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Estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos para garantir suas vantagens tecnológicas na competição internacional e os reflexos sobre o Brasil no 5G

22/10/2020

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

O governo dos Estados Unidos aprovou sua estratégia nacional para tecnologias emergentes e críticas. O objetivo é assegurar a liderança dos Estados Unidos em tecnologias emergentes e críticas. Assim, busca-se promover a inovação básica para a segurança nacional, no âmbito de pesquisa e desenvolvimento. Além disto, outro objetivo estratégico é a proteção das vantagens competitivas tecnológicas dos Estados Unidos.

Neste sentido, quer-se engajar o setor privado na cooperação com o setor governamental. Enfim, o objetivo estratégico de segurança nacional é avançar a influência dos Estados Unidos no contexto da hipercompetição entre os países.  Como ações prioritárias para a promoção da inovação básica de segurança nacional: o desenvolvimento da força de trabalho globalmente, atração e retenção de inventores e inovadores, estimular a utilização de capital privado e experiência privada para construir e inovar, reduzir regulações, políticas e processos burocráticos, liderar o desenvolvimento de normas tecnológicas, padrões, parâmetros e modelos de governança, apoiar o desenvolvimento da inovação básica entre instituições acadêmicas, laboratórios, infraestruturas de suporte, fundos de investimentos e indústria, priorizar pesquisa e desenvolvimento no orçamento governamental, desenvolver e adotar aplicações tecnológicas dentro do governo, encorajar parcerias público-privadas, construir parcerias em tecnologia com aliados e parceiros.

Outro objetivo estratégico é proteger a tecnologia dos Estados Unidos, com a colaboração entre empresas, indústrias, universidades e agências governamentais. Deste modo, como ações prioritárias da proteção da vantagem tecnológica dos Estados Unidos: garantir que os competidores não adotem meios ilícitos para adquirir propriedade intelectual norte-americana, pesquisa, desenvolvimento ou tecnologias, exigir a segurança no design nos estágios preliminares de desenvolvimento de tecnologia e cooperar com aliados e parceiros para adotarem ações similares, a proteger a integridade do empreendimento de pesquisa e desenvolvimento por medidas de segurança à pesquisa em instituições acadêmicas, laboratórios, e indústria, com balanceamento de contribuições de pesquisadores estrangeiros, garantir a apropriação das tecnologias mediante a utilização de leis de controle de exportação e regulação, bem como regimes de exportação multilateral, engajar aliados e parceiros para desenvolver seu próprios procedimentos similares àqueles no Committee on Foreign Investment in the United States (CFIUS). O governo norte-americano adotou uma lista de tecnologias emergentes e críticas: tecnologias de comunicação e redes, semicondutores e microeletrônicos, tecnologias espaciais, computação avançada, armas convencionais avançadas, materiais de engenharia avançados, manufatura avançada, sensores avançados, tecnologias e engenhos aéreos, tecnologias agrícolas, inteligência artificial, sistemas autônomos, biotecnologias, tecnologias de mitigação de materiais químicos, biológicos, radiológicos e nuclear, ciência e armazenamento de dados, tecnologias de distribuição de computação de ponta, tecnologias de energia, interfaces humana-máquina, tecnologias médicas e de saúde pública, ciência de informação quântica.

Em síntese, a política de segurança nacional dos Estados Unidos tem por foco manter sua influência global e sua vantagem competitiva em tecnologias avançadas. A medida é uma reação ao avanço da China em tecnologias emergentes e críticas. Esta política norte-americana tem reflexos na tecnologia de 5G, à medida que boa parte dos equipamentos é integrados por semicondutores (microchips), fabricados por empresas norte-americanas. Além disto, o governo estabelece um rígido controle de exportações de semicondutores relacionados à tecnologia de 5G, para restringir o acesso por empresas chinesas, devido à disputa comercial com a China. Por outro lado, representante do governo norte-americano declarou a abertura de linha de crédito, através do Exim Bank (Banco de Importações e Exportações dos Estados Unidos) para o financiamento de aquisição de tecnologia de 5G pelas empresas de telecomunicações sediadas no Brasil. Também, o Conselheiro de Segurança Nacional Robert O’Brien esteve no Brasil  em missão oficial, com reuniões no governo federal e Fiesp.

Enfim, como se observa, o tema da tecnologia de 5G é de interesse da segurança nacional dos Estados Unidos. Mas, por óbvio, que esta ingerência norte-americana em assunto nacional do Brasil deve ser analisada sob a perspectiva da soberania nacional. 

Desde quando cabe aos Estados Unidos “proteger” as redes de telecomunicações do Brasil?

Sabe-se que os Estados Unidos em sua visão geoestratégica veem o Brasil como área de seu entorno estratégico no hemisfério sul. Os Estados Unidos desconfiam da Huawei, acusando-se de práticas de espionagem. Mas, o Brasil foi, em 2013, alvo de espionagem internacional. E por quem? Pela National Security Agency dos Estados Unidos. Este fato ensejou inclusive a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Além disto, a Huawei já está no Brasil como uma empresa fornecedora de equipamento de infraestruturas de telecomunicações há quase duas décadas. Até o momento, não há nenhuma desconfiança em relação aos seus equipamentos de telecomunicações. Aqui, não se busca defender nem os Estados Unidos, nem a China. O que interessa é o Brazil First! O Brasil está sendo utilizado como um “país satélite” da disputa geopolítica entre Estados Unidos e China. Por isso se posicionar abertamente de um dos lados do jogo geopolítico sofrerá consequências, principalmente as empresas brasileiras correrão maiores riscos geopolíticos. Assim, uma geoestratégia de neutralidade tecnológica talvez seja o caminho mais adequado para o interesse do País. Portanto, o interesse nacional do Brasil requer a proteção de suas infraestruturas de redes de telecomunicações, diante de riscos e ameaças de espionagem, seja de serviços de inteligência dos Estados Unidos, seja dos serviços de inteligência da China e/ou de terceiros. Neste aspecto, toda e qualquer parceria e/ou aliança do Brasil deve estar amparada em relações de confiança, lealdade, reciprocidade e boa-fé.  Se o parceiro não for confiável e/ou não demonstrar confiança fica difícil o relacionamento.  Uma política de confiança cega nos Estados Unidos é perigosa para o Brasil. Uma geoestratégica inteligente para o Brasil no tema do 5G requer prudência, análise da realidade e pragmatismo geopolítico, mas também a verificação da história no continente com a posição hegemônica dos Estados Unidos.

A alternativa geoestratégica mais soberana é o Brasil assumir a vanguarda na liderança tecnológica, formando um leque de aliados internacionais, para além dos Estados Unidos e China. Assim, deve ser considerada a questão da economia nacional e a concepção de defesa nacional, prevalecendo o interesse brasileiro e não o American First! A omissão do Estado brasileiro em proteger a segurança das redes de telecomunicações, contra quaisquer dos invasores, é um atentado à soberania nacional.

No tema do 5G há para o Brasil riscos geopolíticos, desafios e oportunidades econômicas. Em jogo, o futuro da economia digital no Brasil e as respectivas influências e controle.

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.