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Disputa geopolítica entre Estados Unidos e China sobre padrões técnicos internacionais: 5G, 6G e internet das coisas

18/10/2021

A internet foi criada a partir de um padrão de protocolos de internet (protocolo internet), com registros de nomes de domínios. Os Estados Unidos foi o país criador da internet, com incentivos de sua agência de pesquisa de defesa Defense Advance Research Project Agency (DARPA), qual originariamente desenvolvedora da ARPANET, uma rede de pesquisa compartilhada entre a academia e o exército norte-americano.  Também, a tecnologia de GPS (Global Positiong System) foi criada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos e, posteriormente, liberada para uso comercial. A internet e a tecnologia de 5G são tecnologias consideradas dual-use, isto é, tem aplicações civis e militares. Ademais, a tecnologia de 5G vale-se do uso do espectro de frequências; um bem essencial às operações dos serviços de telecomunicações móveis. O espectro de frequências de uso civil e militar, servindo nesta hipótese às operações de comunicações, comando e controle das forças armadas terrestres, marítimas e aeronáuticas. Por isto, há o aspecto de defesa nacional relacionada a estes temas de tecnologia.  Neste contexto, os Estados Unidos têm uma forte política de estado de controle de exportações de tecnologias dual-use.  E há, ainda, o contexto de guerras híbridas/cibernéticas, sendo utilizado o poder cibernético como arma cibernética em estratégias de influência da opinião pública e derrubada e/ou manutenção de governos e/ou alterações dos resultados eleitorais.  Por isto, os países devem melhorar seu sistema de defesa cibernética para se proteger contra operações de influência estrangeira, bem como a integridade do sistema eleitoral. Este modelo de internet está baseado em padrões de indexação por palavras e registro de nomes de domínio.  A entidade responsável pela gestão dos nomes de domínio é a ICANN, uma associação civil, sediada nos Estados Unidos. Há, também, o sistema de registro de domínios (Domain Name System). O grupo denominado Mutually Agreed Norms for Routing Security  (MANRS) define as normas de segurança no roteamento dos pacotes de dados. Trata-se de uma associação civil empresarial que estabelece as normas de “tráfego” de dados internet. O Google foi um dos pioneiros em desenvolver mecanismos de buscas na internet, a partir de algoritmos. A empresa é pioneira, portanto, em inteligência artificial. A título ilustrativo, a aquisição do produto se que tornou o Google Earth, decorreu de um projeto financiado pela In-Q-Tel, fundo de investimentos da CIA (Central Intelligency Agency).[1]  Todas as empresas que operam no ambiente da internet têm que seguir os protocolos internet. Por isso, cada usuário da internet tem suas máquinas conectadas à internet a partir de um registro de IP em seus computadores, notebooks, celulares. Este número identifica o usuário no acesso à internet. A legislação é que impõe esta identificação do usuário, vide Marco Civil da Internet.

No século 21, Estados Unidos e China disputam a liderança global. Neste contexto, surge a disputa entre os países pelos padrões internacionais associados à internet. A narrativa norte-americana advoga a internet aberta, interoperacional e neutra. Além disto, esta narrativa associa a internet à liberdade de expressão e privacidade. Acusa-se outros países de autoritarismo digital e práticas de vigilância cibernética. Portanto, os Estados Unidos querem uma internet universal, pois este modelo beneficia as empresas norte-americanas conhecida como Big Tech: Google, Facebook (WhatsApp e Instagram), Amazon, Apple, Twitter, entre outras. Os Estados Unidos temem que novos padrões internacionais possam causar a divisão da internet. Assim, se houver esta divisão, haverá um modelo norte-americano e outros modelos de internet baseados em padrões da China e Rússia.[2]  De outro lado, há a China com suas Big Techs: Alibaba, Tencent (Tik Tok), Baidou, Didi, entre outras.  A percepção dos Estados Unidos é de que a China ampliou sua participação e influência perante a União Internacional de Telecomunicações, enquanto que a representatividade e influência norte-americana diminuíram perante esta organização internacional.  Por isso, os Estados Unidos definiram como política de estado, estabelecida em lei, o fortalecimento norte-americano nas organizações internacionais que tratam de padrões técnicos, tais como: Organization for Standardization (ISO), International Electrotechnical Comission (IEC) e International Telecommunication Union (ITU).  Em jogo entre Estados Unidos e China, a definição de padrões para o 5G, 6G, internet das coisas, inteligência artificial, novo padrão para a internet, cidades inteligentes, entre outros. O objetivo geoestratégico dos Estados Unidos é a expansão de mercados para as exportações norte-americanas, o fortalecimento da qualidade dos padrões internacionais, contribuir para que empresas norte-americanas concorram no exterior, aumentar os benefícios para os produtores de manufatura promovam produtos universais ou testes de padrões técnicos, apoiar o objetivo de padrões globais.  No plano de ação norte-americano, recomenda-se a participação de empresas e organizações norte-americanas nos fóruns internacionais definidores de padrões técnicos, financiamento de empréstimos para facilitar a participação de empresas norte-americanas e organizações nos fóruns internacionais, informar as empresas norte-americanas e organizações a respeito da importância dos padrões internacionais para a competividade e segurança nacional e realização de alianças e parcerias com países estratégicos para o engajamento diplomático na participação nas organizações internacionais definidores de padrões técnicos.[3]  E, ainda, nos Estados Unidos há um projeto de lei sobre cyber diplomacy (Cyber Diplomacy Act of 201) para promover o engajamento diplomático com parceiros e aliados na questão dos padrões técnicos internacionais de tecnologias. Segundo a visão norte-americana, a China está liderando os padrões internacionais de 5G.[4] Os padrões de 5G baseados no Projeto de Parceria de Terceira Geração foram aprovados por entidade de telecomunicações da China, Europa, India, Japão, Coreia e Estados Unidos. A China teria uma influência significativa na aprovação do 5G, baseado no 3GPP, na medida que sozinha a Huawei conseguiu aprovar 23% de suas contribuições técnicas.[5] Menciona-se o fato de que a Huawei teria sugerido à União Internacional de Telecomunicações um novo padrão de internet, denominado “New IP”.  Atualmente, o padrão dominante é o padrão norte-americano, baseado em Hypertext Transfer Protocol (HTTP), Transport Layer Security (TLS) e Domain Name System (DNA), aprovado pela Internet Engineering Task Force (IETF). Há estudos chineses que advogam novos padrões: “Technologies for Network 2020”, diante da insuficiência dos padrões atuais. O Center Democracy & Technology sobre a proposta a ser debatida na Assembleia Geral da União Internacional de Telecomunicações menciona: “Arguments for New IP are centered around quality of service, security and topology-related limitations of the Transport Control Protocol/Internet Protocol (TCP/IP) stack that is the bedrock of the internet. Proponents have also proposed a variety of ideas for alternative technical standards that are allegedly better suited for new technologies (such as 5G, augmented reality, satellite communications, etc.) under the umbrella of New IP”. Prossegue o texto: “However, the New IP proposal attemps to disrupt the egalitarian, multistakeholder, and resilient model of maintaining core internet technologies in diverse Standards Developing Organizations (SDOs). New IP focuses on a multilateral approach that is far more rigid and fundamentally incompatible whith open nature of the internet, replacing it instead with a new top-down internet architecture”. Conclui: “future networks, specifically New IP, proposals must be carefully considered on two primary fronts: 1. Whether entirely new replacements are necessary for the tried and tested foundations of the current internet; 2. What major implications these new standards will have on civil, political and economic characteristics of the internet”. Como se nota, este documento apresenta uma visão críticas das propostas de mudanças dos padrões técnicos das tecnologias, especialmente em relação ao padrão da internet. Outro documento denominado NETWORK 2030: A Blueprint of technology, applications and market drivers towards the year 2030 and beyond, aborda o futuro das comunicações e suas respectivas aplicações. Há menções à realidade aumentada, holografia e suas aplicações na indústria (digital twin, control of real objects through digital replica), interactive telepresence (multi-site collaborations), medicine (3D Hologram imaging – 3D scans with floating view), personalized message delivery, entre outros.  Existem estudos sobre a precisão nas comunicações, com a redução do tempo de latência, bem como sobre as comunicações táteis.  Segundo o estudo, o futuro das redes de comunicações esta baseado em tecnologias avançadas que proporcionarão maior precisão na transmissão das informações.

Outro documento da União Internacional de Telecomunicações denominado Focus Group on Technologies for Network 2030 (New services and capabilities for network 2030: description, technical gap and performance. Targe analysis) menciona as redes de comunicações do futuro, com serviços de alta precisão (high-precision communications services (HPC). Aponta-se o potencial para comunicações multi-sensoriais, com realidade virtual e realidade aumentada. Cita-se como o exemplo a transmissão ao vivo do show de uma Orquestra, em projeções 3D de cada músico e seus instrumentos. Aplicações de internet tátil é outra expectativa para o futuro, é a denominada “haptic communications”. É o campo de referência para feedback corporal por meios cinestésicos referentes à gravidade que movimentam músculos, juntas e tendões. A internet tátil é um nicho para o setor de esportes, medicina e educação, entre outros. Outro aspecto no contexto da evolução industrial, é a gestão remota da indústria, mediante aplicações de realidade virtual, streaming por vídeo e comunicação holográfica. Assim, serviços de inspeção industrial de máquinas podem ser realizados à distância.

            Outro ponto que chamou a atenção foi o desenvolvimento do denominado código polar (polar code) pela Huawei, um novo padrão para o 5G. O inventor foi um cientista turco Erdan Arikan.[6] Seu feito extraordinário, a partir da teoria da informação, foi “duplicar” os canais de informação, de modo, a partir da gravação/memória dos ruídos, separar o ruído da transmissão sinal em canal “limpo”. Como se os resíduos/sujeiras/ruídos fossem eliminados na transmissão da informação. Por isso, a denominação código polar, em um dos pólos fica a informação limpa, em outro pólo ficam os ruídos.

                Em 2021, a China, através de seu Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação,  divulgou o “White Paper” denominado 6G Vision and Candidate Technologies sobre sua visão a respeito da tecnologia de sexta-geração (6G), a qual possibilitará a interconexão com conectividade inteligente e sensorial, permitindo experiências de imersão com realidade virtual, realidade aumentada, realidade mista e holografia. Há aplicações de 6G em áreas terrestres, marítimas e aeroespaciais, com aplicações em redes 3D, inclusive em comunicações por terahertz. Haverá ações de espelhamento de objetos físicos, a fim de serem construídos objetos virtuais (twins objects). Existe a expectativa de que a tecnologia 6G contribua com a sustentabilidade ambiental, com a conservação de energia.[7] 

            Outro plano estratégico da China é denominado Padrões 2035. O objetivo do País é fixar os padrões nacionais de tecnologias em 5G, 6G, IoT, mas também padrões na agricultura, indústria, entre outros.[8]  No plano estratégico há menção ao fortalecimento da cooperação internacional entre China, União Europeia, BRICS, ASEAN, Ásia, Estados Unidos e Reino Unido, Rússia, Arábia Saudita, quanto ao estabelecimento dos padrões técnicos.

            Os Estados Unidos se preocupam com o tema da internet das coisas e o risco de acesso não autorizado a dados pessoais e empresariais, especialmente pelo acesso pela China.  Com a internet das coisas são ampliados os riscos de ataques cibernéticos. Sobre o tema, ver: John Chen, Emily Walz, Brian Lafferty, Joe McReynolds, Kieran Green, Jonathan Ray e James Mulveon: China’s Internet of Things. Research report prepared on behald of the US-China Economic and Security Review Comission, October 2018, SOSI.

A questão dos padrões é um dos temas da disputa geopolítica. A título exemplificativo, houve a controvérsia sobre o Swift, um padrão de comunicação entre bancos, gerido por uma associação de instituições financeiras.  Os Estados Unidos fizeram pressão sobre o Swift, devido a supostas operações financeiras com o Irã, o qual era alvo de embargos econômicos. A França, Alemanha e outros países revolveram criar um novo modelo, para evitar estes riscos geopolíticos e geoeconômicos. Enfim, é a exploração da interdependência entre os países como armamento na guerra comercial.[9]

Em 2021, em resposta à guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos, a China aprovou a lei de contenção de sanções estrangeiras, denominada Anti-Foreign Sanctions Law. A China tem sido alvo de restrições no comércio exterior, especialmente com medidas de países em relação às exportações e importações chinesas.  O governo norte-americano tem uma lista de restrições aplicáveis às empresas chinesas em diversos setores; há o controle quanto ao acesso às tecnologias. Conforme esta lei, se qualquer país violar o direito internacional e os princípios básicos do direito internacional, conter ou suprimir interesses da China, justificando-se por diversos pretextos e suas próprias leis, e adota medidas discriminatórias e restritivas contra cidadãos chineses ou organização ou interfere nos assuntos internos da China, a China ficará legitimada para adotar contramedidas correspondentes. Os alvos das contra-medidas da China podem pessoas ou organizações. As contra-medidas podem ser: a recusa para outorgar e/ou invalidar vistos em passaportes, com o banimento da entrada na China e deportação, venda, apressão ou congelamento de ativos móveis e/ou imóveis ou outros tipos de propriedade na China, proibição ou restrição de organizações ou pessoas dentro do território da China quanto à condução de transações, cooperação e/ou outras atividades, outras medidas adicionais. As regras objetivam conter a aplicação injustificada da legislação estrangeira de modo extraterritorial (blocking rules). O Ministério de Comércio da China fica autorizado pela lei a impor ordens para não cumprir sanções extraterritoriais estrangeiras. Além disto, o Ministério do Comércio preparará a lista para o controle de exportações (Unreliable List).  A partir desta legislação chinesa, há, evidentemente, riscos geopolíticos e geoeconômicos para países exportadores para a China. Se houver o País aplicar qualquer sanção unilateralmente que implica em lesão ao interesse da China, poderá sofrer retaliação em suas exportações.

            O modelo de  internet, digamos tradicional dos anos 2000 até 2021, na forma conhecida até hoje, está baseada em pessoas, textos/palavras e imagens. Mas, a internet do futuro será diferente. É que a tendência é a configuração de uma internet baseada em objetos, daí o nome internet das coisas (internet of things). A internet das coisas é uma rede de comunicação máquina a máquina, baseadas em redes de sensores. Por isso, haverá até uma internet dos corpos (internet of body), isto é, sensores acoplados aos corpos de seres humanos e de animais  que transmitem diversos tipos de informações. A rede de internet das coisas para os serviços de agricultura de precisão, com sensores de temperatura, umidade, calor, saúde animal, etc. A internet das coisas aplicada à indústria com robôs que realizam atividades de manufatura. Internet das coisas na medicina interligando os pacientes (sensores de batimentos cardíacos, medição de pressão, oxigenação, sensores de queda, etc.), médicos, clínicas e hospitais. Há todo o potencial para internet das coisas no setor de vestuário, com a adoção de roupas “inteligentes”, com sensores acoplados aos tecidos.

Quanto às aplicações de 5G em cidades inteligentes há diversos usos como controle do trânsito, segurança pública, serviços ambientais, controle de redes de iluminação pública e energia, entre outros. Segundo o Conselho de Cidades Inteligentes, cidade inteligente é aquela que utiliza tecnologia de informações e comunicações para assegurar a habitabilidade, a empregabilidade e sustentabilidade.
Empregabilidade refere-se às cidades que fornecem infraestrutura de energia, conectividade, computação e serviços essenciais para competir globalmente por empregos altamente qualificados. Neste contexto, a conectividade por banda larga com rede de fibra ótica é crítica para a noção de cidades inteligentes. Cidades inteligentes são aquelas que entregam serviços mais eficientes para seus cidadãos, a um custo menor, com eficiência energética e menor poluição. Ver: Why 5G  in Latin America? A call to action for Latin American operators and policymakers, OMDIA e NOKIA, august, 2020, p. 31.32. Ver, também, www:smartcitiescouncil.com/article/about-us-global.

            Outro setor em disputa é o padrão de internet para carros (comunicação veicular), uma área cobiçada pelos grupos empresariais. A comunicação entre veículo depende um protocolo de segurança máximo, a fim de evitar riscos de acidentes. Por isso, o protocolo mais seguro tende a ser o vencedor nesta disputa E, ainda mais, no contexto da mudança do matriz energética dos veículos (carros elétricos), há a mudança dos padrões técnicos de comunicações veiculares.

Haverá internet das coisas em portos e aeroportos, para o controle da movimentação de cargas. Existirá a internet das coisas, uma rede de sensores para o monitoramento do meio ambiente, controle de incêndios, aquecimento climático, controle dos índices de secas, entre outros fatores. No setor ambiental, a internet das coisas permitirá o controle dos ruídos urbanos, mediante a criação e “mapas de ruídos urbanos”.  E, inclusive mapeamento de áreas de riscos à segurança pública, mediante a detecção de ruídos causados por tiros de armas de fogo.

No setor da construção civil, a internet das coisas possibilitará a construção de edifícios inteligentes. No âmbito da segurança pública, a internet das coisas serve mediante o monitoramento por videocâmaras que são espalhadas pelas cidades. No segmento de cidades inteligentes, a internet das coisas permitirá  o controle do urbanismo, trânsito, segurança, iluminação pública, entre outras. Há segmento de controle de poluição ambiental, bem como o controle de ruídos urbanos.

A União Internacional de Telecomunicações está estudando como regulamentar a internet das coisas em escala global. Este órgão internacional definirá os padrões de inteligência artificial, 5G e 6G, smart cities, segurança cibernética, E, ainda, neste novo contexto, há a entidade privada denominada DONA, a qual pesquisa e propõe padrões para Digital Object Architecture  para a identificação dos objetos digitais (digital twins), a qual servirá de base para novas aplicações de internet baseadas em realidade virtual, realidade aumentada e holografia.  O padrão estudado é denominado DOA (Digital Object Architecture), desenvolvido pelo cientista norte-americano Bob Kahn.[10]

Resumindo-se: os padrões da internet na forma como definidos em suas origens, terão que ser atualizados na próxima década devido à nova dinâmica  e demandas representadas pelas tecnologias de computação em nuvem (cloud), computação na borda (edge), inteligência artificial, realidade aumentada, realidade virtual, entre outras. E tudo isto no contexto da necessidade de maior segurança cibernética, para prevenir crimes e ataques cibernéticos.

Recapitulando, como referido, Estados Unidos e China disputam a liderança global. Há a disputa pela fixação dos padrões técnicos internacionais, em diversas áreas, desde o 5G, inteligência artificial, internet das coisas, reconhecimento facial, cidades inteligentes, entre outras.[11] Os Estados Unidos buscam ampliar sua participação nas organizações internacionais responsáveis pela fixação dos padrões técnicos mundiais, dentre elas: a União Internacional de Telecomunicações, Organização Internacional de Padrões (ISSO), Associação Internacional Eletrotécnica, entre outras. A American Nacional Standards Institute (ANSI) é agência responsável pela fixação dos padrões técnicos das tecnologias. Há a estratégia em relação aos padrões (United States Standards Strategy).  Quer-se a cooperação internacional na estipulação dos padrões técnicos, bem como o consenso voluntário na aceitação destes padrões.  Há, como mencionado,  o projeto de lei denominado Cyber Diplomacy, cujo objetivo é promover o engajamento diplomático na participação da indústria, academia e setor privado, em entidades internacionais definidoras de padrões técnicos internacionais.

Nos Estados Unidos, há estudos de políticas de incentivos à participação de pequenas empresas nos fóruns internacionais de fixação de padrões técnicos. Há, em verdade, projeto de lei, denominado Leadership in Global Tech Standards Act of 2021, para incentivar a ampliação da representatividade empresarial nos fóruns internacionais. Esta disputa, obviamente, afeta todos os demais países.

A União Europeia está buscando um caminho do meio no contexto da disputa geopolítica entre Estados Unidos e China. De um lado, a Europa busca conter a influência norte-americana e a dependência de tecnologia norte-americana.[12] De outro lado, a Europa procurar realizar parcerias com a China, de modo a promover a abertura do mercado chinês à tecnologia europeia.[13]  Sobre o tema, consultar a proposta de decisão do Parlamento e Conselho da União Europeia da política para 2030 denominada Caminho para a Década Digital, também denominado bússola digital.[14] E a União Europeia tem como política o fortalecimento de sua autonomia estratégica em tecnologia.[15] Também, há a sua visão estratégica para o fortalecimento de sua capacidade e liberdade de ação.[16] Além disto, a União Europeia projeta a atração de investimento em indústria de semicondutores, mediante a aprovação de um projeto “Chips Act”. E mais, a União Europeia e os Estados Unidos estabelecer o diálogo em comércio e tecnologia, através do EU-US Trade and Technology Council.

Por isso, é importante que o Brasil defina melhor a sua posição geoestratégica perante as organizações multilaterais relacionadas à fixação de padrões técnicos internacionais; bem como a harmonização dos padrões brasileiros com os padrões internacionais, é um tema que afeta a sua economia, a sua sociedade e sua soberania.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil, Amazon, 2020.


[1] A empresa da Alemanha Art + COM, com sede em Berlim,  desenvolveu o produto Terra Vision, à época financiado pela Deustche Telecom. Segundo a empresa alemã, houve a quebra de sua patente pelo Google, o qual teria desenvolvido o Google Earth a partir do protótipo da Terra Vision, a partir de informações repassadas por outra empresa Sillicon Graphics. O filme Batalha Bilionária: o caso Google Earth, está disponível para streaming no Netflix, narra esta história.

[2] Hoffmann, Stacie, Lazanski, Dominique. Taylor, Emily. Standardising the splinternet: how China’s technical standars could fragment the internet. Journal of Cyber Policy, Routledge, vol. 5, n. 2-239-264, 2020.

[3] The Day One Project. Strengthening U.S Engagement in International Standards Bodies, por Natalie Thompson e Mark Montgomery, June 2011.

[4] Ver: Ogasawara, Mamoru. Standardization Trend of the Communications Fiel in China. Global Standardization Activities, NTT Technical Review. Ver: Seaman, John. China and Technical Standardization. IFRI.  Consultar, também: Bruyère e Picarsic, China standards 2035. Beijing’s platform geopolitics and standardization work in 2020. China Standards Series. Horizon Advisory, April 2020.

[5] Thompson, Natalie. E Montgomery. Day one project. Strengthening U.S Engagement in international standards bodies, June 2021.

[6] Levy, Steven. Huawei, 5G, and the Man who conquered Noise. Wired, 11/16/2020.

[7] White Paper on 6G Vision and Candidate Technologies. IMT-2020 (6G) Promotion Group, june 2021.

[8] Koty, Alexander Chipaman. What is the China Standards 2035 Plan and how will it impact emerging industries. China Briefing. Ver, também, Notice of Standardisation Administration of China on releasing ‘main points of national standardization work in 2020”. Consultar, também: Hainam, Wang, Liheng, Wan, entre outros. Development Strategy of Emerging Industries (2035), Strategic Study of CAE, vol. 22.  E, Key Points of National Standardization Work in 2020.  

[9] Ver: Farrel, Heny e Newman, Abraham. Weaponized Interdependence. How global economic network shape state coercion. International Security, vol. 44, p. 42-79. Ver: Scorsim, Ericson. Geopolitical game between United States and China on 5G technology: impact in Brazil, 2021, Amazon.

[10] Standardising the splinternet: how China’s technical standars could fragment the internet, obra citada. Ver: www.dona.net.

[11] Sobre o tema de smart cities, ver: Ekman, Alice. China’s smart cities. The new geopolitical battleground, December 2019, French Institute of International Relations – IFRI. Aqui, menciona-se o papel da Huawei em programas de cidades de inteligentes ao redor do mundo, especialmente no contexto do Belt and Road Digital, um programa da China para interconexão entre países da Ásia, África, Europa e Américas.

[12] Ver: Ruhlig, Tim Nicholas. Technical standardization, China and the future international order. A European perspectic. Brussels, Henrich Boll Stiftung.

[13] Ian Anthony, Jiayi Zhou, Jingdong Yuan, Fei Su, and Jinyung Kim, China-EU conectitivy in na era of geopolitical competition. Stockholm International Peace Research Institute. Policy Paper 59, March, 2021.

[14] Proposal for a decision of the europena parliament and the council establishing the 2030 policy programme ‘path to the digital decade”, Brussels, 15.9.2021.

[15] European Comission, Shaping & securing. The EU’s open strategic autonomy, by 2040 and beyond.

[16] European Comission. Communication from the comission to the European parliament and the council. 2021 strategic foresight report. The EU’s capacity and freedom act. Brussels, 8.9.2021.

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.