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Curitiba deveria ter melhor governança do transporte público por ônibus

23/10/2024

Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP. Autor do Ebook Sustentabilidade Ambiental Acústica: Propostas Regulatórias para Cidades Livres de Ruídos Excessivos.  Amazon, 2024.  Fundador da Associação Civil Monitor Ambiental Antirruídos.

Curitiba para se transformar em uma cidade limpa, saudável e sustentável deve reformar urgentemente seu sistema de transporte público por ônibus. Somente há cidade sustentável com transporte urbano limpo, saudável e sustentável. Cidade inteligente requer a prevenção e controle da poluição sonora. Falta parâmetros de governança no transporte público em direção à qualidade ambiental total e a qualidade integral das infraestruturas e serviços. Há muitas expectativas quanto os ônibus elétricos. Porém, Curitiba está na transição elétrica atrasada no tema, tendo adquirido, em 2024, apenas 70 ônibus elétricos. Diferentemente, a capital do Chile, Santiago tem 2.400 ônibus elétricos. Segue-se lá o Plano Nacional de Mobilidade Sustentável. Bogotá, capital na Colômbia, tem 1.500 ônibus elétricos.

Curitiba adotou um plano de transição para ônibus elétricos de longa duração. Portanto, durante décadas a população terá que conviver com ônibus com motores à combustíveis fosseis. Relembre-se que Curitiba assinou o compromisso com o grupo de cidades C40, para ruas livres de combustíveis fosseis, mediante a aquisição de ônibus elétricos. No entanto, entre o compromisso e a realidade há uma distinção enorme.  Atualmente, o sistema de transporte coletivo de Curitiba gera externalidade negativas para a população, como poluição atmosférica e poluição sonora. Há uma escalada de danos, além de acidentes de trânsito.  

Primeiro, há danos aos passageiros do sistema de transporte publico, com o desconforto acústico.  Há danos ambientais às áreas residenciais e comerciais atingidas pela poluição sonora. Há danos do mercado imobiliário local com a poluição sonora, causada pelo tráfego de ônibus em terminais e/ou ruas. Também, o sistema de transporte público é uma ameaça a segurança no trânsito, pois cotidianamente há acidentes de trânsito com ônibus. Existem outros problemas relacionados à segurança dentro dos ônibus.  A cidade precisa, urgentemente, adotar um regime governança do transporte público para garantir a sustentabilidade ambiental e acústica.  

A política de transporte público deve ser integrada com a política do meio ambiente e polícia de saúde pública. A política pública de transporte público deve estar integrada com a política de mobilidade urbana. Os ônibus não resolverão os problemas de mobilidade urbana. Por isto, a cidade deve pensar estratégias para desativar linhas operacionais custosas e onerosas para os cofres públicos, sem demanda suficiente para arcar com os custos operacionais,   pensar em alternativas como “cupons” para o uso de sistemas alternativo, como créditos sociais para o uso de táxis e aplicativos.  Outro ponto a ser debatido é a implantação da “tarifa zero”, definição de fases para transição, bem como as hipóteses de aplicação e as formas de custeio. É fundamental a instituição de uma agência regulatória autônoma, com a fixação de mandato, autonomia, com a capacidade de executar a política regulatória do transporte público. É necessária maior transparência na forma de pagamento efetuado as concessionárias, bem como nos custos operacionais.

A população deve ser informada, de modo transparente, a respeito dos modelos de remuneração das concessionárias se por quilômetro rodado ou não.  É preciso que o poder público apresente a justificativa técnica para o uso de modelos de bi-articulados em rotas com pequena demanda. É necessário justificar o porquê o uso de combustíveis fosseis na frota e explicar para a população.   É necessário sistemas de accountability e transparência com os interesses da população. São fundamentais a definição dos indicadores de coerência, consistência e suficiência das normas disciplinadoras da prestação do serviço de transporte público, priorizando-se a aplicação dos princípios ambientais da proibição do retrocesso ambiental, prevenção de dano ambiental,  poluidor-pagador. Falhas na lei do transporte urbano geram danos à cidade e sua população.  Falhas na execução da lei geram danos à cidade e sua população. Falhas na gestão do transporte público geram danos à cidade e sua população.[1] A cidade precisa se adequar os parâmetros internacionais de desenvolvimento sustentável.  Curitiba está na fase de remodelagem de seu sistema, mediante consultoria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

A Associação Civil Monitor Ambiental Antirruídos manifestou-se em carta/ofício para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social a respeito da essencialidade em modelos de concessão de transporte público de cláusula de monitoramento ambiental acústico, bem com ecoeficiência ambiental acústica. Também, a Associação defendeu inclusive cláusulas de compensação ambiental por danos causados pela degradação da qualidade ambiental causada emissão de poluição sonora. Por isto, é a oportunidade para estabelecer novo modelo de governança para o transporte público por ônibus. Os futuros contratos de concessão devem conter cláusulas obrigatórias da prevenção e controle da emissão de ruídos excessivos, desnecessários, nocivos e danos dos ônibus de transporte coletivo de passageiros.

É fundamental que a futura concessão estabeleça parceria com o compromisso com a qualidade das infraestruturas e a qualidade dos serviços. Este é o modelo adotado por Londres, por exemplo, no Bus Services Act 2017, o qual medidas para restrições de trânsito, bem como de controle de poluição sonora.   O serviço de transporte púbico deve ser atrativo para a população.[2] Na pandemia mostrou que os riscos do uso do transporte público pela população. Curitiba é uma das cidades com o maior número de carros. Como motivar o cidadão deixar de usar seu carro, táxis e/ou Uber e entrar no ônibus do transporte público? Esta é a resposta da atratividade do sistema do transporte público. Por isto, se não houver demanda suficiente a melhor política pública é reduzir a oferta. É um instrumento baseado em mecanismo de mercado, o qual deve seguido pelo poder público.  Outro ponto, há riscos biológicos e ambientais a serem mensurados na política estratégica do transporte público. A pandemia mostrou os riscos de contaminação pelo coronavirus no uso do transporte público.  Igualmente, durante a pandemia, passou a perceber a qualidade da cidade, livre da poluição atmosférica e poluição sonora. Por outro lado, há parâmetros internacionais a serem seguidos por uma cidade que pretende ser um modelo de urbanismo sustentável.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento – OCDE divulgou diversos estudos para a reforma do planeamento e prestação de serviços de transporte público.[3] E para também para o financiamento e da eficiência dos serviços de transporte.[4] Basicamente, há a consideração da dimensão da qualidade das infraestruturas e qualidade dos serviços de transporte público. O foco é priorizar a eficiência, bem como a inclusividade e a sustentabilidade ambiental, com a eliminação e redução dos subsídios o uso de combustíveis fósseis no transporte público. Outras referências importantes em âmbito internacional são do Banco Mundial em estudo sobre a eliminação dos subsídios e combustíveis fosseis e efetivação do princípio do poluidor-pagador.[5] E as recomendações da OCDE sobre a eliminação de ruídos.[6] E as recomendações da Organização Mundial da Saúde sobre o limite de emissão de trânsito e transporte de 53 dB (A) para o dia e 45 dB (A) para a noite.  E também os objetivos de desenvolvimento sustentável relacionados à inovação, indústria e infraestruturas, saúde e bem estar, cidades e comunidades inclusivas, definidos pela Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas. Na União Europeia, a Agência Ambiental respectiva tem programas com objetivos específicos para eliminar a poluição sonora dos serviços de transporte público. Assim, a partir das lições da melhor experiência internacional, Curitiba deveria  urgentemente  reformar seu transporte público, por ônibus, em conformidade com as melhores práticas internacionais de sustentabilidade ambiental e acústica.

É fundamental o planejamento estratégico, tático e operacional priorizando a qualidade das infraestruturas de transporte e a qualidade dos serviços de transporte. Os objetivos estratégicos do transporte público devem estar alinhados com os objetivos de desenvolvimento sustentável, relacionados eliminação da poluição atmosférica e poluição sonora, por isto a priorização dos ônibus elétricos. Outro objetivo estratégico é promover a inclusividade no sistema, mediante tarifas (zero). O objetivo estratégico de eliminar, reduzir e isolar a emissão de ruídos excessivos, desnecessários, danosos, nas operações diárias dos ônibus. Outro objetivo estratégico é monitorar a qualidade ambiental sonora da cidade.  

A Prefeitura de Curitiba deve ser mais transparente com aos custos operacionais das linhas de ônibus. E adotar parâmetros de eficiência de rotas de ônibus, eliminando-se rotas sem demanda e reduzindo-se as rotas de baixa demanda por serviço de transporte, adaptando a oferta à demanda real dos serviços de transporte. Em diversos horários, há ônibus bi-articulados circulando vazios em determinadas rotas da cidade. Consequentemente, haverá a observância do princípio da eficiência, efetividade e economicidade. Em síntese, há falhas estruturais na governança e no planejamento estratégico, tático e operacional do transporte público, por ônibus. Por isto, a urgente reforma institucional das políticas públicas de transporte e seu alinhamento às políticas urbanas, do meio ambiente e saúde. Cidade limpa, saudável e sustentável depende do transporte limpo, saudável e sustentável. Somente há cidade inteligente com a prevenção e controle da poluição sonora!  


[1] European Court of Auditors. Special report. The polluter pays principle: inconsistent application across EU environmental policies and actions, 2021.

[2] Ver: European Platform on Sustainable Urban Mobility Plans. Planning from attractive public transport, 2022.

[3] Ver: OECD. Reforming Public Transport Planning and delivery, research report, 2020.

[4] Ver: OECDE. The Future of Public Transport Funding, 2024. 

[5] Ver: The World Bank. The polluter pay principle.  E Detox development. Repurposing environmentally harmful subsidies.

[6] Ver: OECE. Recommendation on abatement noise.

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.