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Dependência do Brasil do sistema de GPS (global positioning satellite) dos Estados Unidos: análise dos riscos geopolíticos

30/11/2020

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

O Brasil é usuário da tecnologia GPS (Global Positioning Satellite) dos Estados Unidos. Trata-se de tecnologia de posicionamento, navegação e geolocalização de pessoas, objetivo, veículos, lugares. Esta tecnologia foi desenvolvida pelas agências militares. E, ainda, atualmente, está sob o controle da Força Aérea dos Estados Unidos.

É considerada uma tecnologia dual-use, isto é, com aplicação militar e civil. Assim, seu uso por civis foi autorizado pelas autoridades militares. O sistema de geolocalização baseia-se em infraestrutura de telecomunicações por satélites distribuído por todo o globo. Atualmente, há uma constelação de 33 (trinta e três) satélites espalhados ao redor do globo que garantem o funcionamento do GPS. Há antena de GPS instalada pelo governo norte-americano na ilha Ascensão situada no Atlântico, com capacidade de coletar sinais de inteligência na região.

No aspecto militar, o GPS é fundamental nos sistemas de comando e controle, inteligência, reconhecimento, rastreamento e vigilância, posicionamento de armas inteligentes e precisão na localização de alvos. Sobre o tema, Graham Allison explica: “Os satélites oferecem um elo crucial em quase qualquer empreitada militar americana, de alertas sobre lançamentos de mísseis balísticos adversários e produção de imagens e previsões meteorológicas ao planejamento das operações. Os satélites de posicionamento global são responsáveis pela precisão de quase todos os armamentos teleguiados e permitem que navios, aviões e unidade em solo saibam onde estão no campo de batalha. Os Estados Unidos dependem dessa tecnologia mais do que qualquer competidor. Sem ela, o comandante-chefe não pode transmitir suas ordens para os pelotões em terra, para os navios no mar e tudo mais entre uma coisa e outra. As armas antissatélite vão das ‘cinéticas’ que destroem fisicamente o alvo, entulhando a órbita com destroços, a sistemas mais discretos, que usam laser para bloquear os sinais dos satélites ou ‘ofuscá-los’ e deixa-los inoperantes”.[1]

Registre-se que o GPS tem inúmeras aplicações civis na economia: transportes (rastreamento de veículos, e cargas), comércio (geolocalização de consumidores para fins de publicidade comercial), sistema financeiro (controle de identificação do usuário e pagamentos digitais),navegação aérea, transporte marítimo (navegação de navios, rastreamento da frota e cargas), agricultura de precisão (utilização de drones guiados por GPS), geosensoriamento, meteorologia, espacial, ferrovias, mapeamento, serviços ambientais, segurança pública, entre outros.  Por exemplo, máquinas agrícolas contam com sistema de GPS. Sem conectividade, no entanto, estes equipamentos não podem se conectar à rede de internet. Ora, a partir do GPS e satélite é possível fazer estimativas a respeito da safra agrícola e, com isso, influenciar os preços internacionais das commodities. A título exemplificativo, a Empresa Agropecuária (Embrapa) utilize de imagens de observação da terra fornecidas pela NASA dos Estados Unidos. Há o entrelaçamento entre a atividade agrícola e o sistema de crédito rural, intermediado por tecnologias.

Em 2020, o Banco Central do Brasil editou a Resolução n. 4796, de 02/04/2020 que trata dos procedimentos de comunicação de perdas de safra agrícola e pedido de seguro da cobertura do Proagro, na hipótese de impossibilidade de visita técnica presencial para fins de comprovação de perdas de modo remoto. Assim, o Banco Central reconhece a possibilidade de utilização de “imagens de satélite ou outras ferramentas de sensoriamento remoto”, bem como a consulta banco de dados por sistemas como o suporte à decisão na agropecuária (Sisdagro) do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e o sistema de análise temporal de vegetação (SAT) da Embrapa.  

Em resumo, as tecnologias aeroespaciais tem impacto significativo na agricultura brasileira. Por isso todo cuidado é pouco quanto se trata da proteção aos dados agrícolas.   A União Europeia está adotando regras para a proteção dos dados agrícolas, para evitar a concorrência desleal em relação aos seus agricultores. Outra aplicação do GPS consiste na utilização da tecnologia no planejamento da abertura de lojas comerciais. Mede-se o número de pessoas que circulam em determinada área geográfica de uma cidade a fim de verificar o potencial econômico da região.

O sistema de GPS é totalmente compatível com as infraestruturas de telecomunicações móveis, por celulares. Há projetos da Força Aérea dos Estados Unidos para avançar na eficiência do sistema de GPS e as redes móvel de celulares. Assim, qualquer celular do globo poderá ser localizado pelo sistema GPS. Neste aspecto, a tecnologia de GPS é relevantíssima para a coleta de sinais de inteligência pelo governo norte-americano. Com frequência, em áreas de conflito, o sinal do GPS é objeto de interferência, com a negação de acesso aos serviços.  Os sistemas de países aliados ao GPS norte-americano: sistema Galileu da União Europeia, o GZSS do Japão, o Navic da Índia. Em 2018, a FCC autorizou a prestação de serviços Galileu nos Estados Unidos. O Reino Unido estuda a criação de um sistema próprio de navegação por satélite. Os sistemas não alinhados aos Estados Unidos são: o GLONASS da Rússia e o Beidou da China. O Brasil não possui sistema próprio de posicionamento por satélite. Assim, é mero usuário do sistema de GPS dos Estados Unidos. Por isso, há riscos geopolíticos para o Brasil na  dependência da tecnologia de GPS dos Estados Unidos. Simplesmente, há o risco de os Estados Unidos, por diversas razões, resolverem negar o acesso ao sistema GPS, em algum momento. E mais, há riscos de espionagem econômica e militar o sistema GPS. Além disto, em operações militares, o Brasil dependerá o acesso à tecnologia norte-americana do GPS. A plenitude da soberania tecnológica do Brasil demanda a adoção de um sistema próprio de geoposicionamento por satélite, do contrário a dependência tecnológica significará restrições à competividade internacional e inclusive riscos à defesa nacional.

Por isso a necessidade de uma nova geoestratégia do Brasil, em relação à tecnologia de posicionamento e navegação por satélite, com vistas à construção de sistema nacional. A nação brasileira agradecerá!  


[1] Allison, Graham. A caminho da guerra. Os Estados Unidos e a China conseguirão escapar da Armadilhas de Tucídides? Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.