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Por uma nova Lei Antirruídos em Curitiba. Direito ao ambiente limpo, sustentável e saudável

19/09/2022

I Apresentação

Se Curitiba quiser se tornar uma cidade inteligente, saudável e sustentável precisa avançar em sua legislação de contenção de ruídos.  Dalton Trevisan, na década de 80, em um conto alertava para os problemas de ruídos na cidade. O autor perguntava: “Senhor Prefeito, onde anda o fiscal do meio ambiente? Cadê o guardião do nosso silêncio? Quem viu o medidor de decibéis? Impunes, os bárbaros da estridência invadiram e ocuparam a cidade”. (…) E continua o autor: “Da poluição visual você ainda se defende, basta que não olhe. Contra a pichação sonora nada pode. Quem sabe maldizer e boicotar os seus responsáveis, simplesmente deles não comprando?   Curitiba foi entregue ao saque dos inimigos públicos do sossego. Pelo que cabe a pergunta no deserto. Onde anda o fiscal do meio ambiente? Cadê o guardião da nossa paz? Quem viu por aí o medidor de decibéis?”[1]

Aproveitando-se das lições do autor, a poluição sonora é um problema crônico na cidade que se repete e se agrava ano a ano. Há o aumento de construções de edifícios nos bairros, mais automóveis, motocicletas e ônibus transitando nos bairros. Há o aumento de obras em condomínios. Há a multiplicação dos fatores estressores ambientais como os ruídos.[2]  Há a perda da sensibilidade ao local, à singularidade do local e à cultura local como é o caso da quietude originária de um bairro eminentemente residencial. Há um estado de alienação quanto ao statos quo tóxico dos ruídos urbanos. Ora, as cidades devem servir às pessoas e não serem simplesmente dominada por máquinas barulhentas.[3]  E ainda há grupos de pessoas neurodivergentes ou neuroatípicos, isto é, com capacidades especiais com alta sensibilidade ambiental e aos ruídos.[4] Por isto, a política ambiental deve estar adequada às demandas da população com neurodiversidade.[5]  Espaços públicos e privados têm que se adequar, na medida do possível, à neurodiversidade humana. A Prefeitura tornou-se insensível ao local, à qualidade ambiental dos bairros.  Ruídos atingem o ambiente residencial, ambiente de trabalho, ambiente urbano (espaço público das ruas), ambientes de tratamento à saúde, ambientes de ensino,  entre outros. Ora, o ambiente residencial é o habitat da vida, do cuidado à saúde, ao bem estar, é o local de trabalho, é o espaço vital das pessoas, é o refúgio familiar.  Em regime de pandemia e pós-pandemia, o lar tornou-se o espaço para o trabalho (home office), tratamento à saúde (home care) e educação (home schooling). Há grupos de cidadãos com hipersensibilidade aos ruídos como é o caso dos autistas.[6] Os autistas têm hipersensibilidade aos ruídos, os ruídos representam uma sobrecarga sensorial acústica aos autistas.

É necessário termos infraestruturas urbanas inteligentes, sustentáveis e saudáveis antirruídos.  Ruídos são como lixo jogado nas ruas. No entanto, os ruídos não têm o mesmo tratamento preventivo e repressivo do que o lixo! Ruídos aumentam exponencialmente a carga sensorial e cognitiva das pessoas na cidade.  Ruídos geram uma energia negativa na atmosfera urbana, há o aumento da pressão acústica nas cidades. Ruídos, portanto, consumem energia mental e causam o esgotamento mental.  Ano a ano, aumentam as fontes de poluição sonora, as quais são fatores estressores ambientais. Há uma overdose de ruídos.  Ruídos têm o mesmo efeito do que as drogas, por isto a pessoa se vicia em ruídos, pois a pessoa não suporta o silêncio interior e exterior.[7] Por isto, há a dimensão toxicológica dos ruídos, os quais criam a dependência psíquica e química.  Segundo o Cardeal Robert Sarah e Nicolas Diat, em sua obra A força do silêncio contra a ditadura do ruído: “Sem barulho, o homem fica inquieto, febril e perdido. O barulho o tranquiliza como uma droga da qual se se torna dependente. Com sua aparência festiva, o ruído é um turbilhão que evita olhar de frente. A agitação se torna um calmante, sedativo, uma dose de morfina, uma forma de sonho, de estado onírico sem consistência. Mas, esse ruído é um medicamento perigoso e ilusório, uma mentira diabólica que proíbe o confronto com o vazio interior. O despertar pode ser brutal”.[8] Há graus diferentes de suportabilidade aos ruídos, para pessoas extrovertidas há maior grau de tolerância, para os introvertidos os ruídos são mais insuportáveis. E ainda para as pessoas altamente sensíveis os ruídos são uma maldição.  A produção de ruídos representa a subcultura da insanidade, algo doentio, pois os ruídos causam a autodestruição, inclusive da saúde auditiva de quem faz barulho e das pessoas próximas à fonte de ruídos.  

II. Análise da Lei de Curitiba que garante o “direito” à poluição acústica

A lei local de 2002, ao garantir o “direito” à poluição acústica,  é um atraso cultural, não estando ajustada à proteção do bem estar e saúde pública na cidade.[9]  Os norte-americanos denominado este desajuste de cultural lag, isto é, quando uma cultura está atrasada em relação à sociedade. No caso, temos o atraso deste subcultura tóxica dos ruídos e das máquinas fruto de uma tecnologia mecânica atrasada. Por isto, é necessário avançar para termos culturas saudáveis com tecnologias limpas e ecoeficientes com o compromisso com o princípio da eficiência acústica. Precisamos superar o atual status tóxico e barulhento em Curitiba para uma cultura saudável e sustentável e de bem estar com a contenção dos ruídos.  Ruídos são injustos, imorais, ilegais e insanos e perversos! Necessitamos de uma cultura de regeneração da qualidade ambiental da cidade, substituindo-se a degradação ambiental acústica pela saúde ambiental da paisagem sonora.  Precisamos de uma cultura restaurativa da qualidade ambiental sonora, com a punição dos comportamentos insustentáveis.  Novamente, aqui, segundo o cardeal Robert Sarah e Nicolas Diat, em sua obra A força do silêncio contra a ditadura do ruído: “As cidades tornaram-se infernos barulhentos, onde nem mesmo a noite é poupada das agressões sonoras”.[10] Curitiba tem a Lei nº 10.625, de 2002, a qual trata dos ruídos urbanos, proteção ao bem estar e sossego público.  Esta lei hipocritamente, ao invés  de proteger os direitos dos cidadãos ao ambiente limpo, saudável e sustentável, garante os poluidores acústicos o “direito” de poluir na cidade. É uma ironia e hipocrisia legislativa!

Esta escolha legislativa é incompatível com os direitos fundamentais constitucionais à qualidade de vida, saúde, bem estar, descanso e ao meio ambiente.  Esta lei está desatualizada diante da realidade dos ruídos urbanos, os quais demandam ações mais efetivas do poder municipal local. Conforme esta Lei: “Art. 1º. É proibido perturbar o sossego e bem estar público com sons, ruídos e vibrações que causem incômodo de qualquer natureza ou que ultrapassem os limites fixados nesta lei”. Segundo o parágrafo único do art. 1º: “As vibrações serão consideradas prejudiciais quando ocasionarem ou puderem ocasionar danos materiais, à saúde ao bem estar público. Acontece que no Anexo I, ao tratar dos níveis de pressão sonora máximos, no contexto do zoneamento acústico, permite níveis de ruídos entre 55 (cinquenta decibéis) em áreas residenciais, durante o período diurno. No Anexo II, os níveis de pressão sonora máximo para serviços de construção civil é permitido noventa (90) decibéis. Esta lei é mais favorável à manutenção de um status quo do barulho na cidade, ao invés de efetivamente proteger os direitos fundamentais à qualidade de vida, à saúde, ao bem estar, ao descanso, ao meio ambiente, entre outros. Para se ter uma noção do impacto dos ruídos e a propagação das ondas sonoras, o urbanista Jan Gehl em sua obra Cidades para Pessoas explica: “Um nível de ruído de fundo de 60 decibéis (db) é considerado o limite superior para uma conversa normal, variada, mantendo-se uma distância normal. A cada aumento de 8 db (oito decibéis) tem-se a sensação de que o nível do ruído dobrou. Em outras palavras, o ouvido humano percebe 68 db como duas vezes mais alto do que 60 db, e 76 db é percebido como sendo 4 vezes o nível de 60 db”.[11]  A lei de Curitiba, ao invés de proteger os direitos fundamentais, mantêm um padrão de ineficiência tecnológica, na medida que ruídos são uma anomalia mecânica e tóxica ao meio ambiente natural e meio ambiente humano. A lei desvia-se de sua finalidade, a qual seria a máxima proteção ao bem estar, sossego público e saúde pública. A lei legitima a poluição ambiental acústica! É uma lei pro-ruído, ironicamente, denominada  para proteção ao bem estar e ao sossego público!  É uma lei de propagação do mal estar e das agressões à saúde. É uma lei mais fruto do lobby da indústria do que propriamente em defesa da cidadania. É uma lei que garante ao poluidor o “direito” de poluir a cidade! A lei é, portanto, flagrantemente, inconstitucional!  Curitiba é atingida por diversas fontes de ruídos, sem nenhum controle. São equipamentos de jardinagem utilizados em condomínios: podadeiras, sopradores, roçadeiras, cortadores de grama, entre outros). Estes equipamentos produzem ruídos superiores a 70 (setenta decibéis). Por isto, mesmo deveriam ser proibidos pelo poder público municipal por representarem danos à saúde pública e ao bem estar. E, ainda, estas máquinas são resultantes da tecnologia das motosserras, tecnologia esta concebida para áreas rurais e não evidentemente para áreas urbanas.  A título ilustrativo, Curitiba tem uma lei sobre a proibição de fogos de artifício ruidosos, é a Lei n. 15.585/2019.[12]  Recentemente, houve modificação na Lei nº. 10.625/2002 para incluir os alarmes sonora como fontes de poluição sonora.  Esta proibição legal deveria ser aplicada aos equipamentos de jardinagem barulhentos. Condomínios residenciais realizam obras de reparos e conservação sem nenhuma medida para a contenção dos ruídos.  Condomínios contratam serviços de baixa qualidade, sem nenhum procedimento de qualidade ambiental dos serviços.  São ruídos causados por furadeiras, serrilhas, martelos, entre outros equipamentos. Estes equipamentos barulhentos deveriam ser proibidos, por atentarem contra a saúde pública e bem estar público. Diversos condomínios fazem obras ao mesmo tempo, o que impacta o bem estar da vizinhança. A lei deveria incentivar práticas de autorregulamentação ambiental acústica pelos condomínios, regras de governança e compliance ambiental sonora.  O poder público deveria incentivar a autorregulação da sustentabilidade ambiental acústica dos condomínios, promovendo-se a educação ambiental acústica.  Outro ponto são os ruídos causados por obras de construção de edifícios. Estes serviços são de péssima qualidade, ao adotarem padrões de ineficiência acústica. A lei, ao invés de banir os ruídos, legitima o padrão de emissão acústica em 90 (noventa) decibéis, limite superior ao limite recomendado pela Organização Mundial de Saúde  de 50 (cinquenta) decibéis. Há os ruídos de motocicletas que não são devidamente fiscalizadas.  Motocicletas esportivas que não deveriam circular em áreas residenciais, devido à poluição acústica que causam, transitam livremente nos bairros.

Algumas destas motocicletas esportivas poderiam apenas circular em estradas ou pistas fechadas. Motociclistas com motocicletas barulhentas são poluidores acústicos!  Eles têm comportamento antissocial e antiambiental! E há ainda os ruídos do sistema de transporte coletivo de passageiros, os quais perturbam a saúde pública, o conforto dos passageiros e dos motoristas e vizinhança por onde transitam os ônibus.  Curitiba, reconhecida pela qualidade de seu transporte coletivo de passageiro, deveria dar um passo adiante e buscar a qualidade acústica do sistema de transporte coletivo. Por isto, a adoção de ônibus elétricos será um ponto de transformação da qualidade do transporte coletivo, buscando-se a eficiência energética e acústica! Helicópteros perturbam a tranquilidade do ambiente residencial nos bairros.[13]  Por isto, também, a Prefeitura deve estabelecer e atualizar o zoneamento acústico de modo a conter a poluição acústica de helicópteros sobre áreas estritamente residenciais.  Se houver uma política ambiental para aceleração da mobilidade elétrica, isto é, os incentivos aos veículos elétricos haverá a redução dos ruídos, pois os veículos elétricos são mais silenciosos dos que os veículos com motores à combustão. Também, a Prefeitura deveria dar o exemplo ao banir de seus serviços de limpeza e jardinagem equipamentos barulhentos. A lei da política ambiental da cidade (Lei n. 15.511/2019) têm mais normas sobre a proteção animal do que propriamente sobre o controle da poluição sonora.  É preciso, urgentemente,  mudar a lei de Curitiba para ampliar a proteção ao regime de direitos fundamentais (qualidade de vida, bem estar, saúde, cultura da quietude urbana, meio ambiente, entre outros), diante dos ruídos urbanos. Ainda mais, Curitiba precisa se adequar à normativa internacional ambiental.  Desde modo, Curitiba deve estar sintonizada às melhores práticas de governança, compliance e sustentabilidade ambiental acústica. É fundamental a inovação tecnológica e inovação legal para incorporar estas melhores práticas antirruídos. A Organização das Nações Unidas adotou nova Resolução n. 76/2022, aprovada em julho,  sobre o direito ao ambiente limpo, saudável e sustentável. Em razão desta normativa, há o direito dos cidadãos às cidades limpas, saudáveis e sustentáveis sem poluição sonora.

Outras metas da Organização das Nações Unidas, as quais a cidade de Curitiba pode se alinhar na temática antirruídos:  saúde e bem estar (meta 3), educação de qualidade (meta 2), indústria, inovação e infraestrutura (meta 9),  cidades e comunidades sustentáveis (meta 11), consumo e produção responsáveis (meta 12), parcerias e meios de implementação (meta 17). Precisamos atualizar a legislação brasileira antirruídos (não só a de Curitiba), para mitigar, eliminar e substituir os ruídos de máquinas e tecnologias ineficientes acusticamente. Necessitamos consagrar na legislação brasileira o princípio da eficiência acústica, como eixo norteador da política ambiental para o combate da poluição sonora nas cidades.  Necessitamos urgentemente de políticas ambientais para termos metas de “zero” ruídos, aproveitando-se das oportunidades tecnológicas de 5G, IOT, inteligência artificial, entre outros.  Precisamos de uma política robusta para restaurar o ambiente natural de quietude residencial. Ruídos causam a degradação ambiental,  por isso a necessidade de medidas para a regeneração ambiental urbana, bem como a punição efetiva dos poluidores acústicos, para dissuadir seu comportamento poluidor.  Para além do caso de Curitiba,  a quase totalidade das leis brasileiras estão desatualizadas e não protegem adequadamente os direitos fundamentais à qualidade de vida, à saúde, ao bem estar, ao descanso, ao trabalho, ao meio ambiente. Ruídos acima de 50 (cinquenta) decibéis causam danos à saúde. E não só à saúde auditiva! É o que diz a Organização Mundial da Saúde e médicos especializados no tema. Ruídos impactam o sistema nervoso, cardiovascular, endócrino, digestivo, dente outros.[14] Além disto, para além dos danos à saúde, há o desconforto e mal estar com os ruídos.[15]  Ruídos representam a subcultura de mal de estar na cidade. Não há percepção pela população dos efeitos nocivos dos ruídos na saúde humana. As autoridades de saúde falham ao não explicar os malefícios dos ruídos.  Também, falham ao não adotarem programas de educação ambiental sonora. Não há percepção dos danos ambientais causados pelos ruídos. As autoridades ambientais falham ao não esclarecer para a população os danos ambientais sonoros. Algumas premissas necessárias para a compreensão do tema.  Há o ambiente natural e o ambiente humano. As máquinas mecânicas/elétricas (equipamentos de jardinagem, máquinas da construção civil, carros, motos, ônibus, equipamentos eletrodomésticos, etc.) causadoras dos ruídos são artificiais. Máquinas não fazem parte do ambiente natural.  Estas máquinas fontes de stress urbano e humano são artificiais. Estas máquinas são uma espécie de agentes invasores ao habitat natural e humano em áreas residenciais.  Estas máquinas barulhentas impactam a bioesfera. É a mecanoesfera dominando o meio ambiente natural e o meio ambiente humano. Além disto, estas máquinas barulhentas ferem a estética urbana, esta compreendida como a paisagem urbana sonora.

Reprisando-se: ambientes naturais são silenciosos. Ambientes humanos  são quietos, salvo as exceções. A maioria das pessoas é silenciosa, uma pequena minoria é poluidora acústica e impune.   O problema são as máquinas barulhentas, resultado de tecnologias mecânicas ineficientes. Máquinas são produtos artificiais. Máquinas barulhentas são resultantes de tecnologias ineficientes. A mecanização das cidades e a mecanização da vida  traz consequências como a incomodidade causada pelos ruídos. Precisamos superar este princípio modelo mecanicista e adotar um modelo orgânico, voltado à auto-eco-organização das cidades.[16] Há uma subcultura de “normalização” dos ruídos urbanos, o que é obviamente uma anomalia.   Ruídos são o resultado de comportamentos antisociais e antiambientais, caracterizados pelo uso abusivo de máquinas com elevada potência acústica. Estas condutas causadoras de ruídos ferem ainda regras mínima de ética, ao causar danos aos outros e desrespeitar a qualidade de vida das outras pessoas.  Há danos biológicos e psicológicos causados pelos ruídos.   Ruídos afetam a cognição, a fisiologia e os sistemas nervosos, endócrino, digestivo, sono, entre outros. É um absurdo querem a adaptação dos seres humanos aos ruídos das máquinas! É um absurdo pretender a adaptação humana a uma subcultura insana e tóxica! As máquinas barulhentas é que tem se adequar à Constituição, à lei e à ética ambiental. As máquinas é que deveriam evoluir, porém não evoluem acusticamente, o que é uma responsabilidade da indústria! Aqui, falta a inovação da indústria de equipamentos em compromisso com o princípio da eficiência acústica.  Há uma inversão de valores com o predomínio da subcultura patológica e tóxica das máquinas barulhentas! A cultura da quietude residencial é sacrificada pela subcultura tóxica e patológica das máquinas barulhentas! Por isto, precisamos resgatar a cultura da quietude urbana. O tema está associado à paz e à segurança ambiental. Os ruídos agridem a sensação de paz trazida em um ambiente com quietude. Não é tolerável uma hierarquia das máquinas barulhentas sobre a saúde e bem estar humanos!  Na antiguidade, o silêncio estava associado ao caráter sagrado.  A propósito, a encíclica papal Laudato Si do Papa Francisco, ao destacar o tema do meio ambiente, menciona o impacto dos ruídos na degradação ambiental. Podemos dizer, hoje, os ruídos estão próximos à “infernização”, devido aos males que causam ao organismo humano.

O aspecto psicopatológico dos ruídos está ligado à autodestruição, inclusive com riscos à saúde auditiva e mental do produtor do ruído e das pessoas próximas aos ruídos. O óbvio não é óbvio, por isto o desafio de despertar a percepção do público para o impacto dos ruídos na saúde humana. Ruídos são fonte de poluição ambiental sonora. Alguns pontos para reflexão sobre a legislação de controle de poluição sonora, após pesquisa aprofundada a respeito da leis relacionada aos ruídos.   Primeira conclusão, as tecnologias mecânicas das máquinas adotadas pela indústria da construção civil, equipamentos de jardinagem, obras e reparos e em condomínios, veículos poluidores são totalmente ineficientes e insustentáveis, ao adotarem um padrão de emissão acústica superior a 50 (cinquenta) decibéis. Por isto, é necessária a responsabilização dos fabricantes, fornecedores e usuários de máquinas barulhentas. Segunda conclusão, a lei de Curitiba é pro-ruídos, isto é, legitima a poluição sonora e um status quo de padrão de ineficiência sonora de equipamentos/máquinas e serviços e de degradação ambiental.  Esta lei está desatualizada diante das tecnologias que promovem a eficiência acústica. Por isto, esta lei precisa ser atualizada conforme as inovações tecnológicas. E, também, atualizada conforme a normativa internacional. A lei não está adequada às melhores práticas de sustentabilidade ambiental acústica e ao consumo sustentável de serviços e produtos, conforme o princípio da eficiência acústica. Terceira conclusão, a nova lei deve incentivar pesquisas e desenvolvimento de produtos e serviços com eco-design, ecoeficiência e ecosustentabilidade  acústica.  Por isto, a necessidade de leis de incentivos para investimentos em sustentabilidade ambiental acústica. Quarta conclusão, as secretarias ambientais não estão capacitadas com investimentos, treinamento e equipamentos para o exercício do poder de polícia ambiental sonora.  Não há a coordenação de ações entre os diversos órgãos municipais na contenção dos ruídos. Por isto, precisamos da construção da capacitação institucional destes órgãos municipais, bem como a articulação entre os mesmos. Não há transparência de informações do potencial de perigo dos ruídos para a saúde,  bem estar dos consumidores e cidadãos.  O  poder público não garante  os cidadãos e moradores de condomínios a proteção eficiente contra os poluidores acústicos. Quinta conclusão, não temos um selo de eficiência acústica para equipamentos/máquinas. A cidadania não está devidamente consciente, mobilizada e organizada para defender seus direitos à cidade sustentável e saudável. O direito à cidadania está interligado com o direito à cidade limpa, saudável e sustentável, sem poluição sonora.   Há um status quo/padrão de impunidade dos poluidores sonoros, incompatível com o direito dos cidadãos à proteção legal.  Por isto, precisamos da máxima proteção à dignidade ecológica em sua dimensão acústica.   Sexta conclusão, falta proteção efetiva aos direitos fundamentais à qualidade de vida, ao trabalho, saúde, meio ambiente, descanso, entre outros, diante da poluição sonora nas cidades configura um estado de coisas inconstitucional. Há o estado de omissão inconstitucional no controle da poluição sonora, o que enseja medidas de controle da inconstitucionalidade por omissão do exercício do poder de polícia ambiental. A omissão dos governos em adotar práticas efetivas para a defesa da sustentabilidade ambiental acústica das cidades e a proteção dos direitos fundamentais poderá ser objeto de responsabilidade objetiva ambiental. As omissões administrativas e legislativas  poderão ser controladas por medidas de controle de inconstitucionalidade. Por todas estas razões, o meio ambiente limpo, saudável e sustentável está a merecer políticas ambientais mais adequadas nas cidades. É uma responsabilidade dos governos municipais, da indústria de maquinários, consumidores e usuários, em adotarem medidas de compromisso com a sustentabilidade ambiental sonora. O princípio da precaução de dano ambiental  demanda a inversão do ônus da prova. Assim, o poluidor sonoro é quem deverá provar que não causa danos ambientais.

No atual status quo é extremamente difícil para os cidadãos fazerem prova sobre a poluição sonora. O padrão adotado na lei sobre limites decibéis exigem a medição dos ruídos, algo impossível para os cidadãos e muito custoso. Na prática, exige-se uma “prova diabólica”, para o cidadão a respeito do nível de ruído. O cidadão não tem os equipamentos necessários para a medição destes ruídos. Os custos são elevados para acessar os produtos e serviços de medição de ruídos. Por isto, em respeito aos princípios do devido legal, acesso à jurisdição, igual proteção diante da lei, os cidadãos vítimas dos ruídos devem receber o merecido tratamento jurídico para proteger seus direitos fundamentais à qualidade de vida, à saúde, ao trabalho, ao descanso, ao meio ambiente, à cultura da quietude urbana, com esta inversão do ônus da prova. Hoje, temos um sistema perverso de desproteção das vítimas dos ruídos e a impunidade dos poluidores sonoros.  Como referido, as secretarias municipais não têm fiscais e equipamentos suficientes para esta medição. Sétima conclusão, para a garantia do devido processo legal e ampla defesa, é necessária a inversão do ônus da prova quanto ao dano ambiental, basta o cidadão notificar a respeito do ruído e o poluidor terá que provar que sua máquina/equipamento não emite ruídos acima de 50 (cinquenta) decibéis. Aliás, a lei deve ser mudada para estabelecer um novo padrão para a indústria, para a promoção da eficiência acústica. Deste modo, a lei deveria estabelecer que ruídos acima de 50 (cinquenta decibéis) serão presumidos como dano ambiental, à saúde e bem estar humanos. Haverá a presunção legal de que ruídos acima de 50 (cinquenta) decibéis são danosos à qualidade de vida e à qualidade ambiental. Oitava conclusão, a indústria, ao adotar equipamentos/máquinas ineficientes acusticamente e transferir custos socioambientais para consumidores e cidadãos adota uma prática insustentável ambientalmente. A indústria de equipamentos tem total condição de investir em pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços para promover a eficiência acústica. E pode inclusive repassar estes custos aos consumidores. O que é inadmissível é a continuidade deste status quo tóxico com práticas insustentáveis ambientalmente na perspectiva sonora. Esta denominada externalidade da indústria não deve ser custeada pela cidade. Além disto, as prefeituras falham ao não adotar práticas em sua política ambiental para incentivar mecanismos de ecoeficiência acústica em equipamentos e serviços.  Curitiba, com base em sua legislação de inovação, pode e deve promover a valorização do princípio da eficiência acústica em construções, edificações, condomínios, maquinários, tecnologias, prestação de serviços, etc. Nona conclusão, os equipamentos de jardinagem, como sopradores, roçadeiras, podadeiras, cortadores, entre outros, com potência de emissão acústica acima de 50 (cinquenta) decibéis devem ser proibidos em Curitiba, em proteção à saúde pública e bem estar público.  A lei deve destacar a presunção legal de dano ambiental em equipamentos acima de 50 (cinquenta) decibéis, fator suficiente para a proibição do uso abusivo de máquinas barulhentas.  Em nova lei, os condomínios devem ser proibidos de utilizar equipamentos com potência acústica acima de 50 (cinquenta) decibéis. Estas proibições legais forçarão à indústria de equipamentos de jardinagem, fornecedores de máquinas e consumidores a baixarem o nível de ruído destes equipamentos. Esta proibição deve ser estendida para as denominadas “serrilhas”. Décima conclusão, no ambiente normativo algumas questões, para a mudança legal.  a Lei nº  10.625/ 2002, ao garantir a poluição ambiental acústica, é contrária ao direito ao ambiente limpo, sustentável e saudável, previsto na Resolução n. 76, de julho de 2022, da ONU. Por isto, a lei local deve ser adaptada  a esta normativa internacional, em proteção ao direito fundamental à cidade saudável e sustentável.  A Lei nº 10.625/2002 é contrária à norma de saúde da Organização Mundial de Saúde, o qual recomenda que ruídos acima de 50 (cinquenta decibéis) causam danos à saúde. Ora, os Anexos I e II, da Lei n. 10.625/2022, ao preverem limites bem superiores aos 50 (cinquenta) decibéis), violam o princípio da proibição deficiente aos direitos fundamentais. E, ainda, a Lei nº 10.625/2002, em seus Anexos I e II, ao legitimar um padrão de poluição ambiental acústica e de ineficiência tecnológica, é ofensiva ao princípio da proibição de retrocesso ambiental, estabelecidos na Lei nº 15.852/2021, e aos demais princípios da precaução e prevenção de dano ambientais. Por todas estas razões, a Lei n. 10.625/2002, ao consagrar o direito à poluição ambiental acústica,  deve ser declarada incompatível com o direito ao ambiente limpo, saudável e sustentável. Também, a Lei n. 10.625/2002, deve ser revogada diante da Lei n. 15.825/2021. E, por fim, a Lei n. 10.625/2022 deve ser declarada inconstitucional diante da proteção deficiente aos direitos fundamentais à qualidade de vida, à saúde, ao descanso, ao trabalho, à cultura da quietude residencial, à qualidade do meio ambiente, entre outros.[17] Décima primeira conclusão, a lei local precisa definir um zoneamento acústico, para áreas residenciais, com a proibição de ruídos acima de 50 (decibéis), seja de qualquer fonte, sem exceções. Afinal, ruídos acima de 50 (cinquenta) decibéis fazem mal à saúde.

O poder público deve declarar as áreas predominantemente residenciais como áreas livres de ruídos, com tolerância zero aos poluidores acústicos. Também, precisamos da efetividade e a eficiência do poder de polícia ambiental na fiscalização dos ruídos. É fundamental a facilitação do direito do cidadão em acessar os serviços de públicos e tem uma resposta imediata do poder público. A resposta do poder público tem que ser em tempo real, de nada adianta o cidadão ter uma resposta meses depois da ocorrência do dano ambiental.  Aqui, deve ser aplicado o princípio da responsabilização do poluidor-pagador.  E o poder de polícia ambiental deve em atuar em dois eixos estratégicos: a prevenção e a repressão. Décima segunda conclusão, em cidades avançadas, como Paris e Nova Iorque há tecnologias para o monitoramento da poluição acústica por veículos. São sensores acústicos que monitoram os ruídos de motocicletas, automóveis e ônibus. Ora, Curitiba tem tecnologia para o controle de trânsito, para o controle de velocidade de veículos, por que não tem tecnologia para o monitoramento da poluição acústica? Aliás, a cidade sequer conta com mapa de ruído acústico, obrigação legal, esta prevista em seu Plano Diretor. Conclusão final. Por todas estas razões, precisamos urgentemente de uma reforma institucional na legislação para mudar a lei de Curitiba, para termos uma nova lei efetivamente antirruídos (ao invés de termos uma farsa legal, uma lei pro-ruídos, a qual garante o direito à poluição sonora), inclusive com a previsão de metas graduais e progressivas para a redução da poluição sonora e de incentivos às inovações tecnológicas. Por que não buscar na política ambiental das cidades um padrão de eficiência de ruídos zero? Esta nova legislação antirruídos deverá aproveitar as oportunidades  trazidas pelas inovações tecnológicas, para incentivar a utilização em larga escala de tecnologias de promoção da sustentabilidade ambiental sonora, valorizando-se a eficiência acústica de máquinas, obras e serviços e infraestruturas.  Curitiba, se adotar urgentemente uma nova lei ambiental antirruídos, poderá liderar um novo movimento ambiental no Brasil, em defesa da sustentabilidade ambiental acústica, fortalecendo-se a capacidade institucional do poder público na contenção dos ruídos urbanos. Ainda mais no contexto de cidades inteligentes, sustentáveis e saudáveis, Curitiba poderá liderar a vanguarda da sustentabilidade ambiental acústica se mudar sua legislação, fiscalizar os poluidores acústicos e realizar campanhas educacionais ambientais sonoras, para conscientizar a população sobre os riscos dos ruídos à saúde pública.   

** Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito do Estado. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Propostas regulatórias: Anti-Ruídos Urbanos, Amazon, 2022.

Crédito de Imagem: EcoHabitar


[1] Trevisan, Dalton. Desgracida. São Paulo: Rio de Janeiro: Editora Record, 2010, p. 213.

[2] Para uma abordagem histórica sobre a problemática dos ruídos, ver: Fortuna, Carlos: O mundo social do ruído: contributos para uma abordagem sociológica. Análise social, 2020, n. 234, pp. 28-71.

[3] Gehl, Jan. Cidades para pessoas. Perspectiva, 2015.  O autor defende a cidade vida, segura, sustentável e saudável. Para o autor: “Um nível de ruído de fundo de 60 (sessenta) decibéis (db) é considerado o limite superior para uma conversa normal, variada, mantendo-se uma distância normal. A cada aumento de 8 db tem-se a sensação de que o nível de ruído dobrou. Em outras palavras, o ouvido humano percebe 68 db como duas vezes mais alto que 60 db, e 76 db é percebido como sendo 4 vezes o nível de 60 db”, obra citada, p. 153. Ver, também, Gehl, Jan e Svarre, Birgitte, A vida na cidade: como estudar. São Paulo: Perspectiva, 2018.

[4] Nerenberg, Jenara. Divergente mind. Thriving in a world that wasn’t’s designed for you. Harpers Collings Publisher Australia.  Silberman, Steve. Neurotribes. The legacy of autism and the future of neurodiversity. Avery, New York, 2015.

[6] Sobre o tema a acessibilidade aos espaços públicos, por pessoas com características denominadas “neurodivergente”, ver: www.autistica.org.uk.

[7] Freud, Jung e outros importantes analistas analisam o impacto dos ruídos causados pelas tecnologias mecânicas sobre a saúde e bem estar humanos. No século 20, o movimento futurista italiano, inspirado na ideologia fascista, dizia que o barulho era sinal de modernidade. Evidentemente que no século 21 as evidências científicas mostram a subcultura tóxica e de danos à saúde causados pelos ruídos.

[8] Sarah, Robert, Diat, Nicolas. A força do silêncio contra a ditadura do ruído. São Paulo: Fons Sapientiae, 2017, p. 42.

[9] Sobre mudanças sociais e transições culturais, ver: Ogburn, William Fieling. Social change with respect to culture and original nature. New York: B. W. Huebsch, 1923.

[10] Sarah, Robert e Diat, Nicoas. A força do silêncio contra a ditadura do ruído. São Paulo, 2017, Edições Fons Sapientiae, 2019, p. 42.

[11] Gehl, Jan. Cidades para pessoas. Editora Perspectiva, 2015.

[12] Ver, também, o Decreto nº 1821/2021, o qual regulamenta a Lei n. 15.585/2019.

[13] Nos Estados Unidos, há diversos projetos de lei para a redução dos ruídos causados por helicópteros, ver: H.R. 7405 – Reducing helicopter noise in the District of Columbia Act, Ver: www.congress.gov.

[14] World Health Organization. Regional Office for Europe. Biological mechanisms related to cardiovascular and metabolic effects by environmental noise by Charlotta Eriksson and Goran Pershagen, Institute of Environmental Medicine, Karolinska Institute, Sweden, Mats Nilsson, Stocholhm University, Sweden. Ver, também, Noise, Blazes and Mismatches, emerging issues of environmental concer, UN environment programme, Frontiers, 2022.

[15] Freud analisa em sua obra o Incomodo os sintomas causados por sintomas desagradáveis para os seres humanos. Algo não familiar e estranho que atinge o bem estar humano. Ruídos representam um fator de stress ao organismo urbano, provocando a incomodidade no bem estar pessoal.

[16] Capra, Fritjof e Mattei, Ugo. A revolução ecojurídica. O direito sistêmico em sintonia com a natureza e a comunidade. São Paulo: Editora Cultrix, 2018.

[17] Ver: Cornelius, Camila Savaris. Dever de proteção suficiente aos direitos fundamentais. São Paulo: Editora Dialétia, 2022.  

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.