Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público, especializado no Direito das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor dos e-books: Jogo Geopolítico e as tecnologias de Comunicações 5G: Estados Unidos e China. Análise do Impacto no Brasil e os desafios, riscos e oportunidades, Amazon, 2022 e o Geopolítica das comunicações, Amazon, 2022.
O governo norte-americano divulgou Ordem Executiva, com fundamento de lei de controle de aplicativo por estrangeiros adversários, sobre as obrigações de desinvestimento por empresas chinesas no Tik ToK, uma rede social de propriedade da Bytedance, utilizada por 170 (cento e setenta) milhões de norte-americanos.
É um ato típico de interferência do governo norte-americano em empresa privada estrangeira, sob o fundamento de segurança nacional e proteção aos dados pessoais dos norte-americanos. Segundo o governo norte-americano, o aplicativo, controlado pela empresa chinesa, teria o acesso a milhões de dados pessoais de norte-americanos, inclusive poderia ser utilizado pela manipular conteúdos ideológicos e políticos nesta rede social. Por isto, a razão de segurança nacional para a intervenção na empresa controladora deste aplicativo.
O Tik Tok apresentou ação perante a Suprema Corte dos Estados Unidos alegou que a lei violaria a liberdade de expressão. No entanto, a Suprema Corte decidiu que não há violação à liberdade de expressão.
A Ordem Executiva do governo norte-americano aplicou a Lei de proteção americana contra aplicativos sociais controlados por estrangeiros adversários, sob o fundamento da proteção da segurança nacional.[1] Esta lei proíbe serviços de distribuição, manutenção, hospedagem e serviço de atualização destes aplicativos. A Bytedance, empresa chinesa controladora do Tik Tok é obrigada realizar o qualificado desinvestimento nas operações, no algoritmo e códigos-fontes, moderação de conteúdos, associados ao aplicativo.
Assim, o TikTok, no território norte-americano, será controlado por empresas norte-americanas, entre as quais a Oracle.
A referida lei atinge também empresas Apple e Google, os quais não podem disponibilizar o aplicativo Tik Tok, em suas lojas de aplicativos.
A questão abrange a transferência do código fonte do aplicativo, objeto de proteção à propriedade intelectual. A lei norte-americana e o governo norte-americano obrigam a transferência forçada da propriedade intelectual sobre o aplicativo da Bytedance para empresas norte-americanas, indicadas pelo governo.
É importante o contexto desta história. Estados Unidos e China disputam a liderança econômica e tecnológica global. Logo, as big techs e suas tecnologias estão no centro da disputa global entre os dois países. Há disputa geopolítica e geoeconômica entre Estados Unidos e China. Ou até mesmo entre Estados Unidos e União Europeia. Porém, a União Europeia não é um considerada uma adversária dos Estados Unidos, tal como é considerada a China. Como se sabe, os Estados Unidos estão adotando uma geoestratégia de desacoplamento de sua economia em relação à economia chinesa, com fechamento de sua economia aos chineses. Em relação aos demais países, está obrigando que os mesmos realizem investimentos em território norte-americano.
O caso é típico da estratégia de lawfare dos Estados Unidos na disputa global. Quando não tem competividade ou sequer uma empresa competitiva líder global em determinado setor, o governo norte-americano busca excluir o competidor estrangeiro. A lawfare está caracterizada pelo uso abusivo de leis e por atos governamentais no contexto da “guerra comercial” contra outros países.
Como se sabe, e a princípio, deve prevalecer o livre comércio entre os países, mesmo em caso de tecnologias. No entanto, o governo norte-americano decidiu por restringir o livre comércio e a competição, por razões de segurança nacional, impondo-se a transferência forçada da tecnologia e propriedade intelectual do Tik Tok, em território norte-americano.
Certamente, este precedente poderá servir como uma “inspiração” para que outros países possam adotar a mesma medida de controle de investimento estrangeiros em redes sociais e/ou aplicativos, sob o fundamento da segurança nacional e proteção de dados pessoais de seus cidadãos.
O livre comércio internacional está em revisão, com as políticas intervencionistas dos Estados Unidos. Por isto, a necessária análise de riscos geopolíticos e geoeconômicos dependendo de cada modelo de negócios.
Para além das questões econômicas há a questão política. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou que o Tik Tok contribuiu significativamente para sua última eleição, devido ao voto do eleitorado jovem. Disse, ainda, publicamente, que o novo algoritmo do Tik Tok poderia quem sabe favorecer sua base eleitoral ainda mais, com o direcionamento de conteúdos favoráveis, bem como a exclusão dos conteúdos desfavoráveis.
Enfim, há a questão política em torno do Tik Tok, de sua manipulação pelo governo norte-americano, em benefício do atual detentor do poder e seus aliados. Não há tecnologia neutra! Este tipo de precedente gera danos incalculáveis à democracia norte-americana! Servindo de mau exemplo para outros países!
Em síntese, a retórica do governo norte-americano é dupla; uma retórica para o consumo de seu público interno (o seu eleitorado e sua base eleitoral) e outra retórica para o público externo (demais países). Há a narrativa da liberdade de expressão e direitos de norte-americanos sendo ameaçada pelos outros países, tal como a grave acusação infundada contra membros do Supremo Tribunal Federal. Há uma “guerra de narrativas” adotada pelo governo norte-americano, fator de instabilidade nas relações de internacionais, para além de causar perdas para o povo norte-americano e o povo brasileiro, em questões de tarifas e acusações falsas.
[1] Ver: The Protecting Americans from Foreign Adversary Controlled Apllications Act.
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