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Direito dos Consumidores de TV por assinatura e de Internet

20/02/2014

Ericson Meister Scorsim

É uma grande honra participar do II Simpósio dos Direitos dos Consumidores nas Telecomunicações, e em especial do Painel Direito dos Consumidores dos Serviços de TV por Assinatura e de Internet, em Porto Alegre, evento Coordenado pelo Ministério Público Federal – RS e Organizado pelo Fórum Latino Americano de Defesa do Consumidor.

Há mais de 20 anos estudo as questões jurídicas relacionadas com a atividade televisiva, e, assim, parabenizo a iniciativa quanto à realização deste Simpósio, porque possibilita a entrada deste relevante tema na agenda pública nacional de discussões dos direitos dos consumidores.

O ambiente regulatório das comunicações é integrado por diversas leis. O legislador diferencia a regulação dos serviços de telecomunicações (telefonia fixa e telefonia móvel)[1], serviços de radiodifusão (rádio e televisão, aqueles destinado à recepção direta e livre pelo público em geral)[2],  serviços de radiodifusão pública[3], serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado (TV por assinatura)[4]. Os serviços de acesso à Internet, classificados como serviço de comunicação multimídia (e também como serviços de valor adicionado), não são propriamente regulados por lei, mas tão-somente por uma Resolução da Anatel.[5]

Há uma nova Lei da TV por assinatura: a Lei n. 12.485/2011, que trata dos Serviços de Comunicação Audiovisual de Acesso Condicionado, e desencadeou intensas polêmicas e demandará atendimento e conhecimento a respeito dos direitos do consumidor nela previstos.

O foco da exposição está nos direitos dos assinantes nos Serviços de TV por assinatura, estabelecidos pela Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual e alguns dos direitos garantidos pelo Regulamento dos Serviços de TV por assinatura. Esta lei permitiu a entrada das empresas de telecomunicações nos serviços conhecidos como TV por assinatura que, a partir de então, serão classificados como serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado. Com isto, possibilitou-se a oferta conjunta de serviços na modalidade triple play: telefonia, TV por assinatura e internet.[6]

Há um cenário de fragilidade na defesa do consumidor diante das grandes corporações privadas. Espera-se que, a partir de maior conscientização a respeito de seus direitos e de estruturação dos órgãos de defesa, seja possível melhorar esta situação. Há décadas atrás o Procon não se ocupava da TV por assinatura;  as questões corriqueiras estavam ligadas à  cobrança do varejo, serviços de água, da luz, serviços financeiros. Porém com a acessibilidade e o barateamento dos serviços de TV por assinatura houve intensificação  dos problemas, sendo que as estruturas de atendimento ao consumidor tornaram-se inadequadas para suportar demandas crescentes.

A Defesa do Consumidor envolve um valor essencial, que é a proteção de uma pessoa, de algo ligado à sua vida, ao seu bem-estar.  A complexidade decorre do volume de informações que dificulta o entendimento do consumidor sobre a legislação; ademais, por exemplo, existem centenas  planos de serviço de telefonia móvel; é um cenário caótico para o consumidor.

No ambiente regulatório, cada serviço de comunicação esta submetido a um regime jurídico distinto. Nas telecomunicações, os serviços de telefonia fixa estão classificados no regime público (concessão), os serviços de telefonia móvel estão sujeitos ao regime privado (autorização). Os serviços de comunicação audiovisual (TV por assinatura) estão no regime privado.  Também, os serviços de acesso à Internet estão no regime privado. Por sua vez, a TV por radiodifusão comercial (TV aberta) encontra-se regulada no regime de concessão de serviço público.[7]
Lembre-se que o foco do painel é a explanação dos direitos dos consumidores nos serviços de  TV por assinatura.

A Lei da Comunicação Audiovisual é inovadora porque, em primeiro lugar, ela abandonou o regime de direito público. Anteriormente, a Lei da TV a cabo[8], agora revogada pela Lei da Comunicação Audiovisual, adotava impropriamente a figura da concessão de serviço público.  Antes,  a regulação da TV a cabo baseava-se na técnica da concessão; considerava-se a TV por assinatura como serviço público. Porém, da interpretação desta lei revogada notava-se um paradoxo. A Lei da TV a cabo previa liberdade de preços, regime de competição, livre iniciativa, mas o legislador veio a corrigir esta distorção jurídica ao adotar o regime de autorização na Lei da Comunicação Audiovisual. Qual é a consequência disso? No regime privado, que é o da autorização, não há obrigação de universalidade e de continuidade dos serviços. Isto gera problemas políticos e jurídicos. Basta observar a disputa entre o governo e as empresas de telecomunicações quanto à exploração dos serviços de banda larga, que estão no regime privado, para impor metas de universalização do atendimento. A empresa no regime de autorização dos serviços não tem, via de regra,  legalmente a obrigação de executar serviços em todo o território nacional. Somente, as empresas estarão obrigadas à universalização na hipótese de formalização de compromisso com o governo.

A Lei da Comunicação Audiovisual promoveu o ordenamento das atividades econômicas ligadas ao mercado audiovisual, daí a adoção de regras diferentes para a produção, empacotamento, programação e distribuição de conteúdos. A responsabilidade dos distribuidores é entregar o conteúdo audiovisual no domicilio do assinante. Ademais, os serviços de distribuição de conteúdo audiovisual são fiscalizados pela Anatel.

A Lei da Comunicação Audiovisual prevê 4 (quatro) direitos dos assinantes em seu art. 33; a lei da TV a cabo previa de 2 (dois) direitos.  Será que nova lei da comunicação audiovisual protege adequadamente o consumidor? Qual é o contexto de surgimento desta lei? Os movimentos de consumidores se organizaram e estavam devidamente representados lá no Congresso Nacional no momento da discussão parlamentar? Enfim, ficam as perguntas para a reflexão.

O primeiro dos direitos contidos na Lei da Comunicação é o de conhecer, previamente, o tipo de programação exibida, o que abrange informação sobre o gênero, horário, público destinatário, pacotes de serviços, preços, entre outras.[9]

Outro direito legal é o da contratação dos serviços de instalação e manutenção com a distribuidora de conteúdo audiovisual.[10]  De certo modo, a distribuidora tornar-se a responsável pela execução destes serviços para o assinante. Ainda que ela terceirize parte destas atividades, a distribuidora será a responsável legal pela prestação adequada dos mencionados serviços.

Outro direito legal do assinante consiste em relacionar-se apenas com a prestadora do serviço de acesso condicionado.[11] O objetivo é centralizar a relação jurídica com a prestadora,  para fins de facilitação do acesso do consumidor à unidade de atendimento. São três os serviços que podem ser ofertados por uma mesma empresa: telefonia, televisão e internet.  Com isto evita-se que o consumidor fosse obrigado a resolver  problemas em cada um destes serviços com empresas diferentes.

Em relação ao direito de acesso gratuito aos contratos[12], via de regra, se o consumidor acessar o site da prestadora do serviço de comunicação audiovisual, encontrará minuta do contrato. Mas aqui há um grave problema: devido a modelagem desse contrato; ele dificilmente consegue entender as cláusulas contratuais. A experiência da leitura do contrato de serviços de TV por assinatura, do regulamento da Anatel e da lei não facilita o conhecimento  dos direitos. Há, ainda, muita linguagem técnica que impossibilita a compreensão pelo leigo. Neste cenário como assegurar a conscientização a respeito dos direitos? Anteriormente, havia um problema recorrente nos contratos, que era a utilização da letra miúda na redação de suas cláusulas; agora há a tipografia maior, só que não resolve o problema da compreensão, pois não há um padrão de clareza na linguagem dos contratos e nos textos dos sites. Como fica então a efetividade do  direito à informação?

Como ação exemplar,  cita-se a atuação do Ministério Público, que demandou a mudança no padrão de atendimento do consumidor por telefone, inclusive com a modificação das frases utilizadas pelo pessoal encarregado do atendimento do consumidor.

Outro direito legal do assinante é a opção de contratar exclusivamente os canais de distribuição obrigatória.[13] Em outras palavras, garante-se o direito de acesso a estes  canais de distribuição obrigatória. públicos. São os canais de radiodifusão das TVs comerciais, os canais públicos: TV Senado, TV Câmara, TV Justiça, TVs Comunitárias, entre outros. Se o consumidor quiser apenas assistir à TV Senado, ele tem a possibilidade de assinar apenas um pacote básico que contenha a TV Senado e TV Justiça.

Qual é o problema? É que esta opção tem um custo. É preciso pagar uma assinatura básica para acessar aos canais públicos.  Para assistir à TV Justiça, TV Câmara ou TV Senado é necessário ter o serviço de TV por assinatura. Nem todas as cidades brasileiras têm acesso gratuito a estes canais públicos na TV aberta.

Outro direito legal é o acesso a dispositivo de bloqueio de canais de programação[14]; o distribuidor dos conteúdos audiovisuais tem que oferecer esse dispositivo no decodificador, para que os pais possam controlar a programação, as cenas de violência e sexo. Existe lei federal específica que trata da utilização de tecnologia de bloqueio, que os televisores devem vir equipados com esse tipo de dispositivo, mas agora a lei impõe como obrigação dos distribuidores, aqueles que entregam o conteúdo audiovisual no domicilio do assinante.[15]

Outro direito legal é o da não discriminação entre os usuários.[16] Se a operadora resolver privilegiar os assinantes dos pacotes Premium em detrimento dos assinantes da TV Justiça, da TV Câmara, que possuem um plano básico, haverá tratamento discriminatório, algo vedado pelo legislador.

No âmbito do Regulamento de Proteção aos Assinantes, entre outros direitos, garante-se o direito consiste no prévio conhecimento das condições contratuais. A prestadora dos serviços deve informar as cláusulas contratuais sobre fidelização, periodicidade, preços, forma de atendimento ao consumidor e assim por adiante. Ademais, a conquista do direito de  resposta escrita às reclamações é um grande avanço. Também a garantia da opção da contratação sem fidelização; o consumidor pode escolher se quer cláusula de fidelidade ou não, e essa cláusula é de no máximo 12 meses.

Há também o direito legal à informação prévia da alteração dos canais.  Um jornal veiculado hoje, da capital gaúcha, noticiou que uma das operadoras cancelou um dos seus canais da programação, e assim o consumidor ficou à mercê da vontade da operadora. Nessa hipótese de cancelamento de canal, há regra que  garante o acesso a canal semelhante ou, alternativa, garante-se a opção de rescisão do contrato. Então, devido a oferta da programação variar conforme as leis do mercado, deve-se, no mínimo, informar o consumidor,  de modo antecipado, a respeito destas mudanças nos canais. E garantir a presença do canal escolhido na grade de programação por um período mínimo. O consumidor contrata um pacote de canais de programação, o qual tem um canal de esportes que transmite, por exemplo, o Campeonato da Libertadores da América. O canal é transmitido por um tempo,  porém alguns meses depois, o consumidor deixa de recebê-lo. Ora, muitas vezes o consumidor contratou o serviço de TV por assinatura por causa deste específico canal. Daí a necessidade de sua proteção, eis que criada uma expectativa legítima quanto à continuidade da programação.

Outro dispositivo da lei da comunicação audiovisual trata do direito à continuidade dos serviços e à manutenção dos preços pelas prestadoras dos serviços de TVC, MMDS, DHT e TVA.[17]  Há regras de transição e de adaptação para estas empresas. Por exemplo, a concessionária do serviço de TV a cabo torna-se uma empresa autorizada a prestar o serviço de comunicação audiovisual. Neste período de adaptação, o legislador garante o preço dos serviços em nível igual ou inferior. Ou seja, o preço dos serviços pode até não baixar, mas não pode aumentar, e o serviço não pode ser interrompido.

Por outro lado, existem muitos direitos dos assinantes no Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura.[18] Essa resolução é anterior à lei da comunicação audiovisual, mas ainda se encontra em vigência, eis que seu conteúdo foi ratificado pela Resolução Anatel 581, de 26 de março de 2012, que aprovou o Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado.[19]  O Regulamento é muito mais protetivo à situação do consumidor do  que a lei.  

O Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura contém em seu Art. 3 um bloco de direitos que oferece garantias concretas de defesa do consumidor.

Este Regulamento garante os seguintes direitos:

–         acesso aos serviços de televisão por assinatura, com padrões de qualidade e regularidade adequados a sua natureza em sua Área de Prestação de Serviço, conforme condições ofertadas ou contratadas;

–         liberdade de escolha de sua Prestadora e Plano de Serviço;

–         não discriminação quanto às condições de acesso e fruição do serviço, desde que presentes as condições técnicas necessárias, observado o disposto na regulamentação vigente;

–         prévio conhecimento das condições de contratação, prestação, fidelização, e suspensão dos serviços, especialmente, dos preços cobrados, bem como a periodicidade e o índice aplicável, em caso de reajuste;

–         inviolabilidade e segredo da comunicação entre Assinante e Prestadora, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas;

–         não suspensão do serviço em sua solicitação, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização ou por descumprimento de condições contratuais;

–         respeito a sua privacidade nos documentos de cobrança e na utilização de seus dados pessoais pelas prestadoras do serviço;

–         obtenção de resposta às solicitações de informações e às reclamações apresentadas junto às Prestadoras do serviço, podendo o Assinante exigir que a resposta seja dada por escrito;

–         direito de petição contra as Prestadoras do serviço perante o órgão regulador e os organismos de defesa do consumidor;

–         reparação dos danos causados pela violação de seus direitos;

–         adequada prestação do serviço que satisfaça às condições de regularidade, respeito no atendimento, cumprimento de normas  e prazos procedimentais;

–         acesso às  Prestadoras para encaminhamento de reclamações, solicitações de informações e serviços e sugestões;

–         restabelecimento da prestação dos serviços: em até 48 (quarenta e oito) horas, contadas a partir da quitação dos débitos pendentes; ou em até 24 (vinte e quatro) horas, a partir da comprovação da quitação ou de erro de cobrança nos termos da legislação vigente.

–         acesso às informações relativas a sua pessoa constantes de registros ou banco de dados de prestadores de serviços;

–         obtenção de informações precisas sobre local e horário de funcionamento dos centros de atendimento das Prestadoras;

–         acesso à tramitação e informações por escrito sobre as decisões proferidas e respectiva motivação;

–         recebimento do documento de cobrança contendo os dados necessários à exata compreensão do serviço prestado;

–         recebimento adequado dos serviços de instalação, manutenção e retirada dos equipamentos necessários à recepção dos sinais;

–         não ser obrigado ou induzido a adquirir bens ou equipamentos que não sejam de seu interesse, salvo diante de questão de ordem técnica, para fruição do serviço;

–         obtenção gratuita de informações sobre os canais e a programação oferecida;

–         devolução, em dinheiro, das quantias pagas em decorrência de cobrança indevida, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido dos mesmos encargos aplicados pela prestadora aos valores pagos em atraso;

–         suspensão temporária do serviço contratado, quando solicitada, nos termos do disposto no artigo 12;

–         substituição, sem ônus, dos equipamentos instalados no endereço do Assinante e necessários à prestação do serviço, em caso de incompatibilidade técnica ocasionada por modernização da rede da Prestadora, que impeça a fruição do serviço;

–         substituição,  sem ônus, dos equipamentos da Prestadora instalados no endereço do assinante, necessários à prestação do serviço, em caso de vício ou fato do produto;

–         comunicação prévia da inclusão do nome do Assinante em cadastros, banco de dados, fichas ou registro de inadimplentes;

–         rescindir, antecipadamente, sem ônus, o contrato quando constatado descumprimento de obrigação contratual ou legal por parte da Prestadora;

–         ter acesso, por meio eletrônico, correspondência ou pessoalmente, a se critério e sem qualquer ônus, ao conteúdo das gravações das chamadas por ele efetuadas ao Centro de Atendimento da Prestadora, em até 10 (dez dias).

 

Uma observação quanto ao ponto extra. A lei não garante a gratuidade do ponto extra. Divulga-se que é sem ônus, mas não é verdade. Por força de deliberação da Anatel, permite-se a operadora cobrar os serviços de instalação, a ativação e do serviço de manutenção; e também cobrar pelo aluguel/comodato do conversor/decodificador dos sinais de televisão, então não há propriamente ponto extra gratuito.[20]

Além disto, a aprovação pela Anatel das Regras com as Metas de Qualidade dos Serviços de TV por Assinatura, por intermédio de Resolução[21], é um grande avanço em termos de proteção do consumidor. A agência reguladora criou parâmetros para verificar a qualidade dos serviços, a partir de índices de reclamação, boleto, cobrança, etc.

A Anatel tem a responsabilidade quanto à regulamentação da lei da comunicação audiovisual e a fiscalização do serviço de distribuição de conteúdos. Entre outras funções,  compete à agência reguladora aferir a qualidade técnica do sinal entregue aos assinantes.

A Ancine  é a responsável pela regulamentação das regras relacionadas à produção do conteúdo audiovisual, especialmente daquelas que tratam das quotas obrigatórias de conteúdo nacional na programação das televisões comerciais, de incentivo à produção audiovisual brasileira.[22] O objetivo das regras das quotas é incentivar a entrada de conteúdo brasileiro na programação, algo saudável para democratização do mercado audiovisual e a produção independente. É importante a proteção à cultura, à pluralidade, e à diversidade que existe no Brasil; conteúdos plurais e diversos com qualidade devem ser vistos na televisão brasileira.

Verifica-se a incoerência das políticas culturais relacionadas à  exibição de filmes. Quanto dinheiro público foi gasto com renúncia fiscal para apoio ao cinema nacional! Só que os filmes brasileiros não entraram na TV brasileira. Por décadas o dinheiro do contribuinte foi utilizado na produção das obras audiovisuais sem haver janelas de exibição nas emissoras de televisão. Diante disto, é importante, por um período temporário, este regime de quotas; muito embora se saiba da polêmica que o tema comporta.

Enfim, o consumidor dos Serviços de TV por assinatura tem direitos na Lei de Comunicação audiovisual, no Regulamento de Proteção ao Assinante da TV por assinatura. Além disto, também ele pode contar com o Código de Defesa do Consumidor.

Registre-se que houve avanços no serviço de atendimento ao consumidor por telefone, mas é claro que é preciso avançar mais.  Este tema será objeto de painel específico, daí porque não será aqui abordado. Atualmente, é fundamental adaptar os serviços de proteção ao consumidor em função da evolução da tecnologia de informação e das comunicações.  Daí a necessidade de mecanismos de atendimento online do consumidor pelos Procons, com a criação de estruturas e ferramentas adequadas que facilitem o acesso do cidadão aos serviços de orientação e defesa. No cenário de processos judiciais eletrônicos, porque não processos administrativos eletrônicos?

Quanto ao direito dos usuários dos serviços de acesso à Internet, o painel anterior tratou deste assunto. Há várias questões envolvidas: velocidade contratada, qualidade do sinal recebido, desnecessidade de contratação do serviço, universalização dos serviços de banda larga, neutralidade da rede, segurança dos dados pessoais, etc.[23]

Para encerrar, nas últimas décadas, o Brasil amadureceu institucionalmente e democratizou o consumo; há mais e melhores direitos para os consumidores; há o regime de responsabilidade das empresas. Porém há muito ainda a ser feito, especificamente  quanto à tutela dos direitos no âmbito audiovisual. Entre os desafios está a política pública de comunicação sobre os direitos, educação do consumidor e sua inclusão digital multimídia. Por exemplo: o site da Anatel avançou; mas não é um site funcional para o consumidor e para o cidadão.

O site da Federal Communications Commission – FCC, a agência reguladora das comunicações dos EUA é bom em termos  de navegação e visualização dos conteúdos. O Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC, também tem um site muito bom de comunicação visual. O desafio portanto é melhorar e facilitar os sites dos órgãos ligados à defesa do consumidor, e, respectivamente, da apresentação e agrupamento das informações disponíveis.

Outros dos  desafios é a Educação Digital no contexto multimídia. Educar crianças e adolescentes quanto aos direitos. A TV é um meio tradicional, que embora atinja o grande público, depara-se com quedas expressivas em sua audiência. A TV (e a atenção do consumidor) concorre com computadores, tablets, notebooks, smartphone. Novos tempos demandam outro modelo de educação que utilize, de modo inteligente, os avanços tecnológicos.

Algumas tendências no mercado dos serviços de TV por assinatura que poderão trazer problemas na aplicação dos direitos dos consumidores.

Por exemplo, as modificações nas programações audiovisuais e o aumento do preço dos pacotes de canais. Ademais, como estratégia comercial, as operadoras poderão cobrar mais dos canais em alta definição, HDTV, e menos nos canais de definição padrão. A operadora poderá estabelecer dois níveis de qualidade na resolução das imagens e impor preços diferentes?

Outro possível problema está no acesso aos canais públicos e estatais, TV Câmara, TV Justiça. O Brasil vive a transição do modelo de transmissão analógico para o digital. A Anatel terá que verificar a qualidade do sinal recebido pelo consumidor. Por exemplo, uma determinada TV Câmara Legislativa Municipal tem uma dada qualidade em seu sinal de vídeo e áudio.  A distribuidora pode decidir por não distribuir  o sinal da TV Câmara porque o mesmo é tecnicamente ruim. O prejudicado com esta estória é o cidadão.

Quanto à digitalização do sinal de televisão, para essa migração do analógico para o digital, a lei da comunicação audiovisual estabeleceu como obrigação da distribuidora o must carry; o dever de carregar o sinal analógico das empresas de radiodifusão comercial. Nesta hipótese  a lei impõe a cessão gratuita e onerosa do sinal do sinal para as distribuidoras. Porém se a TV comercial já transmitir o sinal digital então deverá ocorrer acordo comercial com a distribuidora.[24]

Há ainda o problema do volume de áudio nos intervalos comerciais das emissoras de televisão. Existe uma lei que regulamenta a questão do áudio, mas é uma lei aplicável à radiodifusão. Como fica a TV por assinatura? A Anatel deve cuidar disso.

O Brasil avançou em termos de proteção aos direitos dos consumidores nos serviços de TV por assinatura, mas precisa progredir mais. Discute-se ainda a qualidade técnica do sinal e dos serviços. Porém o Brasil precisa amadurecer e discutir a qualidade do conteúdo audiovisual. Que espécie de programação de televisão é necessária para o Brasil, para fins de educação, cultura e entretenimento e que pode contribuir para o desenvolvimento  das pessoas, da sociedade e do mercado?

Muito embora, não seja fácil definir o que seja qualidade, é importante o debate público sobre o tema. O Código de Defesa do Consumidor não disciplina a responsabilidade pela qualidade de serviço? É só a entrega do sinal, ou o conteúdo audiovisual exibido para o consumidor? A Lei da Comunicação Audiovisual atribui competência para a Ancine fiscalizar a aplicação das regras sobre as cotas nacionais, a partir daí talvez ocorra maior debate sobre a qualidade da programação das tevês.[25]

Quanto ao relacionamento entre Internet e TV, há a questão da neutralidade da rede de banda larga e sua utilização para distribuição de conteúdo audiovisual. Por exemplo, nos Estados Unidos a  maior operadora de TV a cabo – Comcast, oferece serviços de TV a cabo e serviços de Internet. A operadora, vez que proprietária da infraestrutura de comunicações, pode direcionar o fluxo de transmissão de dados em sua rede.  Na medida em que o usuário acessa à Internet ele deixa de ver propaganda comercial associada à programação veiculada na televisão. Daí o potencial interesse econômico da operadora no controle do acesso do usuário à internet e direção  de sua atenção para sites de parceiros comerciais.

Enfim, os órgãos de defesa do consumidor possuem grande responsabilidade quanto à efetivação dos direitos. Este Simpósio simboliza  união, reflexão, debate público de relevantes temas nacionais. O Rio Grande do Sul é o exemplo da vanguarda em termos culturais, de cultura jurídica, cultura cidadã; que esse movimento possa se espalhar por todo o território nacional, numa articulação mais efetiva entre os demais órgãos de defesa do consumidor, a Anatel e o Congresso Nacional. Além disto, a Lei da Comunicação Audiovisual tratou de questões estruturais do mercado. Ela poderia ter sido mais generosa com os consumidores se ampliasse o rol de seus direitos.

Por outro lado, como exemplo de didática na apresentação de direitos, o designer Siegel Gale, cujo trabalho está focado no design da comunicação no ambiente digital, criou o Acordo Simplificado sobre Cartões de Crédito (Simplified Credit Card Agreement). Um documento eletrônico exibido no ambiente digital que contém direitos básicos nos acordos em dívidas financeiras. O objetivo da criação do documento é a simplificar o acesso às informações relevantes.[26] Este exemplo fica como sugestão para a Anatel simplificar e melhorar a visualização em seu site, assim como os demais sites ligados aos órgãos de defesa do consumidor. Que possa servir como ilustração da necessária adaptação da leitura dos contratos no cenário de navegação na  internet. É fundamental o cuidado com a arquitetura da informação no modelo de organização dos sites. O objetivo maior é garantir a síntese e a simplificação visual, de modo tópico, para facilitar o entendimento dos consumidores brasileiros a respeito de seus direitos legais.


[1] A Lei 9.472/97 trata dos serviços de telecomunicações e da criação da Anatel. Em seu art. 60, parágrafo primeiro, dispõe que telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. O seu art. 61 lei dispõe que o serviços de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

[2] A Lei 4.117/62 dispõe sobre os serviços de radiodifusão (rádio e televisão).

[3] A  Lei 11.652/2008 trata dos objetivos e princípios aplicáveis os serviços de radiodifusão pública e  da criação da Empresa Brasil de Comunicação.

[4]  Cf. a Lei 12.485/2011 disciplina os serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado.

[5] Cf. Resolução Anatel 272/2001.

[6] A Lei da Comunicação Audiovisual afastou uma proibição da Lei da TV a Cabo de 1997, que impedia a entrada das teles no mercado de TV por assinatura. O Brasil tem um mercado de TV por assinatura, segundo os dados da Anatel, que fatura R$ 14 bilhões de reais. Hoje, em março de 2012, surpreendentemente, temos 12 milhões de assinantes e uma população total impactada pelos serviços de TV por assinatura em torno de 40 milhões, numa média de 3 pessoas por domicílio. Há mais de 5.000 municípios; um dos desafios é a universalização da TV por assinatura.  A tendência, portanto, é o crescimento do consumo dos serviços.

[7] Para os efeitos da presente exposição, TV Digital é a TV por radiodifusão. Conferir, também: Decreto 5.820/2006 que dispõe sobre a implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital – Terrestre – SBTVD, e contém regras de transição da transmissão analógica para a digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens.

[8] Ver Lei 8.977/95, ora revogada pela Lei 12.485/2011.

[9] Art. 33, I, da Lei 12.485/2011.

[10] Art. 33, II, da Lei 12.485/2011.

[11] Art. 33, IV, da Lei 12.485/2011.

[12] Art. 33, V, da Lei 12.485/2011.

[13] Art. 33, VI, da Lei 12.485/2011.

[14] Art. 11, parágrafo terceiro, da Lei 12.485/2011.

[15]  Cf. Lei 10.222/2001.

[16] Art. 34 da Lei 12.485/2011.

[17] Art. 37, parágrafo terceiro, da Lei 12.485/2011. TVC é TV a cabo. MMDS é Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal. DTH é o serviço de distribuição de sinais de televisão e de áudio por assinatura via satélite. TVA é o serviço especial de televisão por assinatura.

[18] Ver Resolução 488/2007.

[19] Em 26.03.2012, a Anatel editou a Resolução 581/2012 que aprovou o Regulamento dos Serviços de Comunicação Audiovisual e manteve os direitos do Regulamento de Proteção aos Direitos dos Assinantes dos Serviços de TV por assinatura, previstos na Resolução 488/2007.

[20]  A questão do ponto extra está disciplinada na Súmula 9/2010 da Anatel.

[21] Ver Resolução 411/2005.

[22] Em 25.5.2012, a Ancine, na tarefa de regulamentar a lei da comunicação audiovisual, baixou a Instrução Normativa n. 100 e 101.

[23] A Resolução 272/2001, que aprova o Regulamento do Serviço de Comunicação Multimidia, contém os direitos dos usuários dos serviço de acesso à Internet.

[24] Cf.  Art. 32, parágrafo segundo, da Lei 12.485/2011, o qual está sendo questionado  na ADIn 4.756/DF, ajuizada  pela Associação Brasileira de Radiodifusores – Abra, ora pendente de julgamento no STF, que  alega que o artigo legal é inconstitucional porque fere o direito autoral das empresas de radiodifusão sobre a programação e o princípio constitucional da livre iniciativa.

[25] No Estado do Rio Grande Sul, um dos pioneiros doutrinadores, o Procurador da República Domingos Dresch da Silveira, escreveu uma obra jurídica sobre o controle da qualidade da programação da televisão.

[26]  Nos mecanismos de busca da internet encontra-se facilmente este documento do autor Siegel Gale que o criou no contexto da crise financeira norte-americana.

II Simpósio dos Direitos dos Consumidores nas Telecomunicações: textos completos das palestras, dos debates, dos TACs e das principais normas, Porto Alegre: Editora Age, pág. 131-145, 2013.