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Nova Lei dos Estados Unidos sobre competição estratégica com a China

21/06/2021

Os Estados Unidos aprovaram nova lei sobre competição estratégica com a China, denominada Strategic Competition Act of 2021. A lei norte-americana insere-se no contexto da disputa entre Estados Unidos e China pela liderança global econômica e tecnológica. Há tópicos relacionados ao desenvolvimento de infraestrutura global e o apoio norte-americano para a realização de financiamentos em outros países em obras de infraestrutura. Existe um capítulo destinado à tecnologia digital e conectividade. Um dos objetivos é garantir aos Estados Unidos a liderança na determinação dos parâmetros técnicos internacionais, relacionados às tecnologias de informação e comunicações. Há a referência aos acordos de comércio digital, como também de aliança para o comércio de tecnologia digital.

Outro ponto abordado na lei é a conectividade e as parcerias em segurança cibernética, de modo a garantir o acesso à internet e infraestruturas digitais em mercados emergentes. Quer-se assegurar a proteção de ativos digitais, bem como garantir a regulação da internet aberta, interoperacional, confiável e segura. Pretende-se a promoção da diversificação de tecnologia de informação e comunicações na cadeia de suprimentos, inclusive mediante a criação de um fundo público para garantir a tecnologia aberta. Para a contenção da influência da China e suas campanhas de desinformação, operações de influência e operações financeiras, serão utilizados os instrumentos da Foreign Assistance Act of 1961. Ademais, serão realizados investimentos em alianças e parcerias por meios diplomáticos na região do indo-pacífico para conter a influência chinesa. E mais, haverá parcerias entre a Agência de Tecnologia dentro do Departamento de Estado, com foco nas seguintes tecnologias: inteligência artificial e aprendizagem por máquina, redes de telecomunicações 5G e outras tecnologias de rede sem fio, fabricação de semicondutores, biotecnologia, computação quântica, tecnologias de vigilância, incluindo-se tecnologia de reconhecimento facial e software de censura, cabos de fibra ótica.

Pretende-se ainda a elaboração de tratados internacionais para o uso responsável das tecnologias emergentes. Haverá a coordenação com outros parceiros tecnológicos para a políticas de controle de exportações de tecnologia dual-use, seguindo-se o Wassenaar Arrangement On Export Controls for Conventional Arms and Dual-use Goods and Technologies. E, busca-se a criação de um fundo multilateral de segurança das telecomunicações. Há capítulo dedicado à liderança dos Estados Unidos na tecnologia do 5G, mediante a fixação de padrões internacionais de equipamentos, sistemas, software e redes virtuais por ações perante a União Internacional de Telecomunicações. Demanda-se o engajamento diplomático com parceiros e aliados para o compartilhamento de riscos de segurança à informação nas redes de telecomunicações 5G. Serão apresentadas as diferenças para parceiros e aliados na abordagem dos Estados Unidos em relação à China no tema do 5G. Requer-se ainda o engajamento com o setor privado dos provedores de serviços de informação e comunicações, com os desenvolvedores de equipamentos, academia, centros de pesquisa e desenvolvimento de padrões de segurança para equipamentos, redes e software de suporte as redes de tecnologia 5G.

Há, na mesma lei, questões militares em relação à contenção da influência da China na Ásia. Existem ainda a previsão de sanções econômicas em relação à China nas hipóteses de abusos contra direitos humanos. E, ainda, haverá o monitoramento de uma estação de observação espacial da China localizada na Argentina. Na lei obriga-se a apresentação pelos órgãos responsáveis a apresentação de relatórios sobre a indústria básica de tecnologia nacional, inclusive sobre exportações, re-exportações ou transferência de tecnologias. No tema do hemisfério Ocidental, há dispositivos sobre as relações Estados Unidos e Canadá, a fim de conter operações de influência chinesa sobre o Canadá. Além disto, deve-se promover o monitoramento dos investimentos chineses em infraestrutura e redes de telecomunicações 5G no Canadá que possam representar uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos e Canadá. Conforme a lei, os Estados Unidos devem compartilhar sinais de inteligência com o Canadá sobre as capacidades da empresa chinesa Huawei no 5G. Por outro lado, há parte específica sobre a América Latina.

Segundo a lei o Secretário de Estado juntamente com Secretário do Tesouro, o Secretário do Comércio, o Advogado Geral, o representante do comércio, o Chefe da Corporação Financeira Internacional deverão apresentar uma estratégia para os Estados Unidos para garantia da competividade econômica e promoção da boa governança, direitos humanos, a lei, na América Latina e países do Caribe, particularmente em áreas de investimentos e desenvolvimento sustentável, relações comerciais, atividades anti-corrupção e projetos de infraestrutura. Estes órgãos de estado deverão manter o acesso transparente à internet e as infraestruturas digitais no hemisfério ocidental. Os órgãos de inteligência deverão identificar os interesses estratégicos da China na América Latina, especialmente mediante o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização dos Estados Americanos e Banco de Desenvolvimento Inter-Americano. Além disto, deve-se fiscalizar os empréstimos realizados pela China aos países da América Latina e Caribe. Requer-se a promoção do engajamento com sociedade civil na América Latina e Caribe quanto aos riscos de tecnologia de vigilância fornecida pela China.

Esta lei, evidentemente, traz riscos geopolíticos para o Brasil na questão do 5G, especialmente o risco de utilização dos serviços de inteligência norte-americanos em relação à implantação do sistema de 5G em território brasileiro. Por isso, o Brasil, como ente soberano, deve iniciar tratativas para realizar acordo de não-espionagem com os Estados Unidos, como uma conditio sine qua non para a abertura do mercado brasileiro à atuação de empresas norte-americanas no setor de 5G.  No tema do 5G há desafios, riscos e oportunidades para o Brasil e empresas e usuários brasileiros.

É fundamental a preparação pelo Brasil de uma geoestratégia para o enfrentamento do tema, tão definidor dos rumos da economia brasileira e o ecossistema digital.

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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito do Estado, com foco no Direito da Comunicação, nas áreas de tecnologias, mídias, infraestruturas e telecomunicações. Doutor e Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto no Brasil, publicado na Amazon, 2021.

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.