No início deste mês, o diretor da Central Intelligence Agency (CIA), William J. Burns, veio ao Brasil preocupado, entre outros temas, com o edital a ser lançado pelo governo brasileiro para a instalação da infraestrutura da nova tecnologia 5G. Essa é mais uma ação dos Estados Unidos, que têm agido em diversas frentes para tentar controlar a expansão da tecnologia em outros países.
Do ponto de vista legal, os EUA aprovaram nova legislação sobre inovação e competividade estratégica, a United States Innovation and Competition Act of 2021. O objetivo da lei é garantir a liderança na economia global e nas tecnologias, com incentivos para a instalação de fábricas de semicondutores em território norte-americano, tendo como uma das áreas de foco a tecnologia 5G.
A disputa geopolítica entre Estados Unidos e China é abordada no livro “Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto no Brasil”, de minha autoria, publicado na Amazon.
A lei norte-americana apoia a criação de redes abertas e interoperacionais de 5G denominadas open-ran-radio acesso networks —que proporcionarão maior competividade, inovação e diversidade de fornecedores. Prevê garantias para ampliar a influência dos Estados Unidos em organizações internacionais dedicadas à definição de padrões técnicos de 5G, como é o caso da União Internacional de Telecomunicações. Existe a preocupação com agricultura de precisão e inteligência artificial, por isso são adotadas medidas para que os EUA possam manter a liderança global nesses segmentos.
Além desta, os Estados Unidos aprovaram outra legislação, denominada Strategic Competition Act of 2021, que tem como alvo geoestratégico a China. A lei dá incentivos à cooperação internacional no tema da infraestrutura global, com foco nos incentivos ao acesso à internet e infraestruturas digitais em mercados emergentes. Nessa lei, encontra-se também o tema da tecnologia 5G, alvo de disputa entre Estados Unidos e China, na busca pela liderança na fixação de padrões técnicos.
Os Estados Unidos têm proposto parcerias com o setor privado e países aliados para a conectividade digital e tecnologia de 5G, com o estabelecimento de padrões de segurança para o desenvolvimento de equipamentos, software e hardware. Também tem realizado o monitoramento do mercado da indústria básica de tecnologia, além da forte atuação dos serviços de inteligência norte-americano em relação à China e, especialmente, em relação à tecnologia 5G. A preocupação dos Estados Unidos com a tecnologia 5G é em relação à segurança nacional. Já encontraram, próximas a uma base aérea na cidade de Montana, redes de telecomunicações com equipamentos fornecidos pela empresa chinesa Huawei.
Ao mesmo tempo, a Europa possui posição privilegiada na tecnologia 5G por ser sede das empresas Ericsson (Suécia) e Nokia (Dinamarca), líderes no setor. A União Europeia quer garantir sua autonomia geoestratégica em tecnologia para diminuir a dependência dos Estados Unidos e da China e incentiva a instalação de data centers em países europeus, bem como pontos de tráfego de internet.
Antes de lançar o edital para a disputa das faixas de frequência do 5G, o Brasil precisa compreender o cenário geopolítico a fim de obter clareza e precisão na sua geoestratégia global no tema. Nesse contexto, o país deveria exigir um acordo de não espionagem com os Estados Unidos e a China como condição para realização de investimentos e atuação de empresas em território brasileiro. Seria uma forma de proteção à soberania sobre as infraestruturas de redes de telecomunicações brasileiras.
Há oportunidade para a inserção internacional do Brasil no jogo geopolítico global das comunicações por redes de 5G, no aspecto da industrialização e de participação na cadeia global de suprimentos — na fabricação de hardware, software, equipamentos e sistemas de suporte a essa nova tecnologia. Para tanto, é fundamental que o Brasil promova o alinhamento entre as políticas industrial, de ciência e tecnologia, de comércio exterior e de defesa nacional.
Ericson Scorsim é advogado e consultor em Direito do Estado, com foco no Direito da Comunicação, nas áreas de tecnologias, mídias e telecomunicações, doutor em Direito pela USP e autor do livro “Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto no Brasil”, publicado pela Amazon.
Via: Revista Consultor Jurídico, 15 de julho de 2021, 6h04