Qualidade de vida está associada à qualidade ambiental. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento econômico trata do tema no estudo How’s life? 2020. Measuring well-being. Também, o estudo mostra que o bem estar subjetivo é um indicador da qualidade de vida. Por outro lado, pesquisas cientificas apontam para a perda da qualidade de vida e da saúde, por causa de ruídos e poluição ambiental sonora.[1] O princípio da sustentabilidade ambiental requer políticas de inovação em matéria de qualidade e eficiência acústica de produtos, isto é, para promover a ecoeficiência, ecoqualidade e ecosustentabilidade dos produtos e serviços. Este princípio proíbe a fabricação de produtos insustentáveis para o meio ambiente. Assim, é um mandado de otimização para a produção de máquinas, equipamentos e ferramentas ecoeficientes acusticamente. Um produto com potência de emissão de ruídos é um produto defeituoso, zero qualidade. Ora, um produto ecoeficiente, com ecoqualidade, acusticamente não deve produzir ruídos. Ruídos são resíduos tóxicos de máquinas, equipamentos e ferramentas poluidor ambiental. Ruídos são nocivos à vida e saúde humana, à saúde ambiental, à saúde ocupacional, à saúde mental e saúde emocional. Segundo a Organização Mundial da Saúde, ruídos acima de 50 dB (cinquenta) decibéis causam danos à saúde. Por isto, a norma de proteção à saúde deve ser respeitada para a fabricação de equipamentos, máquinas e ferramentas.
A falta de qualidade acústica de equipamentos, máquinas e ferramentas é causar de grave lesão aos direitos fundamentais à vida, à qualidade de vida, à saúde, ao bem estar, ao sossego, ao descanso, à privacidade, à vida privada, à inviolabilidade domiciliar acústica, ao trabalho, à cultura da quietude, entre outros. Por isto, as empresas estão vinculadas ao regime dos direitos fundamentais, como determina o Decreto n. 9.571, de 2018. Assim, a produção de equipamentos acima de 50 dB (cinquenta) cinquenta decibéis deve ser considerada uma prática contrária à norma de proteção à saúde. Além disto, há a questão da proteção da saúde de grupos especiais como pessoas portadoras de neurodiversidade cognitiva e auditiva. Por exemplo, pessoas com transtorno do espectro autista são hipersensíveis auditivamente. Idosos também são mais sensíveis aos ruídos e mais prejudicado em sua audição devido ao barulho. Também, considerando-se o direito ambiental, há os princípios da prevenção do dano ambiental, precaução do dano ambiental, proibição do retrocesso ambiental, dever de progressividade ambiental. Por isto, estes princípios ambientais demanda o respeito à qualidade ambiental acústica.
Ora, ruídos não são naturais, é o resíduo de produtos artificiais. São uma anomalia mecânica, derivada da ineficiência acústica. O ambiente natural é, normalmente, de quietude, aproximadamente entre 30 dB (trinta decibéis) a 40 (quarenta decibéis). A Logo, ruídos superiores a estes padrões naturais são considerados contrários ao meio ambiente natural. E considerando-se a proteção à saúde e bem estar animal são necessárias medidas protetivas de controle da poluição ambiental sonora. O Conselho Nacional do Meio Ambiente tem as normas ambientais sobre os limites aos ruídos.
A Resolução CONAMA nº 1, de 1990, dispõe o seguinte: “I – a emissão de ruídos, em decorrência de qualquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda política, obedecerá, no interesse da saúde, do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes nesta Resolução, II – são prejudiciais à saúde e ao sossego público, para os fins do item anterior aos ruídos com níveis superiores aos considerados aceitáveis pela norma NBR 10.152 – Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas, visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. III – Na execução dos projetos de construção ou de reformas de edificações para atividades heterogêneas, o nível de som produzido por uma delas não poderá ultrapassar os níveis estabelecidos pela NBR 10.152 – Avaliação do Ruído em Áreas habitadas visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT; IV – A emissão de ruídos produzidos por veículos automotores e os produzidos no interior dos ambientes de trabalho, obedecerão às normas expedidas, respectivamente, pelo Conselho nacional de trânsito – CONTRAN e pelo órgão competente do Ministério do Trabalho. V As entidades e órgãos públicos (federais, estaduais e municipais) competentes, no uso do respectivo poder de polícia, disporão de acordo com o estabelecido nesta Resolução, sobre a emissão ou proibição da emissão de ruídos produzidos por qualquer meios ou de qualquer espécie, considerando sempre o local, horários e a natureza das atividades emissoras, com vistas a compatibilizar o exercício das atividades com a preservação da saúde e do sossego público, VI – para os efeitos desta Resolução, as medidas deverão ser efetuadas de acordo com a NBR 10.151 – Avaliação do Ruído em áreas habitadas visando o conforto da comunidade, da ABNT; VII – Todas as normas reguladoras da poluição sonora, emitidas a partir da presente data, deverão ser compatibilizadas com a presente Resolução”. Também, a Resolução CONAMA n. 022, de 8 de março de 1990, institui o Programa Nacional de Educação e Controle da Poluição Sonora – “Silêncio”. Quanto às normas técnicas de conforto e bem estar acústico, a Associação Brasileira de Normas Técnicas recomenda alguns limites. E seguindo-se a norma técnica da ABNT – NBR 10.151/2019 para conforto acústico em áreas habitadas o limite de nível de pressão sonora para área estritamente residencial é 50 dB (cinquenta) decibéis para período diurno e 45 (quarenta e cinco) decibéis para período noturno. Segundo a norma da ABNT, esses limites em ambientes residenciais são:
- Dormitórios, 35 dB;
- Sala de estar, 40 dB;
- Sala de cinema em casa (home theaters), 50 dB;
- Cozinhas e lavanderias, 50 dB (Valores de referência RLAeq).
Nos ambientes comerciais:
- Escritórios privativos (gerência, diretoria etc), 40 dB;
- Escritórios coletivos (open plan), 45 dB;
- Sala de reunião, 35 dB (Valores de referência RLAeq).
Nenhum dos limites da ABNT ultrapassa os 50 dB (cinquenta decibéis) recomendados como limite definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Por outro lado, segundo o Código de Defesa do Consumidor: “Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar algo grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança”. E prossegue o Código de Defesa do Consumidor: “Art. 10. (…) §1º O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente, à sua introdução no mercado de consumo, tiver, conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidos, mediante anúncios publicitários”. Prossegue o CDC: “Art. 10. (…) §2º Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviços”. Por fim, o CDC dispõe: (Art. 10 (…) §3. Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informa-los a respeito”. Estas regras são para o recolhimento do produto considerado nocivo ou perigoso à saúde e segurança.[2] Outro aspecto que estes produtos com defeituoso design acústico causam danos ao ambiente urbano na medida que geram ruídos e degradação ambiental.
A lei sobre política de educação para o consumo sustentável, Lei 13.186/2015, dispõe, em seu art. 2º, que são objetivos; “I – incentivar mudanças de atitude dos consumidores na escolha de produtos que sejam produzidos com base em processos ecologicamente sustentáveis, (…) V – estimular as empresas a incorporarem as dimensões social, cultural e ambiental no processo de produção e gestão, (…) VIII – zelar pelo direito à informação e pelo fomento à rotulagem ambiental; (…) IX – incentivar a certificação ambiental. Para atendimento aos objetivos da política de educação para o consumo sustentável, a lei em seu art. 3º dispõe o poder público em âmbito federal, estadual e municipal deverá: “I – promover campanhas em prol do consumo sustentável, em espaço nobre dos meios de comunicação de massa: II – capacitar os profissionais da área de educação para inclusão do consumo sustentável nos programas de educação ambiental do ensino médio e fundamental. Por outro lado, a Lei sobre educação ambiental, Lei 9.796, de 27 de abril de 1999, dispõe:
“entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o individuo e coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à qualidade de vida e sua sustentabilidade”.
Também, a Lei dispõe: “Art. 3. Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental, incumbindo: I – Ao poder público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas que incorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente; (…) III – aos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, promover ações de educação ambiental integradas aos programas de conversação, recuperação e melhoria do meio ambiente; IV – aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em sua programação; V – à empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e controle efetivo sobre o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões do processo produtivo no meio ambiente; V – à sociedade como um todo, manter a atenção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, identificação e a solução e problemas ambientais”.
E sobre a educação ambiental não-formal a Lei dispõe o seguinte: “Art. 13. Entendem-se por educação ambiental não formal as ações e prática educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do ambiente”. A lei trata da campanha junho verde a ser promovida pelo poder público para os seguintes objetivos: divulgação da legislação ambiental brasileira e dos princípios ecológicos que a regem, debate sobre transição ecológica das cadeias produtivas, economia de baixo carbono e carbono neutro, inovação ambiental por meio de projetos educacionais relacionados ao potencial da biodiversidade do País, debate sobre as mudanças climáticas e seu impacto nas cidades e no meio rural, com a participação dos poderes legislativos estaduais, distrital e municipais, estímulo à formação da consciência ecológica cidadã a respeito de temas ambientais candentes, em uma perspectiva transdisciplinar e social transformadora, pautada pela ética intergeracional, debate, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, sobre ecologia, conservação ambiental e cadeias produtivas, divulgação e disponibilização de estudos científicos e de soluções tecnológicas adequadas às políticas publicas de proteção ao meio ambiente, debate, divulgação, sensibilização e práticas educativas atinentes às relações entre a degradação ambiental e o surgimento de endemias, epidemias e pandemias, bem como à necessidade de conservação adequada do meio ambiente para a prevenção delas; e conscientização relativa a uso racional da água, escassez hídrica, acesso a água potável e tecnologias disponíveis para a melhoria de eficiência hídrica.
Na campanha de junho verde observado o conceito de ecologia integral, que inclui dimensões humanas e sociais dos desafios ambientais. Por outro lado, há NORMAS EDUCACIONAIS a serem seguidas. Compreender que é falta de educação gerar ruídos para os outros, é um ato de desrespeito, pois o ruído é um agente invasor do espaço corporal de outras pessoas. Também, há NORMAS ÉTICAS AMBIENTAIS, a serem seguidas no comportamento social. Não é admissível causar a degradação ambiental a outrem. E, além disto, há NORMAS SOCIAIS que regulamentam o uso e compartilhamento do espaço comum, e espaço pessoal e privativo de cada um. Por isto, há normas de privacidade, segurança, garantia de integridade física e psicológica.
Ademais, há NORMAS CULTURAIS que protegem o direito à quietude e tranquilidade no ambiente urbano, ambiente residencial e ambiente de trabalho, livre de ruídos. O princípio da eficiência acústica está embasado em boas práticas de gestão de qualidade total ambiental.[3] Também, em princípios de sustentabilidade ambiental. Atualmente, há práticas de extensão da responsabilidade do produtor, por causa da produção de resíduos e sustentabilidade ambiental.[4] Assim, são fundamentais práticas de responsabilidade ambiental sobre o produto, com potência de emissão acústica. Em síntese, somente termos cidades inteligentes, saudáveis e sustentáveis se tivermos melhores padrões de qualidade ambiental acústica e de eficiência acústica de equipamentos, máquinas, ferramentas, produtos, serviços e veículos. A partir das considerações acima expostas, algumas propostas. O Conselho Nacional do Meio Ambiente deve adotar normas ambientais mais precisas e exatas quanto ao padrão de qualidade ambiental acústico e de saúde ambiental. Também, deve adotar um sistema de monitoramento da qualidade do ar em sua dimensão acústica, nos moldes da Resolução Conama n. 491, de 2018 que trata da qualidade do ar. Igualmente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente deve seguir os padrões da Organização Mundial da Saúde que consideram que ruídos acima de 50 (cinquenta) decibéis são considerados danosos à saúde. Outro ponto é o CONAMA apoiar e difundir inovações tecnológicas voltadas à promoção da eficiência acústica. E também promover a sustentabilidade ambiental acústica para programas de cidades inteligentes, saudáveis e sustentáveis. Também, deve adotar campanhas de educação ambiental acústica para alertar a população a respeito dos riscos decorrentes dos ruídos ambientais.
Por outro lado, a Associação Brasileira de Normas Técnicas deve adotar padrões de qualidade e eficiência acústica para máquinas, equipamentos, ferramentas e serviços. E democratizar o acesso às normas técnicas, bem como popularizar os padrões de eficiência acústica perante a população. Enfim, é urgente a inserção do tema do princípio da eficiência acústica, educação ambiental sonora e sustentabilidade ambiental sonora na pauta dos órgãos responsáveis pela regulamentação ambiental e das normas técnicas correlatas.
Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Público. Doutor em Direito pela USP. Fundador da Associação Civil Monitor Ambiental Antirruídos. Autor dos ebooks: Movimento antirruídos para cidades inteligentes, saudáveis e sustentáveis (2022) e Condomínios inteligentes, saudáveis e sustentáveis (2023), edição autoral, Amazon.
Crédito de imagem: Google
[1] European Comission, Assessment of potential health benefits of noise abatement measures in the EU, march 2021. Ver também: Burden of diase from environmental noise. Quantification of healthy life year lost in Europe.
[2] Sobre o tema, ver: Brito, Dante Ponte de e Lages, Leandro Cardoso. A responsabilidade civil em casos de recall automotivo e a possibilidade de apreensão do bem, pps. 157-171. In. Filho, Carlos Edison do Rego e outros (coordenadores). Responsabilidade civil nas relações de consumo. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2022. A ANVISA tem normas sobre o procedimento de recolhimento de produtos nocivos e perigosos à saúde.