Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo – USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação
Estados Unidos e China disputam a liderança global sobre a tecnologia de 5G. A China tem como um dos seus principais players a Huawei. Os Estados Unidos estão atrasados nesta corrida tecnológica, pois não há nenhuma empresa norte-americana líder global em tecnologia de 5G. Os Estados Unidos por supostas razões de ameaça à sua segurança nacional baniram a Huawei do fornecimento de tecnologia de 5G em suas redes de telecomunicações. O governo norte-americano acusa a empresa chinesa de promover espionagem, a serviço do governo da China. Há, também, acusações de furto de dados e de propriedade intelectual. A empresa nega todas as graves acusações. Embora tenha ocorrido a eleição do novo Presidente Biden, há tendência de se manter esta política norte-americana no 5G, no sentido de se excluir a tecnologia chinesa nas redes de telecomunicações. Além disto, os Estados Unidos pressionam países aliados para que se alinhem a sua posição geoestratégica no sentido de vedar a tecnologia de 5G da China.
Neste sentido, o governo norte-americano ameaçou não mais compartilhar informações de inteligência se países aliados não excluírem a tecnologia de 5G de suas redes de telecomunicações. Assim, o governo norte-americano adotou o Clean Path (Caminho Limpo), isto é, redes de 5G com a exclusão do fornecimento de equipamentos e tecnologia por empresas chinesas em infraestruturas de computação em nuvem, infraestruturas de rede de telecomunicações, redes de internet, lojas de aplicativos e redes de cabos submarinos. Por ora, há sinais no sentido que o governo brasileiro poderá integrar este programa Clean Path, para fins de exclusão do fornecimento de tecnologia de 5G da Huawei nas redes de telecomunicações nacionais. A narrativa do governo norte-americano pode ser objeto de fortes críticas. Será que os Estados Unidos por não ser competitivo na tecnologia 5G resolveu adotar uma tática de protecionismo com a negação do livre comércio global, já que está perdendo a competição para a China? Outra questão, o governo norte-americano acusa a China de realizar espionagem. Mas, os Estados Unidos não realiza espionagem contra governos, empresas e pessoas estrangeiras? Registre-se que, em 2013, o Congresso Nacional do Brasil abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar atividades de espionagem realizada pela National Security Agency dos Estados Unidos contra alvos brasileiros: cidadãos, empresas e autoridades. Além disto, é importante registrar que o contexto institucional dos Estados Unidos. Lá, de acordo com a lei denominada Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA), obriga as empresas de telecomunicações a adotarem padrões em equipamentos que permitam a interceptação das comunicações de telecomunicações. A princípio, a lei é aplicável apenas às empresas norte-americanas e aquelas que estejam situadas em território norte-americano. Outra lei norte-americana é a Foreign Intelligence Surveillance Act (FISA), a qual permite que autoridades norte-americanas interceptem comunicações no exterior, inclusive permitem a coleta de sinais de inteligência (dados relevantes para a segurança nacional dos Estados Unidos). Portanto, com base nesta lei é permitida a vigilância eletrônica em massa de governos, empresas e pessoas estrangeiras. Neste contexto, as empresas globais de tecnologia como Google, Apple, Facebook, Amazon, entre outras, podem ser intimadas a colaborar com o governo norte-americano em questões de inteligência nacional. Outra lei é o Cloud Act, o qual possibilita o acesso por autoridades norte-americana de dados armazenados em servidores localizados no exterior, em hipóteses de investigações. Adicionalmente, a lei Export Control Reform Act trata das medidas de controle de exportações de tecnologias consideradas dual-use, isto é, com utilização civil e militar. Assim, microchips, tecnologias de satélite, fibras óticas, cabos submarinos, GPS, são consideradas tecnologias dual-use. Aliás, a própria internet é considerada uma infraestrutura dual-use. Por isso, o governo norte-americano busca restringir o acesso pela Huawei à tecnologia de microchips de empresas norte-americanas. Além disto, os Estados Unidos lidera uma aliança internacional de inteligência denominada Five Eyes, juntamente com o Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Este aliança serve à coleta de sinais de inteligência em todo o globo. Por outro lado, National Security Agency é a agência governamental encarregada de realizar as atividades de vigilância eletrônica e coleta de sinais de inteligência para os Estados Unidos em todo o globo. Relembre-se que a NSA já realizou espionagem contra o Brasil, supostamente um país aliado dos Estados Unidos, em 2013. Diante deste contexto, compete ao Brasil, nação soberana, adotar as medidas mais adequadas à proteção à confidencialidade das comunicações dos governos, empresas e cidadãos brasileiros.
O Congresso Nacional é a autoridade competente para debater o tema. O Presidente da República não pode deliberar, exclusivamente, sobre o assunto. A missão da regulamentação do 5G dever compartilhada entre governo e Congresso Nacional, justamente por envolver questões de defesa nacional. Registre-se, ainda, que a União Europeia adotou uma solução intermediária, no sentido de excluir parcialmente a tecnologia chinesa das áreas centrais de redes de telecomunicações, permitindo-se apenas a presença em áreas periféricas. É inadmissível o Brasil seja incapaz de se defender seja diante dos Estados Unidos, seja diante da China, ou qualquer outro país.
Diante da questão do 5G, eventual omissão do governo brasileiro e do Congresso Nacional em adotar medidas de proteção à integralidade e confidencialidade das comunicações representará grave atentado à soberania nacional. Afinal, o Brasil não é o quintal dos Estados Unidos, dever proteger o interesse nacional acima de qualquer interesse de país aliados. No jogo geopolítico entre Estados Unidos e China, o Brasil deve proteger a integridade, confidencialidade e privacidade das comunicações brasileiras.