiodifusão sonora de caráter nacional ou regional e de televisão” (art. 5º, 3). Ademais, ele dispõe: “A outorga de autorizações para a execução de serviços de radiodifusão será feita através de concessões ou permissões” (art. 17). Há a previsão no sentido de que “todos os municípios têm direito de postular a concessão de radiodifusão, desde que haja viabilidade técnica” (art. 3º, §2º).
Quando se trata dos serviços de retransmissão e repetição de sinais de TV, a legislação refere-se à figura da autorização tanto para o caso das televisões comerciais quanto para o das educativas, na forma do art. 8º do Decreto nº 5.371/2005. Em outras palavras, as pessoas jurídicas de direito público interno e as pessoas privadas com finalidades lucrativas para executarem os serviços de retransmissão e de repetição dos sinais de TV dependem de uma autorização, formalizada em ato do Ministério das Comunicações (art. 16 do referido decreto).
Além disso, quanto à prestação de serviços de transmissão e repetição de sinais de televisão pelo setor estatal, há o seguinte dispositivo normativo: “As outorgas a Estados e Municípios serão deferidas mediante atos de autorização pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado das Comunicações, conforme o caso, e serão formalizadas por meio de convênio a ser firmado no prazo de sessenta dias” (art. 1º, 10, do Decreto nº 2.108/96, que altera o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, aprovado pelo Decreto nº 52.795/63).
Vale dizer, o referido Decreto nº 52.795/63 careceu de técnica ao fazer a confusão entre as definições de autorização e concessão[186].
No presente trabalho, propõe-se a aplicação da autorização no âmbito do sistema de radiodifusão privado, cujo significado está atrelado à ideia de ato administrativo vinculado aos pressupostos legais para a sua expedição (requisitos objetivos e subjetivos), garantindo a segurança jurídica para a realização de investimentos privados para a execução dos serviços, conforme modelo adotado pela Lei Geral de Telecomunicações.
Nesse sentido, essa lei prevê o seguinte: “autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativo vinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidade de serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias” (art. 131, §1º) [187].
A introdução do citado artigo da Lei nº 9.472/97 inaugurou forte polêmica no direito administrativo brasileiro.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta que a autorização para a prestação de serviços de telecomunicações não pode ser um ato vinculado, eis que a noção de serviço público é incompatível com a natureza vinculada da outorga efetuada pela administração pública. A autora, ainda, entende pela possibilidade de uma autorização para a prestação de serviço outorgada no interesse do executor. Nesse caso, ela afirma que rigorosamente não se trata de um serviço público. Daí por que a autora inclusive defende a inconstitucionalidade do referido dispositivo normativo[188].
Mas há aqueles que defendem a legitimidade da utilização da autorização no campo dos serviços de telecomunicações. É o caso de Almiro do Couto e Silva, segundo o qual o artigo da lei que assegura a autorização como ato vinculado encontra-se em perfeita harmonia com a Constituição. Para ele, “não se deve, entretanto, confundir a ‘autorização’, ato de delegação de serviço público, com ‘autorização’ de certas atividades que, embora possam ter a aparência de serviço público, não implicam satisfação de interesses gerais ou coletivos (e, por isso mesmo, não é serviço público), mas visam a atender, exclusiva ou principalmente, interesses privados”[189].
Pra Marçal Justen Filho: “concedem-se serviços públicos; autorizam-se serviços privados. Obviamente, são distintos entre si os regimes jurídicos de autorização, permissão e concessão” [190]. Segundo o autor, a autorização é incompatível com a existência de um serviço público[191].
Em que pese a respeitável opinião do autor, entende-se que é possível, em princípio, a coexistência do serviço público com o regime de autorização. É o caso, por exemplo, de serviços administrativos de fácil execução realizados por particulares[192].
Todavia, em relação á específica questão do uso da autorização quanto aos serviços de televisão por radiodifusão algumas observações precisam ser feitas.
Como já afirmado, um dos objetivos aqui é negar a qualificação dos serviços de televisão no sistema de radiodifusão privado como serviço público privativo do Estado. Diante disso, trata-se de uma modalidade de serviço de televisão por radiodifusão que não é necessariamente um serviço público, e cuja atuação por particulares submete-se a uma fiscalização estatal mais rigorosa, no regime privado, caracterizado pela autorização administrativa.
Tal proposição serve ao objetivo de garantir a dinamização do mercado, com a adequada regulação dos serviços de televisão por radiodifusão e o fomento à produção audiovisual, para fins de diversificação dos operadores dos respectivos serviços e a multiplicidade dos programas oferecidos aos consumidores e cidadãos brasileiros, reforçada, ainda, pela implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital.
A utilização da autorização, aqui defendida, justifica-se ainda mais pelo fato de a execução dos serviços de televisão por radiodifusão envolver a utilização de frequências integrantes do espaço eletromagnético, um bem público por força de qualificação legislativa (art. 157 da Lei nº 9.472/97). Por essa razão, entende-se mais adequada esta figura do que a concessão administrativa. E mais, outro motivo consiste na estruturação de um ordenamento jurídico voltado mais à realização de direitos do que ao exercício de prerrogativas estatais[193].
A seguir, será analisada a incidência dos princípios relacionados à produção e à programação das emissoras de rádio e de televisão por radiodifusão, aos outros meios de comunicação social eletrônica.
1.4.4 Extensão dos princípios da produção e programação da radiodifusão à TV por assinatura e aos demais serviços de televisão
Com a Emenda Constitucional nº 36/2002, foi estendida aos “meios de comunicação social eletrônica” a aplicação dos princípios originariamente relacionados à produção e à programação do setor de radiodifusão.
O dispositivo diz o seguinte: “os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais” (§3º do art. 222, CF).
Tal norma está vinculada ao caput do art. 222 que preceitua o seguinte:
A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.
Diante no novo dispositivo constitucional resta saber se a expressão “meios de comunicação social eletrônica” aplica-se à televisão por assinatura e aos outros meios de comunicação que transmitam programação de TV, para fins de verificação da incidência dos princípios do art. 221 da CF.
Em uma interpretação ampla, a expressão “meios de comunicação social eletrônica” designa todo e qualquer meio de comunicação social que adote uma técnica eletrônica incluindo, além dos meios clássicos de radiodifusão (rádio e televisão), os diversos veículos de comunicação, como por exemplo, as empresas jornalísticas que exibam conteúdo audiovisual, as empresas de acesso á Internet, empresas de TV por assinatura (cabo, DTH, MMDS, etc.) e as empresas de telecomunicações que ofereçam conteúdo análogo ao da programação de televisão tradicional.
Por outro lado, é possível uma interpretação restrita do termo “meios de comunicação social eletrônica”. Para tanto, é necessária a delimitação do alcance da referida norma, restringindo-se o universo dos meios de comunicação social que podem ser qualificados como “meios de comunicação social eletrônica”, afastando-se o estado de insegurança jurídica na aplicação do direito.
Para eliminar o quadro duvidoso quanto ao alcance do dispositivo constitucional, foi elaborada a Proposta de Emenda nº 55/2004, de autoria do Senador Maguito Vilela, com o objetivo de alterar o art. 222, a fim de equiparar o regime jurídico das empresas jornalísticas e de radiodifusão com as empresas de acesso à Internet e de empresa que explore a produção, programação ou o provimento de conteúdo de comunicação social eletrônica dirigida ao público brasileiro, por qualquer meio e independentemente dos serviços de telecomunicações. Contudo, tal emenda foi arquivada ao final da legislatura[194].
Diante da problemática, uma das possíveis soluções quanto à aplicação dos princípios relativos à produção e à programação das emissoras de rádio e de televisão (art. 221, CF) é a utilização de uma interpretação por analogia. Nesse sentido, todos os serviços análogos à atividade de radiodifusão, esta caracterizada pela transmissão de programas e de programação de televisão, estarão submetido aos referidos princípios constitucionais. Todos os serviços de televisão assemelhados aos serviços de televisão por radiodifusão, que envolvam a “comunicação de massa” ou “comunicação social”, e que sejam executados por intermédio de uma programação de televisão, estariam submetidos ao mesmo estatuto. Por questões de isonomia haveria a igualdade na aplicação do direito aos serviços de televisão análogos. Como explica Luís Roberto Barroso: “[…] se outras plataformas oferecem os mesmos serviços, suscitam automaticamente as mesmas preocupações associadas à radiodifusão, referentes à soberania nacional, “a opinião pública, à cultura nacional e à responsabilização” [195].
Entende-se que a extensão do regime originário da radiodifusão relacionado aos princípios do art. 221 aos serviços de televisão por assinatura é razoável, eis que ambos tratam da atividade de televisão, ainda que seja diferente a tecnologia adotada. O ponto em comum é o conceito restrito de televisão, conforme mencionado no capítulo primeiro. O objetivo constitucional de proteção ao conteúdo voltado à apresentação de programas com “preferencia a finalidades educativas, artísticas, culturais e informais” deve alcançar não só a televisão aberta, como também a televisão por assinatura. Não importa o meio tecnológico utilizado para a difusão da programação de televisão, mas sim as finalidades substanciais que justificam a incidência do referido catálogo de princípios[196].
Portanto, a televisão por assinatura, em se tratando de um “meio de comunicação social eletrônica”, encontra-se submetida aos mesmos princípios aplicáveis à radiodifusão (art. 221 da CF), instituídos em defesa do “conteúdo brasileiro” na programação de televisão, editado em razão da soberania nacional em termos culturais perante a programação estrangeira[197].
Por outro lado, a extensão desse regime à Internet, às empresas jornalísticas on line e às empresas de telecomunicações não é de todo adequada em função das diferenças técnicas e do alcance social de cada veículo. Em princípio, tais empresas transmitem conteúdo audiovisual por diversos meios: computador; redes de telefonia e aparelhos de telefones celulares, etc.
Todavia, não é possível confundir o serviço de distribuição de vídeo com os serviços de televisão, sendo que estes estão baseados nos conceitos de programas e programação, conforme apontado no primeiro capítulo.
Além disso, por exemplo, a distribuição de programas ou programação de televisão pelos aparelhos celulares, cuja característica básica é a mobilidade, não possui as mesmas condições de recepção que a prestação dos serviços de televisão pelo aparelho tradicional, logo não se justifica o mesmo regime. Assistir programação de TV por celular não é a mesma situação que assistir à programação em casa pelo aparelho convencional!
Todavia, em se tratando de transmissão de programação de televisão por outros meios que não a técnica da radiodifusão ( e não os serviços de distribuição de vídeos) a extensão do regime da radiodifusão afigura-se, em princípio. Aplicável haja visto os objetivos constitucionais (art. 221 da CF).
Com efeito, em virtude da finalidade substancial relacionada à produção e à programação de conteúdo audiovisual, é razoável supor que todos os meios que prestem serviços de televisão estejam a ela vinculados. Contudo, é imprescindível a flexibilidade quanto à aplicação do regime jurídico, sob pena de comprometimento do desenvolvimento e universalização das novas tecnologias. Daí porque se defende que o futuro marco regulatório defina parâmetros mínimos para que a autoridade reguladora promova a aplicação do regime aos novos meios de prestação de serviços de televisão.
Além do aspecto quanto à proteção ao conteúdo audiovisual, é importante destacar que um dos motivos principais para a restrição mais intensa dos serviços de televisão por radiodifusão é a utilização de frequências radioelétricas: um bem público naturalmente escasso. Logo, todos os novos meios de comunicação que não dependam do espaço eletromagnético devem, em tese, receber menos restrições às suas respectivas atividades.
Em termos estruturais, a regulação desses serviços de televisão pelos novos meios de comunicação social há de ser feita não nos mesmos moldes daqueles atribuídos à radiodifusão em sua dimensão tradicional, especialmente quanto ao conteúdo audiovisual. Não é possível comparar a natureza e o alcance desses veículos com os clássicos meios de radiodifusão, daí por que a analogia deve ser feita com muita cautela sob pena de restringir excessivamente a liberdade de iniciativa. Toda e qualquer restrição estatal em relação às novas tecnologias há de observar o princípio da proporcionalidade. E mais, saliente-se que a eficácia do §3º, do art. 222, da CF, está condicionada à edição de lei específica para definir os contornos para sua aplicação.
1.4.5 Concretização da exigência de meios legais em defesa da pessoa e da família diante da programação de televisão e efetivação dos princípios da produção e programação de televisão (arts. 220, §1º, e 221, incisos I a IV, CF)
Não obstante quase 20 anos da promulgação da Constituição do Brasil, até o momento, não foi regulamentado o artigo 220, §1º, que trata do dever legislativo de estabelecer os meios legais em defesa da pessoa e da família perante programas ou programações de televisão, nem o art. 221, que abrange os princípios da produção e programação das emissoras de televisão, que são os seguintes: preferencia a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação, regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais definidos em lei e respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família[198].
Nesse aspecto, a legislação do setor (Lei nº 4.117/62) é insuficiente para atender aos objetivos constitucionais, razão pela qual o presente trabalho apresenta algumas proposições quanto à alteração da legislação para a concretização das referidas normas constantes no art. 220, § 1º, e 221, incs. I a IV, da CF.
Quanto à efetivação da garantia de meios legais de proteção à pessoa e à família perante os serviços de televisão (art. 220, §1º, CF), propõe-se o seguinte:
a) Estabelecimento em lei dos direitos e deveres dos usuários, tal como já ocorre na lei que trata dos serviços de televisão a cabo e na lei geral de telecomunicações, no âmbito dos três sistemas de radiodifusão;
b) Fomento do poder público à formação de associações de cidadãos em defesa dos direitos relacionados a uma programação de televisão de qualidade, mediante a atuação em procedimentos administrativos e processos judiciais;
c) Imposição de canais de comunicação entre as emissoras de televisão e os telespectadores (exemplo: a figura do ombudsman) [199];
d) Estímulo à participação procedimental (exemplos: a consulta pública para elaboração do plano de alocação de frequências, procedimentos de outorga e renovação, etc.) e a participação perante os órgãos voltados à execução e à regulação de serviços relacionados ao setor de radiodifusão (exemplos: televisões públicas; estatais e privadas, CONAR, agência reguladora, etc), especialmente com a otimização da Internet;
e) Transformação do Conselho de Comunicação Social em verdadeiro fórum republicano para a discussão dos temas sensíveis relacionados à democratização da mídia brasileira, com a alteração da lei que o instituiu, a fim de ampliar a presença de grupos da sociedade, modificando, portanto, a sua modelagem atual de caráter corporativo;
f) Extensão do direito de resposta para a proteção de bens coletivos e interesses sociais a entidades legítimas, em sentido análogo ao art. 82 do Código de Defesa do Consumidor (exemplo: Administração Pública, Ministério Público, Organizações não governamentais) [200]
g) Incentivo à adoção pelas emissoras de televisão de códigos deontológicos quanto ao exercício profissional, particularmente no campo da informação jornalística (exemplo: garantia da imparcialidade e o principio da presunção de inocência do acusado no tratamento de notícias envolvendo fatos de repercussão criminal);
h) Especialização no âmbito dos Ministérios Públicos estaduais para tratamento dos meios de comunicação social, em moldes similares ao grupo de trabalho sobre comunicação social criado pelo Ministério Público Federal (Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos);
Por outro lado, quanto à efetivação do art. 221, incisos I a IV, da CF, são apresentadas as seguintes proposições:
a) Quanto à preferencia da produção e programação das emissoras de televisão por finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
a.1) previsão de um regime de tempo mínimo para a difusão de conteúdo educacional[201], artístico, cultural e informativo;
a.2) a diminuição dos custos de transmissão para programas educacionais, artísticos, culturais e informativos nas televisões comerciais, com regras de incentivo fiscal;
a.3) incentivos para a exibição de programas educacionais vocacionais à educação infanto-juvenil, com a imposição de quotas mínimas de exibição desse conteúdo e a realização de programas de educação para a mídia;
b) promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
b.1) imposição de um regime de quotas obrigatória de exibição em obras audiovisuais de valorização à cultura brasileira e de caráter regional, com a fixação do dever de realizar investimentos mínimos na compra de conteúdo audiovisual de produção por terceiros e abertura de espaços na programação para a difusão de filmes nacionais;
c) regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
c.1) sugestão similar ao item anterior, com a adoção de um regime de quotas mínimas obrigatórias em termos de produção de conteúdo audiovisual de caráter cultural, artístico e jornalístico, voltadas á correção do desequilíbrio do setor audiovisual, acentuadamente centralizado no Sudeste, com a imposição de percentuais de produção própria, de âmbito local e regional, pelas redes nacionais de televisão e emissoras afiliadas;
c.2) articulação da disciplina jurídica da televisão com o aproveitamento da legislação de fomento à cultura, com a produção regional da parte das próprias emissoras de televisão e produtora independentes;
c.3) investimentos estatais diretos no processo de produção de conteúdo audiovisual (exemplo: fomento ao turismo);
c.4) criação de fundos especiais de investimento na produção e na distribuição de conteúdo audiovisual regional;
c.5) limitação á participação estrangeira na mídia, com o estabelecimento de produção mínima de programação em território nacional, com a contratação de profissionais brasileiros;
d) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família;
d.1) previsão em lei de determinados bens a serem protegidos que estejam em direta conexão com o princípio da dignidade da pessoa humana, como, por exemplo, restrições aos programas com cenas de violência e sexo, e programas de caráter sensacionalista, para fins de especial atenção ao público infanto-juvenil, como também o estímulo à adoção de códigos de conduta pelas emissoras de televisão.
Todos os princípios mencionados aplicam-se aos três sistemas de radiodifusão. Contudo, a incidência não é homogênea em virtude da natureza de cada um dos referidos sistemas.
Por exemplo, certamente a norma que impõe o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família aplica-se às televisões comerciais, públicas e estatais. Todavia, o principio que trata da preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas deve ser respeitado com mais rigor nos sistemas público e estatal do que em relação à televisão comercial. É que esta, em razão de sua própria natureza, depende para sua sobrevivência da pluralidade mercantil. Logo, um dos mecanismos para atrair a atenção d audiência é a veiculação de programas com entretenimento. Assim, sem dúvida alguma, ela está obrigada às referidas finalidades constitucionais, porém não no mesmo grau de autonomia privada em relação á liberdade de programação.
Outro exemplo consiste no descabimento de exigir das televisões comunitárias, cuja vocação é o âmbito local, o cumprimento da regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei.
Por essas razões, compete à lei a definição do marco regulatório adequado para a concretização dos referidos princípios.
A seguir, será verificada a proposição concernente à necessária instituição de uma agência reguladora dos serviços de televisão por radiodifusão.
1.4.6 Atribuição da competência regulatória sobre os serviços de televisão por radiodifusão à Anatel
Renove-se a assertiva de que um dos principais problemas do Brasil em termos de democratização da televisão é a deficiente regulação estatal, eis que o interesse da sociedade brasileira. Conforme lições do professor Fábio Konder Comparato: “[…] a regulação do sistema de comunicação como um todo, incluindo nesta era de multimídia o conjunto dos canais de telecomunicação por via telefônica, tornou-se, no presente, uma matéria constitucional por sua própria natureza”[202].
Em função disso, torna-se necessária a respectiva regulação, por intermédio de uma agência autônoma dos serviços de televisão por radiodifusão, em relação ao poder político (especialmente, o poder do governo – Presidente e Ministério das Comunicações) e do poder econômico (empresas de mídia nacionais e internacionais e agências de publicidade)[203].
Aqui, adota-se uma postura crítica diante da separação promovida de modo circunstancial pela Emenda Constitucional nº 08/95, entre os setores de telecomunicação e radiodifusão, defendendo-se a modificação do ordenamento jurídico, para atribuir a competência regulatória à ANATEL sobre os serviços de televisão por radiodifusão. Deste modo, permite-se a relativização da separação entre os dois universos, promovendo-se alguns passos em direção à aproximação recíproca.
A medida, ora proposta, justifica-se pelas seguintes razões (i) o processo de convergência de tecnologias e de prestação de serviços em matéria de comunicações eletrônicas requer a unidade regulatória; 9ii) evita-se a confusão entre a atribuição de competências para as distintas entidades o que compromete a segurança jurídica; (iii) aproveita-se a experiência da ANATEL em termos de regulação setorial sobre os serviços de telecomunicações; (iv) facilita-se a adoção de uma política nacional de comunicações diante da internacionalização da mídia; (v) a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, em razão de sua própria dinâmica requer um órgão especializado no tratamento das questões técnicas que lhe são subjacentes: e, finalmente, (vi) os demais serviços de televisão por assinatura já se encontra sob a jurisdição da referida agência.
Nesse contexto, algumas alterações no direito positivo precisam ser feitas tanto na Constituição Federal quanto na legislação infraconstitucional.
Defende-se, aqui, a proposta de modificação do ordenamento jurídico brasileiro, na forma d emenda constitucional, alterando-se o art. 223, §§1º, 2º, 3º, e o art. 49, XII, da CF, para atribuir as competências então conferidas ao poder Executivo e ao Poder Legislativo (ato de outorga, ato de renovação e ato de não-renovação) e ao Poder Judiciário 9ato de cancelamento do ato de outorga), à ANATEL, dotada de plena autonomia em face do poder político e do poder econômico, com a participação da cidadania brasileira nos procedimentos de outorga, renovação, entre outros. A atribuição de competência regulatória à referida agência em relação ao setor de radiodifusão só tem sentido se ela dispuser de poder de outorga, normatização e fiscalização em relação às emissoras de televisão por radiodifusão.
Além disso, deve-se alterar a Lei Geral de Telecomunicações, a fim de conferir tal competência á ANATEL, transformando-a em uma Agência Nacional de Comunicações. Ora, se há um Ministério das Comunicações, nada mais razoável do que a existência de uma agência especializada em matéria de comunicações, independentemente da tecnologia adotada. Ao Ministério competirá a elaboração da política pública em matéria de comunicações, enquanto à agência caberá a definição e a execução da política regulatória. Nesse sentido, o modelo, ora proposto, aproxima-se da experiência da Federal Communications Comission dos EUA, sob análise no capítulo terceiro, que tem por objeto justamente todas as modalidades de serviços de comunicações, independentemente da plataforma tecnológica adotada.
No atual momento histórico, entende-se como inconveniente a criação de mais uma agência especializada unicamente no setor audiovisual.
De fato, o conteúdo audiovisual é objeto de tratamento especial pela Constituição, razão pela qual ela impõe um estatuto específico. Contudo, isso não exige necessariamente uma agência especializada somente no setor de comunicação audiovisual.
Portanto, é perfeitamente possível atribuir à ANATEL a regulação em termos de conteúdo audiovisual. É que a separação entre a regulação da infra-estrutura e do conteúdo audiovisual acaba enfraquecendo a própria proteção a este último. Em regra, quem detém os meios de comunicação é que determina quais os conteúdos que serão veiculados pelas redes de difusão. No Brasil, a disciplina das redes há de ser feita em harmonia com o tratamento dos conteúdos audiovisuais, sob pena de ineficiência. Um dos mecanismos para neutralizar o poder dos proprietários e/ou controladores das redes é a promoção da regulação, em conjunto, em favor da produção do conteúdo audiovisual. Com isso, minimiza-se o risco de o controlador da rede impor condições excessivas para o transporte de conteúdo audiovisual de outros concorrentes[204].
Sintetizando-se, em vez de separação entre setores de telecomunicações e radiodifusão, deve ocorrer uma aproximação entre os mesmos justamente em razão do processo de convergência, ainda mais acentuado pela implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital.
1.5 Reflexos do Sistema Brasileiro de Televisão Digital sobre o regime jurídico dos serviços de televisão por radiodifusão
1.5.1 Ausência de previsão normativa do conceito de serviço de televisão por radiodifusão
O Decreto nº 5.820/06[205] trata da implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) na plataforma de transmissão e retransmissão de sinais de radiodifusão de sons e imagens. Ele não contempla, em verdade, um conceito de serviço de televisão digital, apenas estabelece a seguinte definição de Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T): “conjunto de padrões tecnológicos a serem adotados para transmissão e recepção de sinais digitais terrestres de radiodifusão de sons e imagens”. E, ainda, faz referência aos “serviços integrados de radiodifusão digital terrestre” (ISDB-T – Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial) (art. 2º).
O referido ato normativo em seu art. 4º dispõe: “o acesso ao SBTVD-T será, assegurado, ao público em geral, de forma livre e gratuita, a fim de garantir o adequado cumprimento das condições de exploração objeto das outorgas”.
Não há, no entanto, identificação de quais são os “serviços integrados de radiodifusão digital terrestre”.
No modelo tradicional, uma emissora de televisão, em razão de obter um ato de outorga, presta serviços de radiodifusão de sons e imagens. Ela não presta serviços de acesso á Internet, eis que estes não são classificados como radiodifusão, mas como serviços de telecomunicações. Resta saber se o novo marco regulatório da televisão digital permitirá que a própria operadora dos serviços de televisão ofereça novos serviços ou se ela estará proibida de fazê-lo. Portanto, é essencial a distinção entre o serviço básico de televisão por radiodifusão e as outras decorrentes da televisão digital[206].
Isso tudo pressupõe a adoção de um conceito normativo de televisão, tal como visto no capítulo jurídico incidente sobre atividade de radiodifusão.
1.5.2 Definição do objeto do ato de outorga: a questão dos serviços de televisão digital de alta definição e/ou de definição padrão
Uma questão central na definição do marco jurídico de ordenação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital consiste no objeto da outorga que afeta o conteúdo do regime da concessão, permissão ou autorização.
Conforme a legislação em vigor, o objeto do ato de outorga do serviço de radiodifusão na forma analógica inclui o direito de uso da faixa de frequências de 6MHz, o que permite a transmissão de uma única programação pela emissora de televisão. Evidentemente que, havendo necessidade em razão do interesse público na realocação das frequências, não há que se falar em “direito adquirido” ao uso do bem público.
Por outro lado, com a aplicação da técnica digital, por intermédio dessa mesma faixa de frequências, torna-se possível a transmissão de múltiplas programações de televisões[207].
O Decreto nº 5.820, de 29 de junho de 2006, prevê a transmissão digital em alta definição (HDTV) e em definição padrão (SDTV) [208].
O problema que se coloca consiste no fato de a transmissão digital em alta definição ocupar uma faixa muito maior de frequência do espectro eletromagnético. Quer dizer, quanto melhor a qualidade da imagem no receptor, maior a utilização da capacidade de transmissão do espectro de frequências. Ademais, a recepção do sinal na forma HDTV depende de um aparelho televisor digital, cujo custo hoje é ainda elevado no Brasil, o que é um fator impeditivo do acesso à maioria da população brasileira.
A utilização da transmissão HDTV permite uma excelente qualidade de imagens e sons para os respectivos usuários, contudo ela acaba impedindo a utilização da faixa de frequências de 6MHz para os outros usos possíveis voltados à democratização da comunicação social, particularmente para a prestação de outros serviços de interesse público ou interesse coletivo. Em vez da realização da complementaridade dos sistemas público e estatal na radiodifusão, o governo omite-se em adotar medidas para criar alternativas diante da hegemonia das televisões privadas.
Uma vez que lhes foi conferida a faixa de 6MHz, as emissoras de televisão privadas estão fazendo investimentos em favor da transmissão de suas programações no padrão HDTV em detrimento de eventual utilização do padrão SDTV.
A transmissão digital no padrão SDTV garante um cenário de multiprogramação, o que favorece a maximização da diversidade de conteúdos audiovisuais. De fato, tal modalidade de transmissão promove a alocação do recurso radioelétrico para um número maior de operadores e de programações audiovisuais.
A análise da experiência estrangeira demonstra a adoção de uma fase de transição caracterizada pela transmissão simultânea na forma analógica e digital e a possibilidade do formato HDTV. Nos EUA, a escolha quanto à forma de transmissão de televisão digital encontra-se no âmbito da liberdade empresarial das emissoras de televisão por radiodifusão. Na França, há também a forma HDTVm porém lá a política pública em torno da televisão digital voltou-se ao pluralismo da mídia, mediante a entrada de novos operadores privados e públicos, assegurando-se, ainda, ao setor público o acesso prioritário ao recurso radioelétrico[209].
Aqui, em razão dos objetivos da República Federativa do Brasil, do regime de direitos fundamentais (liberdade de expressão, informação, comunicação, direitos culturais, etc.), soberania nacional, defesa do patrimônio cultural brasileiro, interesses dos consumidores, redução das desigualdades regionais, vedação ao oligopólio e monopólio dos meios de comunicação social, principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão, não é admissível a priorização, em caráter absoluto, da transmissão digital no padrão HDTV. Não é razoável que a televisão digital seja reduzida à HDTV, sob pena de perder-se uma oportunidade histórica para a democratização do acesso de novos operadores e a abertura da diversificação do conteúdo audiovisual, protegidos pelos princípios constitucionais relativos à produção e à programação das emissoras de televisão, especialmente para assegurar a efetivação dos sistemas de radiodifusão estatal é público.
Compete à lei a definição do marco regulatório de modo a compatibilizar a transmissão digital no padrão HDTV com as necessidades da sociedade de acesso aos meios de comunicação que possibilitem o exercício das liberdades comunicativas, estabelecendo-se os respectivos limites. Até porque os benefícios decorrentes da implantação de uma nova tecnologia devem ser compartilhados pela sociedade, não podendo ser apropriados exclusivamente pelas empresas de radiodifusão. Daí a imperiosa harmonização com a permissão da liberdade empresarial em escolher o padrão HDTV ou SDTV, porém obrigando-se ceder parte de sua capacidade excedente de transmissão para que outras entidades ofereçam diversos serviços (educacionais, informativos, telemedicina, etc) [210].
Certamente, a entrada de novos competidores no mercado de televisão por radiodifusão no cenário digital significará uma maior disputa em relação às receitas decorrentes do mercado publicitário. É um fator a ser considerado no novo marco regulatório do setor em razão da necessidade de investimentos para a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Entretanto, isso não significa a outorga de privilégios para as atuais empresas de radiodifusão, pois conforme disposto na própria legislação em vigor, “concessões de autorizações não têm caráter de exclusividade” [211].
É inadmissível em um Estado Democrático de Direito que haja a reserva, seja por decreto, seja por lei, do mercado de televisão por radiodifusão aos atuais “concessionários”. Aqui, o princípio da concorrência incide com toda sua força normativa e exige a regulação do mercado de modo a permitir, dentro do máximo possível, o acesso de novos competidores, especialmente, a participação de operadores públicos e estatais no cenário audiovisual brasileiro[212].
1.5.3 Instituição do operador da rede de difusão: a distinção entre as atividades de transporte de sinais e de programação audiovisual
Na visão tradicional, o serviço de televisão por radiodifusão envolve as atividades de produção de conteúdo audiovisual, a transmissão do sinal de televisão (áudio e vídeo) e a recepção do sinal por aparelhos de televisão. O paradigma de organização é a concentração das atividades de produção de conteúdo audiovisual, transmissão dos sinais (operação da rede de difusão) e programação audiovisual (edição dos programas de televisão) em poder da “concessionária”. Tais atividades pressupõem, ainda, a adoção de técnicas específicas para a realização da comunicação de um ponto para milhares de pontos espalhados pelo território nacional, o que se faz mediante a emissão e a transmissão do sinal por antenas terrestres e satélites, com a utilização do espectro eletromagnético[213].
Com a digitalização, é possível fragmentar o setor de radiodifusão em atividades especializadas, isto é, separar o serviço de transporte de sinais de televisão e a atividade de programação audiovisual. Em razão da mutação tecnológica, torna-se viável romper o paradigma tradicional e instaurar um novo modelo fundado na fragmentação das atividades do setor de radiodifusão, conforme suas especialidades. Com isso, separam-se as atividades de produção audiovisual, operação da rede de difusão e programação audiovisual[214].
A operação e o funcionamento do serviço de televisão por radiodifusão depende de uma infra-estrutura material de transmissão configuradora de uma rede de difusão. Em relação a essa questão existem duas possíveis soluções.
A primeira consiste em deixar cada prestador do serviço de televisão encarregar-se da construção de sua própria rede para transmitir o conteúdo audiovisual para a área de cobertura. Trata-se da alternativa tradicional adotada na transmissão analógica de televisão que está articulada em torno das emissoras de televisão e estações afiliadas, repetidoras e retransmissoras.
A segunda consiste na criação da figura do operador de rede como o responsável pela infra-estrutura de transmissão (pública ou privada, esta, porém, cujo uso esteja condicionado ao interesse público); e, consequentemente, pela oferta de capacidade de transporte de sinais (alternativa adotada na Europa para a transmissão digital de televisão)[215].
Com a configuração de um operador de rede, cada emissora de televisão recebe o espaço necessário para veicular seu conteúdo, e, como a tecnologia viabiliza a diminuição do espaço utilizado, o excedente é automaticamente redistribuído para a entrada de novas emissoras. Nesse contexto, as emissoras transmitem seu sinal para uma única antena titularizada e gerida por uma empresa independente, sem ligação com as emissoras, e fortemente fiscalizada pela agência reguladora, que combinará os sinais no espaço disponível e os transmitirá em um único feixe para as residências daquela área de cobertura. Em tese, pode-se proibir que uma empresa de telecomunicações ofereça esse tipo de serviço, a fim de evitar que ela prejudique a concorrência no setor.
A importante função do operador de rede consiste em assegurar o fracionamento do canal de 6MHz, a fim de colocar várias programações de diferentes estações de televisão, no espaço que hoje é ocupado pela programação de uma única emissora. O serviço prestado volta-se exclusivamente ao transporte de programações de terceiros, sendo vedada ao operador de rede a veiculação de programação audiovisual própria. A remuneração decorre da prestação de serviço de transporte de sinais caracterizadores de programações audiovisuais dos diversos operadores que atuam no setor de radiodifusão[216]·.
Nessa modelagem, a rede de difusão configura, na terminologia da doutrina, uma essential facilities para a prestação de serviços de televisão digital. Garante-se o acesso integral à rede pelos diversos operadores no mercado, assegurando-se uma efetiva competição na oferta de serviços. O titular da rede está obrigado a franquear o acesso à empresas interessadas no transporte dos sinais de televisão e de outros sinais, permitindo o oferecimento das diversas programações ao público. Assim, a rede, embora possa ser de titularidade privada, é qualificada como de uso público[217].
Adota-se o princípio open network provision, isto é, o princípio básico de funcionamento das redes públicas como redes abertas a todos os prestadores de serviços, inclusive operadores estatais e públicos. Trata-se de um principio que assegura o compartilhamento do uso da infra-estrutura para fins de transmissão dos sinais de televisão[218]. Deve-se obrigar que o operador de rede carregue (regras must carry), sem qualquer cobrança, os sinais de televisão emitidos por operadores públicos e estatais, reduzindo o custo global do funcionamento dessas emissoras, e garantindo, na prática, o princípio da complementaridade entre os sistemas de radiodifusão.
Aqui, propõe-se, em favor da concretização do principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão, a separação da atividade de transporte do serviço de programação audiovisual e a adoção pelo futuro marco regulatório da figura do operador de rede.
1.5.4 Direitos dos consumidores
Com a televisão digital, surge o problema relacionado à recepção do sinal de televisão por radiodifusão. É que a recepção do sinal na forma digital depende da compra pelo consumidor de um aparelho de televisão moderno que já possua condições tecnológicas para receber o sinal digital ou da compra de um aparelho conversor.
Ocorre o custo tanto do aparelho de televisão digital quanto do conversor ainda está muito elevado. São poucos os brasileiros que possuem recursos financeiros para arcar com o elevado preço desses bens eletrônicos. Além disso, por enquanto o sinal digital está sendo transmitido apenas para a cidade de São Paulo; os demais municípios brasileiros recebem apenas o sinal tradicional na forma analógica. E mais, a maioria dos conversores atuais em pouco espaço de tempo estará defasada do ponto de vista tecnológico.
Tanto a propaganda oficial do governo federal quanto a publicidade da mídia não têm oferecido informação adequada e suficiente para os consumidores em relação ao sistema de televisão digital. Apenas aqueles que possuem acesso a Internet, jornais e revistas é que têm maiores condições de compreender a televisão digital. Vale dizer, a quase totalidade dos consumidores não tem informações verdadeiras e adequadas.
Ora, um dos eixos basilares da política nacional de consumo é o princípio da educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo, conforme disposto no art. 4º, IV, do Código de Defesa do Consumidor.
Além disso, alguns direitos básicos do consumidor consistem: na educação e divulgação sobre consumo adequado dos produtos e serviços, garantida a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações, a informação adequada e clara sobre diferentes produtos e serviços, com a especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre riscos que apresentem, e a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, nos termos do art. 6º, II, III e IV, da Lei nº 8.078/1990[219].
Portanto, é dever do poder público, dos fabricantes, dos distribuidores e redes de varejo que vendam aparelhos de TV e das emissoras de televisão a correta informação a respeito do sistema de televisão digital, a fim de facilitar a vida dos consumidores brasileiros. Estes, sentindo-se prejudicados pela falta de informações adequadas que possibilitem o ato de consumo, podem acionar os causadores dos danos ao seu patrimônio pessoal.
[1] SOARES, R., op. cit., p. 126.
[2] Este é um tema conexo à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ver: SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005. P. 52-53.
[3] Ver BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 641-652; DI PIETRO. Direito administrativo, p. 112-113. Para Odete Medauar: “os elementos comuns às atividades qualificadas de serviço público são os seguintes: a) vínculo orgânico com a Administração. […] a.1) presunção de serviço público – quando a atividade prestacional é exercida pelo poder público presume-se que se trata de serviço público; a.2 relação de dependência entre a atividade e a Administração ou presença orgânica da Administração; […] b) quanto ao regime jurídico, a atividade de prestação é submetida total ou parcialmente ao direito administrativo, mesmo que seja realizada por particulares[…]” (MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p.315).
[4] Cf. Odete Medauar: “No tocante ao serviço público, o saber quando e por que uma atividade é considerada serviço público, se coloca no plano da concepção política dominante, da concepção sobre o Estado e seu papel; é o plano da escolha política que pode estar fixada na Constituição, na lei tradição” (MEDAUAR. Serviço público. Revista de Direito Administrativo – RDA, p. 109) Ainda conforme a autora: “Portanto, diferentemente do que Vedel considerou para o direito francês, a noção de serviço público no Brasil, é noção de relevo, sobretudo pelo tratamento conferido pela Constituição Federal ao tema. Assim, tem uma base constitucional” (p. 113).
[5] A Constituição é um sistema aberto de normas e princípios, sendo que sua estrutura encontra-se em interação com a realidade, razão pela qual ela está capacitada à percepção das mudanças que acontecem ao seu redor (Ver: CANOTILHO. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 1159). Trata-se de categoria “abertura” da Constituição, cujo sentido corresponde ao “deixar conscientemente por regular certas tarefas (incompletude material), ao optar por uma técnica normativa de normas abertas, princípios e cláusulas 9estrutura aberta das normas constitucionais) e ao aceitar a mudança ou mutação constitucional como fenômeno inerente à própria historicidade da vida constitucional (abertura ao tempo) […]” (Ver: CANOTILHO. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, p. 147). E, ainda, conforme Canotilho: “Como irá ver-se, ao discutir-se o problema da discricionariedade legislativa e da liberdade de conformação do legislador, muitas das conclusões do presente trabalho acabam, no seus resultados práticos, por se mostrar concordantes com uma das ideias centrais da ‘abertura’ constitucional: a impossibilidade teórica, metódica e prática de reduzir a legislação a uma contínua e reiterada tarefa de ‘execução constitucional’”. (Conferir: CANOTILHO. Constituição dirigente e vinculação do legislador. contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, p. 147).
[6] Conforme Marçal Justen Filho: “O conceito de atividade econômica em sentido estrito delineia-se, portanto, sobre os princípios da exploração empresarial, da livre iniciativa e da livre concorrência. Pressupõe que os sujeitos possam organizar os fatores da produção para obtenção de resultados não predeterminados pelo Estado, com apropriação privada do lucro” (JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 32).
[7] Segundo Alexandre Aragão: “O marco regulatório dos serviços públicos, portanto, dentro desta perspectiva, não visa a evitar mudanças nas regras que o compõem, mas sim a estabelecer os direitos básicos das partes, os requisitos, as instituições (preferencialmente autônomas em relação ao poder político) e procedimentos pelos quais estas mudanças deverão se operar” (ARAGÃO. O marco regulatório dos serviços públicos. Interesse Público, p. 74).
[8] Trata-se de expressão utilizada pelo Ministro Celso Mello do STF. Ver: ADIN nº 561-9.
[10] Ver: site na Internet do Ministério das Comunicações: www.mc.gov.br. Acesso em: 02 dez. 2006.
[11] Para Fábio Konder Comparato: “A titularidade, em direito, é uma relação de pertença, posse ou dominação. O termo ‘titular’, que não configura nos dicionários tradicionais da língua, parece uma criação do meio brasileiro, quando significa, justamente, senhor ou possuidor. Mas, já na linguagem jurídica lusitana atual a titularidade se define como ‘o nexo de pertença efectiva de um direito a certa pessoa […]. Na relação de titularidade, o título não é uma causa jurídica qualquer de exercício de direitos, mas a pertença desses direitos a alguém. Titular, ou possuidor legítimo, por conseguinte, é somente o senhor e possuidor desses direitos” (COMPARATO. Direito empresarial: estudos e pareceres, p. 70). Em que pese o respeitável entendimento, aqui, a expressão titularidade será empregada para designar o fenômeno que envolve o exercício de competências estatais, pois entende-se que o Estado é titular de competências na forma da Constituição, porém não sendo titular de direitos subjetivos e/ou direitos fundamentais.
[12] Cf. Segundo José Afonso da Silva: “[…] O serviço público é, por sua natureza, estatal. Tem como titular uma entidade pública. Por conseguinte fica sempre sob o regime de direito público. O que, portanto, se tem que destacar aqui e agora é que não cabe titularidade privada nem mesmo sobre serviços públicos de conteúdo econômico, como são, por exemplo, aqueles referidos no art. 21, XI e XII, que já estudamos quando comentamos o conteúdo desses dispositivos” (Curso de direito constitucional positivo, p. 775-776). Para Gaspar Ariño Ortiz, o conceito tradicional de serviço público implica a reserva da atividade enquanto tal em favor do Estado (ou de outra Administração Pública), desde o momento mesmo de sua declaração como serviço público; a atividade deixava de ser privada para converter-se em tarefa pública (ARIÑO ORTIZ. Principios de derecho público económico, p. 538).
[13] Trata-se da recepção no direito brasileiro da ideia de serviço público decorrente da cultura europeia. Cf. Dinorá Grotti: “Serviço público e publicatio (passagem à titularidade do Estado) aparecem, assim, indissoluvelmente ligados na cultura jurídica europeia de raiz francesa, diferentemente do que sucederá nos países anglo-saxões” (GROTTI. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988, p. 25).
[14] Como explica Odete Medauar: “A competência para prestação de serviços públicos decorre da repartição de competências previstas na Constituição Federal. Além dos serviços públicos de competência exclusiva, há serviços concorrentes (por exemplo, assistência médica) e serviços passíveis de delegação” (MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p.317).
[15] Ver Curso…, op.cit., p. 651.
[16] Há quem sustente que a criação de novos serviços públicos depende de uma emenda constitucional, vedando-se ao legislador tal tarefa (AGUILAR. Controle social de serviços públicos, p.129).
[17] Parecer publicado na Revista do Instituto Brasileiro de Estudos das Relações de Concorrência e de Consumo, v.8, n.7, p. 124-125, 2001.
[18] BASTOS; TAVARES. As tendências do direito público no limiar de um novo milênio, p. 660.
[19] JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 39.
[20] GONÇALVES. A concessão de serviços públicos, p. 38.
[21] GRAU. Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 138.
[22] BANDEIRA DE MELLO, Parecer, p. 124-2-125.
[23] Cf. VALLE, op.cit., p.85.
[24] Cf. o autor: “Assim, a defesa dos interesses das empresas genuinamente nacionais em confronto com interesses de empresas pertencentes a grupos estrangeiros é um consectário natural de uma ordem jurídica soberana. De resto, é o que fazem todos os países desenvolvidos do mundo e até mesmo os subdesenvolvidos que mantêm um mínimo de consciência de seu próprio existir como povo independente” (BANDEIRA DE MELLO, Parecer, p. 128).
[25] GRAU, op.cit., p. 139. E mais, segundo Celso Bastos e André Tavares: “Considera-se como serviço público essencial, que é então repassado aos particulares, por meio de concessão, permissão ou autorização estatal”. “[…] esse serviço desempenha uma função pública, no sentido de que há de contribuir para a formação de opiniões dos cidadãos de maneira objetiva” (As tendências do direito público no limiar de um novo milênio, p. 660).
[26] MEDAUAR, Direito administrativo moderno, p. 316.
[27] GRAU. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 11.ed. ver. e atual., p. 139-140.
[28] Nesse aspecto, a tarefa legislativa de disciplina dos sistemas de radiodifusão é imprescindível para a concretização dos direitos fundamentais, pois estes requerem organização jurídica se tornarem eficazes, tarefa essa essencial da parte do legislador (HESSE. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 247).
[29] STF. Tribunal Pleno. Representação nº 1.320-1 – Mato Grosso do Sul. Relator: Célio Borja. Julgado em 17 set. 19 set. 1986. Decisão publicada no DJ, 14 nov.1986.
[30] STF. Adin Nº 561-8, Distrito Federal. Relator: Min. Celso Mello. Requerente: Partido dos Trabalhadores. Requerido: Presidente da República. Julgamento em 23 ago. 1995, decisão publicada no DJ, 23 mar. 2001. Disponível em: <htpp://www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 dez. 2006. A título ilustrativo, o art. 21, XI, em sua formulação originária, previa o seguinte: “Art. 21. Compete à União […] XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob o controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União” (grifo nosso).
[32] STJ. Primeira Seção. MS nº 5.307/DF (97.0054287-4_. Relator: Ministro Demócrito Reinaldo. Impetrante: Associação Nacional de Televisões Educativas e Comunitárias (ANTEC). Impetrado: Ministro de Estado das Comunicações. Acórdão publicado no DJ, 02 ago; 19 ago. 1999.
[33] TSE. Consulta nº 7.441 – Classe 10ª – Espirito Santo. Resolução nº 12.384, de 22 de outubro de 1985.Relaor: Ministro Carlos Velloso. Publicado no DJ, 07 nov. 1985. Cuida lembrar que o uso abusivo dos meios de comunicação social por candidatos ou partidos políticos pode implicar na cassação do registro do candidato ou cassação de seu diploma se porventura for eleito. Frequentemente, a Justiça Eleitoral depara-se com representações e ações contra a expedição de diploma de candidatos eleitos sob o fundamento do uso abusivo dos meios de comunicação social, com a potencialidade de influenciar o processo eleitoral e causar o desequilíbrio entre os candidatos, na forma do art. 22 da lei Complementar nº 64/90.
[34] Cf. GRAU, op.cit., p. 103-104. Para Almiro do Couto e Silva: “Sempre me pareceu discutível a distinção radical que muitos administrativistas brasileiros fazem em prestação, pelo Estado, de serviços públicos e de atividade econômica. Os primeiros estariam regidos pelo art. 175 da Constituição e a última pelo art. 173. Ora, essa separação absoluta – que melhor seria dizer oposição absoluta – entre as duas noções talvez tenha existido no século XIX” (SILVA, A. Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas por particulares. Serviço Público “À Brasileira”?. Revista de Direito Administrativo, p. 45-74). Em sentido contrário, encontra-se Odete Medauar, segundo a qual: “A n osso ver, não parece adequado ao ordenamento brasileiro, considerar o serviço público como atividade econômica” (Serviços públicos e serviços de interesse econômico geral. In: FIGUEIREDO NETO, Diogo de (Coord.). Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo. Obra em homenagem a Eduardo Garcia de Enterría. Anais do Seminário de Direito Administrativo Brasil-Espanha. Rio de Janeiro: renovar, 2003. P. 125).
[35] Segundo Renato Alessi: “A noção de serviço, em verdade, é sem dúvida alguma originária do campo da ciência econômica, na qual essa cumpre a função de designar, e enumerar os elementos produtores de utilidade, qual atividade e prestações pessoais que são em termos produtivos em oposição aos bens naturais” (ALESSI. Le Prestazioni Administrative: Rese Ai Privati, p. 7).
[36] Aqui, entendem-se os princípios como mandamentos de otimização, nos termos da formulação de Robert Alexy. Ver Teoria de los derechos fundamentales, p. 86-87.
[37] A título ilustrativo, o Senador Artur da Távola, “deputado constituinte”, comenta a respeito da inclusão do principio da complementaridade no texto da Constituição de 1988: “[…] Parecia-me que, havendo um equilíbrio na concessão, se alcançaria o pressuposto da democratização nos meios de comunicação. Então, criei ali a figura da complementaridade do sistema. Eu era Relator e criei esta figura, que a autorização, a concessão, a permissão para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens observasse o principio de uma complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Estávamos inovando, a meu ver, em primeiro lugar, para a criação do sistema público que até então não existia configurado em lei. Havia o privado e havia o estatal. Ao mesmo tempo, eu tinha na mente, não era, digamos assim, assunto do conhecimento específico dos demais Constituintes, porque não estavam trabalhando diretamente sobre a matéria, eu tinha em mente, como eu era o Relator também do capítulo de educação e cultura, de que lá no capítulo da educação, criamos, para o conceito de escola pública, algo que escapasse ao exclusivo conceito de escola estatal como definição de escola pública. […] a ideia da instituição pública que não é necessariamente estatal, desde que sem fins lucrativos, desde que comunitária, desde que filantrópica. […] o modelo privado, com sua energia, com seu marketing etc; o modelo estatal, com obrigações de uma política estatal na comunicação; não necessariamente com a atual política do governo; e o modelo público, que justamente teria dentro de si um conjunto, uma pluralidade de natureza ideológica e controlar lhe as emissões; […] Parecia-me que a complementaridade garantiria a oferta. Mas, infelizmente, até hoje nenhum governo observou esse princípio. […] Sintetizando, a Lei Maior, ao criar a complementaridade dos sistemas, deu o instrumento que o Poder Executivo não utiliza. Ele não tem feito outorgas do ponto de vista da complementaridade do sistema. Que universidades, instituições da sociedade e organizações ligadas a profissionais do setor têm ganho? Nada” (SENADO FEDERAL. Comissão de Educação, Subcomissão de Rádio e Televisão. Ata da 4ª Reunião Ordinária, da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 51ª Legislatura, realizada em 9 de setembro de 1999).
[38] A palavra complementaridade decorre do verbo complementar, o qual decorre do latim complementum, cujo significado originário é completar (CUNHA. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa, p. 201).
[39] Acerca das possíveis significações do princípio do pluralismo, ver item específico no capítulo quarto sobre o direito francês.
[40] Cf. Vital Moreira, o conceito operacional de regulação econômica é estruturado a partir das ideias de “estabelecimento e a implementação de regras, para a atividade económica destinadas a garantir o seu funcionamento equilibrado, de acordo com determinados objetivos públicos” (MOREIRA, op.cit., p.34).
[41]Acerca do tema, Floriano de AZEVEDO Marques Neto explica o seguinte: “A moderna noção de regulação conduz a ideia de equilíbrio dentro de um determinado sistema regulado. Como já dito, a regulação busca equilibrar os interesses internos com um sistema econômico (um setor ou uma atividade econômica). No entanto, o equilíbrio que busca a regulação também poderá envolver a introdução de interesses gerais, externos ao sistema, porém que deverão ser processados pelo regulador de forma que sua consecução não acarrete a inviabilidade do setor regulador” (MARQUES NETO: Entes reguladores: instrumentos de fortalecimento del Estado, p. 13). A partir das lições do autor, é importante considerar que a regulação em questão deve considerar todos os interesses dos sistemas de radiodifusão (privado, público e estatal). E, também, verificar os interesses externos ao setor de radiodifusão, particularmente os interesses dos usuários, consumidores, cidadãos, produtores de conteúdo audiovisual, setores de imprensa e de edição, sistema de ensino, etc. Ademais, o sistema de radiodifusão deve se relacionar com o sistema político, a fim de garantir devidamente o pluralismo político em relação aos meios de comunicação social.
[42] Em uma perspectiva restrita da regulação, que aqui não se adota, segundo Floriano de Azevedo Marques Neto, “a regulação buscaria exclusivamente garantir o equilíbrio do mercado, coibindo práticas distorcidas dos agentes econômicos. Buscaria apenas corrigir as chamadas ‘falhas de mercado’. Portanto, sua função seria apenas assegurar o equilíbrio interno ao sistema regulado, evitando abusos ou distorções que, em última instância, pudessem comprometer o próprio funcionamento do setor sujeito à regulação”. (MARQUES NETO. Entes reguladores: instrumentos de fortalecimento del Estado, p. 14). Uma consequência natural dessa perspectiva seria regular o setor de radiodifusão, mediante apenas o estabelecimento de regras de combate à concentração econômica, para garantir a concorrência no mercado. No presente trabalho, adota-se a posição de que a edição de regras anti-trust é uma condição necessária, porém insuficiente para regular o mercado, eis que a comunicação social por radiodifusão exige a consideração de valores fundamentais para um Estado Democrático de Direito, particularmente a garantia da livre formação da opinião pública, mediante os veículos de comunicação social, que é uma das condições fundamentais para o adequado funcionamento da democracia.
[43] Conforme explica José Alberto de Melo Alexandrino: “A existência de um serviço público de televisão não constitui um bem em si mas apenas um bem de relação, um instrumento, revestido de um sentido objetivo, para a defesa de verdadeiros bens jurídicos: os direitos fundamentais da pessoa e os valores e princípios que dele decorrem” (op.cit., p. 202). Antigamente, não havia a associação entre o serviço público de televisão e o regime de direitos fundamentais. Aos poucos alguns doutrinadores brasileiros estão promovendo essa conexão. É o caso, por exemplo, de Justen Filho (Curso de direito administrativo, p. 487-497).
[44] Como bem expõe Virgílio Afonso da Silva, o direito á informação além de ser um direito individual é um valor protegido pela Constituição que, inclusive, exige que o Estado se abstenha de impedir seu exercício, bem como aja para sua realização dentro das condições fáticas e jurídicas possíveis (SILVA, V. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 78).
[45] O foco do presente trabalho consiste na análise da aplicação da noção de serviço público aos serviços de televisão por radiodifusão à luz do principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal no contexto do direito administrativo. Em razão disso, o estudo sobre os direitos fundamentais será feito somente na medida necessária para a compreensão do tema principal do presente livro, sob pena de abrir-se demasiadamente o âmbito do estudo em prejuízo do objeto principal em exame. Para uma análise mais aprofundada sobre a relação entre a atividade de televisão e os direitos fundamentais, recomenda-se a seguinte leitura: ALEXANDRINO, José Alberto de Melo. Estatuto constitucional da atividade de televisão. Coimbra: Coimbra Ed., 1988.
[46] Para Jorge Miranda: “a liberdade de comunicação social congloba a liberdade de expressão e a liberdade de informação, com três notas distintas: a) a pluralidade de destinatários, o caráter coletivo ou de massas, sem reciprocidade; b) o principio da máxima difusão (ao contrário da comunicação privada ou correspondência, conexo com a reserva da intimidade da vida privada e familiar); c) a utilização de meios adequados – hoje, a imprensa escrita, os meios audiovisuais e a cibernética (MIRANDA. Manual de direito constitucional, p. 460). Ressalte-se que o direito à comunicação afirma-se gradativamente em razão das criticas feitas à liberdade de expressão e ao direito à informação. Sobre esse processo histórico, consultar: FISCHER. O direito de comunicar: expressão, informação e liberdade, p. 15-24.
No Brasil, Edilsom Farias, em estudo detalhado sobre o tema, é quem defende a tese de que houve a qualificação constitucional da comunicação social enquanto garantia institucional da liberdade de expressão e comunicação. Cf. FARIAS. Liberdade de expressão e comunicação: teoria e proteção constitucional, p. 31-34 (parte teórica sobre as garantias institucionais) e p. 196-197 (aplicação da figura jurídica à comunicação social). Ele ainda adverte a respeito das controvérsias teóricas a respeito da relação entre as garantias institucionais e os direitos fundamentais, explica que não há uma resposta pacífica a respeito da divergência sobre a questão, a saber: se as garantias servem ao reforço ou ao entendimento dos direitos fundamentais e se as garantias conduzem a uma funcionalização dos direitos fundamentais (p.33).
E, ainda, a existência do direito de comunicar no âmbito da “comunicação massiva” é atestada por vários doutrinadores. A título ilustrativo, citam-se os seguintes autores que tratam do tema: Orlando Soares (Direito de comunicação). Aluízio Ferreira (Direito à informação; Direito à comunicação. Direitos fundamentais na Constituição Brasileira); BITELLI, Farias, Marcos Alberto Sat’Anna ( O Direito da Comunicação e da Comunicação Social); André Ramos Tavares (Liberdade de expressão-comunicação. Em direito constitucional contemporâneo, p. 46-64); Fernando Luiz Ximens Rocha (Liberdade de comunicação e dignidade humana. Em direito constitucional contemporâneo, p. 159-172); Celso Ribeiro Bastos e André Ramos Tavares (As tendências do direito público no limiar de um novo milênio), entre outros.
Para uma visão crítica sobre a existência do direito à comunicação, ver: ALEXANDRINO. Teoria de los derechos fundamentales, p. 282-287.
[47] Cf. Para Marçal Justen Filho: “No Brasil, tem sido orientação doutrinária comum afirmar que a Constituição Federal, ao discriminar competências dos diversos entes federados ou ao estabelecer atribuições do Estado, aludiu a certos serviços como públicos. O art. 21, por exemplo, contém diversas previsões acerca de serviços públicos (incs. X, XI e XII). Essa solução redacional conduziu parte substancial da doutrina a reconhecer tais atividades como serviços públicos por inerência, sem possibilidade de qualificação diversa em virtude de lei ordinária. Quanto a eles, não haveria margem de qualquer inovação ou modificação por parte do legislador infraconstitucional” (JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 44).
[48] Sobre a questão do vínculo orgânico com a Administração como elemento de caracterização do serviço público, ver MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p. 315.
[50] BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 660.
[51] JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 35.
[52] Cf. ALMEIDA, F. Aspectos constitucionais da concessão de serviços públicos. In: MEDAUAR (Coord.). Concessão de serviços públicos, p. 33.
[53] Alexandre Aragão adota um conceito de serviço público que promove a relativização da ideia de “reserva de estabilidade”. Para ele: “serviços públicos são as atividades de prestação de utilidades econômicas a indivíduos determinados colocadas pela Constituição ou pela Lei a cargo do Estado, com ou sem reserva de titularidade, e por ele desempenhadas diretamente ou por seus delegatários, gratuita ou remuneradamente, com vistas ao bem-estar da coletividade” (ARAGÃO. A dimensão e o papel dos serviços públicos no Estado contemporâneo, p.146-147).
[54] STF. Segunda Turma. Recurso Extraordinário nº 220.999-7 – Pernambuco. Relator: Min. Marco Aurélio. Recorrente: União Federal. Recorrida: Inove – Indústria Nordestina de óleos Vegetais S/A. Acórdão Publicado no DJ, 24 nov. 2000. Tal acórdão é analisado em detalhes por GRAU, Eros Roberto. Constituição e serviço público. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Wilis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. P.249-267.
[55] Segundo Floriano Azevedo Marques Neto: “O serviço essencial, portanto, o serviço que vai ser prestado no regime público ou o serviço que será entendido como serviço público (embora a lei não utilize o conceito de serviço público, até para fugir dessa polêmica), será aquele que o Poder Executivo diga ou a União se proponha a oferecer à sociedade com o compromisso de universalização e comunidade”. In: SUNDFELD (Coord.). Direito administrativo econômico, p. 310-311.
[56] Em sentido contrário, votou o Ministro Sepúlveda Pertence: “Parece-me extremamente plausível a alegação de que se invadiu matéria reservada à lei pelo texto reformado do inciso XI do art. 21 da Constituição. Remeteu-se à lei estabelecer, aqui, a opção entre exploração direta ‘mediante autorização, concessão ou permissão’, o que implica a decisão prévia sobre o regime público ou privado em que serão explorados os serviços, sempre públicos, de telecomunicações. A meu ver, ao primeiro exame, ante a reserva constitucional à lei, não era dado à própria lei, delegar ao Presidente da República essa opção fundamental” (Id.).
[60] A título exemplificativo, no regime público incluem-se as diversas modalidades do serviço telefônico fixo comutado (art. 64, parágrafo único, da Lei nº 9.472/97). Por sua vez, no regime privado encontra-se o serviço móvel pessoal (art. 2º, da Resolução nº 321/2002, da ANATEL) e o serviço de comunicação multimídia (art. 10 da Resolução nº 272/2001, da ANATEL).
[61] Acerca da controvérsia, consultar: GROTTI. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988, p. 162-168. Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, a Lei Geral de Telecomunicações operou uma verdadeira privatização dos serviços de telecomunicações, vedada pela Constituição. Ver DI PIETRO. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, p. 135-139.
[62] Cf. GRAU. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 143-144.
[63] Cf. GRAU. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica, 11. ed., p. 123-125. Em sentido análogo quanto à existência de serviços públicos não privativos do Estado posiciona-se Marçal Justen Filho, segundo o qual: “Essa formulação deve ser complementada para apontar a tendência à afirmação da prestação do serviço público por entidades não estatais, que atuam em nome próprio e não por delegação pública. Surgem serviços públicos não estatais, o que não significa o desaparecimento de serviços públicos privativos do Estado. Alguns dos mais relevantes serviços públicos continuam a ser de titularidade exclusiva do Estado” (JUSTEN FILHO. Curso de direito administrativo, p. 491).
[64] Cumpre observar que o § 3º e seus respectivos incisos do art. 215 da CF foram introduzidos por intermédio da Emenda Constitucional nº 48, de 10 de agosto de 2005.
[65] Para Marçal Justen Filho, posição à qual se adere, “o conceito de atividade econômica em sentido estrito delineia-se, portanto, sobre os princípios da exploração empresarial, da livre iniciativa e da livre concorrência. Pressupõe que os sujeitos possam organizar os fatores da produção para obtenção de resultados não predeterminados pelo Estado, com apropriação privada do lucro” (JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 32).
[66] Na mesma linha de entendimento, Alexandre Aragão explica: “É, então, a letra da Constituição (ao se referir à ‘autorização’ no art. 21), somada à sua necessária evolução e aos paradigmas da hermenêutica constitucional, que nos leva a afirmar haver serviços de telecomunicações, e outros enumerados nos incisos X a XII do art. 21, que podem, observado o principio da proporcionalidade, em seus aspectos omissivo e comissivo, ser despublicizados, tornando-se atividades econômicas privadas de interesse público”. (ARAGÃO, Alexandre. A dimensão e o papel dos serviços públicos no Estado contemporâneo, p. 214).
[67] Cf. Na visão tradicional a respeito do termo publicatio, segundo Gaspar Ariño Ortiz: “El acto de declaración de uma actividad o um sector ‘público’, como servicio público, es lo que VILLAR PALASÍ há ilamado ‘publicatio’, ‘acto de publicatio’, y significa que tal actividad queda incorporada al que hacer del Estado y eccluida de la esfera de actuación de los particulares sin prrevia concesión” (ARIÑO ORTIZ. Principios de derecho público económico, p. 538).
[68] Cf. Pablo Salvador Coderch e César Sans Pérez: “Los câmbios em los condicionamentos técnicos – por las mejoras tecnológias y em valores sociales pueden suponer uma revisión de la justificación de los limites que supone la publicatio, tanto em la constitucionalidade de la titularidade estatal como em los limites a la gestión privada del servicio, que el legislador está obligado a realizar […]” (Ver: televisión Pública y Televisión Privada em la Jurisprudencia del Tribunal Constitucional Español: Comentario a la Sentencia del Tribunal Constitucional de 5 de mayo de 1994, sobre la Ley núm. 10 de 3 de mayo de 1988, de Televisión Privada. Revista Jurídica da Universidad de Puerto Rico. V. 64, n. 3, p. 627-653, 1995).
[69] Conforme explica Floriano de Azevedo Marques Neto: “O sistema estatal é aquele voltado à informação institucional do Estado (por exemplo o que ocorre nas TVs legislativas, na TV Justiça ou horários dedicados a informações institucionais – horário eleitoral ou Hora do Brasil)” (MARQUES NETO. Concessão de serviço público sem ônus para o usuário, p. 335-336).
[70] Evidentemente não há que se confundir a legitima publicidade institucional efetuada com fundamento no art. 37, § 1º, da CF, com a ilícita atividade de propaganda governamental de caráter preponderantemente persuasivo, limitando-se a divulgar material elogioso ao governo e ao governante, em desfavor do principio da impessoalidade, isonomia e do pluralismo político.
[71] No âmbito da organização do serviço de televisão a cabo, a lei criou a obrigação para a operadora de televisão de reservar canais de televisão para o Poder Legislativo e Poder Judiciário. Ademais, no campo da radiodifusão, tem-se como exemplo histórico da comunicação institucional dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no plano federal o programa de rádio “Voz do Brasil”, obrigação esta que não foi imposta às emissoras de televisão comerciais. Ora, a imposição de transmissão compulsória do programa radiofônico “Voz do Brasil” é, no meu entender, inconstitucional, eis que contrária à liberdade de comunicação social. Se o Estado brasileiro pretende transmitir tal programa, então, ele deve utilizar seus próprios canais de comunicação institucional ou tornar facultativa a transmissão do referido programa para as emissoras de rádio.
[72] Ver <htpp.www1.radiobras.gov.br>, e a Lei nº 6.301, de 15 de dezembro de 1975, que instituiu a política de exploração de serviço de radiodifusão de emissoras oficiais, autoriza o Poder Executivo a constituir a Empresa Brasileira de Radiodifusão – RADIOBRÁS, e dá outras providências. Conferir: Decreto nº 2.958, de 8 de fevereiro de 1999, que aprova a consolidação do Estatuto da RADIOBRÁS.
[73] Observe-se que a Medida Provisória nº 398/2007 é objeto da Ação de Inconstitucionalidade nº 3994-6 movida pelo Partido Democratas junto ao STF, cujo relator é o Min. Eros Roberto Grau.
[74] Art. 22, § 2º, da lei nº 11.652/2008.
[75] Art. 24 da Lei nº 11.652/2008.
[76] Art. 28 da lei nº 11.652/2008.
[77] Consultar: Decreto nº 4.799/2003.
[78] Nesse aspecto, é impressionante o grau de federalismo em relação ao setor de radiodifusão alcançado na República da Alemanha. Lá, os Estados-membros (Lander) possuem competência para organizar e prestar o serviço de televisão, inclusive, o primeiro canal nacional de televisão somente surgiu na década de 60 em razão de acordo entre eles, e que resultou depois da sentença da Corte Constitucional que confirmou a competência dos Lander e não da União. No final dos anos 70, a maior parte dos Estados passou a editar leis para garantir o funcionamento de estações privadas de televisão, em regime de coexistência com as relações de televisão estatais. Trata-se de um modelo integralmente federativo de organização do setor de radiodifusão (MUÑOZ MACHADO. Publico privado em el mercado europeo de la televisón), p. 28-32).
[79] Art. 2º da Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008.
[80] Art. 3º da Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008.
[81] Para uma análise completa do tema, conferir: AMARAL FILHO. Privatização no estado contemporâneo.
[82] Os dispositivos da Constituição gaúcha preceituavam o seguinte:
“Art. 238 – Os órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, às fundações instituídas pelo Poder Público ou a quaisquer entidades sujeitas direta ou indiretamente, ao controle econômico estatal serão utilizados de modo a salvaguardar sua independência perante o Governo Estadual e demais Poderes Públicos, e a assegurar a possibilidade de expressão e confronto de diversas correntes de opinião. Parágrafo único – Para os efeitos do disposto neste artigo, cada órgão de comunicação social do Estado será orientado pelo Conselho de Comunicação Social, composto por representantes da Assembléia Legislativa, Universidades, órgãos culturais e de educação do Estado e do Município, bem como da sociedade civil e dos servidores, nos termos dos respectivos estatutos.
Art. 239 – Os partidos políticos e as organizações sindicais, profissionais, comunitárias, culturais e ambientais dedicadas à defesa dos direitos humanos e à liberdade de expressão e informação social, de âmbito estadual, terão direito a espaço periódico e gratuito nos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, de acordo com sua representatividade e critérios s serem definidos em lei”.
[83] STF. Tribunal Pleno. ADIN nº 821-8 – Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Octávio Galloti. Requerente: Governador do Estado do Rio grande do Sul. Requerida: Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Decisão publicada no DJ, 07 maio 1993.
[88] É de ser reconhecido, no entanto, que um dos argumentos principais que embasou a decisão na ADIN nº 821/93 consistiu na questão formal na competência privativa do Governador do Estado quanto à iniciativa de projeto de lei relativo à estruturação da administração pública.
[89] Ver Lei estadual nº 10.535, de 08 de agosto de 1995, que altera a estrutura organizacional e a denominação da Fundação Rádio e Televisão Educativa.
[90] Ver Lei Estadual nº 10.536, de 08 de agosto de 1995, que dispõe sobre o Conselho Deliberativo da Fundação Cultural Piratini – Rádio e Televisão e dá outras providências.
[91] Ver Lei Estadual nº 10.535, de 08 de agosto de 1995.
[92] No âmbito da Constituição do Estado de São Paulo há a seguinte previsão normativa quanto ao capítulo destinado à Comunicação Social:
“Art. 273 – A ação do Estado, no campo da comunicação, fundar-se-á sobre os seguintes princípios: I – democratização do acesso às informações; II – pluralismo e multiplicidade das fontes de informações; III – visão pedagógica da comunicação dos órgãos e entidades públicas.
Art. 274 – Os órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, as fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público ou a quaisquer entidades sujeitas, direta ou indiretamente, ao seu controle econômico, serão utilizados de modo a assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião”.
[93] Cerca da problemática da composição do Conselho Curador de TV Cultura, ver; COUTINHO. O dilema da TV Educativa enquanto um instrumento oficial do governo ou um canal de representatividade da sociedade civil. Ver, também, SANTOS. O dono do mundo: o Estado como proprietário de televisão no Brasil; e LEAL FILHO. Por uma rede nacional de televisão.
[94] Apesar da autonomia d TV Cultura do ponto de vista formal, ela é frequentemente comprometida pelas pressões exercidas pelo governo quanto ao repasse de recursos públicos originários do orçamento estadual. Sobre o assunto, conferir: DEORSOLA; PONTES. As relações perigosas da TV Cultura. Revista Adusp, p. 29-33. Daí o surgimento da proposta para a criação de uma taxa específica sobre seu custeio. Ver: DALLARI. Cobrança de taxa para custeio da TV Educativa. Revista de Informação Legislativa. Para Adilson Dallari ao tratar do caso da TV Cultura: “o certo e indiscutível é eu se trata indubitavelmente de um serviço público de um serviço público estadual, na medida em que o Governo do Estado de São Paulo, por lei estadual, decidiu leva-lo a efeito, criando uma entidade especialmente habilitada para fazê-lo” (DALLARI. op.cit., p. 115).
[95] Acerca da significação d autonomia no campo do direito público, consultar: BACELLAR FILHO. Direito administrativo e o novo Código Civil, p. 78-79.
[96] Isso ainda não impede a constituição de televisões educativas fora do sistema estatal e dentro do sistema público de radiodifusão.
[97] Ver: I Fórum Nacional de TV’s Públicas. Diagnóstico do campo público de televisão. Caderno de debates. Brasília: Ministério da Cultura, 2006. P. 45-46.
[98] Cf. André Martinez: “O conceito de Terceiro Setor tem se mostrado extremamente abrangente em sua delimitação, pois vem sendo constituído a partir de uma herança multifacetada de lógicas institucionais que variam conforme a origem”. (MARTINEZ. Democracia audiovisual: Uma proposta de articulação regional para o desenvolvimento, p. 64).
[99] Como destaca Floriano de AZEVEDO Marques Neto: “[…] o sistema público é aquele voltado às finalidades de interesse público, educativas e culturais, desvestidas das finalidades econômicas, mercantis, como ocorre com as TVs educativas ou as TVs organizadas por OSCIPs […]” (MARQUES NETO. Concessão de serviço público sem ônus para o usuário. In: WAGNER JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa (Coord.). Estudos em homenagem ao professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.p. 336).
[100] A afirmação do público não-estatal no Brasil decorreu do processo de Reforma do Estado. Acerca do tema, PEREIRA. Entre o estado e o mercado: o público não estatal. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do estado. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999, p. 15-48. Para Vital Moreira, o setor público, o privado e o estatal referem-se a uma tripartição entre os setores econômicos, sendo o terceiro setor um híbrido entre os setores público e privado (MOREIRA, V. Auto-regulação profissional e administração pública, p. 33). Para Gustavo Henrique Justino de Oliveira, terceiro setor é “o conjunto de atividades voluntárias desenvolvidas por organizações privadas não-governamentais e sem animo de lucro (associações e fundações), realizadas em prol da sociedade, independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora deles possa firmar parcerias e receber investimentos (públicos e privados)” (O contrato de gestão na Administração pública brasileira, P. 465, citado por VIOLIN. Terceiro setor e as parcerias com a administração pública: uma análise crítica, p. 117).
[101] Acerca da questão sobre a unidade política e ordem jurídica como tarefa do Estado, ver: HESSE. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 33-34.
[102] Sobre a distinção entre interesses públicos especiais e difusos, conferir: MARQUES NETO. Regulação estatal e interesses públicos, p. 160-163.
[103] Em defesa da afirmação dos sistemas estatal e público, cf. Venício Lima: “outra alternativa talvez a mais importante é a mídia estatal, já existente (Radiobrás, Rede Brasil, TVE’s, Rádios Educativas, e a mídia pública, que está ainda por ser construída. Buscar o equilíbrio entre os sistemas privado, estatal e público é não só uma exigência constitucional (art. 223), mas provavelmente, a principal alternativa à hegemonia da mídia privada e comercial no Brasil” (LIMA, V. Mídia: crise política e poder no Brasil, p. 173).
[104] É o caso, por exemplo, do PLS nº 575/99 que trata da televisão comunitária, conceituando como “emissoras de cobertura restrita destinadas ao atendimento dos interesses de determinada comunidade (Bairro/Vila), de baixa potência e com alcance limitado a 1 km”. Cf. texto do projeto de lei no site da Anatel: www.anatel.gov.br. É problemático o alcance definido no referido projeto para a cobertura da televisão comunitária, eis que deveras restritivo para a democratização das comunicações sociais em nosso País. Será que uma comunidade circunscreve-se ao perímetro de 1 km? Será que o interesse comunitário não ultrapassa essa faixa geográfica?
[105] Cf. art. 3º da Lei nº 9.612/98.
[106] Na mesma linha de entendimento, NAZARENO. Viabilidade Técnica e Econômica da Criação do Serviço de TV Comunitária, incluindo Análise do Projeto de Lei em tramitação 2701/97. Consultoria da Câmara dos Deputados.
[107] Nesse aspecto, é ilustrativa a lei sobre as rádios comunitárias que dispõe o seguinte: “Art. 8º. A entidade autorizada a explorar o Serviço deverá instituir um Conselho Comunitário, composto, por, no mínimo, cinco pessoas representantes de entidades da comunidade local, tais como associações de classe, beneméritas, religiosas ou de moradores, desde que legalmente instituídas, com o objetivo de acompanhar a programação da emissora, com vista ao atendimento do interesse exclusivo da comunidade e dos princípios estabelecidos no art. 4º desta lei”. Ademais, a referida lei dispõe que: “Art. 11. A entidade detentora de autorização para execução do Serviço de Radiodifusão Comunitária não poderá estabelecer ou manter vínculos que a subordinem ou a sujeitem à Gerência, à administração, ao domínio, ao comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais”.
[108] Conforme explicação de Fábio Konder Comparato; “Daí a exigência atual de se reconhecer, senão a todo indivíduo, pelo menos às entidades representativas dos setores mais numerosos e importantes da sociedade civil, uma legitimação a usar dessas organizações já instaladas de comunicação social, para transmitir livremente suas mensagens” (COMPARATO. É possível democratizar a televisão?. In: NOVAES, Adauto (Org.). Rede imaginária: televisão e democracia. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.p.306). Nesse aspecto, a Constituição da Espanha de 1978 reconhece o direito de acesso aos meios de comunicação dos grupos sociais e políticos significativos, em respeito ao pluralismo da sociedade. O dispositivo constitucional prevê o seguinte: “A lei regulará a organização e o controle parlamentar dos meios de comunicação social dependentes do Estado ou de qualquer ente público e garantirá o acesso a referidos meios aos grupos sociais e políticos significativos, respeitando o pluralismo da sociedade e das diversas línguas da Espanha” (Art. 20.3). Disponível em: <www.constitucion.rediris.es/legis/1978/ce1978html.> Acesso em: 29 dez.2006. Para aprofundamento do tema, consultar: RAMÓN SBAU, José. Libertad de Expresión y Derecho de Acesso a los médios de comunicación. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. Em Portugal, a Constituição reconhece os direitos de antena não só aos partidos políticos, mas também para as organizações sindicais, profissionais e representativas das atividades econômicas, conforme sua relevância e representatividade, em relação ao serviço público de rádio e televisão (art. 40º, 1, da Constituição Portuguesa). Ver: CANOTILHO; MOREIRA. Constituição da República Portuguesa: lei do tribunal constitucional, p. 33.
[109] A Lei nº 8.977/95, quando trata dos canais básicos de utilização gratuita nas operações dos serviços de televisão a cabo, dispõe sobre a garantia de oferta de “um canal universitário, reservado para uso compartilhado entre as universidades localizadas no município ou município da área de prestação do serviço” (art. 23, I, letra “e”).
[110] Ver, principalmente os arts. 45, 51 e 52 da lei nº 9.394/96. Para uma análise mais aprofundada a respeito das imprecisões terminológicas da referida lei e a apresentação de um estudo sistemático, conferir: RANIERI. Educação superior, direito e estado na Lei de Diretrizes e Bases: Lei nº 9.394/96, p. 182-196.
[111] A respeito dos reflexos do novo Código Civil sobre a criação de fundações públicas pelos entes federativos, consultar: BACELLAR FILHO. Direito administrativo e o novo Código Civil, p. 125-130.
[112] Não de desconhece, no entanto, a problemática atual em tornar efetiva a participação da cidadania dos procedimentos de âmbito coletivo. Daí porque, com o advento do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, sugere-se a adoção de mecanismos de participação eletrônica, mediante a utilização maciça da Internet. Por outro lado, não se pode esquecer o risco d adoção de um modelo corporativo tal como o do Conselho de Comunicação Social, o qual é contrário ao principio democrático e ao princípio da plena participação popular da cidadania.
[113] No mesmo sentido quanto à criação de fundos especiais, ver: I Fórum Nacional de TV’s Públicas, op.cit., p. 63
[114] Em sentido análogo em defesa dessa modalidade de tributação, conferir: FARACO. Difusão do conhecimento e desenvolvimento: a regulação do setor de radiodifusão. In: SALOMÃO FILHO, Calisto (Coord.). Regulação e desenvolvimento, São Paulo: Malheiros, 2002. P. 109-110, 117.
[115] Quanto à população audiovisual, já existem mecanismos de apoio à atividade cultural, mediante a legislação federal de incentivo à cultura e as legislações estaduais e municipais no mesmo sentido. É necessário apenas articular a atividade de fomento à produção audiovisual com a operacionalização dos serviços prestados pelo sistema de radiodifusão público. A título ilustrativo, há, por exemplo, a Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, que trata da destinação das receitas decorrentes para a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE), criando, ainda, uma dotação orçamentária específica denominada Fundo Setorial do Audiovisual, utilizado para o financiamento de programas e projetos voltados para o desenvolvimento das atividades audiovisuais. Nesse aspecto, a Lei nº 11.652/2008 inovou na medida em que previu como uma das fontes da Empresa Brasil de Comunicação a contribuição para o fomento da radiodifusão “pública”, incidente sobre as prestadoras de serviços de telecomunicações e as de radiodifusão.
[117] Como bem lembra Eros Grau: “Repito: o mercado – além de lugar e princípio de organização social – é instituição jurídica (= institucionalizado e conformado pelo direito posto pelo Estado)” (op.cit., p.37).
[118] O Congresso Nacional agregou ao texto da Medida Provisória o art. 31, que previa a obrigatoriedade de cessão para a EBC dos sinais de televisão produzidos a partir de eventos esportivos dos quais participem equipes, times, seleções e atletas brasileiros representando oficialmente o Brasil e objetos de contrato de exclusividade entre entidade esportiva e emissora de radiodifusão. O dever de colocar à disposição os sinais de televisão decorreria na hipótese de a emissora de televisão decidir não transmiti-los na televisão aberta. Trata-se de um dispositivo flagrantemente inconstitucional, justamente por violar o direito adquirido e ato jurídico perfeito. Aliás, o Presidente da República chegou a vetar o referido artigo da Medida Provisória nº 398/2007.
[119] No mesmo sentido, MACHADO. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 623-624.
[120] A Lei nº 4.117/62 contém poucas obrigações em termos de programação de televisão, como é o caso do art. 38, letras “d” – finalidade educativa e cultural do serviço de radiodifusão – e “h” – cumprimento da finalidade informativa com um mínimo de 5% de transmissão de serviço noticioso. Por sua vez, o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto nº 52.795/63) especifica as obrigações em termos de organização da programação, conforme seu art. 28, 12, letra “a” e item “17”.
[121] Para Dinorá Grotti: “A definição de sistema estatal ou privado é simples. A exploração de qualquer área pela iniciativa privada significa o desenvolvimento de atividades por empresas sem vinculação com o Estado, as quais buscam precipuamente o lucro guiadas pela lógica de mercado. O sistema estatal é aquele explorado exclusivamente pelo Estado, por meio de órgãos ou organizações estatais” (op.cit., p. 99).
[122] Entende-se que deve ser garantida a autonomia do sistema de radiodifusão privado, impedindo-se sua desfiguração pelo legislador. Vale dizer, o princípio constitucional da livre iniciativa no campo do sistema de radiodifusão privado funciona como um limite à competência legislativa. Dobre os direitos fundamentais, autonomia privada, competências e não-competências, ver: SILVA, V. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 151.
[123] Aqui, adota-se a expressão atividade econômica em sentido estrito, nos moldes da classificação proposta por Eros Roberto Grau que divide a atividade econômica em sentido amplo em serviços públicos e atividade econômica em sentido restrito. A diferença é que para o autor o serviço de radiodifusão é um serviço público privativo do Estado, enquanto o presente trabalho pretende demonstrar a existência de diversas modalidades de serviços de televisão por radiodifusão em razão do principio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão que exigem regimes jurídicos diferenciados. Cf. GRAU. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e crítica. 11. ed, rev. e atual., p. 102-126.
[124] Aqui, o elemento histórico é ilustrativo a respeito da classificação do serviço de televisão por radiodifusão. Já na década de 30, o deputado paulista Berto Condé sustentava que: “o serviço de radiocomunicação é, como o telégrafo e o correio, um serviço público pela necessidade intrínseca que dele tem os povos modernos, ao passo que a radiodifusão é um serviço, apenas, de interesse público, dado que a sua utilidade não implica em imprescindibilidade” (LOPES, S. Fundamentos sociais da radiodifusão, p. 46).
[125] Não se desconhece que a mera pluralidade de agentes econômicos que prestam serviços de televisão não assegura, necessariamente, a diversificação do conteúdo da programação audiovisual. Apesar disso, a pluralidade de empresas em ação no mercado é a condição sem a qual se tornaria impossível a multiplicidade na oferta de programas de televisão. Daí por que a regulação deve ser feita não só em relação à concorrência setorial, voltada à eficiência econômica, como também em relação ao pluralismo em termos de conteúdo audiovisual.
[126] A proibição da propriedade privada no sistema de televisão por radiodifusão é defendida pelo professor Fábio Konder Comparato, para quem a existência da propriedade privada acaba por negar a própria liberdade de expressão, eis que a lógica de mercado impede o acesso aos meios de comunicação. Daí ele sustenta um sistema de comunicação social baseado em entidades sem fins lucrativos. Ver: COMPARATO. A democratização dos meios de comunicação de massa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 183-201. Por sua vez, Paulo Bonavides defende a constitucionalização da mídia como um dos poderes da República, tornando-se democrática e legítima. Para o autor, a liberdade dos meios de comunicação só existe em favor das classes dominantes; há o bloqueio à efetivação da democracia participativa, isto é, a efetiva participação do povo no processo de exercício do poder político (BONAVIDES. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de luta e resistência. Por uma nova hermenêutica. Por uma repolitização da legitimidade. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.p. 13-49.
[127] Pra uma análise da dominação histórica do setor por grupos familiares e elites políticas consultar LIMA, V. Mídia: teoria e política, p. 104-110.
[128] Ver: ALMEIDA,A. op.cit., p. 108-109.
[129] Especialmente, quanto à televisão, o referido diploma normativo dispõe: “Art. 12. Cada entidade só poderá ter concessão ou permissão para executar serviço de radiodifusão, em todo o País, dentro dos seguintes limites: […] II – Estações radiodifusoras de sons e imagens – 10 em todo o território nacional, sendo no máximo 5 em VHF e 2 por Estado”. Em outro lugar, o mesmo diploma legal ao mesmo tempo dispõe que “não serão computadas, para os efeitos do presente artigo, as estações repetidoras e retransmissoras de televisão, pertencentes às estações geradoras” (art. 12, §2º). Além disso, o referido Decreto-Lei dispõe que não podem obter concessão ou permissão entidades das quais faça parte acionista ou cotista que integre o quadro social de outras empresas executantes do serviço de radiodifusão (art.12, §3º). E mais, as concessionárias e permissionárias de serviço de radiodifusão não podem ser subordinadas a outras entidades que se constituem com a finalidade de estabelecer direção ou orientação, mediante cadeias ou associações de qualquer espécie (art. 12, §7º). Em havendo excessos aos limites impostos da parte dos concessionários e permissionários do serviço de radiodifusão, haverá a necessidade de adaptação no prazo máximo de dois anos, na ordem de 50% ao ano (art.12, §4º). No caso da constituição da Rede Globo de Televisão, comenta Sérgio Souza: “Na monopolização de audiências nos quatro cantos do País, anos depois, a Rede Globo de Televisão não precisou usufruir de todas as vantagens generosas proporcionadas pelo artigo e seu parágrafo; à parte as estações de propriedade da Rede, bastou a ela transferir comercialmente sua programação para várias emissoras regionais e locais de outros empresários, que funcionariam instantânea e livremente como retransmissoras do padrão global homogeneizador das heterogeneidades culturais brasileiras (SOUZA. Concessões de radiodifusão no Brasil: a lei como instrumento de poder: 1932-1975, p. 175).
[130] AMARAL. O ordenamento constitucional-administrativo brasileiro e a disciplina dos meios de comunicação de massa (o caso da televisão): análise e prospectiva. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Perspectiva do direito público: estudos em homenagem a Miguel Seabra Fagundes. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. P. 476.
[131] CAPPARELLI; LIMA, op.cit., p.43.
[132] Acerca do direito norte-americano, ver Capítulo 3.
[133] No direito norte-americano, apesar de toda sua tradição em defesa da liberdade de expressão, existiam algumas regras, tais como: (i) Duopoly Rule – norma do duopólio (proibição de que um operador de radiodifusão seja proprietário de mais de uma emissora do mesmo tipo no mesmo mercado); (ii) One-to-a-Market – norma um por mercado (um radiodifusor não pode ser proprietário no mesmo mercado de mais de uma emissora de TV em UHF ou d emissoras de rádio AM/FM); (iii) Cross-Ownership Rule – norma sobre a propriedade múltipla (um radiodifusor não pode ser proprietário de um jornal diário numa mesma área geográfica); (iv) Chain Broadcasting Rules – norma sobre radiodifusão em rede (as redes não podem ter nos contratos de afiliação determinados privilégios em face das emissoras afiliadas, bem como são proibidas práticas anticompetitivas); (v) Prime Time Access Rute (PTAR) – norma com o objetivo de limitar o controle das redes de TV sobre a programação transmitida durante o horário nobre e (vi) Financial Interest and Syndication Rules (Fin-Syn-Rules) – normas sobre interesse financeiro e da distribuição de programas que proíbem as redes de TV de possuírem interesses financeiros na programação por elas transmitida e vedação de acesso das redes ao mercado de distribuição de programas de TV (syndication business), com exceção na distribuição no mercado internacional (ALMEIDA, A., op.cit., p. 79-121). Algumas das regras citadas foram mantidas, outras foram revogadas. Ver Capítulo 3.
[134] Para um estudo mais detalhado das referidas regras à luz do direito norte-americano em comparação com o direito brasileiro, conferir: ALMEIDA,A., op.cit., p. 79-120.
[135] Como explica Juarez Freitas: “A omissão passa a ser tão violadora dos direitos fundamentais como os excessos. Em certo sentido, para assegurar os direitos fundamentais é que existe o Estado, ao menos legitimamente: toda interpretação deve ser leal às exigências da totalidade dos direitos fundamentais, consorciados com os deveres” (FREITAS,J. A melhor interpretação constitucional “versus” a única resposta correta. In: SILVA, Virgilio Afonso da (Org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 344).
[136] O texto originário do art. 222 da CF previa o seguinte: “A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há amis de dez anos, aos quais caberá a responsabilidade por sua administração e orientação intelectual. §1º É vedada a participação de pessoa jurídica no capital social de empresa jornalística ou de radiodifusão, exceto a de partido político e de sociedades cujo capital pertença exclusiva e nominalmente a brasileiros. §2º A participação referida no parágrafo anterior só se efetuará através de capital sem direito a voto e não poderá exceder a trinta por cento do capital”.
[137] Na tarefa de regulamentação do referido dispositivo constitucional, foi editada a Lei nº 10.610/2002 que trata das normas de controle societário das empresas jornalísticas e de radiodifusão e a previsão de sanções para a hipótese de descumprimento.
[138] Acerca da titularidade d empresas de comunicação por estrangeiros, conferir: MACHADO. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 406-407. Não é de se esquecer que a Constituição, quando trata da ordem econômica e financeira, dispõe que “a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capita estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros” (art. 172). A respeito das cotas de importação de programas de televisão, consultar: LAGUNA PAZ, op.cit., p. 191.
[139] Em sentido similar, ver: I Fórum Nacional de TV’s Públicas, op.cit., p.63.
[140] Para maior aprofundamento da questão da concentração de propriedade vertical e horizontal, consultar: LIMA, V. Mídia: teoria e política, p. 98-101.
[141] Ver: I Fórum Nacional de TV’s Públicas, p. 63. Nesse aspecto, a Lei nº 11.652/2008 diz que a EBC deve “garantir os mínimos de 10% (dez por cento) de conteúdo regional e 5% (cinco por cento) de conteúdo independente em sua programação semanal, em programas a serem veiculados no horário compreendido entre 6 (seis) e 24 (vinte e quatro) horas”.
[142] Este era um dos objetivos originários do projeto de lei relativo à criação da Ancinav. Para maior detalhamento sobre o assunto, conferir: FORNAZARI. Instituições do estado e políticas de regulação e incentivo ao cinema no Brasil: o caso Ancine e Ancinav. Revista Administração Pública.
[143] O professor José Afonso da Silva aponta para esse problema: “A Rede Globo continua produzindo seus programas da central do Rio de Janeiro e não dá preferencia algumas às finalidades educativas, artísticas e culturais, como exige o inciso I do artigo I do artigo, nem faz promoção da cultura nacional ou regional, a não ser esporadicamente” (cf. SILVA, J. Ordenação constitucional da cultura, P.95).
[144] Conforme explicação de Fábio Comparato: “Não é preciso grande acuidade de julgamento para perceber que os constituintes nada mais fizeram do que aumentar a vinculação dos atos de concessão aos interesses mútuos do presidente e dos congressistas, numa institucionalização do ‘é dando que se recebe’”, em seu artigo intitulado “É possível democratizar a televisão?” publicado no livro Rede imaginária. Televisão e Democracia, p. 304.
[145] O Decreto-Lei nº 236/67, eu modificou a Lei nº 4.117/62, em seus arts. 53 e 64, disciplina a aplicação da pena de cassação à emissora de televisão titular da concessão nos seguintes casos: incitar a desobediência às leis ou decisões judiciais, divulgar segredos de Estado ou assuntos que prejudiquem a defesa nacional, ultrajar a honra nacional, fazer propaganda de guerra ou de processos de subversão da ordem política e social, promover campanha discriminatória de classe, cor, raça ou religião, insuflar a rebeldia ou a indisciplina nas forças armadas ou nas regiões de segurança pública, comprometer as relações internacionais do País, ofender a moral familiar pública, ou os bons costumes, caluniar, injuriar ou difamar os Poderes Legislativos, Executivo ou Judiciário ou os respectivos membros, veicular notícias falsas, com perigo para ordem pública econômica e social, colaborar na prática de rebeldia, desordens ou manifestações proibidas, reincidência em infração anteriormente punida com suspensão, interrupção do funcionamento por mais de trinta dias consecutivos, exceto quando tenha obtido autorização do órgão competente, superveniência da incapacidade legal, técnica, financeira ou econômica para execução dos serviços da concessão ou permissão, não ter corrigido dentro do prazo estipulados as irregularidades motivadoras da suspensão anteriormente imposta e não cumprir as exigências e prazos estipulados até o licenciamento definitivo da estação.
É inegável a possibilidade de aplicação da sanção de cancelamento em casos de abusos da liberdade de radiodifusão. Contudo, é preciso olhar a temática com muito cuidado, a fim de serem evitados excessos do poder estatal. Observe-se que o referido diploma foi expedido no contexto do regime autoritário, carecendo muitos de seus dispositivos de validade em face da Constituição de 1988 que reinaugurou o Estado Democrático de Direito e protegeu amplamente a liberdade de comunicação social. Infelizmente, não há aqui espaço para o desenvolvimento da temática.
[146] Para maior aprofundamento da problemática, conferir: MACHADO. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 963.
[147] Como explica Jean Rivero, a solução, quando trata do problema da separação entre o direito público e o direito privado, não é nem a publicização do direito privado, nem a privatização do direito público, mas a interpretação entre os dois ramos jurídicos (RIVERO, Jean. Le régime des entreprises nationalisées et l’evolution du Droit dministratif. 1952 citado por GARIIDO FALLA. Las transformaciones del régimen administrativo, p.157). Para Fernando Garrido Falla, o abordar a crise da noção de serviço público diante da intervenção do Estado sobre as atividades econômicas: “Ahora sigue siendo el interés público el que imediatamente se persigue, pero se considera que su satisfácion es posible com técnicas privatísticas. Puede decirse que a la publización evidente que aquela al Derecho privado hay que oponer uma indiscutible privatización técnica de Derecho Público” (GARRIDO FALLA. Las transformaciones swl régimen administrativo, p. 159-160).
[148] Na visão tradicional, o regime jurídico é um elemento importante para a identificação de uma atividade como serviço público, especialmente para saber se há um vínculo orgânico com o Estado (Cf. MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p. 315). Nesse sentido, o regime jurídico é o fator de identificação do serviço público e da atividade econômica (Ver: JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 30). Na matriz clássica, afirma-se que o serviço público somente pode ser prestado no regime de direito público. (BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 647). Em sentido contrário, há que, afirme a possibilidade de aplicação do regime privado aos serviços públicos, como é o caso da incidência da concorrência (COUTO; silva, OP.CIT., P. 47).
[149] De acordo com o projeto de lei, em seu art. 1º, parágrafo único, os serviços de comunicação eletrônica de massa são os serviços de telecomunicações que possuem simultaneamente as seguintes características essenciais: “ I- distribuição ou difusão dos sinais ponto-multiponto ou ponto-área; II – fluxo de sinais predominantemente no sentido prestadora-usuário; III – conteúdo das transmissões não gerado ou controlado pelo usuário; IV – escolha do conteúdo das transmissões realizadas exclusivamente pela prestadora do serviço, salvo nos casos estabelecidos em lei”. Texto do projeto de lei consultado em: PODESTÁ, op.cit., p. 220.
[150] A diversificação do conteúdo audiovisual é apontada como um dos elementos-chave do serviço público de televisão de matriz clássica pela doutrina europeia (Ver LAUROCHE. Communications Convergence And Public Service Broadcastins).
[151] A título ilustrativo, no direto português há a previsão legislativa dos princípios específicos do serviço público de televisão: independência, pluralismo, diversidade, qualidade, inovação, valorização da cultura e da idoneidade nacionais, proteção das minorias e indivisibilidade (ver Direito da comunicação social, p. 172-186). Ainda no contexto português, a doutrina aponta os seguintes princípios estruturantes do serviço público de televisão: universalidade, igualdade, pluralismo, democrático e coesão social e da inclusividade (MACHADO. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 650-651).
[152] No Brasil, em razão de sua dimensão continental, a diversificação do conteúdo audiovisual não é suficientemente garantida pelos setores estatal e privado. Destaque-se que a mera pluralidade d emissoras de televisão não é uma garantia suficiente do pluralismo quanto ao conteúdo audiovisual. A respeito do pluralismo cultural na Constituição, consultar: SILVA, J. Ordenação constitucional da cultura, P. 76)
[153] Cf. ARIÑO, Mónica; AHLERT, Christian. Beyond Broadcasting: The Digital Future of Public Service Broadcasting. Prometheus, p. 401. Para os autores, convencionalmente, havia um esforço de assimilar o serviço público de televisão para a garantia da esfera pública, enquanto a televisão comercial representava uma ameaça a ela. Contudo, na era digital, em face dos imperativos de mercado, a própria função do serviço público de televisão encontra-se em crise, em razão da possibilidade de fragmentação da audiência ocasionada pelos novos serviços digitais (p. 402). Eles afirmam, ainda, que a definição do serviço público de radiodifusão é baseada na falsa dicotomia entre o serviço de radiodifusão e a radiodifusão comercial, daí o questionamento de sua função complementar em relação aos radiodifusores comerciais, eis que eles poderiam ser, em verdade, protagonistas nas mudanças da esfera pública (p.405).
[154] Segundo Gaspar Ariño Ortiz, a tensão decorrente da urgência na satisfação de novas necessidades públicas – exigências de uma sociedade urbana e industrial – e as concepções ideológicas no contexto do século liberal foi resolvida mediante um mecanismo genial: a concessão administrativa (ARIÑO. Principios de derecho público económico, p. 537).
[155] JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 78-79.
[156] PORTO NETO. Concessão de serviço público no regime da Lei nº 8.987/95: conceitos e princípios, p. 77.
[157] Cf. Capítulo 4 do presente trabalho.
[158] Tal entendimento decorre da interpretação do art. 21, XII, e art. 175, da CF. Tanto a concessão de serviço de televisão por radiodifusão quanto a concessão para o serviço de televisão a cabo são modelos de concessão que não se amoldam ao modelo clássico em alguns aspectos (MEDAUAR, Odete. A figura da concessão. In: MEDAUAR, Odete (Coord.). Concessão de serviço público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.p. 16-17). Para os fins do presente trabalho, a análise concentrar-se-á no instituto da concessão, eis que o mesmo é o utilizado no caso dos serviços de televisão por radiodifusão. Também será analisada a questão da autorização administrativa, verificando-se a viabilidade jurídica de sua adoção no sistema de radiodifusão. Desse modo, ficará fora do objeto do presente estudo o caso da utilização do instituto da permissão em relação aos serviços de televisão por radiodifusão. Para um estudo mais aprofundado desta última, remete-se ao trabalho de Luciana Sardinha (op.cit., p. 82-85). Ver, também: FREITAS, J. Estudos de direito administrativo, p. 44-46.
[159] Conforme Pedro Gonçalves, a concessão é definida como sendo um contrato que cria direitos novos para o particular que presta o serviço público, ainda que derivados de “direitos próprios” da administração pública (GONÇALVES. A concessão de serviços públicos, p. 741)
[160] Ver: MEIRELLES, op.cit., P. 231. Cuida destacar que, em verdade, há controvérsia na doutrina a respeito da natureza jurídica das concessões. Em sentido contrário à natureza contratual da concessão, posiciona-se Celso Antônio Bandeira de Mello, para a qual a concessão é um ato-condição que instaura uma relação jurídica complexa entre o poder concedente e o concessionário (Curso de direito administrativo, p. 682). Nos termos do direito positivo, a Lei nº 8.987/95 adota a seguinte definição para a concessão de serviço público: “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado” (art.2º, inc.II). Saliente-se que a referida lei dispõe sobre a concessão e a permissão de serviços públicos, não tratando, porém da figura da autorização para a prestação de serviços público.
[161] Naquela época, o Brasil encontrava-se em um dilema regulatório quanto à disciplina jurídica dos serviços de radiodifusão. De um lado, estava o modelo europeu continental fundado na ideia de televisão pública, serviço público, monopólio estatal. Técnica da concessão administrativa, etc. De outro, estava o modelo norte-americano baseado na ideia de televisão comercial de natureza privada, serviço de utilidade pública, técnica de licença administrativa, agência reguladora, etc. Daí a justificativa para a adoção de fórmula de síntese, combinando elementos de ambos os sistemas regulatórios. Nesse sentido, o Código Brasileiro de Telecomunicações contemplou um modelo híbrido; a coexistência de um modelo misto, isto é, a garantia de atuação da iniciativa privada, mediante de delegação estatal, sob a forma de concessão, e/ou permissão e autorização, e a gestão direta pelo Estado.
[162] Cf. LOPES, S., op.cit., p. 185-195. O autor sustenta seus argumentos a partir de lições específicas sobre o conceito de autorização de Themístocles Brandão Cavalcanti e Carvalho Mendonça (p. 191). E, segundo ele: “O que os concessionários reclamam é maior soma de garantias para os capitais investidos. Essas garantias advirão com a ampliação do prazo da concessão ou permissão” (p.192).
[165] LOPES, S., OP.CIT., P. 187.
[166] Segundo Odilon de Andrade: “o serviço público tem sido o escolho onde naufragam todos os mestres do direito Administrativo” (Serviços públicos e de utilidade pública, p. 36, citada por FRANCO SOBRINHO. Os serviços de utilidade pública, p. 7) Para Manoel de Oliveira Franco Sobrinho: “A distinção costumeira que se tenta estabelecer entre serviços públicos e os de utilidade pública é apenas, como vimos, questão de simples classificação doutrinária” (p.27). E, ainda conforme Themístocles Cavalcanti: “Talvez a distinção tenha mais razão de ser técnica administrativa dos Estados Unidos, sob regime da PUBLIC UTILITIES” (CAVALCANTI, op.cit., p. 720).
[167] O autor, a analisar o anteprojeto de lei sobre a radiodifusão no âmbito da Comissão de Rádio, dizia: “Destarte, pelo anteprojeto, perde a característica de concedido o serviço de radiodifusão para se situar no regime da autorização por prazo variável entre cinco e quinze anos, em função do investimento efetuado nas instalações técnicas […], conservando-se as autorizações a título precário, sem prazo definido, para o serviço de radiodifusão de muito pequeno alcance como os estabelecimentos de educação, assistência e outros, sem objetivo econômico e destinado, tão-somente, aos respectivos recintos” (Serviços públicos e de utilidade pública, p.33, citado em SOUZA, op.cit., p. 243).
[168] Conforme o autor: “as frequências seriam, então, um patrimônio comum da humanidade. Sua natureza jurídica seria de res communis podendo ser apropriada em seus fragmentos desde que convenha à sua natureza. Como, porém, o espectro eletromagnético é limitado, houve a distribuição internacional das faixas de atuação de cada Estado. Estes, por sua vez, regulamentariam o seu uso, determinando, em virtude de sua soberania, de que maneira serão utilizadas, por organismos do Estado ou por particulares” (GRECO FILHO. Curso elementar de direito de telecomunicações. Revista Justitia, p. 54).
[169] Cf. Vicente Greco Filho: “As figuras da concessão e da permissão seriam impróprias porque ninguém pode dar mais do que tem e sendo o espectro eletromagnético patrimônio comum da humanidade, não poderia o Estado concedê-lo porque não lhe detém o domínio. Acrescenta-se, outrossim, que os atos internacionais têm usado o termo ‘autorização’” (GRECO FILHO. Curso elementar de direito de telecomunicações. Revista Justitia, p. 54)
[170] Cf. o referido autor: “Admitimos que as frequências pertencem à espécie de res communis, mas quem se apropriou do espectro eletromagnético foi o Estado soberano, o qual aceitou a regulamentação internacional porque um fato físico impede o seu uso indiscriminado, dadas as interferências recíprocas. Daí falarem os atos internacionais em autorização, termo correto no que se refere ao Estado soberano, porque este considera o titular do direito preexistente a utilizar as frequências a ele atribuídas no acordo de respeito às faixas divididas com os outros. Aí, então, o Estado pode explorá-los diretamente, concedê-las, permitir a sua utilização e até transferir seu domínio para os cidadãos, adotando o regime, então, da autorização” (GRECO FILHO. Curso elementar de direito de telecomunicações. Revista Justitia, p. 54).
[171] Cf. Gaspar Vianna: “O Direito de Telecomunicações, embora tenha-se utilizado da teoria geral das concessões e permissões, não obedeceu aos conceitos tradicionalistas do Direito Administrativo. Criou uma modalidade própria, partindo daquele instituto, com elementos próprios e de serventia específica” (VIANNA. Direito de telecomunicações, p. 66). Na década de 90, com a edição da Lei Geral de Telecomunicação, novamente a ruptura com a tradição do direito administrativo na medida em que foi adotada a figura da autorização para a prestação de serviços de telecomunicações.
[172] Segundo Sérgio Souza, a utilização pelo direito das telecomunicações de institutos tradicionais do direito administrativo aponta para o desvirtuamento jurídico desses institutos com o objetivo de atingimento de fins político e econômicos estritamente particulares (SOUZA, op.cit., p.240).
[173] Cf. Sérgio Euclides Braga Leal de Souza: “A grande vantagem do concessionário, negada pelos institutos clássicos da autorização e da permissão do Direito Administrativo, consiste na estabilidade de sua concessão, garantida por contrato. Neste caso, há limites claros para as intervenções do poder público – e, vale destacar, não apenas para as ações de caráter arbitrário, dependendo da pertinência das cláusulas estabelecidas” (SOUZA, op.cit., p. 247).
[174] GONÇALVES. A concessão de serviços públicos, p. 58.
[175] GONÇALVES. A concessão de serviços públicos, p. 129. Para José Alberto de Melo Alexandrino, o referido contrato de concessão, entre dois entes estatais deveria ser denominado convenção, na forma dada pelo Direito italiano ou belga. Em rigor, ainda, conforme ele, nem convenção deveria existir, mas simples bases da concessão ou cadernos de encargos. No âmbito do direito português, o contrato de concessão será classificado no gênero de contrato de direito público, mas não será propriamente um contrato administrativo (ALEXANDRINO, op.cit., p. 208). À luz do direito brasileiro, aqui sustenta-se que a figura do consórcio público e os acordos de cooperação são os mais adequados nessa hipótese de prestação dos serviços de televisão por radiodifusão pelos entes federativos.
[176] Cf. SALOMÃO. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos, p. 18-21.
[177] O modelo clássico de concessão de serviço público ampara-se na ideia de prestação de utilidades individuais contra o pagamento de um preço. Entretanto, no modelo da concessão de televisão por radiodifusão não há “utentes” uti singuli (GONÇALVES. A concessão de serviços públicos, p. 106).
[178] Cf. LOPES, V. O direito à informação e as concessões de rádio e televisão, p. 293-298; SARDINHA, op.cit., p. 115-116; ROCHA, C, op.cit., p. 175.
[179] Cf. POMPEU, op.cit.,p. 95-102. Para o autor, o conceito de autorização administrativa é definido da seguinte forma: “Ato administrativo discricionário, pelo qual se faculta a prática de ato jurídico ou de atividade material, objetivando atender diretamente a interesse público ou privado, respectivamente, d entidade estatal ou de particular, que sem tal outorga seria proibida” (p. 173). Para Hely Lopes Meirelles: “Autorização é o ato administrativo discricionário e precário pelo qual o Poder Público torna possível ao pretendente a realização de certa atividade, serviço ou utilização de bens particulares ou públicos, de seu exclusivo ou predominante interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da Administração, tais como o uso especial de bem público, o porte de arma, o trânsito por determinados locais, etc.” (MEIRELLES. Direito administrativo brasileiro. P. 167).
[180] Ver: MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p. 327. Portanto, na hipótese de serviços eventuais seria justificada a autorização de serviços públicos, conforme explicação de Cármen Lúcia Antunes Rocha: “Serviços públicos autorizados somente poderiam ser aqueles que tivessem uma condição de prestação eventual, necessária em face de uma situação não permanente, incomum, ou aqueles que, conquanto ofertados permanentemente pela entidade competente pelo regime de prestação indireta, não pudessem, em determinado momento, ou sob certa condição, ter a sua continuada prestação sem o auxílio do particular autorizado; é o que se teria numa situação de greve no serviço público […]” (ROCHA, C. Estudo sobre concessão e permissão de serviço público no direito brasileiro, p. 176).
[181] Sobre as autorizações de uso de bem público, ver: MEDAUAR, Direito administrativo moderno, p. 245.
[182] Para um estudo mais aprofundado do tema, conferir: CAVALCANTI, op.cit., p. 11-15.
[183] Ver: MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p. 245, 327; MEIRELLES, op.cit., p.167. S e bem que em alguns ordenamentos setoriais não há a adoção do sentido clássico. É o caso, por exemplo, do setor de transportes disciplinado pelas Leis nº 8.630/93 e nº 10.233/01 em que se classifica a autorização como um contrato de adesão. Atualmente, aos poucos o caráter da precariedade tradicional associado à autorização vem sendo abandonado em prol do principio da segurança jurídica tão necessária aos investimentos privados para o desenvolvimento econômico-social do País. Assim, também a unilateralidade do ato cede espaço para a consensualidade, revendo-se a postura clássica em termos de ato administrativo. Para detalhamento da questão, consultar: FREITAS, J. Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Principio da Segurança Jurídica – Exigência de Menor Precariedade Possível das Relações de Administração – Terminais de Uso Privativo. Interesse Público.
[184] STF. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 22.665-3 – Distrito Federal, 2ª Turma. Relator Originário: Min. Marco Aurélio, Relator para o Acórdão: Min. Nelson Jobim. Recorrente: Cabotec Ltda. Recorrida: União Federal. Julgado em 14 mar. 2006.
[185] Em verdade, a lei também não define a concessão. Sobre o assunto, eis que explica Themístocles Cavalcanti: “Em primeiro lugar, procura-se em vão na lei (Lei nº 4.117/62), as definições ou a conceituação ou mesmo a indicação dos casos de concessão, autorização. Somente para a permissão há referencia explicita no art. 33, §6º […]” (Ver: Tratado de direito administrativo, p.195).
[186] Conforme explicação de André Mendes de Almeida: “Existem dois tipos de licenças no Brasil: a concessão (outorgada para a radiodifusão sonora nacional ou regional e para a radiodifusão de sons e imagens) e a permissão (outorgada para a radiodifusão sonora local)” (ALMEIDA, A. op.cit., p. 75-76). Conferir, também, POMPEU. Autorização administrativa: de acordo com a Constituição Federal de 1988, p. 127-128. Segundo o Decreto nº 52.795/63: “Art. 16. […] §10 – As outorgas a Estados e Municípios serão deferidas mediante atos de autorização pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado das Comunicações, conforme o caso, e serão formalizados por meio de convênio a ser firmado no prazo de 60 (sessenta) dias”.
[187] A Lei Geral de Telecomunicações dispõe sobre os requisitos objetivos para alcançar a autorização no seguinte sentido: “Art. 132. São condições objetivas para a obtenção da autorização de serviço: I – disponibilidade de radiofrequências necessária, no caso de serviços que utilizem; II – apresentação de projeto viável tecnicamente e compatível com as normas aplicáveis”. E, ainda, prevê os requisitos subjetivos para a obtenção da autorização: “Art. 133. São condições subjetivas para obtenção da autorização de serviço de interesse coletivo pela empresa: I – estar constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País; II – não estar proibida de licitar ou contratar com o Poder Público, não ter sido declarada inidônea ou não ter sido punida, nos dois anos anteriores, com a decretação da caducidade de concessão, permissão ou autorização de serviço de telecomunicações, ou da caducidade de direito de uso de radiofrequência; III – dispor de qualificação técnica para bem prestar o serviço, capacidade econômico-financeira, regularidade fiscal e estar em situação regular com a Seguridade Social; IV – não ser, na mesma região, localidade ou área, encarregada de prestar a mesma modalidade de serviço”.
[188] Cf. DI PIETRO. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, p. 132-139.
[189] COUTO; SILVA, op.cit., p. 71.
[190] Cf. JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 130.
[191] JUSTEN FILHO. Curso de direito administrativo, p. 494.
[192] Ver: MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p. 327.
[193] É importante salientar que existem limites ao controle estatal sobre o uso das frequências do espaço eletromagnético, para fins de proteção ao exercício da liberdade de expressão. É o caso, por exemplo, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969), aprovada pelo Decreto nº 678/92 que dispõe o seguinte: “3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controle oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões” (art. 13).
[194] A adoção de uma interpretação ampla era o escopo da Proposta de Emenda Constitucional nº 55, de 2004, de autoria do Senador Maguito Vilela, a fim de incluir na referida restrição constitucional em favor do conteúdo a “empresa de acesso a Internet e de empresa que explore a produção, programação ou provimento de conteúdo de comunicação social eletrônica dirigida ao público brasileiro, por qualquer meio e independentemente dos serviços de telecomunicações de que façam uso […]”. O objetivo da proposta é a “defesa soberana e da identidade nacionais, bem como o desenvolvimento da cultura e proteção do patrimônio cultural brasileiro”. Segundo o parecer do Conselho de Comunicação Social a proposta é legítima na medida em que o objetivo primordial é a defesa do conteúdo brasileiro em face do estrangeiro, independentemente da plataforma tecnológica adotada. Conferir o Parecer nº 2, de 2005, do Conselho de Comunicação Social, Relator: Paulo Tonet Camargo.
[195] Cf. BARROSO. Constituição, comunicação social e as novas plataformas tecnológicas. In: BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 103. Em sentido contrário, Walter Ceneviva conclui: “[…] obrigar estas empresas (internet, TV por assinatura, empresas jornalísticas on line) à observância dos princípios arrolados no art. 221, não tem consistência prática nem coerência com a sua realidade atual. A amplitude do conceito ‘meio de comunicação social eletrônica’ poderá trazer sérios problemas para sua aplicabilidade, que poderão não ser solucionados ainda que com a edição de lei específica”. Cf. Serviços de Radiodifusão, texto publicado no site da Associação Brasileira de Direito da Informática e Telecomunicações em <www.adbi.org.br/artigos.php?artigo=23>. Acesso em: 2 nov 2006.
[196] Nos EUA, sempre que surgia um novo meio de comunicação a tendência era enquadrá-lo no regime da radiodifusão, mediante o emprego de analogias. Em outras palavras, a agência reguladora promovia o enquadramento positivo ou negativo e, posteriormente, ocorria a discussão judicial em torno da qualificação ou desqualificação do novo serviço como radiodifusão. Ocorre que, com o surgimento da Internet, simplesmente, houve a ruptura com esse padrão de analogia, em razão de sua própria natureza multimídia. Ver Capítulo 3.
[197] A preocupação com a proteção do conteúdo nacional no setor de radiodifusão é antiga. Cf. Adriano Ribeiro: “Muitas foram as tentativas com o intuito de estabelecer certa proporcionalidade entre a transmissão de programas envolvendo obras estrangeiras e nacionais, com a projeção compulsória de um filme nacional por semana, criada pelo Decreto nº 52.286 de 23.01.1963. Contudo, ainda, hoje, o espaço ocupado pelo produto estrangeiro, principalmente nas emissoras de canal fechado, ainda é muito grande” (RIBEIRO, A. op.cit., p. 34).
[198] Em que pese a destacada atuação do Ministério Público, notadamente com a propositura de ações civis públicas contra as emissoras de televisão em razão de abusos cometidos na programação, e a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente, entende-se pela necessidade de novas medidas legais em defesa da pessoa e da família perante a programação audiovisual. É certo que existem organizações sociais bastante atuantes em favor da democratização da mídia em nosso País como é o caso do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e o Coletivo Intervozes.
[199] Sobre o tema, é essencial a leitura da obra O ombudsman e o controle da administração (São Paulo: EDUSP: Ícone, 1994), de Marcos Jordão Teixeira do Amaral Filho. Não se desconhece, por óbvio, a falta de tradição de ativismo cidadão em nosso País correspondente a estados de apatia política (falta de estímulo à participação), abulia política (não querer participar) e acracia política (não poder participar). Conferir; MODESTO. Participação popular na administração pública: mecanismos de operacionalização. Revista Direito do Estado.
[200] Nesse particular, adere-se á proposição originária do professor COMPARATO. A democratização dos meios de comunicação de massa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. P. 165-166.
[201] Nesse aspecto, observe-se que a Lei nº 9.795/99, que trata da educação ambiental, dispõe sobre o dever dos meios de comunicação de colaborar ativamente na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente.
[202] COMPARATO. A democratização dos meios de comunicação de massa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 163.
[203] Nesse sentido, é de fazer a justa homenagem ao professor Fábio Konder Comparato, que há tempos sustenta a necessidade de um órgão administrativo autônomo para cuidar da regulação e fiscalização do setor de comunicação social ( COMPARATO. A democratização dos meios de comunicação de massa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 164
[204] Um dos fundamentos para a restrição do poder dos proprietários dos meios de comunicação consiste justamente na função social da propriedade. A esse respeito, consultar: MALUF: Limitações ao direito de propriedade; e BACELLAR FILHO. Direito administrativo e o novo Código Civil, p. 152-166.
[205] Ao contrário de outros países desenvolvidos que adotaram uma lei tratando da televisão digital, o Brasil por um mero Decreto regulamentou o padrão de televisão digital, fato esse que viola a competência do Congresso Nacional para apreciar a matéria. Esta, entre outras questões, é levantada pela Ação Civil Pública nº 2006.38.00.026780-0/Classe 7100, com pedido de suspensão liminar do decreto, proposta pelo MPF perante a 20ª Vara Federal de Minas Gerais contra a União, em face da invalidade do referido decreto que criou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Contudo, o juízo sentenciou e indeferiu a petição inicial por entender que ela é inepta. A íntegra do texto da ação pode ser localizada no site www.intervozes.org.br, e a da decisão, no site www.fndc.org.br (Acesso em: 29 dez. 2006). Além disso, o Decreto nº 5.820/2006 é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3944 movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL) junto ao STF, cujo relator é o Min. Carlos Ayres Britto.
[206] Para além da questão jurídica, trata-se de um ponto essencial em termos de disputa pelo mercado de serviços de comunicações eletrônicas entre emissoras de televisão e empresas de telecomunicações, especialmente a transmissão de conteúdo audiovisual pelos telefones celulares. Em verdade, a problemática acentuou-se quando da elaboração pela Anatel da Resolução sobre os Serviços de Comunicação Multimídia, o que ensejou a edição da Súmula Anatel nº 006, de 24 de janeiro de 2002, vindo a ratificar a distinção entre os serviços de comunicação multimídia e os serviços de radiodifusão e os de TV por assinatura. Um dos fatores em discussão era a separação entre o mercado corporativo e o mercado residencial em termos de serviços de comunicação. Ver: MEDEIROS. A convergência e o novo marco regulatório no âmbito da União Européia.
[207] Cf. a questão abordada no Relatório do CRP Telecom & It Slutions referente à Política Industrial: Panorama Atual, do Projeto Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Modelo de Implantação. Eis o que explica o relatório: “Com o advento da TV Digital, é possível transportar na mesma banda de 6MHz de radiodifusão terrestre cerca de 19 Mbits/s, o que abre novas oportunidades quanto à oferta de sinais com qualidade superior de imagem e som. Se a opção for pela alta definição, pode-se utilizar tecnologias que necessitem entre 8 Mbit/s e 18-20 Mbit/s (H.264 e MPE-2, respectivamente). Por outro lado, se a opção for pela definição padrão, serão empregadas taxas inferiores àquelas exigidas pelo H.264 para a alta definição. Dessa forma, dependendo da tecnologia que for adotada, nem toda a capacidade de transporte de informações disponível será efetivamente usada. Em relação aos aspectos regulatórios, essa situação entre em conflito com a legislação existente no aspecto do uso eficiente do espectro de radiofrequências. Há também que se considerar que a frequência consignada a uma concessionária é de propriedade da União e que seu melhor uso, inclusive àquele gerado pelo processo técnico-cientifico, pode ser disciplinado de maneira diferente do usualmente adotado” (op.cit., p. 20-21).
[208] A diferença entre as modalidades de transmissão digital reside, basicamente na qualidade dos sons e das imagens: definição padrão (imagem do formato 4:3 – largura versus altura e resolução de 408 linhas, com 704 pontos cada uma, sendo uma tecnologia mais simples e barata) e alta definição (imagem com formato 16:9 e recepção em aparelhos com 720 linhas de 1.920 pontos, sendo uma tecnologia mais complexa e cara). Na prática, a transmissão SDTV permite a recepção do sinal de televisão em melhor estado que comparativamente em relação à transmissão analógica, eis que permite a eliminação das interferências, enquanto a transmissão digital HDTV permite a recepção em qualidade análoga à do cinema, em termos de vídeo e áudio. Um outro modo de transmissão digital que não foi levado em consideração pelo referido Decreto consiste na forma EDTV, uma definição intermediária entre as duas outras referidas que possibilita a utilização de aparelhos com 720 linhas de 1.280 pontos, cuja resolução é próxima ao DVT, dependendo da técnica de compressão do sinal digital.
[209] Ver capítulos 3 e 4.
[210] Cf. FREITAS, I. Televisão digital: que imagem terá o modelo brasileiro? Consultoria Legislativa do Senado Federal.
[211] Art. 35 da Lei nº 4.117/62.
[212] Segundo Jónatas Machado: “Do mesmo modo, não existe uma garantia de jure contra a concorrência por parte de terceiros, não podendo os operadores existentes invocar prováveis danos econômicos resultantes da atribuição de novas licenças em virtude da escassez do mercado publicitário” (MACHADO, J.). Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 949).
[213] A televisão por radiodifusão adota um conceito de rede de difusão unidirecional em que a informação parte de um ponto de rede em direção aos receptores espalhados em determinada área de cobertura, sendo que os receptores, a princípio, não têm capacidade para interagir com o emissor (Controle de qualidade da radiodifusão. Mecanismos de aplicação do Artigo 221, IV, da Constituição Federal. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, p. 23)
[214] Acerca do novo modelo de regulação dos serviços públicos a partir da noção de desintegração do setor da separação das atividades, consultar: ARIÑO ORTIZ, Princípios de derecho público económico, p. 610-613.
[215] Para aprofundamento da questão relacionada à gestão do patrimônio radioelétrico, ver: FREITAS, I., op.cit., p. 45.
[216] Cf. Contribuição do Ministério da Cultura à implantação do sistema brasileiro de televisão intitulado Projeto SBTVD – Questões Centrais para uma Tomada de Decisão (p.19).
[217] A respeito, consultar: NUSDEO. A regulação e o direito da concorrência. In: NUSDEO. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 171; FARACO. Regulação e direito concorrencial: as telecomunicações, p. 296-307.
[218] Acerca do tema, conferir: ARIÑO. Princípios de derecho público e económico, p. 615-617.
[219] A propósito, o Código de Defesa do Consumidor estabelece o seguinte:
“Art. 31. A oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa, sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”.
Revista de Direito de Informática e Telecomunicações, v.10, Belo Horizonte: Editora Fórum, pág. 67-169, jan-jun, 2011.