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Geopolítica e poder cibernético nacional

14/07/2021

Um dos alvos da geoestratégia dos países é a conquista de capacidades cibernéticas, isto é, competências defensivas e ofensivas no espaço cibernético.

O tema refere-se à preparação para guerras cibernéticas entre países e/ou agentes a mando de outros países.  Em cenários de batalha há necessidade de sistemas de comando e controle, reconhecimento, monitoramento de precisão de alvos, intermediados por medidas cibernéticas. Assim, há medidas para o fortalecimento de atividades de inteligência cibernética, como é o caso da aliança internacional, denominada Five Eyes, entre Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia.

Ações cibernéticas são adotadas para neutralizar operações de inteligência, de informações, de influência por governos estrangeiros, bem como campanhas de desinformação em redes sociais. Portanto, a soberania cibernética é uma grande meta de exercício do poder nacional de um país. Os países que se destacam no cyber power têm em comum: investimentos substanciais em educação e em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias. Para se ter uma ideia no ranking global das melhores universidades os Estados Unidos contam com 59, o Reino Unido 29, China 12, Austrália 12, Canadá 8, França 5, Japão 2, Israel 1.[1] Quanto ao número de satélites, o ranking é o seguinte: Estados Unidos 1.892, China 410, Rússia 176, Reino Unido 167, Japão 84, Índia 63, Canada 43, França 22, Israel 16 e Austrália 13.[2] Por outro lado, os Estados Unidos com suas Big Techs e outras empresas dominam a inteligência artificial e o ecossistema digital.  Os Estados Unidos têm o seu sistema de geolocalização denominado GPS (global positiong satelitte), adotado comercialmente em praticamente no mundo todo. É o país líder na fabricação de semicondutores, elementos fundamentais para redes de computadores, smartphone, veículos, entre outros.  Além disto, para se ter uma noção das mudanças radicais, o Google é um dos maiores investidores e proprietários de cabos submarinos, um elemento essencial para o tráfego de dados pela internet.

Os Estados Unidos têm capacidade cibernética ofensiva e defensiva. Dentre os temas relevantes associados ao poder cibernético nacional estão a estratégia e doutrina, a governança, comando e controle, capacidade de ciber-inteligência, empoderamento cibernético e dependência, segurança cibernética e resiliência, liderança global em assuntos ciberespaciais, capacidade cibernética ofensiva. Um dos símbolos da capacidade cibernética dos Estados Unidos é a National Security Agency com capacidade para atuação global. O governo norte-americano tem capacidade para acessar redes de computadores, redes de telecomunicações, redes de satélites e de fibras óticas em outros países.  

A aquisição de tecnologias e informação e comunicações e telecomunicações tem sido objeto de maior regulamentação governamental nos últimos anos, devido justamente ao risco de espionagem, sabotagem e ataques cibernéticos em infraestruturas nacionais críticas. Por isso, alguns países têm adotado algumas medidas restritivas em relação a países adversários, como é o caso dos Estados Unidos em relação à China, especialmente em relação ao fornecimento de tecnologia de redes de telecomunicações 5G. 

Por outro lado, a França tem algumas peculiaridades no setor cibernético. Por exemplo, a sua Agência de Segurança Cibernética (ANSS)  é dedicada exclusivamente às ações defensivas e não faz parte da comunidade de inteligência. Além disto, a França tem uma capacidade defensiva e ofensa no domínio cibernético avançada. Em 2019, o Parlamento francês aprovou uma lei exigindo de provedores de acesso à internet uma licença prévia para a aquisição de hardware estrangeiro. Por outro lado, a China tem avançado no domínio cibernético. Tem seu próprio sistema de navegação e geolocalização por satélite denominado Beidou. A China, também, tem planos para superar os Estados Unidos em inteligência artificial. Aliás, a China domina a tecnologia de 5G, enquanto os Estados Unidos não é fabricante desta tecnologia. No Brasil, o tema cibernético está fragmentado em diversos órgãos. O Gabinete de Segurança Institucional da Presidente da República fixou algumas regras para a segurança cibernética em tecnologias de informação, comunicações e redes de telecomunicações. O Exército é o responsável pela defesa cibernética nacional.

A Anatel tem pouquíssima ingerência no tema, mas definiu algumas regras de segurança cibernética para o edital do leilão de frequências do 5G. E a Autoridade Nacional de Proteção de Dados possui algumas competências que tangenciam o tema do domínio cibernético, sendo que seu foco é a proteção dos dados. Neste sentido, proponho a criação de uma agência de defesa cibernética e/ou organização de defesa cibernética estritamente civil, financiada por empresas privadas, sociedade civil-organizada, a fim propor as melhores práticas no espaço cibernético, promovendo-se estudos, recomendações e certificações. O tema é tão relevante que não pode ficar somente sob o manto do governo.

Por isso, é importante que o setor empresarial e a sociedade civil brasileira passem a liderar este movimento em relação à conscientização do espaço cibernético, afinal, a base da economia digital.  

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito do Estado, com foco no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto no Brasil, publicado pela Amazon, 2020.


[1] Cyber capabilities and National Power: a net assessment. The International Institute for Strategic Studies, ISS.

[2] Obra citada acima.

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.