A defesa dos consumidores pode muito bem ser concretamente realizada, com velocidade na modificação da realidade, mediante a redução da carga tributária.
A imprensa noticiou amplamente a polêmica sobre a proposta de cobrança de franquia de consumo de dados pelos provedores de serviços de conexão à internet por banda larga fixa. Este fato de ampla repercussão nacional despertou a atenção do Senado Federal. Assim, tramitam três projetos de lei no Senado para regular a franquia de consumo de dados nos serviços de internet por banda larga fixa. Também, uma proposta de decreto legislativo sobre o tema, para suspender os efeitos da resolução 614/13 da Anatel que permite a franquia de consumo de dados.
O PL 174, de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB), trata da mudança do marco civil da internet, para vedar a implementação da franquia limitada de consumo nos planos de internet por banda larga fixa.1
O PL 175 de autoria do senador Flexa Ribeiro (PSDB), propõe regras para comercialização da provisão de conexão à interrnet, com a inclusão de novas normas no marco civil da internet.2 Esta medida legislativa autoriza a franquia de consumo de dados, porém nos períodos de maior tráfego da internet.
O PL 176 do senador Eunicio Oliveira (PMDB), dispõe sobre a alteração do marco civil da internet, para assegurar o direito à não limitação no volume de dados das conexões de internet por banda larga fixa.3
Por sua vez, o projeto de decreto legislativo 14, do senador Cássio Cunha Lima (PSDB), propõe a sustação da resolução 614/13 da Anatel, a que autoriza a franquia de consumo de dados nos serviços de comunicação multimídia.4 Como fundamentos desta proposta legislativa a ofensa ao CDC e o marco civil da internet.
Tais projetos de lei partem da tese da possibilidade jurídica de regulação por lei dos preços dos serviços de conexão à internet, por banda larga fixa. Por sua vez, a proposta de decreto legislativo propõe a sustação da resolução da Anatel 614/13 que autoriza a franquia de consumo de dados na internet por banda larga fixa.
Destaque-se que o PL 175/16 do senador Flexa Ribeiro é o único a autorizar a adoção do regime de franquias de consumo de dados na internet por banda larga fixa, no período de maior tráfego das redes de comunicação. Os demais projetos de lei são no sentido da proibição da de franquia de consumo de dados na internet por band larga fixa.
A justificativa para a proposição dos projetos de lei no sentmido de proibir a franquia de consumo de dados nos serviços de conexão à internet é, dentre as razões apresentadas, os prejuízos aos consumidores e ofensa ao Marco Civil da Internet (art. 7º) .
Ao que parece, tais projetos de lei são flagrantemente inconstitucionais por diversas razões. A Constituição consagra o princípio da livre iniciativa, daí a inadmissibilidade de regulação de preços nos serviços de conexão à internet. Não compete à lei interferir no regime privado dos serviços de comunicação multimídia. Os preços em contratos privados de serviço de conexão à internet não podem ser objeto de regulação setorial. Tais iniciativas legislativas representam verdadeiro retrocesso legislativo, sob a perspectiva da regulação setorial consolidada do modelo de organização dos serviços de conexão à internet.
O princípio de defesa do consumidor não autoriza a imposição de regime de preços regulados, no caso dos serviços de conexão à internet por banda larga. Além disto, a Lei Geral de Telecomunicações, em seu art. 129, é clara e precisa quanto ao regime de liberdade de preços, dispositivo aplicável aos serviços de valor adicionado à rede de telecomunicações, como é o caso dos serviços de comunicação multimídia.5
Portanto, antes mesmo da edição da resolução 632/13 da Anatel, a Lei Geral de Telecomunicações já permitia a liberdade de preços no regime privado dos serviços de internet por banda larga fixa.
Aqui, destaque-se as diferenças essenciais de regime jurídico. No regime público, no qual submete-se o serviço de telefonia fixa, há restrições aos preços praticados, pois, a Anatel regula as tarifas dos serviços de telefonia fixa. Diferentemente, no regime privado, no qual se enquadra o serviço de conexão à internet por banda larga fixa, há a liberdade de preços. Sobre esta questão, a Lei Geral de Telecomunicações dispõe em seu art. 129 que: o preço dos serviços será livre, excetuadas as práticas prejudiciais à competição, bem como o abuso do poder econômico, nos termos da legislação. Portanto, se houver indícios ou provas de infrações à ordem econômica, decorrentes de práticas comerciais no aumento abusivo de preços, aí sim poderá ocorrer a responsabilização das empresas, sob a legislação do direito econômico.
Em outro dispositivo legal, a Lei Geral de Telecomunicações, em seu art. 128, inc. I, dispõe, sobre o regime privado, no qual a liberdade é a regra, sendo exceção as proibições, restrições e interferências do poder público.
Ressalte-se que a regulação setorial, aprovada pela Anatel na forma da resolução 614/13, prevê o mecanismo da franquia de consumo de dados nos serviços de internet por banda larga fixa. Acredita-se que diante da incidência do princípio constitucional da livre iniciativa, é vedado à Anatel proibir a adoção do regime de franquia de dados nos serviços de conexão à internet.
Ou seja, diante da aplicação da legislação setorial em vigor, não é possível adotar a tese da proibição da franquia de dados nos serviços por internet banda larga fixa. Ao contrário, a Lei Geral de Telecomunicações e o Regulamento dos Serviços de Comunicação Multimídia (resolução 614/13) autorizam o regime de franquia de dados nos serviços de internet por banda larga fixa. Por outro lado, o marco civil da internet não proíbe o regime de franquia de dados nos serviços de conexão à internet. Da interpretação do princípio da neutralidade da internet não é admissível a conclusão no sentido da proibição do regime de franquia de dados nos serviços de conexão à internet. Ao contrário da leitura do relatório da motivação do projeto de lei do marco civil da internet está clara a liberdade do modelo de negócios na internet, no aspecto dos preços cobrados pelos serviços dos consumidores. Segundo o texto do relator deputado Alessandro Molon (PT) contido no relatório do projeto de lei do marco civil da internet: “Cumpre ressaltar, ainda, que a neutralidade da rede prevista no Marco Civil não proíbe cobrança por volume de tráfego de dados, mas apenas a diferenciação de tratamento por pacotes de dados. O que o Marco Civil proíbe é a diferença de qualidade, mas não a de quantidade”.
E mais, quanto à constitucionalidade dos projetos de leis algumas considerações adicionais.
São inconstitucionais os projetos de leis com o intuito de proibir a adoção do regime de franquia de dados nos serviços de conexão à internet por banda larga fixa. Estes projetos de lei ferem gravemente o princípio constitucional da livre iniciativa e, consequentemente, a liberdade do modelo de negócios na internet. Também, os projetos de lei ofendem o princípio da proporcionalidade das medidas legislativas. Além disto, tais propostas legislativas acabam por ferir o princípio do devido processo legal, o que exige adequação da medida legislativa à finalidade pública, cuja concretização é objetvo de ação estatal. É fundamental a análise de impacto regulatório destas propostas legislativas sobre o setor de conexão à internet por banda larga fixa. Daí a mudança da regra legislativa sobre o modelo de cobrança de preço dos serviços de conexão à internet requer a cuidadosa análise técnica dos custos-benefícios.
Para além das propostas legislativas em anállse de mudança do regime de preços dos serviços de conexão à internet, cabem outras medidas tão mais eficazes ao propósito de defesa dos milhões de consumidores brasileiros. De fato, quanto ao impacto econômico da medida, é importante ampliar o debate sobre a redução da carga do ICMS sobre o setor de conexão à internet e telecomunicações, algo extremamente benéfico aos consumidores.
Assim, a defesa dos consumidores pode muito bem ser concretamente realizada, com velocidade na modificação da realidade, mediante a redução da carga tributária, em benefício da realização de mais investimentos setoriais e diminuição do preço final dos serviços para os consumidores. Se adotada esta nova direção política haveria uma sinalização, mais precisa e clara, para a defesa concreta e real dos consumidores dos serviços de conexão à internet.
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1 PL n. 174/2016 do Senado:
“Art. 7º. …
XIV – a não implementação de franquia limitada de consumo nos planos de internet banda larga fixa.”
2 PL n. 175/2016 do Senado:
“Art. 23-A. A comercialização da provisão de conexão à internet observará o seguinte:
I – as franquias de consumo; as reduções contratuais de velocidade e as cobranças adicionais por volume de dados utilizado somente podem incidir durante os períodos de maior tráfego das redes, nos termos da regulação;
II – as franquias de consumo devem corresponder, no mínimo, a 20% do total da capacidade de tráfego da conexão em sua velocidade máxima contratada;
III – as reduções contratuais de velocidade devem preservar, no mínimo, 50% da velocidade máxima contratada, sem aplicação de cobranças adicionais;
IV – são permitidaas cobranças adicionais por volume de dados utilizado exclusivamente para a não aplicação das reduções contratuais de velocidade após o término das franquias de consumo.”
3 PL n. 176/2016 do Senado:
“Art. 7.
(…)
XIV – não limitação no volume de dados das conexões fixas.”
4 Projeto de Decreto Legislativo n. 14/2016 do Senado:
“Art. 1º. Fica sustado, nos termos do art. 49, inciso V, da Constituição Federal, o inciso III e os §§1º e 3º do art. 63, da Resolução n. 614, de 28 de maio de 2013, da Agência Nacional de Telecomunicações.”
5 Conforme Lei Geral de Telecomunicações:
“Art. 129. O preço dos serviços será livre, ressalvado o disposto no §2º do art. 136 desta Lei, reprimindo-se toda prática prejudicial à competição, bem como abuso do poder econômico, nos termos da legislação própria.”
Artigo publicado no site jurídico Migalhas em 09/05/2016