Os objetivos de desenvolvimento sustentável apresentados pela Organização das Nações Unidas demandam uma nova percepção para a mudança social e cultural e tecnológica. Há objetivos nas áreas de saúde e bem estar (3), inovação (9), cidades e comunidades sustentáveis (11), consumo e produção responsáveis (12) e parcerias institucionais (17).
A finalidade deste artigo é apresentar diversas propostas para a mudança no âmbito da sustentabilidade ambiental sonora. O objetivo é transformar o atual status quo de insustentabilidade ambiental acústica para o estado de sustentabilidade ambiental acústica. Pretende-se apresentar o design regulatório para mudar o comportamento do poluidor acústico, internalizando-se a norma ambiental em seu padrão de comportamento. O objetivo da política regulatória é incentivar novas normas culturais de compromisso com quietude urbana. Faz-se uma análise do macro ambiente para o micro ambiente das condutas humanas antissociais. Ou seja, a partir da análise de condutas antissociais barulhentas, mostra-se um plano para a percepção quais sejam as condutas irresponsáveis ambientalmente no aspecto sonoro e as opções de mudança para comportamentos mais saudáveis e sustentáveis ambientalmente. Por isto, aqui é importante a percepção do ecossistema com comportamentos antissociais produtores de ruídos e as melhores práticas para a contenção dos ruídos.
Comportamentos antissociais não são devidamente analisados no Brasil. Conduta antissocial é toda aquela que possa causar uma agressão a alguém, a violação do direito de uma pessoa ou mais pessoas ou que possam causar a degradação ambiental. A degradação ambiental sonora das cidades é um exemplo de sintoma derivado do comportamento antissocial. Ruídos causam a poluição do ar. Ruídos contaminam o ar. Ruídos são como o lixo no ar. Ruídos é a sujeira do ar.
Ora, há todo um sistema para o controle do lixo e reciclagem nas cidades. Por que não há programas de sustentabilidade ambiental acústica para a contenção dos ruídos urbanos? Ruídos elevam a pressão sonora do ambiente. Ruídos causam stress, são agentes ofensores. Poluidores sonoros têm comportamentos antissociais de desrespeito e violação aos direitos dos outros cidadãos.
Outros exemplos de comportamento antissocial: fumar em áreas proibidas, dirigir perigosamente, fazer barulho de modo a perturbar a vizinhança, danificar a propriedade alheia, entre outros. Não há estudos suficientes sobre estruturas e funções dos comportamentos. Diferentemente, em outros países, há pesquisas empíricas avançadas a respeito de comportamentos antissociais. É o caso do Reino Unido, o qual conta programas de incentivos às mudanças de comportamento social. Há inclusive uma agência de inovação social, com pesquisadores e especialistas, focados em mudanças sociais. A literatura britânica é avançada na percepção do “anti-social behavior” (ASB), bem como em programas de ação para a prevenção de condutas antissociais. Por exemplo, no estudo denominado Rebuiling Communities: why it’s time top ut anti-social behavior back on the agenda por Harvey Redgrave do Tony Blair Institute for Global Change, aponta-se os comportamentos de criação ruídos como categoria denominado anti-social behavior. Neste estudo há a análise das políticas públicas para a prevenção das condutas antissociais, o policiamento comunitário e engajamento da comunidade da redução destes comportamentos antissociais. Conforme a legislação britânica – The Crime and Disorder Act de 1988, o comportamento antissocial é “agir de modo que causou ou possa causar constrangimento, alerta ou stress para uma ou mais pessoas que estejam na mesma residência.[1]
No relatório do Gabinete Oficial as categorias de comportamento antissocial são as seguintes:
i) ruídos da vizinhança,
ii) ruídos de carros, motocicletas,
iii) música alta,
iv) alarmes persistentes;
v) barulho de clubes ou bares:
vi) barulho de negócios/serviços e indústria, entre outras.
Também, há o estímulo à participação das vítimas para influenciar as ações de contenção das condutas antissociais. O foco de análise deste artigo é o comportamento antissocial de produzir barulho. O poluidor sonoro é aquela pessoa que se vale, usualmente, de veículos, máquinas e/ou equipamentos mecânicos que emitem ruídos de modo a perturbar a saúde, bem estar e descanso das pessoas. O poluidor sonoro é fonte de degradação ambiental. A paisagem natural sonora é livre de ruídos mecânicos, há apenas sons da natureza: animais, vento, chuva. A natureza não é fonte de ruídos, mas sim de sons. Diversamente, as tecnologias mecânicas é que são a fonte dos ruídos. Ruídos são produtos da tecnologia mecânica ineficiente. Por isto, ruídos são artificiais, não são, de modo algum, naturais. Para se ter uma ideia, equipamentos de jardinagem como roçadeiras, podadeiras e cortadores de grama foram inspirados na tecnologia mecânica da motosserra. Ora, esta tecnologia foi criada para ambientes de florestas, matos, áreas rurais. Nestas áreas não há densidade humana. Ocorre que esta tecnologia mecânica foi transplantada para o ambiente urbano das cidades, causando desconforto acústico das pessoas, em ambiente de alta densidade humana.
O problema dos ruídos é a sua influência negativa e a sua escalada de degradação ambiental das cidades. Um poluidor acústico, não devidamente punido pelas autoridades públicas, simplesmente repetirá seu comportamento antissocial. E o que é pior seu comportamento negativo influenciará outras pessoas a repetir o mesmo comportamento.
Continuando-se na análise é importante verificar algumas categorias de ruídos. Exemplificando-se: serviços de jardinagem adotam equipamentos mecânicos barulhentos. Usualmente, são sopradores de folhas, roçadeiras, podadeiras e cortadores de grama barulhentos, pois a emissão sonora está na faixa entre 85 (oitenta e cinco) decibéis até 110 (cento e dez decibéis). Ora, a Organização Mundial da Saúde dispõe que ruídos acima de 50 (cinquenta) decibéis causam danos e ameaçam a saúde. Por isto, os jardineiros que utilizam destas máquinas barulhentas causam danos à qualidade de vida, à saúde e bem estar dos moradores e cidadãos.
Os condomínios contratam estes serviços e equipamentos barulhentos sem impor padrões de sustentabilidade ambiental sonora! Os condomínios não adotam práticas de sustentabilidade ambiental acústica, sequer exigem padrões de eficiência acústicas destes equipamentos de jardinagem. Assim, em um bairro, nos condomínios instala-se uma subcultura de práticas insustentáveis ambientalmente. Um condomínio repete as práticas de jardinagem barulhentas de outros condomínios. Há uma influência negativa de comportamento quanto às práticas de utilização de máquinas barulhentas. Um vizinho repete o comportamento do outro. O comportamento antissocial de provocar ruídos na execução de serviços de jardinagem, ao invés de ser alvo de repressão e sanções legais, é aceito! É um absurdo, pois esta conduta antissocial do barulho é um agente de stress, com impacto na cognição, no bem estar, na saúde e no meio ambiente.[2] Ao invés de termos cidades sustentáveis, saudáveis e inteligentes, temos cidades insustentáveis, doentes e estúpidas.
Há um padrão de repetição da patologia que se estende ao grupo de condomínios. Não há percepção dos danos e ameaças à saúde, bem estar e ao meio ambiente. Outro exemplo. O proprietário de motocicleta que promova a adulteração de seu escapamento de modo a produzir barulho. Como ele não é punido, o sistema de repressão não funciona, outros proprietários de motocicletas se sentem autorizados a também adulterar o escapamento das motocicletas. Consequentemente, cria-se uma subcultura barulhenta, tóxica e patológica das motos barulhentas nas cidades, causando a poluição sonora e degradação ambiental. Estudos na área de psicologia ambiental proporcionam o conhecimento do comportamento de pessoas em determinados ambientes, bem como a percepção do impacto de objetos, máquinas e tecnologias na qualidade de vida. Por isto, estudos e pesquisas científicas têm a grande contribuição no sentido de captar a dinâmica para superar atrasos culturais e estabelecer novas culturas saudáveis e sustentáveis ambientalmente. Teorias da mudança contribuem, também, para a evolução da percepção das condutas humanas, a dissociação cognitiva e as expectativas de condutas socialmente responsáveis, ao invés de comportamentos antissociais.
Deste modo, são importantes programas de ação para o fortalecimento e engajamento da cidadania ecológica no aspecto da contenção dos ruídos. Cidadãos têm o direito à participação na formulação e efetivação de políticas de educação ambiental sonora e política ambiental acústica. Máquinas barulhentas representam uma espécie de fetiche para o poluidor acústico. O poluidor sonoro desfruta de certo poder sobre as demais pessoas pelo barulho que provoca. Ocorre este comportamento irresponsável e anticomunitário, é abusivo, é tóxico e patológico! Precisamos superar o estado da subcultura da impunidade do poluidor sonoro para uma cultura afirmativa de proteção aos direitos fundamentais à qualidade de vida, bem estar, saúde, meio ambiente e cultura da quietude. Leis precisam ser aplicadas para a prevenção de condutas antissociais de insustentabilidade ambiental sonora, bem com para a repressão dos infratores e sancionamento. Leis necessitam ser atualizadas e aperfeiçoadas, conforme as melhores inovações tecnológicas, para a contenção dos ruídos urbanos. Leis precisam ser regulamentadas para capacitar o exercício do poder de polícia ambiental para a contenção dos ruídos e aplicação de sanções adequadas para reprimir a conduta antissocial e o uso abusivo de equipamentos poluidores.
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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito do Estado. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Propostas Regulatórias – Anti-Ruídos Urbanos, Amazon, 2022.
[1] Home Office Development and Practice Report. Defining and measuring anti-social behavior, 2004.
[2] Sobre o tema, ver: Scorsim, Ericson. Propostas Regulatórias: Anti-Ruídos Urbanos, Amazon, 2022.
Crédito de Imagem: Nederman