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Responsabilidade legal de Condomínios e Síndicos por ruídos causados por serviços contratados

07/04/2021

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP.

Em tempos de crise emergencial da saúde pública, causada pela pandemia do coronavírus, houve a necessidade de readequação do trabalho para determinados grupos em regime de home office. Assim, houve o crescimento significativo de realização de teletrabalho e a utilização de tecnologias de informação e comunicações para a realização de reuniões online.

Ocorre que este novo ambiente de trabalho para alguns (home office) é afetado por fatores indoors e outdoors  aos condomínios residenciais. Assim, é comum que ruídos causados por equipamentos elétricos-mecânicos causem a perturbação e o sossego alheio de moradores de condomínios. Os ruídos representam verdadeira agressão ao sentido humano da audição. Os ruídos atingem diretamente o cérebro.

Representam uma invasão à privacidade e intimidade das pessoas. Os ruídos se propagam através do ar, atingindo quartos, escritórios, sala de estar, cozinhas, entre outros compartimentos de um apartamento e/ou casa.  Somente pessoas aquinhoadas com recursos conseguem ter sistemas de proteção acústica com vidro duplos e/ou triplos, o que não é evidentemente, o caso da maioria dos brasileiros. O lar é para ser o ambiente sagrado de descanso é, no entanto, alvo de fontes de ruídos externas por outros condomínios e/ou fontes de ruídos interna (obra de construção civil dentro dos apartamentos). Muitos pacientes se encontram dentro de seus apartamentos em tratamento médico e necessitam de repouso e descanso, para cuidar de sua saúde, entretanto, fontes de ruídos sob a responsabilidade de condomínios impedem o sagrado descanso e repouso.

São ruídos produzidos por cortadores de grama, sopradores de folhas, furadeiras, serrilhas, martelos, entre outros, que degradam a qualidade e o bem estar dos moradores dos condomínios. Ora, os ruídos perturbam significativamente a saúde e o bem-estar dos moradores dos condomínios. A defesa do meio ambiente, por evidente, implica na proteção ao ambiente aonde vivem as pessoas. Por isso, a conexão necessária entre meio ambiente e saúde pública. Há pesquisas e estudos científicos comprovando o impacto do ruído no ritmo cardíaco, saúde mental e sono.[1]  Sobre o tema, há inúmeros estudos científicos que comprovam os danos causados por ruídos à saúde humana. A título ilustrativo, ver: Burden of disease from environmental noise. Quantification of healthy life years lost in europe. Neste estudo, há evidência dos danos causados ao ritmo cardíaco devido à poluição sonora. World Health Organization. European Comission, 2011. Ver, também, Technology for a quieter American. National Academy of Sciences.

Ora, a audição é um dos sentidos vitais ao ser humano. A audição é um sentido de sensibilidade corporal e mental. Há estudos de psicoacústica do impacto dos ruídos no corpo humano. A partir da audição, define-se a percepção ambiental e o sentido de equilíbrio do corpo. O desconforto acústico é grave sintoma de mal-estar pessoal.  Alguns ruídos são piores do que outros devido às frequências utilizadas, bem como do nível de sua propagação no ar. A audição integra a esfera da privacidade e intimidade da pessoa. Ocorre que diante de fontes de ruído urbanos (indoor e outdoor) as pessoas não têm mecanismos de defesa contra o barulho. Por isso, entendo que o ruído ambiental representa uma invasão à privacidade das pessoas.

O ambiente aonde a pessoa vive (sua casa) é um lugar sagrado.   Danos à audição são fontes agudas de perturbação do sossego alheio. Em sendo ruídos causados por prestadores de serviços aos condomínios, é óbvia a responsabilidade do condomínio e do respectivo síndico quanto à cessação dos ruídos perturbadores da qualidade ambiental dos moradores. É a lei que determina a cessação dos ruídos, basta conferir o Código Civil e a legislação municipal de cada cidade. A omissão dos condomínios e síndicos em adotar práticas mais sustentáveis ambientalmente na perspectiva da mitigação dos ruídos enseja a responsabilização civil e criminal. A causação de ruído por condomínio é uma prática abusiva contra o direito à não perturbação do sossego alheio. Além disto, eventual omissão do síndico e/ou administrador de condomínio pode ensejar investigar por eventual conflitos de interesse na gestão dos condomínios. Afinal, o síndico e/ou administrador deveria cuidar dos interesses relacionados ao bem-estar, saúde e meio ambiente dos proprietários e moradores dos condomínios. No entanto, na prática, alguns síndicos e administradores de condomínios estão mais focados em interesses econômicos e financeiros do que propriamente estão focados no cuidado dos interesses concretos dos moradores e proprietários dos condomínios. Por isso, seria oportuno novas práticas nos condomínios de maior controle de ruído ambiental, bem como de definição de hipótese de conflitos de interesse entre síndicos, administradores e os proprietários e moradores. Muitos edifícios residenciais tem sido geridos apenas como ativos financeiros-comerciais por alguns síndicos e administradores, com interesses pessoais na gestão, em detrimento do interesse dos proprietários e moradores.

No aspecto legal, registre-se a existência da contravenção penal de perturbação do sossego alheio, fato este que ensejar a responsabilidade penal dos responsáveis.  Ocorre que as Prefeituras têm se omitido quanto à fiscalização do ruído urbano causado por condomínios, incorrendo em responsabilidade por omissão no exercício de seu poder de polícia administrativa. As Prefeituras teriam que abrir processos administrativos contra condomínios fontes de ruídos urbanos e aplicar as sanções previstas na legislação. As Câmaras de Vereadores deveriam ter um papel mais ativo no sentido de medidas de mapeamento de ruídos urbanos e melhores práticas de gestão ambiental em prol do silêncio urbano. Em outros países, há práticas consolidadas de mapas de ruído urbano, isto é, a utilização de tecnologias como biosensores acústicos para monitorar em tempo real o impacto do ruído nos moradores das cidades. Há softwares especializados na medição acústica dos ruídos urbanos. E, ainda, em outros países, o tema das “smarts cities”, obviamente inclui mecanismos de “noise control”. Com as tecnologias de redes de telecomunicações 4G e, futuramente, 5G haverá o aumento exponencial de tecnologias acústicas de monitoramento ambiental no aspecto dos ruídos urbanos. E, ainda, considerando-se o contexto de inteligência artificial, big data e computação em nuvem é possível este monitoramento em tempo real dos ruídos urbanos.

Neste aspecto, precisamos distinguir as seguintes espécies de ruídos: ruídos humanos, ruídos animais e ruídos de máquinas. Riscos humanos e animais podem criar certo desconforto, mas podem ser tolerados, pois o nível de emissão acústica, em média, é baixo. Evidentemente, há situações abusivas como protestos na frente de hospitais e postos de saúde, o que compromete a saúde e bem estar de pacientes e trabalhadores.

Porém, o problema maior são os ruídos produzidos por máquinas (equipamentos elétricos-mecânicos), tais como: cortadores de grama, sopradores de folhas, furadeiras, serrilhas,  canos de escapamento de carros, motos e caminhões, entre outros. Em serviços de jardinagem que utilizam equipamentos barulhentos (cortadores de gramas e sopradores de folhas), é evidente a desproporcionalidade/irrazoabilidade dos meios utilizados. Estes equipamentos elétricos/mecânicos produtores de ruídos urbanos são onerosos, na medida em que causam intensos barulho. Não há uma relação inteligente de custo/benefício na utilização de equipamentos barulhentos. O condomínio a pretexto de realizar o serviço de jardinagem contrata o serviço mais barato, porém estes serviços criam malefícios aos próprios moradores na medida que se trata de uma fonte de ruídos intensos. Há mais malefícios do que benefícios no serviço de jardinagem no aspecto da poluição sonora.  Por isso, é da responsabilidade dos condomínios e dos respectivos síndicos a adoção de meios menos danosos ao meio ambiente, à saúde e ao bem estar dos moradores e respectivos vizinhos. Por outro lado, caso os condomínios não consigam encontrar uma solução técnica mais sustentável ambientalmente em substituição aos equipamentos elétricos-mecânicos barulhentos (cortadores de grama e sopradores), então é o caso de se pensar em uma alternativa de controle biológico da vegetação dos jardins, bem como soluções manuais de limpeza dos jardins, sem a utilização de equipamentos que representam verdadeira “tortura” psicológica para moradores e vizinhos.

Por isso, uma cidade verdadeiramente inteligente, um condomínio verdadeiramente inteligente, deveria cuidar para buscar “mais silêncio”, “menos ruído urbano”.  Neste sentido, é fundamental práticas inovadoras na gestão das cidades e na gestão dos condomínios, com mecanismos ágeis de controle do ruído urbano. A sustentabilidade ambiental é a conditio sine qua non para a gestão dos condomínios. Os condomínios jamais poderiam ser uma fonte de ruído urbano, uma fonte de mal estar para moradores e vizinhos, muito menos representar uma ameaça à saúde e ao meio ambiente.

Enfim, ruídos causados por condomínios “no make sense”, não há nenhum sentido para a comunidade  que vive dentro dos condomínios. É algo simples de ser resolvido, mediante adoção de filtros/silenciadores, barreiras acústicas, isolamento acústico. É preciso utilizar de inteligência comunitária quanto à solução. É fundamental a mudança do status quo baseado na cultura tóxica do ruído para uma cultura enraizada pro-silêncio. O respeito ao outro, ao vizinho, demanda melhores práticas na gestão ambiental dos condomínios, no que tange à defesa acústica de seus moradores. Por fim, é preciso compreender que existem ruídos inevitáveis inerentes às cidades, mas outros ruídos perfeitamente evitáveis e controláveis. Por isso, ruídos causados por equipamentos elétrico-mecânicos são perfeitamente evitáveis e controláveis, depende apenas da atitude consciente dos condomínios e síndicos e moradores a respeito de melhores práticas de gestão ambiental dos ruídos.  Além disto, é preciso diferenciar os condomínios barulhentos, com práticas insustentáveis ambientalmente, daqueles silenciosos, com práticas inovadoras de sustentabilidade ambiental.

Talvez, condomínios barulhentos sejam alvos de desvalorização patrimonial com o decorrer dos anos. Por isso, investimentos na gestão ambiental dos condomínios, com exigência de padrões ambientais dos prestadores de serviços, é uma medida necessária e adequada a uma nova cultura de bem estar nos condomínios, comprometida com o meio ambiente. 

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Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.