Um dos pilares da administração pública é a comunicação institucional. O governo tem o dever de informar a população sobre atos, programas, projetos e alertas, entre outros. Informações estão relacionadas a fatos, a evidências científicas/médicas. No contexto da trágica pandemia derivada do covid-19, o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal apurou uma série de ações lesivas praticadas pelo presidente da república contra o povo brasileiro. Ora, ao invés de o presidente da república conduzir a comunicação institucional séria e comprometida com a prevenção à saúde pública, ele adotou o tom de sua estratégia, através de redes sociais, estimular o contágio dos brasileiros, para alcançar a denominada “imunidade de rebanho”.
No cálculo político, a prioridade foi dada à minimização da pandemia (nas palavras do Presidente, uma “gripezinha), à campanha anti-vacina, ao não uso de máscaras e ao não distanciamento social, tudo para garantir a economia. E o que é pior disseminando-se notícias falsas (fake news), contribuindo para a manipulação da opinião pública. A tática foi de criar uma ilusão da opinião pública de que o vírus não teria tão letal, como os cientistas e médicos falavam. Portanto, contrariando, as evidências técnicas e as regras de contenção de epidemias, o presidente assumiu dolosamente o risco pelos resultados de suas condutas. Como resultado do desgoverno temos os resultados: mais de 610 (seiscentos e dez) mil brasileiros perderam suas vidas, mais as sequelas decorrentes dos efeitos adversos do covid-19. Há famílias de viúvos, viúvas, órfãos, perda de filhos, netos, sobrinhos, entre outros familiares.
Ora, a comunicação do presidente da república é capaz de influenciar a vida de milhões de brasileiros. Por isto, no âmbito da saúde pública, envolvendo informações sobre medicamentos e tratamentos médicos, qualquer informação errada é capaz de matar cidadãos. Portanto, falhas graves na comunicação presidencial no período da gestão da crise da pandemia, ensejam a responsabilização política do presidente da república, inclusive a responsabilidade criminal. Esta é a conclusão do relatório final da Comissão Parlamentar do Senado.
A comunicação presidencial, justamente pelo alcance que tem (potencial para atingir milhões de brasileiros), não pode ser vilipendiada. A liturgia do cargo da presidência da república em casos-extremos de liderança presidencial tóxica, como a que temos, merece respeito. O povo brasileiro foi sacrificado por falhas na gestão da crise da pandemia. Um governo péssimo teve o condão de agravar o cenário da crise da saúde pública. Por todas estas razões, é fundamental a mudança institucional quanto à responsabilização por falhas graves na gestão da crise da saúde pública, especialmente no âmbito da comunicação institucional. Práticas dolosas e culposas na gestão da comunicação institucional devem ser investigadas. Se constadas falhas na gestão da comunicação que resultou na disseminação da epidemia, é necessária a apuração dos crimes contra a saúde pública. Colocar em risco a vida e a saúde de uma pessoa representa um crime de perigo.
A autoridade pública responsável pelos destinos no país, no comando da gestão da crise da saúde pública, não pode falsificar dados da realidade e/ou minimizar os riscos de danos à saúde. O governo tem a responsabilidade de proteger os cidadãos e não causar e agravar riscos à vida e à saúde. O Brasil, devido a esta tragédia, precisa fixar em sua memória institucional, a responsabilidade em gestão da comunicação em crises, bem como a responsabilização dos agentes públicos que contribuíram para agravar o cenário da saúde pública, especialmente os líderes tóxicos. Comunicação institucional errada tem o poder letal e de causar danos à saúde pública!
É algo intolerável em um regime de responsabilidade democrática de proteção para com o povo brasileiro.
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Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor no Direito do Estado. Doutor em Direito pela USP
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