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Tecnologia 5G e o padrão de redes abertas e interoperacionais (Open Ran)

28/06/2021

A tecnologia de 5G (quinta-geração) aplicável às redes de telecomunicações será o novo padrão global. Neste contexto surge um potencial conflito quanto à propriedade intelectual. O fornecedor de tecnologia de 5G investiu significativamente bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento de seus produtos. Por isso, possui o registro de diversas marcas em decorrência dos investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento).

Os principais fornecedores globais de tecnologia 5G são: Ericcson (Suécia), Nokia (Dinamarca) e Huawei e ZTE, da China. Paradoxalmente, os Estados Unidos não possuem nenhuma empresa fornecedora global de tecnologia de 5G. De outro lado, há as empresas provedoras de serviços de telecomunicações e instaladoras de infraestruturas de redes as quais precisam adquirir a tecnologia de 5G. Esta tecnologia envolve equipamentos da rede central, rede periférica e equipamentos da rádio estação-base. Empresas norte-americanas de telecomunicações e de tecnologia passaram a defender um padrão técnico denominado Open Ran, isto é, Radio Acess Network. Advoga-se por um padrão aberto no acesso às redes de radiofrequências que possibilitem a competição, inovação e diversidade de vendedores desta tecnologia.

A Open Ran Policy Coalition defende seus interesses perante a Federal Communications Comission[1]. No Brasil, foi criada a Aliança Open-Ran  que se já encaminhou carta à Anatel, subscrita pela Qualcom, Cisco, IBM, Cpqd, Trópico, PADTEC, entre outras. Na Europa, também há passos na direção da afirmação do padrão Open-Ran nas redes de telecomunicações de 5G. A mídia especializada noticiou que a Telefônica, a Deusthe Telecom tem interesse neste padrão aberto. O Japão, através da empresa Rakuntem, teria iniciado testes com Open-Ran. A Alemanha teria criado um fundo de incentivo ao padrão Open-Ran. 

O conflito, portanto, envolve quatro partes. Primeiro, as empresas provedoras de serviços de telecomunicações. Segundo, as empresas fabricantes de tecnologia de 5G. Terceiro, há empresas interessadas em entrar no mercado de telecomunicações. Quarto, há as agências reguladoras e que vão  se posicionar sobre o tema. Este conflito refere-se ao contexto da disputa global  pela liderança global entre Estados Unidos e China. No Relatório Final da National Security Comission on Artificial Intelligence destaca-se a disputa por propriedade intelectual entre os Estados Unidos e China, inclusive acusa-se a China de promover o furto da propriedade intelectual.

Na parte prática, o titular da propriedade intelectual é que detém o direito de autorizar ou não o licenciamento de sua tecnologia para terceiros, inclusive cobrando royalties pela cessão de uso de sua patente. Se o titular da patente decidir por se recusar o licenciamento o caso poderá ser judicializado. Ou pode ser o titular da patente tenha feito um design de sua tecnologia de modo a ser incompatível com o uso por outros sistemas operacionais. Os defensores da Open-Ran na tecnologia 5G defendem um rede de telecomunicações aberta, o que, segundo eles, proporcionaria maior interoperacionalidade, competividade, inovação, diversificação de fabricantes e fornecedores de tecnologia 5G e segurança das redes. Mas, a Federal Communications Comission levantou uma série de dúvidas quanto à Open Ran, sobretudo quanto à segurança das redes de telecomunicações.[2] Também, questiona-se  se a Open-Ran é segura para as comunicações públicas.  

O imbróglio sobre a Open Ran decorre da proibição pelo governo norte-americano de fornecimento de equipamentos de rede de 5G pelas empresas chinesas Huawei e ZTE.  Os Estados Unidos não possuem nenhuma empresa com capacidade de atender seu mercado interno neste momento. Portanto, trata-se de um problema estrutural na cadeia de suprimentos dos equipamentos de rede de telecomunicações 5G. Por isso, quer-se a Open Ran, um padrão aberto que garanta a interoperacionalidade entre os equipamentos de diversos fabricantes e fornecedores de tecnologia 5G. Na nova lei denominada United States Innovation and Competition Act of 2021 há uma parte dedicada à criação de incentivos à produção de semicondutores nos Estados Unidos no contexto da Open-Ran das redes de telecomunicações 5G. No Brasil, a Anatel está iniciando o debate sobre as redes de telecomunicações Open-Ran. A sua área técnica manifestou-se no sentido do aproveitamento de recursos públicos do Funtel (fundo nacional de telecomunicações) para o desenvolvimento da arquitetura de redes de telecomunicações aberta. Há desafios, riscos e oportunidades na regulação do tema. A adoção do Open-Ran representa a flexibilização do direito de propriedade intelectual (patentes) sobre a tecnologia de 5G, fruto de investimentos intensos em pesquisa e desenvolvimento pelos fabricantes dos equipamentos de redes de telecomunicações. Registre-se aqui que a empresa Alga Telecom tem interesse em adotar o padrão de Open-Ran para redes 4G.

Há o desafio e riscos quanto a  adoção da arquitetura abertura em relação à segurança cibernética. Resta saber que as agências reguladoras globais imporão este novo padrão Open-Ran na tecnologia de 5G ou se adotarão uma postura de neutralidade tecnológica, deixando-se livremente as forças econômicas no mercado resolverem a questão. A princípio, realmente a agência reguladora não cabe definir o padrão tecnológico. Mas, o ponto nevrálgico aqui é a segurança cibernética das redes de telecomunicações. Se houver a mudança da arquitetura de redes de telecomunicações fechadas pela arquitetura de redes abertas há a mitigação dos riscos de ataques cibernéticos às redes de telecomunicações?

Afinal, em se tratando de redes de telecomunicações, estamos falando de integridade, confiabilidade e seguranças das redes e dados e a confidencialidade das comunicações dos usuários. Por isso, o tema é sensível e merece a ampla e aprofundada análise pela Anatel.  A Anatel informou que contratará estudos da Academia para avaliar as questões regulatórias, econômicas e políticas relacionadas ao Open-Ran. O tema envolve big business: empresas de telecomunicações, Big Techs e fornecedores de tecnologias de equipamentos de rede. As Big Techs têm interesse em ampliar a conectividade digital, por isso o interesse em Open-Ran, o que representa a diminuição de custos na implantação de redes de telecomunicações. Sabe-se que a tendência é de convergência digital entre os sistemas de telecomunicações e os de tecnologias de informação e comunicações. Ao que parece, haverá o predomínio do software, devido à virtualização das redes e a adoção da computação em nuvem e computação na borda. Apesar de tudo isto, é fundamental a consideração do ecossistema digital em sua globalidade, incluindo-se no debate as verticais impactadas pelas mudanças tecnológicas, a sociedade civil e os usuários finais. A princípio, há três opções regulatórias; i) a Anatel não regula, deixando-se o tema às livres forças do mercado definirem a questão; ii) a Anatel regula o tema, especialmente na questão da segurança cibernética das redes abertas; iii) opta-se pelo caminho da autorregulação pelos players do mercado. Enfim, o caminho está aberto à construção.  

Uma consideração final sobre o contexto do Open-Ran.  Os Estados Unidos possuem a lei denominada Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA), conhecida como Digital Telephony. Esta lei obriga às empresas de telecomunicações a adotar equipamentos de rede que possibilitem a intercepção das comunicações. Por isso, os fabricantes de equipamentos norte-americanos são obrigados a cumprir a lei. Além disto, os serviços de inteligência norte-americanos valem-se de técnicas avançadas para espionagem, mediante a infiltração em hardware, softwares e redes de telecomunicações, satélites e cabos submarinos. Ou seja, os serviços de inteligência dos Estados Unidos coletam dados de inteligência (SIGINT) das redes de telecomunicações.   Por isso, há riscos de que a Open-Ran possa ser utilizada para a ampliar a coleta de sinais de inteligência a partir das redes de telecomunicações móveis.  A briga toda dos Estados Unidos com a Huawei da China, ao que tudo, indica revela esta questão de inteligência nacional. Em sendo a Huawei uma empresa estrangeira, a princípio, com tecnologia fechada, há maiores obstáculos  quanto à interceptação das comunicações nas redes de telecomunicações pelos Estados Unidos. A principal acusação dos Estados Unidos contra Huawei é que a empresa espiona a serviços do governo da China. E os Estados Unidos não fazem a mesma coisa, através de suas empresas e seus serviços de inteligência? Recentemente, a mídia internacional noticiou o escândalo de espionagem contra o governo da Alemanha pelos serviços de inteligência da Dinamarca a mando dos Estados Unidos.

As empresas privadas norte-americanas são obrigadas a colaborar com os serviços de inteligência nacional, tal como ocorre na China. Moral da história: Estados Unidos e China têm capacidade para espionar e realizar ações encobertas em redes de telecomunicações em qualquer lugar do mundo. Diante disto, como fica o Brasil? Como vai proteger sua soberania de suas comunicações e proteger suas redes de telecomunicações? Com a palavra o Congresso Nacional e a Anatel para responder a questão.  

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito das Comunicações, com foco em tecnologias, infraestruturas, telecomunicações e mídia. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto no Brasil, Amazon, 2021.


[1] Open Ran Policy Coalition, Comments of the Open Ran Policy Coalition, before the Federal Communications Comission, abril, 2020.

[2] Federal Communications Comission, Notice of Inquiry. In the matter of promoting the deployment of 5G open  radio acess network, march 18, 2021.

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.