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Direito de proprietários e moradores em condomínios à sustentabilidade ambiental acústica. Dever dos condomínios de obedecer ao princípio da eficiência ambiental acústica na contratação de serviços e fornecedores de equipamentos

30/11/2021

É comum nas cidades a utilização de serviços de jardinagem por condomínios. Na prestação dos serviços são utilizados sopradores, roçadeiras e podadeiras, cortadores de grama, entre outros. Ocorre que tais equipamentos elétricos/mecânicos produzem ruídos em volume e intensidade que causam lesão ao bem-estar, à saúde, ao sossego de moradores e proprietários.

Ruídos ambientais são fonte de agravamento do estado de saúde, com impacto no sistema cardiovascular.[1] E, por tabela, tais equipamentos barulhentos causam danos colaterais ao bem-estar, saúde pública e meio ambiente, ao produzirem ruídos urbanos. Há, portanto, uma execução falha dos serviços e que representam abusos e atos ilícitos, caracterizando o estado de poluição sonora.  O Código Civil garante o direito do proprietário à segurança, sossego e saúde dentro do  imóvel: “Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”. Ora, o proprietário tem o direito de usar, usufruir e dispor de seu imóvel. Sua moradia é o lar sagrado.  

Há expectativas legítimas do morador/proprietários quanto ao padrão de conforto acústico de sua propriedade. Por isto, quaisquer medidas de desconforto acústico causado e/ou assumido pelo condomínio pode ser objetivo de direito de autodefesa do proprietário/morador. Para além disto, o Decreto-lei n. 3.688/1941 dispõe: “Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheio (…) III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos”. E o Código de Defesa do Consumidor: garante o direito à proteção de sua vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas de fornecimento de produtos. Na política nacional das relações de consumo tem como “objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo (art. 4º). Nos termos do CDC, há o dever de qualidade no fornecedor do serviço e a adequação dos serviços.

Evidentemente que a prestação de serviços barulhentos é ofensiva ao direito à qualidade dos serviços e o direito à adequação destes serviços. Também, conforme o CDC, é nula de pleno direito cláusula contratual que “infrinja ou possibilitem a violação de normas ambientais (art. 51, in. XIV). Conforme a professora Cláudia Lima Marques: “A teoria da qualidade se bifurcaria, no sistema do CDC, na exigência de qualidade-adequação e de qualidade-segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e dos serviços. Nesse sentido, haveria vícios de qualidade por inadequação (art. 18 e ss) e vícios de qualidade por insegurança (arts. 12 a 17)”. E, ainda, segundo a autora: “Realmente, a responsabilidade do fornecedor em seus aspectos contratuais e extracontratuais, presente nas normas do CDC (arts. 12 a 27), está objetivada, isto é, concentrada no produto no serviço prestado, concentrada na existência de um defeito (falha na segurança) ou na existência de um vício (falha na adequação, na prestabilidade)”.[2]  Ainda considerando-se a função social dos contratos há de se respeitar a função ambiental quanto à paisagem sonora do condomínio.

A função ambiental dos contratos demanda a exclusão dos ruídos do ambiente acústico ao entorno dos condomínios. Ora, o condomínio é equiparado ao consumidor em suas relações de consumo de serviços de jardinagem.  Por isto, o condomínio e/ou seu gestor legal tem o direito de exigir a cessação dos ruídos causados pelos equipamentos elétricos-mecânicos.  Se não houver a contenção dos ruídos dos equipamentos elétricos/mecânicos, então se deve obrigatoriamente cessar a utilização destes produtos viciados.

Alternativamente, se ainda não houver solução técnica, em hipótese-limite para a proteção à qualidade de vida, bem-estar, saúde e sossego dos moradores e proprietários a suspensão dos serviços de jardinagem.  O moderno ambientalismo não admite o retrocesso ambiental, por isso a necessidade de avançar no tema da proteção ambiental acústica. E, também, para avançarmos na efetivação do princípio da eficiência acústica e princípio poluidor-pagador.

Não podemos admitir um sistema de impunidade dos poluidores acústicos. Assim, há o dever do condomínio de proteção eficiente em defesa dos moradores e proprietários contra serviços de jardinagem abusivos e/ou defeituosos.  De outro lado, há o dever do fornecedor em buscar tecnologias mais eficientes para contenção dos ruídos.

Resumindo-se: a prática comercial do fornecedor/prestador do serviço de jardinagem que utiliza de equipamentos elétricos-mecânicos é abusiva.[3] Por outro lado, entendo que o dever do condomínio em não contratar prestador de serviço de jardinagem que utilize de equipamentos barulhentos. O prestador de serviços tem o dever de não utilizar de produtos com vícios acústicos. Entendo ainda pelo cabimento de indenização por danos morais contra condomínio e/ou fornecedor de serviços pelos ruídos produzidos nos serviços de jardinagem, em prejuízo à sua produtividade no trabalho (home office), bem estar, saúde, sossego, entre outros. Ademais, a legislação prevê uma série de medidas para a educação para promoção do consumo sustentável.[4]  Na Lei n. 13.186/2015, a qual dispõe sobre política para o consumo sustentável,  tem como uma das suas finalidades: “incentivar mudanças de atitude dos consumidores na escolha de produtos que sejam produzidos com base em processos ecologicamente sustentáveis”[5],  “estimular a redução do consumo de água, energia e de outros recursos naturais, renováveis e não renováveis, no âmbito residencial e das atividades de produção, de comércio e de serviços”,[6]“ estimular as empresas a incorporarem as dimensões social, cultural e ambiental no processo de produção e gestão” e “incentivar a certificação ambiental” .[7] 

Na lei sobre educação ambiental (Lei n. 9.795/1999),  adota-se como um dos seus objetivos: “incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania”.[8] No aspecto ambiental, a prestação de serviços barulhentos viola a cláusula ambiental prevista em diversas legislações. Há o dever da prestação do serviço com qualidade, isto é, a qualidade acústica de modo a não causar danos acústicos ao meio ambiente no entorno do condomínio. Consumo sustentável é aquele se utiliza de bens, produtos e serviços com impacto ecológico mínimo. Por estas razões, os condomínios deveriam adotar práticas ambientais sustentáveis no aspecto de controle da poluição acústica, impondo-se aos prestadores de serviços e fornecedores de equipamentos padrões de eficiência acústica.  Em lições lapidares do professor Elias Thomé Saliba, em seu artigo Silêncio. Como o homem esqueceu o mais valioso tesouro, publicado no jornal o Estado de São Paulo, em 28.11.2021: “O mais grave é que quando uma sociedade inteira sofre uma perda de audição, não sobra ninguém para contar o drama sofrido. Até um dia, no qual talvez surpresos, venhamos a redescobrir o valor do silêncio, muito além daquele minuto ritual, nossa derradeira homenagem à perda e ao luto”.  

Resumindo-se é preciso inovar na gestão ambiental dos condomínios para a proteção do conforto acústico de moradores e proprietários e termos edifícios mais inteligentes.  

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Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor no Direito do Estado. Doutor em Direito pela USP.


[1] Munzel, Thomas. Environmental noise and the cardiovascular systema. Journal of the American College of Cardiology, vo. 71, 2018.

[2] Obra citada, p. 1291.

[3] Sobre o tema, ver:  Marques, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais, 7º edição, São Paulo: Revista dos Tribunais.

[4] Ver Lei n. 9.795/1999 e Lei n. 13.186/2015.

[5] Lei n. 13.186/2015, art. 2, inc. I.

[6] Lei n. 13.186/2015, art. 2, II.

[7] Lei n. 13.186/2015, art. 2, V.

[8] Lei n. 9.795/1999 (art. 5, inc. IV).

Crédito de imagem: iPort

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.