A China aprovou a lei de contenção de sanções estrangeiras, denominada Anti-Foreign Sanctions Law. É a resposta à guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos. A China tem sido alvo de restrições no comércio exterior, especialmente com medidas de países em relação às exportações e importações chinesas. O governo norte-americano tem uma lista de restrições aplicáveis às empresas chinesas em diversos setores; há o controle quanto à exportação de tecnologias, especialmente quanto ao acesso aos microchips, componentes vitais de diversas indústrias: automobilística, telecomunicações, computação, entre outras.
O objetivo da política norte-americana controle de exportações de chips é manter o atual status quo de dependência da China destes insumos básicos. Sem o controle de exportações de chips, a China avançaria substancialmente em diversos mercados, ampliando-se suas vantagens na competividade internacional.[1] Conforme a lei chinesa, se qualquer país violar o direito internacional e os princípios básicos do direito internacional, conter ou suprimir interesses da China, justificando-se por diversos pretextos e suas próprias leis, e adota medidas discriminatórias e restritivas contra cidadãos chineses ou organização ou interfere nos assuntos internos da China, o governo chinês ficará legitimado para adotar contramedidas correspondentes. Os alvos das contramedidas da China podem pessoas ou organizações. As contramedidas podem ser: a recusa para outorgar e/ou invalidar vistos em passaportes, com o banimento da entrada na China e deportação, venda, apreensão ou congelamento de ativos móveis e/ou imóveis ou outros tipos de propriedade na China, proibição ou restrição de organizações ou pessoas dentro do território da China quanto à condução de transações, cooperação e/ou outras atividades, outras medidas adicionais.
As regras objetivam conter a aplicação injustificada da legislação estrangeira de modo extraterritorial (blocking rules). O Ministério de Comércio da China fica autorizado pela lei a impor ordens para não cumprir sanções extraterritoriais estrangeiras. Além disto, o Ministério do Comércio preparará a lista para o controle de exportações (Unreliable List). A partir desta legislação chinesa, há, evidentemente, riscos geopolíticos e geoeconômicos para países exportadores para a China. Se o País aplicar qualquer sanção unilateralmente que implique em lesão ao interesse da China, poderá sofrer retaliação em suas exportações. Como se nota, esta lei é uma espécie de autodefesa da China contra sanções unilaterais impostas por outros governos. É aplicação do seu poder geopolítico e geoeconômico contra ações hostis de outros países.
Por isto, é importante em suas análises de riscos que as empresas globais que atuam em diversos continentes avaliem os riscos geopolíticos e geoeconômicos desta nova lei chinesa, inclusive para avaliar os riscos de novas políticas públicas de governos que sejam hostis à China. Deste modo, há situações práticas que merecem atenção. Inicialmente, o governo brasileiro sinalizou no sentido do alinhamento ao governo dos Estados Unidos. O governo norte-americano fez inclusive pressão para que o governo brasileiro promovesse a exclusão da tecnologia de 5G da empresa chinesa Huawei. Ao que parece, no edital do leilão de 5G, em relação à rede comercial de telecomunicações móveis, não haverá esta restrição à participação da empresa chinesa. Há menção à eventual restrição à participação da empresa chinesa no fornecimento de tecnologia para a rede privativa de comunicação do governo federal.
Ora, é importante que o governo brasileiro e as empresas avaliem os riscos geopolíticos e geoeconômicos em suas relações com a China, especialmente diante da nova lei Anti-Foreign Sanctions Law. O Brasil é um dos principais parceiros comerciais da China, há exportação de soja, minérios, petróleo, entre outras commodities. Portanto, se houver algum tipo de ato hostil à China há riscos de aplicação de sanções pelo governo chinês, com a retaliação às exportações brasileiras. É um cálculo de risco geopolítico e geoeconômico a ser realizado, para a correta percepção das intenções, interesses, ações e ameaças envolvidas, dos governos, bem como a sua respectiva calibragem. Afinal, todo e qualquer modelo de negócios global está sob influência da geopolítica e geoeconomia, ainda mais no contexto da disputa pela liderança tecnológica entre Estados Unidos e China.
*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.
Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do Livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil, Amazon, 2020
[1] Ver: Khan, Saif e Flynn, Carrick. Maintaining China’s dependence on democracies for advanced computer chips. Global China. Assessing China’s Growing Role in the Wolrd. Editeb by Tarun Chhabra, Rush Doshi, Ryan Hass, Emillei Kimball, Washington, Brooking Institution Press, 2021, p. 193-208.