Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação, com foco em tecnologias, internet e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor da coleção de Livro sobre Direito da Comunicação.
O agronegócio do Brasil é uma dos principais fontes de riqueza nacional. A agroindústria tem contribuído para o desenvolvimento econômico-social do País. Os produtos agrícolas e pecuários representam percentual importante nas exportações brasileiras.
A produtividade agrícola depende de investimentos em conectividade no campo. Segundo dados do IBGE, somente 30% (trinta por cento) das propriedades rurais têm acesso à internet. Em outras palavras, 70% (setenta por cento) das propriedades rurais não tem acesso à internet. Registre-se que sem internet há inclusive sérios obstáculos para que o agricultor emita notas fiscais, o que impacta a tributação. Com maior conectividade rural haverá o maior aproveitamento das áreas de cultivo agrícola. No entanto, áreas rurais brasileiras significativas não possuem conectividade digital. Há mais de 1.000 (um) mil municípios sem acesso à internet por fibra ótica. Ou seja, há áreas geográficas que não contam com infraestruturas de acesso à internet. Há, ainda, problemas quanto à instalação de antenas em áreas rurais.
Os grandes produtores rurais adotam soluções próprias como redes privativas de acesso à internet. Assim, utilizam faixa de frequências licenciadas e não licenciadas. A tendência é utilização da faixa de frequências de 700 MHz (setecentos mega-hertz) e 450 (quatrocentos e cinquenta mega-hertz). Há, também, projetos para utilização da faixa de frequências de 250 (duzentos e cinquenta) MHz. As grandes empresas de telecomunicações estão moldando seu modelo de negócios para atender as demandas específicas no agronegócio. Porém, os pequenos e médios produtores rurais têm sérios obstáculos quanto ao acesso à internet por banda larga. Em 2020, falou-se muito em 5G no campo, a qual promete revolucionar a agricultura de precisão, com a interconexão com a internet das coisas. Mas, ainda as áreas rurais sequer tem acesso à tecnologia de 4G. O potencial de IoT (internet das coisas) para a agricultura é gigantesco. Também, os dados agrícolas são fundamentais para fins de planejamento do futuro do modelo de negócios. E com o 5G e IoT haverá a densificação dos dados agrícolas, o que demandará infraestruturas de armazenamento de dados, tais como serviços de computação em nuvem (cloud computation). Neste aspecto, as atividades de coleta, processamento, armazenamento e transferência de dados agrícolas são importantes, inclusive as medidas de proteção à privacidade e segurança destes dados. Com a conexão de máquinas agrícolas, drones, sensores, estações meteorológicas será possível adotar-se um agricultura digital de precisão. Também, a rede de minissatélites de baixa órbita tem o potencial de contribuir com as atividades agrícolas, ao desempenhar funções de conectividade rural, previsão meteorológica e monitoramento da área plantada. Assim, a conectividade rural serve significativamente aos serviços de telemetria no campo. Há, também, tecnologias que possibilitam a realização de serviços de manutenção preventiva de maquinário agrícola. A título exemplificativo há diversas máquinas agrícolas como colheitadeiras e tratores com capacidade de acessar a internet.
Por sua vez, os drones com sua visão computacional são capazes de monitorar a área de plantio agrícola. Há, inclusive, softwares de reconhecimento com visão computacional com capacidade de detectar ervas daninha e vírus. Outras soluções tecnológicas permitem o monitoramento em tempo real do plantio e colheita da safra. Há, por exemplo, o sistema de verificação da colheita por imagens de satélite. A tecnologia de GPS permite maior precisão nas áreas de plantio e distribuição de pulverização. Com coordenadas de latitude e longitude há maior precisão nos sistemas agrícolas. Existem, igualmente, soluções para o monitoramento de animais em atividades agropecuárias. Há chips de radiofrequências que podem rastrear o gado. Também, há soluções de rastreamento da produção agrícola que monitora o transporte do campo até o consumidor final em outro país. Existem plataformas digitais sobre insumos agrícolas e grãos, isto é, novos modelos de negócios no estilo de marketplaces estão sendo formatados no agronegócio.
O monitoramento do transporte de carga agrícola é, portanto, uma atividade fundamental na cadeia logística. Há dispositivos de IoT que possibilitam o controle do PH do solo, umidade, índices de chuva e verificação de minerais no solo. Neste aspecto, há aplicações de biotecnologia e nanotecnologia em conjunto com a rede 5G e IoT. Por outro lado, há produtos e serviços que contribuem com o monitoramento da propriedade rural, para fins de segurança. Além disto, soluções de softwares com inteligência artificial permitem a identificação de rotas logísticas nas operações de colheita e transporte de cargas mais baratas, com economia de combustível. Porém, se não houver a disponibilidade do internet no campo não há como acessar o respectivo sinal. Com isto há o potencial de redução de custos agrícolas, evitando-se o desperdício de insumos agrícolas. No entanto, há muitas áreas rurais aonde sequer há o acesso à tecnologia de 4G, a qual poderia resolver muitos dos problemas do campo. São pouquíssimas as fazendas que estão digitalizadas e tem acesso à internet por banda larga. Há diversos caminhos tecnológicos para levar à internet ao campo. Há soluções por radiofrequências, fibras óticas e satélites e wi-fi. Debate-se, inclusive, o aproveitamento das frequências do denominado White Space (espaço em branco), frequências outrora utilizadas pela transmissão de sinais de TV por radiodifusão em VHF e UHF para serem utilizas na prestação de serviços de acesso à internet. Neste aspecto, o acesso ao espectro de frequências é essencial à conectividade rural. A mera presença de redes de comunicações móveis no campo permite uma série de inovações. Com o smartphone, o agricultor pode monitorar uma série de eventos em sua propriedade rural. Os pequenos provedores de internet têm contribuído com a introdução da internet em áreas rurais e pequenos municípios. Estas empresas têm levado antenas para o campo. A conectividade rural, além de possibilitar o desenvolvimento do agronegócio, tem o potencial de levar serviços de educação à distância, serviços de telemedicina, e-commerce, entre outros, às comunidades rurais. Além disto, a conectividade rural serve – e muito – à concretização de serviços ambientais, como o monitoramento de florestas, bem como de detecção de incêndios. E mais, a conectividade rural pode ampliar a gestão do consumo de água, utilizada em sistemas de irrigação no campo. Ademais, a conectividade rural pode incentivar políticas públicas de turismo rural, mediante experiências de realidade aumentada e realidade virtual, em tecnologia 5G. Daí a importância do fomento à participação dos pequenos provedores de internet com políticas públicas de conectividade rural. Há, também, diversos startups especializados em agronegócios que se denominam agrotechs, em várias áreas de atuação. Há incubadoras e hubs de inovação. As empresas de telecomunicações têm investigados em hubs de inovação e startups agrícolas.[1]
Quanto ao financiamento da internet no campo, há a previsão de compartilhamento de custos de construção da infraestrutura de internet, mediante iniciativas coletivas de garantias a estes financiamentos. A título exemplificativo, a Lei n. 13.986, de 7 de abril de 2020 prevê entre outras medidas o fundo garantidor solidário. Trata-se fundo garantidor de operações de crédito realizadas por produtores rurais, o qual inclui o financiamento da implantação e operações de infraestruturas de conectividade rural. Uma alternativa interessante para o fomento às garantias na instalação de infraestruturas de rede de internet é a utilização de recursos do fundo setorial de telecomunicações, em apoio à internet rural. Ademais, a Embrapa mantém um programa de monitoramento agrícola, denominado SatVeg. Este sistema permite a observação dos ciclos temporais de vegetação, por imagens de satélite.
A Embrapa utiliza de imagens de observação da terra fornecida pela NASA dos Estados Unidos. Neste sentido, há o entrelaçamento entre a atividade agrícola e sistema de crédito rural, mediado por tecnologias. A título ilustrativo, em 2020, o Banco Central do Brasil editou a Resolução nº 4796, de 02/04/2020 que trata dos procedimentos de comunicação de perdas de safra agrícola e pedido de seguro da cobertura do Proagro, na hipótese de impossibilidade de visita técnica presencial para fins de comprovação das perdas, a possibilidade de comunicação de perdas de modo remoto. Assim, o Banco Central reconhece a possibilidade de utilização de “imagens de satélite ou outras ferramentas de sensoriamento remoto”, bem como a consulta a banco de dados por sistemas como o suporte à decisão na agropecuária (Sisdagro) do Instituto National de Meteorologia – INMET e o Sistema de Análise Temporal de Vegetação (SATV) da Embrapa. Por outro lado, o setor privado deu um passo importante ao criar o ConectarAgro, uma associação privada com foco na conectividade em áreas agrícolas. Por outro lado, as áreas agrícolas dependem de sistemas de previsão meteorológica. No entanto, a infraestrutura de previsão meteorológica é insuficiente. São necessários investimentos em instalação de estações agrometeorológicas com tecnologia avançada, tanto a infraestrutura pública quanto a infraestrutura privada. O Brasil sequer conta com um satélite meteorológico. Portanto, a instalação de uma rede de satélites meteorológicos é fundamental para a agricultura digital e de precisão no Brasil. Neste aspecto, o Plano Inova Agro do BNDES e Finep contêm algumas medidas para o financiamento de novas tecnologias a serem utilizadas no transporte da produção agropecuária, rastreabilidade de produtos (software, hardware e semicondutores) e agricultura e pecuária de precisão, mediante tecnologias e equipamentos.
Em síntese, o potencial econômico das áreas rurais brasileiras é significativo para a economia nacional. Mas, para explorar este potencial é necessário levar a internet ao campo. Neste aspecto, é fundamental o debate legislativo sobre a instituição de um fundo rural para conectividade no campo. É necessária a articulação entre a política agrícola e a políticas de conectividade em áreas rurais e a política industrial, de modo a favorecer a agricultura digital e a inclusão digital. A infraestrutura destinada à conectividade rural deve ser considerada uma infraestrutura crítica nacional, fator justificador de sua essencialidade e merecimento de políticas públicas de inclusão digital da agropecuária.
[1] Relatório exclusivo campo digital. Os avanços da digitalização no agronegócio. Tele Síntese, Momento Editorial, 2020.