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Proposta de regulamentação da nova lei ambiental de Curitiba para contenção de ruídos urbanos

09/11/2021

“Um dia a humanidade precisará lutar contra a poluição sonora com a mesma determinação que luta contra a peste ou a cólera”

(Robert Roch – Prêmio Nobel de Medicina)

O Município de Curitiba aprovou a nova lei para a política ambiental da cidade. É a lei 15.852/2021 que dispõe sobre a política municipal de proteção, conservação e recuperação do meio ambiente. Na lei há alguns aspectos sobre o controle da poluição acústica.  Mas, o ato normativo precisa ainda ser regulamentada. Por isto, o presente texto apresenta algumas ideias para a regulamentação da referida lei, no sentido de se ampliar o controle da poluição acústica, considerando-se o princípio da eficiência acústica. Precisamos enquadrar o tema dos ruídos urbanos no contexto da política ambiental, política de urbanização e política da saúde pública e política de mobilidade urbana.

Precisamos pensar na saúde auditiva e na cultura auditiva, de modo a enquadrar a toxidade dos ruídos nas cidades. Há impacto inclusive em bebês e na cognição de crianças.[1]  Ruídos afetam a produtividade no trabalho, por isto existem métricas para aferir o impacto dos ruídos no ambiente de trabalho. Aliás, ruídos são causas de insalubridade no trabalho e geram custos adicionais trabalhistas e previdenciários. Em período de pandemia e regime de home office, foi ampliada a percepção sobre os ruídos urbanos. Percebemos em videoconferências, audiências, telefonemas, a partir de casa ou do escritório, a sensação de desconforto acústico causado por ruídos urbanos, causados em condomínios, trânsito e/ou obras de construção civil. Por isto, a produtividade no trabalho, o bem-estar e a saúde é afetado pelo nível dos ruídos urbanos.

Em conversa com colegas advogados, médicos, psicólogos, professores, engenheiros, fui descobrindo que muitos profissionais são afetados pelos ruídos urbanos, em prejuízo à produtividade de seu trabalho, sua qualidade de vida, sua saúde, seu bem-estar, seu descanso. Ruídos invadem domicílios, escritórios, consultórios, hospitais, lojas, entre outros. São uma espécie de invasão à privacidade e ao sagrado lar, o último refúgio das pessoas. Não há direito à paz, ao sagrado descanso, devido aos ruídos. Os condomínios residenciais deveriam ser mais responsáveis quanto à sustentabilidade acústica, com medidas da proteção do bem-estar de seus moradores. Os condomínios residenciais deveriam ser responsáveis na contratação de serviços de jardinagem, escolhendo-se  fornecedores mais eficientes e não poluidores acústicos. Os condomínios deveriam ser práticas de gestão ambiental acústica e compliance ambiental, para o controle da poluição acústica em ambiente indoor (dentro dos apartamentos) e ambiente outdoor (em áreas externas).  Condomínios deveriam seguir os princípios da eficiência energética e eficiência acústica. Aliás, nas convenções dos condomínios, deveria constar a cláusula de proteção ambiental de controle de poluição sonora.  Serviços ruidosos como sopradores de folhas, cortadores de grama elétricos deveriam ser substituídos por tecnologias silenciosas, entre as quais, se encontra a boa e velha vassoura e o rastelo. 

Não é admissível que os moradores tenham uma experiência de mal-estar acústico causado por serviços contratados pelo condomínio e/ou por seus condomínios vizinhos. Além disto, a prefeitura deveria ser mais responsável quanto ao controle da poluição acústica para a contenção de ruídos urbanos.

Ora, uma cidade ruidosa não é sustentável, nem é saudável! O cidadão de bem não tem tempo, nem recursos, para arcar com os custos de processo judicial em sua defesa contra os ruídos, seja em condomínios vizinhos e outros lugares.   Às vezes tem que arcar com o custo de produção de “provas diabólicas”, provas técnicas difíceis e caras de serem produzidas que demandam conhecimento técnico. Portanto, o cidadão está vulnerável diante da poluição acústica e conta tão-somente com as políticas públicas de proteção ambiental, quando existe alguma política pública. Ruídos se propagam em ondas sonoras, atingindo diversos domicílios. Muitas vezes o cidadão em seu domicílio é cercado por diversos condomínios; fontes de poluição acústica. Em condomínios há vazamentos para outros condomínios.

Pessoas vivem em determinado condomínio, mas são cercados por mais de 5 (cinco) condomínios, fontes de ruídos. Há barulhento sopradores de folhas, cortadores de grama, marteladas, serras, furadeiras para todos os lados. Assim, cria-se um inferno sonoro na vida do sujeito. Ruídos jogados na atmosfera são como “esgoto a céu aberto”. Ruídos são uma espécie de violência psicológica crônica nas cidades, sendo uma das causas de degradação ambiental. E uma violência que deixa vulnerável a vítima, a qual não tem meios de se defender. A audição humana é percepção espacial; por isto serve para enviar sinais de alerta quanto o que está acontecendo no ambiente. Logo, ruídos crônicos contaminam este sistema de alerta do organismo humano, causando stress e prejudicando a sua saúde das pessoas.

Ora, não o direito à poluição sonora; ao contrário, a o dever de cessação dos ruídos. Isto ocorre também com a poluição atmosférica, não há o direito à poluição atmosférica. Temos o direito de respirar o ar fresco e puro, sem riscos à saúde. Os ruídos representam um comportamento autodestrutivo; ensejam perigo para o próprio causador da poluição acústica, bem como causam a destruição do bem-estar e saúde das outras pessoas forçadas a conviver com os ruídos. Por isto, entendo que o direito de propriedade é afetado pela poluição acústica. A área de propriedade, o que inclui o espaço acústico interno dentro do apartamento, é ofensiva pelo agente causador da poluição acústica.

Deste modo, cabem instrumentos legítimos para a autodefesa contra os ruídos urbanos: administrativos e judiciais.  Há diversas fontes de poluição acústicas contra as quais um cidadão sozinho não consegue promover a sua autodefesa acústica. Para se defender a pessoa tem gastar dinheiro e tempo para combater condutas anti-sociais poluidoras. Os produtores de ruídos urbanos têm dissociação cognitiva quanto à poluição sonora, sequer há percepção do ambiente aonde se inserem. As vítimas da poluição sonora estão indefesas.

Por isso, a urgência nas políticas públicas de defesa ambiental.  Para mim, ruídos representam uma espécie de cultura da violência acústica! É uma violência cultura; é uma agressão ao outro. Assim, sustento que os ruídos são uma espécie de violência urbana, a ser combatida como as demais violências que ameaçam a integridade física e psicológica dos cidadãos. Como referido, em seu apartamento, em seu ambiente de trabalho (em home office), a pessoa é atingida por diversas fontes de poluição sonora. Imagine-se: pessoas em regime de home care sendo afetadas pela poluição acústica das cidades. Imagine-se: crianças em regime de home schooling impactadas pelos ruídos urbanos. Imagine-se: pessoas com ouvido “absoluto”, mais sensíveis aos ruídos. Ou as pessoas mais sensíveis aos ruídos, seriamente afetadas.  As sensações acústicas dos ruídos afetam a cognição das pessoas, afetam a imunidade biológica. A segurança ambiental é uma conditio sine qua non para a segurança psicológica em direção à paz; em um ambiente urbano de maior quietude.

A mobilidade urbana é ótima, porém gera como danos colaterais negativos os ruídos nos bairros.  As infraestruturas urbanas como  as vias públicas, o sistema de trânsito e o sistema de transporte coletivo geram externalidades negativas, com severos danos ambientais. Por isto, aumenta-se a responsabilidade ambiental municipal quanto ao exercício do poder de polícia para o controle da poluição acústica.  Em caso de omissão quanto à fiscalização ambiental haverá a responsabilidade objetiva do município. É importante ver o panorama global.

Organização da Nações das Unidas (ONU) tem como uma das suas metas para 2030 o programa cidades sustentáveis. Relatórios da Organização Mundial da Saúde apontam para o impacto dos ruídos sobre a saúde das pessoas (aspecto físico e mental). A Agência Ambiental Europeia (European Environment Agency), em seu relatório anual sobre ruídos destaca o impacto dos mesmos sobre a saúde humana, com significativos danos à cognição, fisiologia, psicologia humanas. Na Europa, ruídos acima de 55 (cinquenta e cinco) decibéis há presunção de danos ao conforto acústico das pessoas. Por isto, há medidas de mitigação dos ruídos urbanos decorrentes de poluição sonora derivado do trânsito, obras de construção civil, aviões, entre outros.

Ruídos são causados por máquinas, não fazem parte do ambiente natural, mas sim de ambientes artificiais. Repita-se máquinas são tecnologias artificiais. O ambiente natural não há ruídos em escala de perturbação ambiental. Há sons de vento, chuva, passarinhos, folhas, entre outras. Somente, máquinas é que causam a degradação ambiental sonora. Há ruídos em sopradores de folhas, cortadores de gramas, cortadores de galhos, veículos, motocicletas, ônibus, obras de construção civil, entre outros. Ruídos representam um elemento tóxico agregado à atmosfera.  Logo, os ruídos são o resultado de uma cultura artificial tóxica e não- saudável. Por isto, a necessidade de mudança ambiental para a construção de uma política pública, com educação ambiental, para a mudança deste status quo tóxico nas cidades. De uma cultura tóxica, de ruídos produzidos por máquinas, vamos construir uma cultura mais saudável de promoção da quietude. Ruídos de motocicletas de alta cilindrada e, também de média cilindrada, perturbam o sossego alheio em áreas residenciais. Por isto, os proprietários e usuários destas motocicletas deveriam ser alvo de medidas de responsabilização ambiental criminal.  Motocicletas causam poluição acústica, durante o período diurno, noturno e finais de semana. O poder público municipal deveria realizar periodicamente blitz nas vias públicas para controlar a poluição sonora causada pelos automóveis e motocicletas.

Ora, a produção de ruídos é como se fosse lixo atirado nas ruas. Há diversos para a controle do descarte do lixo.  O poluidor acústico que utiliza de motocicletas ruidosas deveria ser alvo de fiscalização ambiental. Porém, nada é feito para a contenção destes ruídos urbanos. Há um estado de omissão das prefeituras quanto ao exercício do poder de polícia sobre a poluição acústica das motocicletas. O Conselho Nacional do Meio Ambiente aprovou nova Resolução n. 492, de 20 de dezembro de 2018, para o controle de poluição do ar e poluição causados por automóveis leves, no programa denominado PROCONVE, cujo limite de emissão de ruído fica para veículos novos, a partir de 2025, em torno na fase 1: 72 decibéis, fase 2: 71 decibéis e fase 3: 69 decibéis.  A partir de 2027, o limite vale para todos os veículos.  Quanto aos ônibus e caminhões pesados, conforme Resolução Conama 492/2018 os limites de poluição sonora são entre 75 decibéis a 80 decibéis. Para além tudo, bairros barulhentos sofrem com riscos de desvalorização patrimonial dos imóveis. Porém, não há, em Curitiba,  fiscalização ambiental pela Secretaria do Meio Ambiente, juntamente com a Secretaria de Trânsito, para a contenção destes ruídos urbanos propagados por motocicletas, dentre outras fontes móveis de poluição acústica.[2]

Como referido, neste aspecto, as autoridades públicas deveriam promover a fiscalização ambiental destas motocicletas e impor a responsabilização dos proprietários e condutores destes veículos.[3] Afinal, conforme o Código Nacional de Trânsito é infração a condução de veículo com descarga livre ou silenciador de motor de explosão defeituoso, deficiente ou inoperante (art. 230, inc. XI, da Lei nº 9.503/1997). Ou, alternativamente, em caso-limite, proibir a circulação destas fontes poluidoras móveis. Sobre o tema, o autor A. Adolf, em seu livro Peace: a world history,  dedicada à cultura da paz, menciona a demanda do ser humano pela paz corporal (paz em seu corpo, o estado de tranquilidade) e a paz comunitária (a conexão da pessoa com sua comunidade).[4]  Por isto, entendo que a cidade deve aspirar ao ideal de paz; o refúgio urbano como um lugar para a paz; áreas de quietude como um caminho para a paz e o bem estar social. Na antiguidade, o sagrado sempre esteve associado à natureza.

Todavia, houve a perda da conexão da humanidade com a natureza, simbolizado com o desrespeito para com o ambiente. Há uma espécie de sintoma de ecocídio, isto é, a destruição da natureza e do meio ambiente em que a humanidade vive.[5]  A destruição da natureza é um sintoma da destruição de si mesmo. Na literatura, há alguns livros interessantes sobre o impacto dos ruídos na vida humana.  Dentre eles, R. Murray Schafer em sua obra A afinação do mundo, aonde o autor descreve as paisagens sonora e o impacto dos ruídos na vida nas cidades. Outro autor James Hilmman em sua obra City and Soul mostra o cidadão como paciente e a importância do silêncio para a alma humana. Ele escreve que a psique humana nas cidades é justamente afetada pelos ruídos urbanos. Há o cenário de cidades doentes por causa da degradação ambiental. Ou seja, a mente e a alma humanas, altamente sensíveis, são impactadas pelos ruídos urbanos. Assim, os ruídos são uma espécie de doença da cidade que afeta seus cidadãos. A saúde da cidade e dos cidadãos dependem da mitigação dos efeitos dos ruídos urbanos. Daniel Hahneman, Oliver Sibony e Cass R. Sustein, no livro Ruído: uma falha no julgamento humano, apontam os sistemas ruidosos, custos dos ruídos e o erros na percepção humana, os vieses cognitivos e as estratégicas para a redução dos ruídos. A obra não trata exatamente dos ruídos acústicos, mas traz interessantes insights para as políticas ambientais.[6]

Na União Europeia há diretriz para o mapeamento de ruídos urbanos, causados pela indústria, comércio e tráfego de veículos. No Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, diversas cidades impuseram a proibição de comercialização e utilização de sopradores de folhas em serviços de jardinagem. Como referido, em julho de 2021, o Município de Curitiba aprovou a lei sobre a política ambiental da cidade, a Lei n. 15.852/2021. Há diversos aspectos tratados nesta lei, dentre eles: a qualidade ambiental e o controle de poluição acústica.   Na lei, como diretriz: “a participação comunitária e controle social nas ações em defesa do meio ambiente. Dentre as atribuições do da Secretaria do Meio Ambiente: “exercer o poder de polícia administrativa na defesa do meio ambiente contra qualquer forma de degradação ou poluição ambiental”. (art. 5, inc. VIII). Também, haverá o incentivo à oferta de serviços sustentáveis dos setores de serviços, comércio de indústria (art. 5, inc. XXIII).  O Município de Curitiba anunciou alguns projetos de aquisição de ônibus elétricos. Segundo estudos técnicos, os ônibus elétricos são muito mais eficientes energeticamente e acusticamente.

Porém, não há um plano amplo de modernização da frota de ônibus relacionados ao sistema de transporte coletivo de passageiros. Por isto, entendo necessário a atualização do serviço público de transporte coletivo de passageiros, considerando-se o princípio da  eficiência energética e princípio da eficiência acústica. A legislação em geral é permissiva quanto aos limites autorizados para a emissão acústica em equipamentos elétricos-mecânicos, obras de construção civil, automóveis, motocicletas e ônibus, dentre outros.  Níveis autorizados variam entre 65 (sessenta e cinco) decibéis até 85 (oitenta e cinco) decibéis.[7] Entendo que esta permissividade quanto a adoção de um padrão de limite acústico frouxo é incapaz de promover a proteção ambiental acústica, é danosa à saúde pública, sendo inclusive imoral, ilegal e inconstitucional!!! Ao invés de se promover a proteção ambiental, estes padrões acústicos que validam o desconforto acústico são imorais, ilegais e inconstitucionais e abusivas!!! Este padrão acústico busca legitimar os ruídos; respaldando a poluição acústica, ao invés de promover a contenção eficiente destes mesmos ruídos. É uma espécie de “falsa proteção acústica”, infelizmente respaldado por atos do Inmetro e Conama, entre outros órgãos.

Ora, desde quando o padrão pode respaldar a poluição acústica, ao invés de incentivar a mitigação dos ruídos urbanos em ambientes indoor e outdoor. São padrões antigos e não adequados à moderna legislação ambiental. Sustento a tese de estes padrões acústicos antigos previstos em normas federais, estaduais e/ou municipais sejam revogados, por incompatibilidade com o regime de direitos fundamentais previstos na Constituição (direito ao ambiente, à qualidade de vida, direito ao descanso, direito ao trabalho), bem como pela incompatibilidade com a legislação ambiental. Este padrão acústico acaba por causar ofensa, na prática, aos direitos ao trabalho, direito à qualidade de vida, direito ao ambiente, direito ao descanso, entre outros direitos fundamentais. Neste aspecto, a Constituição preceitua que “todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.[8] Para alcançar esta finalidade constitucional o poder público deve exigir, na forma da lei, na instalação de obra ou atividade potencial causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de que impacto ambiental.[9] E mais, compete ao poder público: “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.[10] Além disto, é da responsabilidade do poder público promover: “a educação ambiental em todos os níveis de ensino e conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.[11] 

Por fim, a Constituição que dispõe que: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.[12] Por isto, estes padrões acústicos antigos devem ser alvo de mudança institucional pelas autoridades competentes. Ora, um dos princípios da Administração Pública é o princípio da eficiência da ação administrativa. Logo, órgãos administrativos têm que estabelecer uma política regulatória adequada e eficiente de proteção ambiental acústica, voltada à promoção do princípio da eficiência acústica.  Não é admissível que o ordenamento jurídico ambiental admita situações abusivas, decorrentes do abuso de poder econômico e de comportamentos anti-sociais.  A produção de ruídos é uma espécie de perversidade, isto é, a total desconsideração para com o sentimento do público afetado pelos ruídos. Ruídos de máquinas não podem prevalecer sobre a qualidade de vida humana.  Ora, a lógica do conforto acústico é de até 50 (cinquenta) decibéis! Acima deste patamar, há o desconforto acústico. Resumindo-se: estes padrões acústicos são contrários às boas práticas de gestão ambiental, bem como à própria legislação ambiental. Ora, em 2021, evidentemente, que há tecnologias disponíveis no mercado para a contenção do nível de emissão de ruídos. Por isto, os padrões acústicos dos limites precisam ser atualizados, de modo a ampliar o conforto acústico. Neste aspecto, é da responsabilidade do Município de Curitiba, através da Secretaria do Meio Ambiente, em ampliar o nível de conforto acústico dos seus cidadãos e, respectivamente, da proteção ambiental. É da responsabilidade municipal legislar sobre interesse local e ampliar o nível de proteção ambiental acústica na cidade. Ora, o direito e a legislação devem servir à evolução da proteção da qualidade de vida, a qualidade ambiental e saúde humana. Não é admissível o retrocesso na proteção dos direitos humanos fundamentais, entre os quais: o direito ao meio ambiente equilibrado, o direito à paz, o direito à saúde, o direito ao trabalho, entre outros. Por tudo isto, entendo necessário a revisão dos padrões dos limites acústicos autorizados para equipamentos elétricos/mecânicos, serviços, motores, entre outros. 

É preciso avançar para a melhor proteção acústica das pessoas, contendo-se a propagação indiscriminada dos ruídos urbanos. Ruídos produzidos por máquinas não podem se sobrepor ao meio ambiente humano.  Deste modo, ruídos acima de 50 (cinquenta) decibéis devem ser expressamente proibidos!  Percebo da legislação municipal que não há um serviço sustentável se o mesmo causa poluição acústica. Portanto, serviços de jardinagem em condomínios ruidosos são insustentáveis ambientalmente. Obras de construção civil (serviços de manutenção e reparos) em condomínios ruidosos são insustentáveis. Empreendimentos imobiliários que causem impacto acústico na vizinhança são insustentáveis. Serviços de transporte coletivo de passageiros que produzem ruídos na vizinhança são insustentáveis ambientalmente. Serviços de transporte aéreo que causem impacto acústico na vizinhança também são insustentáveis ambientalmente. Por estas razões, é preciso se estabelecer um regime de governança e compliance ambiental nas referidas empresas, em processos de aquisição de produtos, prestação de serviços e equipamentos.  Também, seriam importantes parcerias entre a prefeitura e as universidades, instituições de pesquisa e ensino e laboratórios quanto ao controle da poluição acústica.  No “momentum”, a lei de Curitiba sobre a política ambiental encontra-se em fase de regulamentação. Entendo que a regulamentação da lei deveria abordar alguns eixos regulatórios: i) o princípio da eficiência acústica em equipamentos, procedimentos e contratações; ii) o princípio da prevenção de danos ambientais acústicos (aqueles acima de 50 – cinquenta decibéis), com a mitigação dos ruídos urbanos; iii) exigência de estudos de impacto acústico por condomínios, empresas de construção civil, transporte coletivo de passageiros e empresas de transporte aéreo, entre outras; iv) o princípio da eficiência administrativa no design ecológico do ambiente normativo de controle da poluição acústica.

Diante disto, algumas sugestões para o aperfeiçoamento da regulamentação ambiental: a) maior responsabilização de condomínios residenciais, inclusive síndicos e administradores de condomínios,  com a exigência de medidas de governança e compliance ambiental, em ambiente indoor e outdoors, com campanhas para a reeducação ambiental de síndicos e empresas administradoras de condomínio; b)  maior responsabilização dos prestadores de serviços para condomínios (obras de construção civil, serviços de jardinagem, entre outros), com medidas de governança e compliance ambiental; c) maior responsabilização ambiental das empresas de transporte coletivo de passageiro quanto à contenção dos ruídos causados pelos ônibus; d) maior  responsabilização ambiental das empresas de construção civil para a adoção de medidas de mitigação de ruídos produzidos, com medidas de governança e compliance ambiental; e) maior responsabilização ambiental das empresas de transporte aéreo (helicópteros e aviões) quanto aos ruídos causados por sobrevoarem os bairros da cidade, daí a importância do zoneamento aéreo e a previsão das rotas de tráfego aéreo com menor impacto ambiental acústico; f) a adoção dos serviços de jardinagem da Prefeitura de equipamentos mais silenciosos; g) o estabelecimento adoção do selo de eficiência acústica em programas públicas, com a adesão por condomínios, empresas de transporte coletivo de passageiros, proprietários de automóveis e motocicletas, empresas de construção civil, entre outras atividades poluidores do meio ambiente; h) a definição do zoneamento ambiental com bairros sujeitos a especial proteção ambiental, com a fixação da “área de silêncio urbano”; i) o incentivos ao design ecológico/acústico de serviços, produtos e equipamentos, j) adoção  nas infraestruturas urbanas, serviços públicos, este compromisso como princípio da eficiência acústica; k) parceria entre a prefeitura e as instituições de ensino e pesquisa e laboratórios para o controle da poluição acústica; l) definição de áreas de refúgio ecológico para a proteção ambiental de pássaros, seriamente impactados pela poluição acústica; m) fortalecimento dos mecanismos de transparência da prefeitura quanto ao controle da poluição acústica; n) fortalecimento dos órgãos de controle da poluição acústica e a coordenação estratégica entre as unidades responsáveis (Secretaria Meio Ambiente, Trânsito, URBS, IPUC, Guarda Municipal, entre outros); o) fortalecimento do Procon para atuar em campanha de educação do consumidor para exigir selos de eficiência acústica em produtos, serviços e equipamentos; p) atuação estratégica da Prefeitura com o Ministério Público Estadual no controle da poluição acústica; q) atuação estratégia da Prefeitura com o Estado (órgãos ambientais e de trânsito) em ações de controle da poluição acústica.  

Por todas estas razões, precisamos de novas medidas para a justiça ambiental acústica, isto é, para o respeito do direito majoritário da comunidade ao meio ambiente de quietude, em bairros predominantemente residenciais, com a repressão e fiscalização das condutas anti-sociais causadoras de poluição acústica por grupos ruidosos. Aqui, é fundamental a aplicação do direito administrativo sancionar contra os poluidores/abusadores.  É da responsabilidade da Secretaria do Meio Ambiente em liderar esta nova visão da política ambiental na cidade de Curitiba de modo a promover a contenção dos ruídos urbanos, com a promoção da eficiência acústica, entrando o tema na agenda pública, com a conscientização sobre os direitos e deveres ambientais. Para tanto, é necessário um ambiente regulatório comprometido com a política de controle da poluição acústica. Afinal, a maioria de cidadãos silenciosos não pode ser prejudicada em sua vida, saúde, bem-estar e conforto, pelos grupos dos cidadãos barulhentos e/ou atividades, equipamentos, produtos e/ou serviços ruidosos. Para além disto, há a parte criminal da questão.

A legislação criminal prevê perturbação do sossego alheio como contravenção penal e o crime de poluição acústica.[13] O Decreto-lei n.3.688/1941 sobre contravenções penais dispõe: “Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheio: (..)  II – exercendo profissão incomoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos. Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses ou multa”.  Para além de tudo isto, é importante se considerar a Lei da Mobilidade Urbana (Lei n. 132.587/2012) os princípios: i) desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais “(art. 4º, inc. II) ii)“mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade”(art. 5º, inc. IV). E nas diretrizes para a regulação do serviços de transporte público coletivo: “melhoria da eficiência e eficácia na prestação dos serviços (art. 8º, III). Por todas estas razões, a omissão da prefeitura em realizar a proteção ambiental acústica, com o controle da poluição acústica, poderá ensejar sua responsabilidade objetiva pela desproteção aos direitos fundamentais à qualidade de vida, à saúde, à qualidade ambiental, direito ao trabalho, direito ao sossego e descanso e os princípios fundamentais da eficiência administrativa, eficiência energética e eficiência acústica.[14]

Nos novos rumos da política ambiental, é essencial a percepção dos ruídos urbanos como uma ameaça à saúde, ao trabalho, saúde e bem-estar dos cidadãos, sendo necessária a efetiva fiscalização ambiental sobre os poluidores acústicos, aplicando-se as devidas sanções legais, bem como promovendo-se campanhas de reeducação ambiental acústica. Cidades barulhentas, cidades doentes e degradadas!  

Você, na condição de cidadão, também pode participar deste movimento ambiental acústico de contenção de ruídos urbanos, manifestando-se perante a Secretaria do Meio Ambiente de sua cidade.  Para cidades mais saudáveis; cidadãos mais saudáveis, dependemos da prevenção quanto à degradação ambiental acústica!  Precisamos combater a omissão do poder público municipal quanto à fiscalização ambiental, a qual causa danos colaterais aos direitos fundamentais à vida, à saúde, à qualidade ambiental, ao direito ao trabalho, o direito ao sossego, de modo eficiente e periódico para a contenção dos ruídos urbanos.  Precisamos de novas regras mais equitativas, precisamos do fair play, aonde prevaleça a cultura do bem-estar humano, ao invés da cultura das máquinas barulhentas nas cidades. Não podemos deixar a normalização do patológico representado pelos ruídos urbanos. Precisamos superar este complexo cultural ruidoso no ambiente urbano, para cultura o bem-estar da comunidade de seu bairro!  

Ericson Scorsim. Advogado e Doutor em Direito do Estado pela USP.


[1] European Environment Agency (1994-2019), Environmental noise in Europe – 2020.

[2] O Conselho Estadual de Trânsito do Paraná na Resolução nº. 35/2015 estabelece a forma de fiscalização de motocicletas, motonetas ou ciclomotores em relação ao silenciador do motor explosão e emissão de gases. Ocorre que, na prática, raramente há fiscalização permanente sobre a poluição acústica causada por motocicletas.

[3] Segundo Resolução 252/1999 do CONAMA os limites de decibéis para escapamentos de motocicletas fica entre 75 decibéis a 80 decibéis, dependendo da cilindrada.

[4] A. Adolf. A Peace. A world history. Cambridge, UK and Malden, MA: Polity Press. Flint, Colin. Introduction to geopolitics. London and New York, Routledge, 2017.

[5] Ver: Mies, Maria and Vandana Shiva. Ecofeminism. London & New York, Zed Books, 2021.

[6] Obra citada. Rio de Janeiro, Objetiva, 2021.

[7] Resoluções INMETRO, CONAMA, entre outros.

[8] CF, art. 225, caput.

[9] CF, art, 225, §1º, IV.

[10] CF, art. 225, V.

[11] CF, art. 225, VI.

[12] CF, art. 225, §3º.

[14] Sobre o tema, ver: Souza, Renato Ferreira e Souza, Claudete. Responsabilidade civil sobre a poluição sonora provocada pelo transporte público na região metropolitana de São Paulo. Revista do Curso de Direito da Universidade Metodista de São Paulo, v. 15, n. 15, 2020. No estudo os autores apontam ações civis públicas para contenção de danos ambientais acústicos causados pelo sistema de transporte coletivo de passageiros.

Crédito de imagem: Visão Agro

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.