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Desafios para a Justiça Eleitoral diante de abusos de poder cibernéticos e/ou computacional

25/03/2021

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Público. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto no Brasil, publicado na Amazon, 2020.

A literatura especializada tem revelado alguns novos termos decorrentes do ambiente cibernético e, respectivamente, das novas tecnologias de informações e comunicações o ambiente da internet. São expressões como cyberwar (guerra cibernética), cyberweapons (armas cibernéticas), weaponisation of social media (armamento das mídias sociais), information operation (operações de informação), desinformation campaings (fake news), computational propaganda, deep webpsycho operations (operações psicológicas), covert actions (ações encobertas), cyber militias (milícias cibernéticas), robots/bots, critical national infrastructure (infraestrutura nacional crítica), artificial intelligence, ataques cibernéticos por hackers, vazamento de dados de pessoas e empresas, financiamento ilegal de campanhas, micro-targeting, entre outras ações.

Todos estes temas vieram à tona com o ataque cibernético por campanhas de desinformação por agentes da Rússia contra o sistema eleitoral dos Estados Unidos, na campanha presidencial de 2016. Agentes russos via redes sociais espalharam boatos contrários à então candidata Hillary Clinton e favoráveis ao candidato Donald Trump. Outro episódio revelador destas táticas cibernéticas foi o escândalo da Cambridge Analytica, no qual a empresa obteve dados pessoais de milhões de pessoas, através do Facebook, sem o necessário consentimento dos usuários, para utilizar em campanhas eleitorais. Para agravar o quadro, em janeiro de 2021, os Estados Unidos sentiram na pele os riscos da polarização política e instrumentalização de redes sociais para convocar grupos paramilitares com a invasão do Congresso, na tentativa de impedimento a proclamação dos resultados da eleição de 2020 que consagrou Joe Biden como o novo Presidente norte-americano. No Brasil, vivemos intensas campanhas de desinformação e divulgação de fake news, com ataques às instituições democráticas e autoridades públicas, inclusive como a promoção de “assassinato” de reputações. Por tudo isto, entendo necessário a análise do poder cibernético e/ou poder computacional e as consequências sobre o sistema eleitoral. Por ora, o legislador e a justiça eleitoral tratam de temas que estão apenas na superfície do jogo político-eleitoral. Há a normativa sobre campanhas eleitorais por mídias sociais, fake news, financiamento ilegal de campanhas, entre outras. Mas, a complexidade do tema requer medidas mais efetivas de combate atos atentatórios à integridade do sistema eleitoral. Vamos imaginar algumas hipóteses.

O Brasil e seu sistema eleitoral é alvo de ataque cibernético por um país e/ou agentes estrangeiros. O sistema eleitoral tem condições de resistir ao ataque cibernético? Quem fará a defesa do sistema eleitoral? O Comando Cibernético do Exército é quem fará a defesa cibernética?[1] Será que o exército é o órgão mais adequado, imparcial, neutro e democrático para fazer este tipo de defesa? Se  péssimos militares do exército atuarem em benefício da reeleição do presidente da república a justiça eleitoral está preparada para investigar estes fatos? Na hipótese de “vazamento” de dados de milhões de eleitores, a justiça eleitoral está preparada para agir e reagir a este tipo de ataque cibernético? Por outro lado, vamos imaginar que um candidato e/ou grupo político crie fake news e criar um “exército digital” e/ou “milícia digital” de robôs, aproveitando-se de poder cibernético e/ou computacional. Assim, esta “milícia digital” busca, artificialmente criar consensos e dissensos na opinião pública, favoráveis ao seu candidato. O termo técnico para esta operação é astroturfing. Assim, o candidato consegue artificialmente manter milhões de seguidores em suas redes sociais, criando-se a ilusão de que existe grande apoio político ao seu nome.

Como a justiça eleitoral pode agir neste tipo de situação? Haverá auditagem do número dos eleitores dos candidatos?  Por outro lado, vamos imaginar que ocorra financiamento ilegal de campanha de determinado candidato proveniente de recursos do exterior.  Como a justiça eleitoral pode enfrentar este tipo de situação? Outro exemplo. Imagine-se que um candidato presidencial obtenha informações da CIA contra seu adversário político, e receba apoio de governante estrangeiros. E a partir daí monte uma estratégia político-eleitoral em sua campanha, com a exploração de ações judiciais e divulgação de notícias na mídia. Como a Justiça Eleitoral pode responder a este tipo de conluio entre candidato brasileiro e agência de inteligência estrangeira e governo estrangeiros. Enfim, todas estas hipóteses demandam a atualização da legislação eleitoral a seguir analisada. A tipificação como crime eleitoral o abuso do poder cibernético e/ou poder computacional no contexto sistema eleitoral que contribua com o desequilíbrio nas condições da disputa eleitoral, com a previsão de perda do registro da candidatura e do mandato.

Por outro lado, sugere-se a atualização da lei que prevê as condutas vedadas aos agentes públicos, de modo a contemplar as hipóteses de abusos de poder cibernéticos e/ou poder computacional, de modo a favorecer determinado candidato e/ou grupo político.  Regras de improbidade administrativa devem contemplar as hipóteses de abuso de poder cibernético/poder computacional. Assim, devem ser punidos aqueles que abusam de armas cibernéticas contra a soberania popular e as instituições democráticas, inclusive aplicando-se sanções severas contra agentes públicos civis e militares, inclusive com perda de cargo público. Além disto, deve ser debatido a hipótese de abusos cometidos por associações civis militares (“clubes militares”) que promovam atos atentatórios à democracia. Neste sentido, deve-se esclarecer a legislação para contemplar a hipótese de dissolução de associações militares (“clubes militares”) que promovam atos atentatórios à democracia. Para além disto, deve-se debater inclusive a perda do título militar (general, entre outros),  inclusive a perda da titulação do posto e patente e da perda da patente se o servidor público militar estiver na reserva, se comprovada a participação em atos atentatórios à democracia. Quem é contra a democracia brasileira não deve participar da vida democrática.  Por isso, a pessoa deve ter expulsa da participação do sistema político, inclusive defende-se a exclusão do direito de votar e de ser eleito.  Os antigos previam para este tipo de delito contra a república o exílio. Mas, atualmente, este tipo de sanção não pode ser aplicada.  Por isso, atos de suspensão de direitos políticos são bem-vindos para se punir quem praticar atos anti-democráticos. Além disto, deve-se prever medidas para o fortalecimento da justiça eleitoral em medidas de autodefesa cibernética, para garantir a integridade do sistema eleitoral.  Em discussão, as medidas de proteção ao livre fluxo de informações no ambiente democrático. Antigamente, o tipo ideal de democracia era representado pelo livre debate de ideias e troca de informações, baseadas no consenso quanto aos fatos e à verdade.

Atualmente, houve sensivelmente a degradação do ambiente democrático com campanhas de desinformação (algo extremamente perigoso à democracia), discursos de ódio,  atos de violência, campanhas de assassinato de reputações. Neste contexto, é fundamental a legislação ser atualizada de modo a prever a responsabilidade das empresas provedoras de redes sociais, diante de abusos de poder cibernético e/ou computacional. O projeto de lei sobre “fake news” e campanhas de desinformação é um primeiro passo. Mas, ainda são necessárias medidas mais amplas para conter abusos em campanhas de manipulação da opinião pública, com a propagação de perfis falsos em redes sociais, propaganda computacional, fake news, conteúdos caluniosos, difamatórios, injuriosos, entre outros.

Enfim, toda esta toxicidade é um perigo à democracia. Por isso, medidas de contenção de abusos de poder cibernético/computacional, no jogo político-eleitoral, para preservar as instituições democráticas e a soberania popular e prevenção de eventual desprestígio das forças armadas por eventuais de atos isolados de alguns péssimos militares e líderes tóxicos anti-democráticos. A toxicidade anti-democrática deve ser combatida, pois representa perigo à democracia. Por isso, o fortalecimento da Justiça Eleitoral em investigações de abusos de poder cibernético e/ou computacional é a conditio sine qua non para o fortalecimento das medidas de defesa da democracia. 

A soberania política deve ser protegida contra interferências ilegítimas no sistema eleitoral por robôs, algoritmos e/ou propaganda computacional que perturbem a qualidade do debate público brasileiro.  


[1] Sobre o tema do ciberespaço e a doutrina militar, ver: Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. XXI Ciclo de Estudos estratégicos. Ciberespaço: a nova dimensão do campo de batalha. Organizadores: Coronel Carlos Educardo de Franciscis Ramos e outros, Rio de Janeiro: ECEME, 2019.

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.