Curitiba se quiser ser uma cidade inteligente, saudável e sustentável precisa se adaptar à diretrizes da Organização das Nações Unidas sobre o Direito ao Ambiente Limpo, Saudável e Sustentável, estabelecido na Resolução n. 76, de julho de 2022.
A partir desta norma precisamos repensar o urbanismo ambiental, para a saúde urbana e saúde ambiental das cidades e a promoção da sustentabilidade ambiental acústica. O nível de ruídos ambientais em Curitiba causa a degradação da qualidade de vida e qualidade ambiental. Há o impacto dos ruídos ambientais sobre o bem estar público e a saúde pública. Ora, ruídos são como lixo jogado nas ruas e para dentro das residências. No entanto, sobre os ruídos não há o tratamento rigoroso do que aquele conferido ao lixo. Ruídos devem ser tratados, devido à incomodidade e sujidade, como os serviços de limpeza pública realizados nas cidades. Se há sujeira acústica, então, deve haver um serviço de “limpeza” acústica do ambiente. Ruídos representam a toxicidade e periculosidade ambiental. A Lei local sobre o tema (Lei n. 10.625/2002) consagra um status quo tóxico e insustentável, ao legitimar padrões elevados de ruídos urbanos.
De fato, a Lei 10.625/2002, a pretexto de disciplinar os ruídos urbanos, a proteção do bem estar e sossego público, estabelece um zoneamento acústico com padrões de ruídos elevados e contrários ao bem estar público e à saúde pública. Na média, são permitidos ruídos acima de 60 (sessenta) decibéis, algo absurdo e contrário aos direitos fundamentais. Ora, segundo a Organização Mundial da Saúde, ruídos acima de 50 (cinquenta) decibéis causam danos à saúde. Portanto, a lei local oferece uma proteção deficiente aos direitos fundamentais à qualidade de vida, bem estar, trabalho, sossego e meio ambiente. Ao invés de a lei local oferecer a máxima proteção aos direitos fundamentais, ela oferece uma proteção deficiente. É uma lei em trânsito para sua inconstitucionalidade. Por isto, a necessidade de nova legislação sobre o tema. Ora, o zoneamento ambiental acústico de uma cidade, no século 21, com todas as inovações tecnológicas disponíveis, deve ser estruturado para garantir o princípio da eficiência acústica de equipamentos, serviços, obras, ferramentas e veículos. Não é mais admissível permitir a emissão de ruídos acima dos limites estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde.
A propósito, a União Europeia tem diversos projetos interessantes para a redução do impacto dos ruídos urbanos. Na Itália, a cidade de Monza implantou uma área de baixa emissão acústica, para reduzir o impacto dos ruídos do trânsito. Na Suíça, Zurique adotou áreas de velocidade limitada para a redução dos ruídos do trânsito. Madrid e Florença adotaram novos padrões de asfalto para a redução dos ruídos do trânsito. A União Europeia tem projetos da redução dos ruídos do transporte aéreo sobre as cidades, como é caso de aviões e helicópteros. Segundo recomendações da Organização Mundial da Saúde o nível de ruído no período noturno deve ser o seguinte: trânsito (53 db, cinquenta e três decibéis, no final tarde, e 45 db durante a noite), ferrovias (54 dB, cinquenta e quatro decibéis, até final da tarde e 44 dB durante a noite), aeronaves (45 db – quarenta cinco decibéis, até final da tarde e 40 db – quarenta decibéis durante a noite) e turbinas de vento (45 dB).[1] Percebo que as inovações tecnológicas podem contribuir para o novo design do zoneamento ambiental acústico da cidade. Tecnologias de 5G, sensores de internet das coisas, inteligência artificial, machine learning, mapas acústicos 3D, aplicativos de fiscalização ambiental acústica contribuirão para a qualidade ambiental sonora, evitando-se a degradação ambiental e garantindo a paisagem acústica com qualidade. Por isto, o novo urbanismo há de repensado a partir da qualidade ambiental e a proteção à saúde mental, à neurodiversidade cognitiva e auditiva na cidade e o direito ao ambiente limpo, saudável e sustentável, livre dos ruídos ambientais. Assim, a definição de áreas residências de reduzida emissão acústica (low emission zone) é um dos pontos principais.
Aqui, o nível de emissão acústica deve ser abaixo, no mínimo daquele recomendado pela Organização Mundial da Saúde (50 decibeis). Há uma razão mais para a definição de áreas de emissão reduzida de ruídos. Ruídos ambientais atrapalham a segurança pública. Há sistema de detecção de riscos à segurança pública, mediante videomonitoramento ambiental, softwares de detecção de ruídos de disparos de arma de fogo. Como estas máquinas funcionarão em um ambiente ruidoso? Por isto, em áreas estratégicas da cidade, para a segurança e bem estar dos moradores, deve haver um controle mais rigoroso da emissão acústica de equipamentos, ferramentas, serviços, entre outros. Por exemplo, serviços de perfuração de poços artesianos utilizam maquinário que utiliza muita pressão hidráulica. Máquinas em determinados momentos disparam ruídos como sons semelhantes a disparo de tiros. Como diferenciar esta situação? Quem está próximo ao local da obra e vê os equipamentos consegue identificar a fonte de ruídos, mas que estiver distante poderá ficar assustando pensando que é disparo de armas de fogo. Mas, podemos e devemos ambicionar mais: por que não tem a expectativa de áreas residenciais com zero emissão ruídos? Também, incentivos à mobilidade elétrica contribuirão significativamente a redução da poluição acústica do trânsito.
É algo com as inovações tecnológicas factível e possível. É necessário a conscientização, sensibilização e engajamento dos cidadãos para que esta expectativa seja torne realidade, cobrando a indústria comportamento mais responsável, exigindo do governo local medidas mais efetivas e pondo pressão sobre os poluidores acústicos. Vejamos o caso das medidas para a contenção das medidas climáticas. Quem iria imaginar que a maioria dos países adotaria o princípio da eficiência energética e a meta zero emissão carbono, com a transição da matriz energética? Pois isto, isto será possível, com metodologia adequada no design das metas e na execução das políticas. A nova lei deverá exigir relatórios mensais do impacto dos ruídos ambientais sobre a cidade, classificando-se os riscos derivados dos ruídos ambientais. Por isto, advogo pelo princípio da eficiência acústica como eixo norteador da política ambiental sonora na cidade, na nova legislação. Curitiba somente será inteligente, sustentável e saudável se tiver o controle da poluição sonora, a proteção à paisagem ambiental acústica natural e campanhas de educação ambiental acústica. As inovações tecnológicas podem contribuir e muito para a sustentabilidade ambiental acústica da cidade.
Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito do Estado. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Movimentos Antirruídos para cidades inteligentes, sustentáveis e saudáveis. Fundador do site: https://antirruidos.wordpress.com/
[1] UM Enviroment programme. Noise, Blazes and Mismatches. Emerging issues of Enviroment Concern. Frontiers, 2022.