Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP. Autor dos E-books Jogo geopolítico das comunicações 5G: Estados Unidos, China e o impacto no Brasil, Geopolíticas das Comunicações, Antiliderança tóxica na presidência do Brasil 2018 – 2022, todos públicos pela Amazon.
O governo norte-americano, através da Ordem Executiva 13.818, de 30 de julho de 2025, assinada pelo Presidente Donald Trump, adotou uma série de medidas contra o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, com restrições a passaporte norte-americano e bloqueio de bens e acesso a instituições financeiras norte-americanas, entre outras medidas. O governo norte-americano alegou que o Ministro Alexandre de Moraes: “abusou de autoridade judicial para ameaçar, perseguir e intimidar milhares de opositores políticos, proteger aliados corruptos e suprimir dissidência, em detrimento de empresas norte-americanas”. O ato do governo norte-americano nada disse, porém, ao que consta, que em todos os processos contra os investigados e acusados há garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Alegou ainda o governo norte-americano: “O ministro Moraes emitiu unilateralmente centenas de ordens para censurar, em segredo, seus críticos políticos. Quando empresas americanas se recusaram a cumprir essas ordens, ele impôs multas substanciais, ordenou a exclusão das empresas do mercado de mídias sociais do Brasil, ameaçou seus executivos com processos criminais e, em um caso, congelou os ativos de uma empresa dos EUA no Brasil como forma de coagir o cumprimento”. Também, o ato do governo norte-americano não disse, as multas judiciais são aplicadas para a hipótese de descumprimento de ordem judicial e da lei brasileira. Não houve censura judicial, mas tão-somente a restrição a divulgação de ato ilícito. Por último disse o governo norte-americano: “De fato, além de prender indivíduos sem julgamento por postagens em redes sociais, o ministro Moraes está atualmente supervisionando a acusação criminal do Governo do Brasil contra Paulo Figueiredo, residente nos EUA, por declarações feitas em solo americano, e apoiou investigações criminais contra outros cidadãos dos EUA após denunciarem suas graves violações de direitos humanos e atos de corrupção”. O ato não esclarece que as pessoas que estão sendo processadas por atos democráticos, em conformidade com a lei brasileira, garantindo-se o devido processo legal. O ato governamental não esclarece que não é o governo do Brasil quem promove as acusações, mas sim um órgão autônomo como é o caso do Procurador Geral da República. Ao que consta, há investigações da Procuradoria Geral da República em relação ao Sr. Paulo Figueiredo e sua participação supostos crimes praticados por Eduardo Bolsonaro, filho do ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro, como obstrução de justiça e coação processual, e sua participação em lobby para aplicar sanções pelo governo norte-americano contra Ministros do STF. Continua o ato do governo norte-americano: “O presidente Trump está defendendo empresas americanas contra extorsão, protegendo cidadãos americanos da perseguição política, salvaguardando a liberdade de expressão contra a censura e salvando a economia dos EUA de ficar sujeita aos decretos arbitrários de um juiz estrangeiro tirânico”. Não há nenhuma prova de que empresas norte-americanas sejam alvo de extorsão. Também, não há nenhuma prova de censura judicial, afinal restrição a conteúdo ilícito é perfeitamente possível.
A atuação do Ministro Alexandre de Moraes está atuando em conformidade com a legislação brasileira, pode-se criticar algumas de suas decisões, mas não acusar e atacar a figura de um Ministro da República. Os atos estão sendo de modo colegiado, e não isoladamente pelo referido ministro. É primeira vez que na história deste País um Ministro do STF é atacado por um governo estrangeiro, com acusações graves. Há evidências de o Ministro Alexandre de Moraes estar sendo perseguido politicamente, agora inclusive por governo estrangeiro. Este fato, por si só, de interferência no Poder Judiciário brasileiro representa um atentado contra a soberania do Brasil. E para piorar a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil publicou uma nota para a imprensa com possíveis ameaças aos membros do legislativo e de demais Ministros do Supremo Tribunal Federal. Além disto, no mesmo ato do governo norte-americano, aplicou o aumento de tarifas econômicas contra o Brasil. Aqui, o foco é mostrar a interferência abusiva por governo estrangeiro sobre a soberania do Brasil. É caso típico de lawfare, isto é, a utilização de leis norte-americanas no contexto de uma guerra comercial e/ou política. A denominada Ordem Executiva, uma espécie de decreto presidencial, menciona as seguintes leis: International Emergency Economy Powers Act, National Emergencies Act e Global Magnitsky Act. No aspecto econômico, não há nenhuma justificativa para o aumento de tarifas, vez que os Estados Unidos, no comércio com o Brasil, têm superávit em suas contas. Não há nenhuma emergência econômica dos EUA a justificar a medida. Ao contrário do que disse o ato, não são atos do Judiciário que causam danos à economia norte-americano. Ora, é este ato do governo norte-americano É que causa danos à economia brasileira!
A lei Magnitsky é utilizada em casos de corrupção e abusos de direitos humanos, o que evidentemente não é o caso. Esta lei norte-americana foi criada no contexto das relações internacionais entre Estados Unidos e Rússia. É uma lei aplicável para contextos específicos de graves violações de direitos humanos, em contexto de regimes autoritários. O ato do governo norte-americano menciona que haveria violações à liberdade de expressão de cidadãos norte-americanos causado pelo Supremo Tribunal Federal. Alega o governo norte-americano a aplicação de multas substanciais a empresa norte-americana, com o bloqueio de contas, o impedimento ao financiamento, censura. Menciona o governo norte-americano ainda a perseguição política ao ex-Presidente Jair Bolsonaro. Assim, haveria o impedimento a eleições justas em 2026. Assim, o governo do Brasil está prejudicando a economia dos Estados Unidos e suas empresas, ao exercer a liberdade de expressão. Esta é a narrativa do governo norte-americano, para manipular os fatos, a verdade e realidade. O que o ato governo norte-americano não disse que o Estados Unidos têm superávit em suas contas no comércio com o Brasil. Isto por si só seria um fundamento para afastar a aplicação das tarifas. Não fundamento econômico para a imposição das tarifas contra o Brasil. As tarifas do governo norte-americano estão sendo utilizadas como um instrumento de retaliação contra o Brasil, a economia brasileira e o povo brasileiro. Este tema é um aspecto da geopolítica e geoeconômica e a lawfare. E governo norte-americano tem aplicado sua legislação de modo extraterritorial, algo que causa a interferência sobre a soberania de outros países.[1] Há uma série de leis norte-americanas com aplicação sobre a jurisdição de outros países, inclusive leis sobre controle de exportações. É um ponto sensível a merecer debate e transparência, inclusive em âmbito internacional. Este é tema a ser debatido pelo Brasil. A propósito, o Brasil aprovou a “lei de reciprocidade econômica”, a Lei ns 15.122, de 2022, com critérios para a suspensão de concessões comerciais, investimentos e obrigações relacionadas a propriedade intelectual diante de medidas unilaterais adotadas pelos demais países.
Ora, o governo norte-americano tem intenso controle sobre exportações e investimentos de outros países, inclusive no contexto de guerras comerciais. Por isto, é importante que o Brasil debata uma lei mais ampla para a hipótese de sua defesa nacional diante de casos de lawfare e guerras comerciais, inclusive casos de espionagem e ataques contra funcionários do governo brasileiro. Por outro lado, o ato do governo norte-americano não disse que no caso de empresa norte-americana multada por decisão do Ministro Alexandre de Moraes por descumprimento de ordens judiciais é empresa a Trump Media, de propriedade do próprio Presidente Donald Trump. Esta empresa, sediada nos Estados Unidos, ingressou com ação judicial na justiça norte-americana contra o Ministro Alexandre Moraes. Logo, o presidente norte-americano utiliza do governo para fazer valer seus interesses pessoais.
O ato do governo norte-americano não menciona que há decisão do Supremo Tribunal Federal tomada na data de junho de 2025, no âmbito dos Recursos Extraordinários n 103.7396 (Tema de Repercussão Geral 987), e 105.738 (tema de repercussão geral 535) o qual fixou uma série de obrigações para as empresas de “redes sociais”. Por isto, esta decisão do Supremo Tribunal contrariou interesses de empresas norte-americanas, bem como contrariou ou interesses do governo norte-americano. No âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, foram tomadas diversas decisões contrárias aos interesses de empresas norte-americanas, por descumprimento da lei eleitoral.
Enfim, pode-se deduzir que este ato do governo norte-americano é uma retaliação contra as decisões adotadas nos Recursos Extraordinários n 103.7396 (Tema de Repercussão Geral 987), e 105.738 (tema de repercussão geral 535) o qual fixou uma série de obrigações para as empresas de “redes sociais. O ato do governo norte-americano menciona a defesa da liberdade de expressão como uma das suas razões para as medidas. Ora, como sabemos, a liberdade de expressão não é um direito absoluto, em situações-limite pode ser restringida para preservar outros valores fundamentais. Em nome da liberdade da expressão, são praticados crimes de ódio, crimes de estado, crimes de racismo, crimes contra a honra, entre outros.
A propósito, o sistema judiciário norte-americano possui as denominadas “gag-orders”, um ordem judicial de “silêncio” para impedir a divulgação de informações a terceiros. Usualmente, em matéria de liberdade de expressão e direitos humanos, o governo norte-americano utiliza duplo standard, isto é, quando quer faz a defesa de modo adequado da liberdade de expressão e direitos fundamentais, porém quando não quer não faz defesa destas liberdades fundamentais. Há questões morais do governo norte-americano quanto à inovação deste tipo de discurso, inclusive a utilização de atos governamentais e ações judiciais para intimidar adversários políticos. Outro ponto o ato do governo norte-americano não menciona que o ex-Presidente Jair Bolsonaro é réu em ação penal movida pelo Ministério Público Federal pelos seguintes crimes: tentativa de golpe de estado e organização criminosa armada, entre outros, com base na lei brasileira.[2] E para compreender os fatos históricos relacionados ao governo do ex-Presidente Jair Bolsonaro e sua estratégia de política de uso de redes sociais e o perfil antidemocrático há literatura sobre o tema.[3] O ato do governo norte-americano não menciona que há toda uma campanha nas redes sociais de intimidação, constrangimento e coação contra o Ministro Alexandre de Moraes, por grupos políticos aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o qual responde por tentativa de golpe de estado. O ato do governo norte-americano não considera que existem regras democráticas para eleições livres, abertas e transparentes no Brasil. Aliás, o Brasil não conta com colégio eleitoral como tem os Estados Unidos. O Brasil tem voto eletrônico, os Estados Unidos não têm.
O Brasil tem regras para impedir a participação de candidatos condenados pela Justiça Eleitoral. Os Estados Unidos basicamente com dois partidos políticos. O Brasil tem vários partidos políticos. A Constituição do Brasil é mais atual do que a Constituição dos Estados Unidos. Por outro lado, mencione-se o fato de disputa geopolítica e geopolítica, entre os países, reside nas infraestruturas de internet e aplicativos. As empresas norte-americanas, denominadas “Big Techs” dominam este setor de aplicativos de redes sociais e ganham imensas fortunas a partir destes negócios, bem detém a capacidade para ter o domínio da camada cognitiva da população. Há também a possibilidade de serem realizadas operações de influência, informação e psicológicas, pelos serviços de inteligência do governo norte-americano. Em 2013, a Agência de Segurança Nacional espionou o governo brasileiro, inclusive espionou a Petrobras e outras empresas. Por isto é fundamental que o Brasil adote novo marco regulatório mais adequado às “Big Techs”, em defesa dos interesses nacionais. Sobre estes temas, consultar: Scorsim, Ericson. Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China em tecnologias de 5G: impacto e Scorsim, Ericson. Geopolítica das comunicações, ambos disponíveis da Amazon, e publicados em 2022. A União Europeia, por exemplo, tem forte defesa de sua soberania digital e cibernética, com investimentos significativos em infraestrutura de comunicações. Também, a União Europeia possui legislação de defesa comercial e denominado anti-coerção para defender diante da ameaça econômicas de outros países. Além disto, há vícios de legitimidade do ato governamental quanto aos seus motivos. Em 6 de janeiro de 2021, houve nos Estados Unidos a invasão à sede do Congresso norte-americano por extremistas apoiadores do Presidente Donald Trump, os quais tentaram impediram a posse do então presidente eleito Joe Biden. Em 2025, novamente na presidência Trump decidiu realizar o perdão presidencial sobre 1500 (hum mil e quinhentas) pessoas acusadas da invasão do Congresso norte-americano. Logo, há falta de legitimidade e credibilidade do presidente norte-americano para buscar influenciar o julgamento do ex-Presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal em sua tentativa de resgate e reabilitação eleitoral para 2026. Em síntese, o governo norte-americano buscar impor sua vontade arbitrária sobre assuntos internos do Brasil, algo de interferência sobre a soberania brasileira, bem como influenciar o processo eleitoral no País! É um ato ilegítimo e condenável! Este ato presidencial é contrário aos interesses dos povo brasileiro e do povo norte-americano. O ato presidencial norte-americano é contrário aos Estados Unidos e ao Brasil, e aos valores democráticos de ambos os países.
[1] Leis de acesso a dados de estrangeiros, lei de vigilância de estrangeiros, entre outros.
[2] Ver lei sobre crimes contra Estado Democrático de Direito, Lei 14.197/2021.
[3] Scorsim, Ericson. Antiliderança tóxica na presidência do Brasil – 2018 – 2022, Amazon, 2022.
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