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Empresas TikTok e ByteDance processam governo dos Estados Unidos em razão do banimento de seus aplicativos por razões de segurança nacional

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação, com foco em tecnologias, mídias e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

As empresas chinesas TikTok  e ByteDance apresentaram ação judicial contra o governo dos Estados Unidos. Segundo a acusação do governo norte-americano os aplicativos móveis poderiam ser manipulados pelo governo chinês. Assim, o governo americano aprovou uma ordem presidencial banir estas plataformas de compartilhamento de informação e comunicação.

A ordem presidencial também proibiu transações com empresas subsidiárias. A TikTok argumenta que adotou todas as medidas para garantir a privacidade e a segurança dos usuários de seu aplicativo, incluindo-se a proteção de dados fora da China. A TikTok tem sede na Califórnia. A ByteDance está incorporada nas Ilhas Cayman, com escritórios nos Estados Unidos, China, Singapura, Reino Unido, Índia, entre outros. O aplicativo TikTok não é ofertado na China. A ByteDance possui operações na China, mediante uma plataforma de compartilhamento de vídeos denominada Douyin. Argumenta a TikTok que seu o modelo de negócios foi estruturado para proteger a privacidade e a segurança dos usuários de dados.

A empresa prioriza o armazenamento seguro dos dados. Os dados armazenados são criptografados. Também, há protocolos adicionais de segurança para impedir que as chaves de acesso à descriptografia dos dados. A criptografia é utilizada nos procedimentos de transmissão dos dados. A companhia segue protocolos de segurança dos maiores bancos americanos e empresas de comércio online. Há medidas de proteção contra invasão a banco de dados, hackers e outros atores maliciosos.

Segundo a empresa, não há nenhum vínculo entre TikTok e o governo chinês. Além disto, a empresa alega que prestou todas as informações demandadas pela agência governamental responsável pelo controle de investimentos estrangeiros nos Estados Unidos (CFIUS). Conforme a legislação norte-americana, o Presidente dos Estados Unidos pode proibir negócios encobertos que representem risco à segurança nacional. Em 2019, CFIUS contatou a ByteDance para revisar sua aquisição de Musical.ly, uma plataforma de compartilhamento de vídeos sediada na China. A aquisição da Musical.ly não afeta os compromissos do TikTok em relação à segurança e privacidade dos usuários de dados norte-americanos.

O CFIUS nunca reviu a aquisição da Musical.ly. Também, nunca apresentou razão para adotar medidas contra a TikTok por preocupações de segurança nacional. Além disto, na petição da ação judicial, argumenta-se que a TikTok foi banida em descumprimento ao devido processo legal.

A utilização da legislação denominada International Emergency Economic Powers Act e National Emergencies Act pelo Presidente para justificar a ordem presidencial de banimento da TikTok a pretexto da segurança nacional não foi realizada de de boa-fé. Assim, a ordem executiva falha em identificar as ameaças à segurança nacional representadas pela TikTok. Há meras suposições que não correspondem à realidade como as seguintes: “TikTok data collection threatens to allow the Chinese Communist Party acess to American’s personal and proprietary information-potentially allowing China to track the locations of Federal employees and contractors, build dossiers of personal information for blackmail and conduct corporate espionage”, “Tik Tok also reportedly censors content that the Chinese Communist Party deems politically sensitive, such as content concerning protests in Hong Kong and China’s treatment of Uyghurs and other Muslim minorities”, “Tik Tok may also be used for disinformation campaigns that benefit the Chinese Communist Party, such as when Tik Tok videos spread debunked conspiracy theories about the origins of the 2019 Novel Coronavirus”. Não hã nenhuma evidência sobre estes fatos de utilização pelos serviços de inteligência da China de extração de dados do TikTok.  E, ainda, alega-se na ação: “Instead of identifying any threats related to TikTok, the executive order draws upon the previosuly declared ‘national emergency whith respect fo the information and communications technology and services supply chain declared in Executive Order 13.873 of May 15, 2019 (Securing the Information and Communications Technology and Services Supply Chain)”. E prossegue: “That previous executive order was designed to address asserted U.S national security concerns about Chinese telecommunications companies. It found that ‘foreign adversaries are increasingly creating and exploiting vulnerabilities in information and comunications technology and services, whichh store and communicate vast amounts of sensitive information, facilitate the digital economy, and support critical infrastructure and vital emergency services, in order to commite malicious cyber-enabled actions, including economic and industrial espionage against the United States and its people’ and that the use of these information and communications techcnology and services ‘constitute an unusual and extraordinary threat to the national security, foreign policy, and economy of the United States”.

Conforme declaração do Presidente dos Estados Unidos: “President Trump’s august 6 order targeting TikTok purports to draw upon the national emergency establhished in Executive Order 13.873, and newly declares that ‘the spread in the United States of mobile applications developed and owned by companies in the People’s Republic of China(China) continues to threaten the national security, foreign policy, and economy of the United States’, and that ‘action must be taken to address the threat posed by one mobile application in particular, TikTok”.

Ademais, a ordem presidencial impôs condições para a realização do desinvestimento nas operações do TikTok nos Estados Unidos. Também, a ordem presidencial considerou possíveis ameaças à segurança nacional pelo pela aquisição do Musical.ly pela ByteDance, conforme recomendação do CFIUS. Mas, conforme a petição de defesa, o Presidente ignorou os esforços de mitigação pelo TikTok e Bytebance. A alegação na ordem presidencial de riscos à segurança nacional é contrária à boa-fé, trata-se apenas de uma campanha política pelo Presidente anti-China.

Houve, inclusive, a realização pela campanha de reeleição do Presidente de anúncios online no TikTok, com mensagens para banimento do aplicativo. A ordem presidencial viola a cláusula do devido processo legal à medida que impõe uma privação aos direitos de propriedade do TikTok e Bytedance. Ademais, a ordem presidencial não está baseada na boa-fé, ao invocar a lei de emergência nacional.  Segundo a defesa, a regulamentação em que ampara a ordem executiva 13.873 é aplicável às empresas de telecomunicações.

Eis o trecho da petição: “TikTok Inc. is not a telecommunications provider and it does not provide the types of technology and services contemplated by the 2019 executive order. Specifically, TikTok Inc. does not provide the hardware backbone to ‘facilitate the digital economy’, and TikTok Inc. has no role in providing  ‘critical infrastructure and vital emergency services’. Rather, TikTok Inc. is a social media company, and the TikTok mobile application is a software plataform on which user express their views and opinions in short form video”. E, ainda, a petição de defesa destaca: “Apart from its misplaced reliance on Executive Order 13.873, the order fails on its face to identify any actual threat that TikTok poses to the national security of the United States. As noted above, the order states, without any explanation and in direct conflict with the voluminous agency record of Tik Tok’s robust data security practices, that TikTok (i) engages in data collection practices that ‘potentially allow (China)’ to make use of U.S user data for nefarious purposes, (ii) ‘reportedly censors content’ and (iii) ‘may be used for disinformation campaigns. The speculative assertions, made without any evidentiary foundation, do not constitute a bona fide national emergency”.

Contina a petição de defesa: “The executive order is accordingly ultra vires because it is not based on a bona fide national ‘emergeny’ as that ther was used by Congress. The text of IEEPA requires that an ‘emergency’ be an ‘unsual and extraordinary threat’50 U.S.C 1701 (a). The legislative history of IEEPA makes clear that emergencies within the meaning of the statute are ‘rare and brief’ as opposed to ‘normal, ongoing problems”.

Por outro lado, a ordem executiva representa excesso de poder à medida que suas proibições são mais ampliadas do que o propósito originário de ameaça à segurança nacional invocado pelo Presidente. A ordem presidencial proíbe qualquer operação com ByteDance, assim vai além da sua finalidade originária que é atingir o TikTok. Igualmente, a ordem presidencial representa excesso de poder à medida que restringe comunicações pessoais e transmissão de informações em ofensas à própria legislação sobre os poderes emergenciais (IEEPA).

Segundo a lei (International Emergency Economic Powers Act), a autoridade outorgada ao Presidente: “does not include the authority to regulate or prohibit, directly or indirectly … any postal, telegraphic, telephonic, or other personal communication, which does not involve a transfer of anything of value”.  E mais, há a ofensa, segundo a defesa, pelo International Emergency Economic Power Act da doutrina da não delegação de poderes.

Eis o trecho pertinente na petição: “The lack of any intelligible principle to guide or constrain the President’s action is manifest in the TikTok executive order, which purports to ban a U.S company based in parte on the content of the communications transmitted on its platform and without any bona fide national security basis. This overbroad exercise of authority confirms that the statute has become ‘nothing more than the will fo the current President”.  Ademais, a ordem executiva representa violação à liberdade de expressão, exercida através do TikTok. Ao final, requer o reconhecimento da ilegalidade e inconstitucionalidade da ordem executiva 13.942.

Em síntese, o governo norte-americano na disputa pela liderança global com a China está criando riscos geopolíticos diversas empresas de tecnologia, principalmente às empresas norte-americanas fornecedoras de tecnologia para empresas chinesas, bem como às empresas chinesas de tecnologia e provedores de aplicativos.

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The Impacts of the Mercosur and European Union Agreement on Telecommunications in Brazil

Ericson Scorsim. Lawyer and Consultant in Communication Law, with a focus on Technologies, Media, and Telecommunications. PhD in Law from the University of São Paulo (USP).

Mercosur and the European Union entered into a proposed trade agreement with impact on various economic activities. The aim is to promote trade freedom of services and business establishments. But the agreement still must be approved internally by the legislature of each of the participating countries. In any case, it is an important step in bringing the countries of South America, which are part of Mercosur, closer to Europe. Regarding the telecommunications industry, there are several provisions that authorize service providers from any of the countries that have signed the agreement to establish, build, acquire, assign, operate or provide telecommunications networks or services. Broadcasting services, as well as services providing editorial content are excluded from the commercial agreement.

According to the agreement, the telecommunications regulatory authorities must publish their regulatory acts in a clear manner, to simplify their understanding. In addition, regulatory procedures must be impartial, with respect to all market participants. Licenses to provide telecommunications services should be granted, where possible, following a simplified procedure. The reasons for denying a license to provide telecommunications services must be known. Countries should adopt practices to protect competition and repress abuses by the dominant power. Also, the parties must ensure that the major telecommunications providers guarantee the right of access to other competitors in a reasonable and non-discriminatory manner. Any telecommunications service provider has the right to negotiate interconnection with other providers. For scarce resources such as radio spectrum, public allocation policies should be objective, timely, transparent, and non-discriminatory.

The frequency allocation plan must be publicly available. Each country has the right to define what the universal services are. On the other hand, the Parties must ensure the confidentiality of telecommunications and data traffic on public telecommunications networks to avoid arbitrary or unjustifiable discrimination in the trade of such services. Furthermore, the parties must ensure transparency and reasonable prices for international roaming services, to promote trade growth between countries and consumer welfare. The agreement also provides for freedom of trade.

However, it establishes some technical barriers to trade. Thus, Annex I contains safety rules regarding electronic and electrical equipment. Also, on the electromagnetic compatibility of equipment using radiocommunication. In addition, there are standards on energy efficiency certificates of products. And the restriction of toxic substances in electronic and electrical equipment. Moreover, it holds procedures for the declaration of technical conformity of the supplier of products, based on their responsibility before a certification body. And, still, there is the possibility of international mutual recognition through a validation system. In this regard, a Mercosur country may request technical recognition based on its legislation and regulations in bilateral agreements, including memorandum of understanding. In being recognized as valid the declaration of technical conformity, according to European Union’s procedure, the report of the test carried out by the advisory bodies located in the Mercosur countries, the document is valid before the European Union and its technical regulations.  In addition to these subjects, the agreement provides for rules on e-commerce. For the time being, the agreement between Mercosur and the European Union is still under negotiation.

The parliaments of the respective countries integrating the two regional blocs must adopt the procedures for approval of the aforementioned international treaty and incorporate it into their internal law. It should be noted that the European Union and the United States, in 1999, already signed an agreement on mutual recognition of telecommunications equipment and electromagnetic compatibility of products.[1] Also, the United States and the United Kingdom signed an agreement for mutual recognition of telecommunications equipment in 2011.[2] In short, this agreement between Mercosur and the European Union is an important step towards the international trade of telecommunications products and services, as well as the affirmation of international law related to the mutual recognition of declarations of technical conformity for telecommunications equipment, harmonizing international rules that impact telecommunications services.  Even more so now in the context of 5G technology and IoT devices, this international regulatory standardization is essential.  As mentioned, the integration of the international agreement depends on ratification by the parliaments of the countries that make up the two regional blocs, something that will take a few years.

[1] Agreement on mutual recognition between the European Community and the United States of America, which encompasses: Telecommunication equipment, electromagnetic compatibility (EMC), electrical safety, recreational craft, pharmaceutical good manufacturing practices e medical devices.

[2]See: Agreement on mutual recognition between The United States of America and The United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland, covering: telecommunications equipment, electromagnetic compatibility (EMC0) and pharmaceutical good manufacturing practices (GMPS0.

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Acordo Mercosul e União Europeia: impacto sobre as telecomunicações no Brasil

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação, com foco em mídias, tecnologias e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP.

O Mercosul e a União Europeia firmaram proposta de acordo comercial com impacto em diversas atividades econômicas. O objetivo é o promover a liberalização do comércio de serviços e de estabelecimento comercial. Mas, o acordo depende ainda de aprovação legislativa interna  por cada um dos países participantes. De todo modo, é um importante passo de aproximação entre os países da América do Sul, que fazem parte do Mercosul, e a Europa.

Em relação ao setor de telecomunicações, há diversos dispositivos que autorizam um fornecedor de serviços de qualquer dos países signatários do acordo de estabelecer, construir, adquirir, ceder, operar ou fornecer redes de telecomunicações ou serviços. Exclui-se do acordo comercial os serviços de radiodifusão, bem como os serviços de provimento de conteúdo editorial.  Segundo o referido acordo, as autoridades regulatórias de telecomunicações devem publicar seus atos regulatórios com clareza, para simplificar a sua compreensão. Além disto, os procedimentos regulatórios devem ser imparciais, em relação a todos os participantes do mercado. As licenças de prestação dos serviços de telecomunicações devem ser outorgadas, quando possível, seguindo-se um procedimento simplificado. As razões de negação de uma licença para prestação do serviço de telecomunicações devem ser conhecidas.

Os países devem adotar práticas para proteger a competição, bem como para reprimir abusos de poder dominante. Também, as partes devem assegurar que os maiores fornecedores de telecomunicações garantam o direito de acesso a outros competidores de modo razoável e não discriminatório.

Quaisquer dos fornecedores de serviços de telecomunicações tem o direito de negociar a interconexão com outros provedores. Em relação aos recursos escassos, como o espectro de radiofrequências, as políticas públicas de alocação devem ser objetivas, tempestivas, transparentes e não discriminatórias. O plano de alocação de frequências deve estar disponível publicamente. Cada país tem o direito de definir quais sejam os serviços universais. Por outro lado, as partes devem assegurar a confidencialidade das telecomunicações e tráfego de dados pelas redes públicas de telecomunicações, de modo a evitar práticas arbitrárias ou injustificáveis discriminações no comércio de serviços. Ademais, as partes devem assegurar a transparência e razoáveis preços para os serviços de roaming internacional, de modo a favorecer o crescimento do comércio entre os países e o bem estar do consumidor.

O acordo também dispõe sobre a liberdade de comércio. Porém, estabelecem algumas barreiras técnicas ao comércio. Assim, no anexo I, regras de segurança em relação a equipamentos eletrônicos e elétricos. Também, sobre a compatibilidade eletromagnética de equipamentos que utilizem radiocomunicações. Além disto, há normas sobre os atestados de eficiência energética de produtos. E a restrição de substâncias tóxicas em equipamentos eletrônicos e elétricos. Ademais, há previsão dos procedimentos de declaração de conformidade técnica do fornecedor de produtos, fundamentando-se em sua responsabilidade perante um órgão certificador. E mais, há possibilidade de um sistema de mútuo reconhecimento internacional, mediante um sistema de validação. Neste aspecto, um país do Mercosul pode requerer, baseando-se em sua legislação e regulamentação em acordos bilaterais, inclusive memorando de entendimentos, reconhecimento técnico. Em sendo reconhecida como válida a declaração de conformidade técnica, de acordo com o procedimento da União Europeia, o relatório do teste realizado pelos órgãos de assessoramento localizados nos países do Mercosul, o documento é válido perante a União Europeia e suas regulamentações técnicas.  Para além destes temas, o acordo prevê regras sobre e-commerce. Por ora, há apenas as tratativas sobre o acordo entre o Mercosul e a União Europeia.

Os parlamentos dos respectivos países integrantes dos dois blocos regionais devem adotar os procedimentos para operacionalizar a aprovação do referido tratado internacional, bem como a incorporação em seu direito interno. Destaque-se que a União Europeia e os Estados Unidos já em 1999 firmaram um acordo de reconhecimento mútuo de equipamentos de telecomunicações e de compatibilidade eletromagnética de produtos.[1] Também, Estados Unidos e Reino Unido, em 2011, assinaram um acordo de reconhecimento mútuo de equipamentos de telecomunicações.[2] Em síntese, este acordo entre Mercosul e União Europeia é um importante passo para o comércio internacional de produtos e serviços de telecomunicações, bem como a afirmação do direito internacional relacionados ao reconhecimento mútuo de declarações de conformidade técnica de equipamentos de telecomunicações, com a harmonização das regras internacionais que impactam os serviços de telecomunicações.  Ainda mais agora no contexto da tecnologia de 5G e dispositivos IoT é fundamental este uniformização regulatória internacional. 

Como referido, a integração do acordo internacional depende de ratificação pelos parlamentos dos países que integram os dois blocos regionais, algo  que demorará alguns anos.


[1] Agreement on mutual recognition between the European Community and the United States pof America, o qual abrange: Telecommunication equipment, electromagnetic compabitility (EMC), eletrical safety, recreational craft, pharmaceutical good manufacturing practices e medical devices.

[2] Ver: Agreement on mutal recognition between The United States of America and The United Kindom of Great Britain and Northern Ireland, o qual abrange: telecommunications equipment, electromagnetic compability (EMC0) e pharmaceutical good manufacturing practices (GMPS0.

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Acordo Estados Unidos e Reino Unido sobre de reconhecimento mútuo de padrões técnicos de equipamentos de telecomunicações

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação, com foco em mídias, tecnologias e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor da coleção de Ebooks Direito da Comunicação.

Estados Unidos e o Reino Unido aprovaram acordo bilateral, em 2017, para ampliar o comércio entre os países em relação aos equipamentos de telecomunicações.[1] Declararam que o reconhecimento das declarações de conformidade técnica emitidas pelas empresas fornecedoras de equipamentos de telecomunicações entre os países, após o procedimento de certificação por entidade designada para esta função, é uma medida positiva para pequenas e médias empresas.

Este acordo facilita o comércio internacional dos equipamentos de telecomunicações, ao simplificar o procedimento de verificação de conformidade técnica dos produtos. Neste aspecto, as entidades designadas para realizar os procedimentos de certificação definiram as condições para o reconhecimento da declaração conformidade, de acordo com a regulamentação nacional.   Exemplo: um radar fabricado por uma empresa norte-americana é certificado pelos órgãos técnicos norte-americanos. O mesmo procedimento se aplica em relação a satélites, smartphones, drones, etc. A empresa fabricante/fornecedora com mera declaração de conformidade técnica, após obter a certificação técnica, então possuirá a capacidade de exportar este equipamento para o Reino Unido, o qual será reconhecerá a validade da declaração de conformidade técnica.

Nos Estados Unidos, o órgão responsável pela designação das entidades responsáveis pela declaração de conformidade é o National Institute of Standards and Technology (NIST). No Reino Unido, o respectivo órgão responsável é o Departament for Business, Energy and Industrial Strategy (BEIS).  Conforme o referido acordo: “The objetive of such mutual recognition is to provide effective market acess between the United States and the United Kindgom with regard to conformity assessment for all products covered under this Agreement”. Há regras sobre as entidades certificadoras dos equipamentos de telecomunicações. Cada país é responsável pela formulação da listagem de entidades com autoridade para certificar os produtos. 

Há mecanismos de fiscalização das entidades responsáveis pelas declarações de conformidade. É preservada a autoridade regulatória de cada país, para regulamentar o tema. Há normas sobre a adequação e compatibilização dos padrões de radiofrequências dos equipamentos de telecomunicações (compatibilidade eletromagnética). Há regras comuns para o acesso ao mercado norte-americano por fabricantes e fornecedores de equipamentos de telecomunicações britânicos.

Há regras comuns para o acesso ao mercado britânico por fabricantes e fornecedores norte-americanos. Além disto, há normas para a suspensão das entidades certificadoras dos produtos de telecomunicações. Mas, a eficácia do acordo depende de alguns procedimentos internos em cada país. Para o Reino Unido, há a expectativa que entre em vigor em 2021.  A saída do Reino Unido da União Europeia atrasou a vigência do acordo. Destaque-se que a União Europeia e os Estados Unidos possuem acordo bilateral para o reconhecimento mútuo de equipamentos de telecomunicações e sobre compatibilidade eletromagnética, já assinado em 1999. Por outro lado, destaca-se que no acordo entre o Mercosul  e a União Europeia há regras sobre estes procedimentos de reconhecimento mútuo dos padrões técnicos dos equipamentos de telecomunicações.

Porém, há, ainda, procedimentos internos para a incorporação do tratado internacional no âmbito interno dos respectivos países integrantes do Mercosul e da União Europeia.  Não há prazo definido para a vigência deste acordo internacional, o qual dependerá da ratificação pelo parlamento dos respectivos países. Em síntese, o acordo comercial em análise trata de um importante instrumento de fortalecimento do comércio internacional entre Estados Unidos e Reino Unido no setor de telecomunicações, bem como para fixar as bases do direito internacional em relação ao tema do reconhecimento mútuo de declarações de conformidade técnica.


[1] O acordo inclui também a Irlanda do Norte.

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Crédito de R$ 11 bilhões da Anatel não terá preferência no plano de recuperação da Oi

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para suspender decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que a manteve entre os credores quirografários – sem preferência ou prioridade legal – no plano de recuperação judicial do Grupo Oi.

Na decisão, tomada por maioria de votos, o colegiado considerou que os créditos reivindicados pela Anatel – que somam mais de R$ 11 bilhões, relativos a multas aplicadas pela agência – têm natureza administrativa e, portanto, não podem ter o tratamento prioritário destinado aos créditos tributários.

O plano de recuperação do Grupo Oi foi homologado pela 7ª Vara Empresarial do Rio, decisão posteriormente mantida pelo TJRJ.

No pedido de suspensão relacionado à classificação de seus créditos, a Anatel alegou que há grave lesão à economia pública, pois o crédito público estaria recebendo tratamento discriminatório em relação aos de natureza privada.

Segundo a agência, o plano aprovado incluiu a aplicação de abatimentos e condições desfavoráveis para o recebimento de seus créditos, inclusive com parcelamento não previsto pela legislação, o que acarretaria prejuízo bilionário para os cofres públicos.

Manutençã​​​o de empregos

O ministro João Otávio de Noronha apontou que, ao indeferir monocraticamente o pedido da Anatel, entendeu não haver ofensa à economia e à ordem públicas. Além disso, naquela decisão, o presidente do STJ considerou que a suspensão traria o risco de inviabilizar a recuperação de um grupo de empresas com atuação em todas as regiões do país e comprometer o emprego de grande número de pessoas vinculadas direta ou indiretamente ao conglomerado.

“Na verdade, se há interesse público suscetível de ensejar maiores cuidados ou preocupações governamentais, reside ele na necessidade de preservação da empresa recuperanda, de modo a se assegurar a manutenção dos milhares de empregos diretos e indiretos ali oferecidos a brasileiros das mais diversas classes sociais, sobretudo das mais carentes. Pensar de modo diverso é, mais do que não compreender a realidade do país, compactuar com a absurda ideia dos personagens de Esopo na bela fábula da galinha dos ovos de ouro”, afirmou o ministro.

Além de ressaltar a impossibilidade da utilização do pedido de suspensão como mero substituto de recurso, João Otávio de Noronha lembrou que a questão é eminentemente técnica, relativa ao enquadramento jurídico dado pelo TJRJ aos créditos decorrentes de multas aplicadas pela Anatel ao Grupo Oi. Nessas hipóteses, o ministro destacou a existência de julgados de diversos tribunais no sentido de que esses créditos não podem ser tratados como tributários – o que confirma a legalidade da conclusão adotada pelo tribunal fluminense.

Natureza administr​​​ativa

Em seu voto, o ministro Noronha lembrou que, em decisão anterior do STJ também relativa à inclusão da Anatel no plano de recuperação da Oi, destacou-se que os atos praticados pelo administrador judicial têm natureza administrativa, enquadramento que afasta a possibilidade de cautela judicial na hipótese.

“Assim, conclui-se que a agravante tenta suspender várias decisões proferidas no processo de recuperação judicial do Grupo Oi e que, em mais de uma oportunidade, a presidência do Superior Tribunal de Justiça, ao lançar breve olhar sobre o mérito, constatou que a agravante utilizara a excepcional medida como sucedâneo de recurso, o que é incabível”, concluiu o ministro.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):SLS 2433

Fonte: Superior Tribunal de Justiça – STJ

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The Geostrategic Option for Brazil to Strengthen Data Infrastructure: A Review of the European Cloud Computing Project GAIA-X

Ericson Scorsim. Lawyer and Consultant in Communication Law. PhD in Law from the University of São Paulo (USP). Author of the book collection on Communication Law, with a focus on Technologies, Media, and Telecommunications.

The European Union, under the leadership of France and Germany, is carrying out the project called GAIA-X for data infrastructure. The aim is to strengthen the European Union’s sovereignty over data to encourage the creation of a digital ecosystem.  According to the program’s official documents: “data sovereignty in the sense of complete control over stored and processed data and also the independent decision on who is permitted to have access to it”.[1] And also on data sovereignty: “sovereign data services which ensure the identity of source and receiver of data and which ensure the access and usage rights towards the data”.[2] In the text, one of the stated objectives is: “protection against non-European extra-territorial regulatory: protection again t abuse of national regulations that allow to access data stored in cloud infrastructures or services is an essential part of the European federated data infrastructure“.[3] The data infrastructure is a federative infrastructure that consists of components and services that make it possible to access, store, exchange, and use data according to pre-defined rules.

The digital ecosystem is the network of developers, providers and users of digital products and services. In short, the aim of the GAIA-X project is to provide incentives to European cloud computing companies, ensuring the competitiveness of European Union countries. It is categorically stated that the project is a geostrategic response by the European Union to the passing of the Cloud Act by the United States. It is also a reaction to the competitiveness of the U.S. companies IBM, Microsoft, Google, and Amazon, which are leaders in the infrastructure as service market.   There is only one global Chinese competitor in this segment: Alibaba.

The project is set in the context of the unique data market and the strengthening of the European digital economy. For the European Union, there is the public policy of defending the data of European industry. Starting in 2021, the project is expected to be completed with the installation of cloud computing infrastructures. One of the main points of the project is to ensure interoperability between systems to enable migration to European cloud computing companies. Another goal is to ensure control over data on European territory. This European Union geostrategy for strengthening data infrastructure capacity can serve as an inspiration for Brazil. In this respect, a national policy of incentives for data infrastructure capacity is needed, aligned with an industrial policy and digital trade policy, and including national defense policy. These public policies are essential for the country’s adaptation in the 5G technology and  Internet of Things scenario, allowing for the best economic use.  After all, the country that controls the 5G digital infrastructure controls its digital economy. In Brazil, the main telecommunication companies present here have European headquarters (Tim and Telefonica, except for Mexico’s América Móvel, and Oi and Algar Telecom).

These telecommunications companies have the fundamental role of deploying connectivity in Brazilian territory. Thus, they have the ultimate responsibility for defining how best to provide 5G technology. Also, the main suppliers of 5G technology are European: Ericcson (Sweden) and Nokia (Finland). In Asia, there’s South Korea with Samsung. Thus, Brazil has other interesting geostrategic options regarding 5G technology that go beyond those offered by the United States and China. The best thing for Brazil is to maintain neutrality in this conflict for global leadership between the United States and China. But the country can take advantage of the opportunities in redefining the global 5G technology supply chain, with incentives to attract foreign investments in this production chain here in Brazil, attracting investments in microchip factories and installation of data centers. It is essential for Brazil, like the European Union, to reflect on the risks of abuse in the application of U.S. legislation (Cloud Act), which allows access to data located in other countries. It is key for Brazil to affirm its sovereignty in cyberspace, strengthening its capacity for cyber defense against possible risks of abuses in the application of foreign legislation in an extraterritorial manner. 

In the coming decades, 5G, IoT, artificial intelligence, and big data will be the driving forces of the digital economy, which is why it is essential for the country to prepare itself for this global scenario.

[1] Project GAIA-X. A Federated Data Infrastructure as the Cradle of a Vibrant European Ecosystem. Federated Data Infrastructure. Federal Ministry for Economic Affairs and Energy and Federal Ministry of Education and Research.

[2]Work cited.

[3] Project GAIA-X. A Federated Data Infrastructure as the Cradle of a Vibrant European Ecosystem. Federated Data Infrastructure. Federal Ministry for Economic Affairs and Energy and Federal Ministry of Education and Research.

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A opção geoestratégica para o Brasil de fortalecimento da infraestrutura de dados: análise do projeto Europeu de computação em nuvem GAIA-x

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação, com foco em tecnologias, mídias e telecomunicações.

A União Europeia, sob a liderança da França e Alemanha, está realizando o projeto denominado GAIA-X de infraestrutura de dados. O objetivo é fortalecer a soberania da União Europeia sobre os dados, para incentivar a criação de um ecossistema digital.  Segundo o texto oficial do programa: “data sovereignty in the sense of complete control over stored and processed data and also the independent decision on who is permitted to have acess to it”.[1] E, também, sobre a soberania dos dados: “sovereign data services which ensure the identity of source and receiver of data and which ensure the acess and usage rights towards the data”.[2] No texto, um dos objetivos declarados é: “protection against non-European extra-territorial regulatinos: protection againt abuse of national regulations that allow to acess data stored in cloud infrastructures or services is an essential part of the European federated data infrastructure”.[3] E, ainda, a infraestrutura de dados é uma infraestrutura federativa que consiste de componentes e serviços que tornam possível acessar dados e armazenar, trocar e utilizar conforme regras pré-definidas.

O ecossistema digital é a rede de desenvolvedores, provedores e usuários de produtos e serviços digitais. Em síntese, o objetivo do projeto GAIA-X é incentivar empresas europeias de computação em nuvem, assegurando a competitividade dos países da União Europeia. Afirma-se, categoricamente, que o projeto é uma resposta geoestratégica da União Europeia em relação à aprovação pelos Estados Unidos do Cloud ActE, também, a reação à competitividade das empresas norte-americanas IBM, Microsoft, Google e Amazon, as quais são líderes no mercado de infrastructure as service.   Há um único competidor chinês global neste segmento: Alibaba.

O projeto está inserido no contexto do mercado único de dados e o fortalecimento da economia digital europeia. Para a União Europeia, há a política pública de defesa dos dados da indústria europeia. A partir de 2021, há expectativa de efetivação do projeto com a instalação de infraestruturas de computação em nuvem. Um dos pontos principais do projeto é a garantia da inter operacionalidade entre os sistemas, para possibilitar a migração para as empresas de computação em nuvem europeias. Outro objetivo é garantir o controle sobre os dados em território europeu. Esta geoestratégica da União Europeia de fortalecimento da capacidade de infraestrutura de dados pode ser inspiradora para o Brasil.

Neste aspecto, é necessária uma política nacional de incentivos à capacidade de infraestrutura de dados, alinhada à política industrial e à política de comércio digital e, inclusive à política de defesa nacional. Estas políticas públicas são essenciais à adaptação nacional no cenário da tecnologia de 5G e a internet das coisas, tornando-se possível o melhor aproveitamento econômico.  Afinal, o País que controlar a infraestrutura digital de 5G controla a sua economia digital. No Brasil, as principais empresas de telecomunicações que aqui são de matriz europeia (Tim e Telefônica, à exceção da América Móvel do México e da Oi e da Algar Telecom. Estas empresas de telecomunicações tem o papel fundamental de levar à conectividade em território brasileiro. Assim, elas têm a responsabilidade final quanto à definição da melhor forma quanto ao fornecimento de tecnologia de 5G. Também, os principais fornecedores de tecnologia de 5G são europeus: Ericcson (Suécia) e Nokia (Finlândia). Na Ásia, há a Coréia do Sul com a Samsung. Portanto, o Brasil tem outras opções geoestratégicas interessantes para além daquelas oferecidas pelos Estados Unidos e China. O melhor para o Brasil é manter a neutralidade diante do conflito pela liderança global entre Estados Unidos e China. Mas, o País pode aproveitar as oportunidades na redefinição da cadeia global de suprimento de tecnologia de 5G, com incentivos à atração de investimentos estrangeiros nesta cadeia produtiva, aqui no Brasil, atraindo investimentos em fábricas de microchips e instalação de data centers. É fundamental que o Brasil, tal como a União Europeia, reflita sobre os riscos de abusos na aplicação da legislação norte-americana (Cloud Act), o qual possibilita o acesso a dados localizados em outros países. É fundamental que o Brasil afirma sua soberania no ciberespaço, fortalecendo sua capacidade de defesa cibernética, contra eventuais riscos de abusos na aplicação da legislação estrangeira de modo de extraterritorial.  

Nas próximas décadas, o 5G, IoT, a inteligência artificial e o big data serão os fatores de impulsionamento da economia digital, razão pela qual  é fundamental o país se preparar este contexto cenário global.

[1] Project GAIA-X. A Federated Data Infrastructure as the Cradle of a Vibrant European Ecosystem. Federated Data Infrastructure. Federal Ministry for Economic Affairs and Energy and Federal Ministry of Education and Research.

[2] Obra citada.

[3] Project GAIA-X. A Federated Data Infrastructure as the Cradle of a Vibrant European Ecosystem. Federated Data Infrastructure. Federal Ministry for Economic Affairs and Energy and Federal Ministry of Education and Research.

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As Big Techs norte-americanas, a influência sobre o ecossistema digital global e o soft power

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

Em julho de 2020, o Senado dos Estados Unidos, por sua Comissão de Justiça (e subcommitee on Antitrust, Commercial and Administrative Law), realizou uma audiência pública para ouvir os representantes das empresas Amazon, Apple, Google e Facebook. 

O objetivo da audiência é a investigação sobre práticas monopolistas de mercado, com abusos de poder econômico pelas referidas empresas.  Juntas as empresas possuem faturamento superior a 5 (cinco) trilhões de dólares, um valor muito superior ao PIB do Brasil. A Amazon foi indagada respeito de suas práticas comerciais em relação aos revendedores.

As autoridades norte-americanas querem saber que a Amazon coleta dados confidenciais de revendedores em sua loja virtual, para o fim de promover seus próprios produtos, ao invés dos produtos das empresas concorrentes. Citou-se como exemplo a venda do smart speaker Alexa, com descontos no preço, como uma tática para acessar o mercado de smarthome. O fundador e Diretor Executivo Jeff Bezon, em depoimento ao Senado,  informou que a Amazon investiu na última década mais de U$ 270 bilhões de dólares. E que o sucesso da empresa depende do sucesso de milhares de pequenos e médios negócios que vendem seus produtos na plataforma da Amazon. Segundo, mais de 1,7 milhões de pequemos e médios negócios vendem seus produtos nas lojas da Amazon em todo o mundo. Também, Apple foi questionada a respeito de suas práticas comerciais em relação aos desenvolvedores de aplicativos. Há acusações de que Apple beneficia seus próprios produtos, em detrimento de produtos concorrente em sua loja virtual. Conforme o CEO Tim Cook, o modelo da App Store foi criada para possibilitar opções de distribuição para os desenvolvedores de software online.  Atualmente, a App Store oferece mais de 1,7 milhões de aplicativos, sendo 60% (sessenta por cento) software da Apple. O Facebook foi perguntado sobre as suas práticas de coleta de dados de empresas concorrentes, bem como sobre a aquisição de empresas concorrentes como o Instagram e o WhatsApp.

Os Senadores querem saber se o Facebook utiliza de seu poder econômico para restringir a concorrência, eliminando-se os concorrentes e impedindo a inovação e o surgimento de novos startups. Também, questionou-se o Facebook se a empresa utiliza algoritmos para censurar conteúdos difundidos pelos conservadores.[1] A empresa responde que adota políticas de moderação de conteúdos que possam causar danos às pessoas. Assim, uma pessoa que divulgou o remédio cloroquina teve seu post retirado do Facebook. A empresa alega que como não há comprovação científica da utilização do remédio para a cura do Coronavírus, então para proteger a saúde das pessoas foi retirado o conteúdo. Também, há política de comunidade tem parâmetros para a moderação de conteúdos de discursos do ódio, discursos racistas e violentos.

O CEO Mark Zuckerberg informou ao Senado norte-americano os investimentos em inteligência artificial, realidade aumentada e realidade virtual. Também, explicou uma série de medidas adotadas pelas empresas para garantir a segurança às eleições. O Google foi questionado a respeito de suas práticas comerciais de coleta de dados dos usuários, para o desenvolvimento de produtos e serviços. Há a acusação de que o Google abusa de sua posição no mercado de publicidade digital, com práticas predatórias contra concorrentes, havendo a concentração econômica no mercado.[2] Um dos Senadores indagou a recusa do Google em prestar serviços para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. A empresa afirmou que não se recusou a prestar serviços para o governo norte-americano.

O CEO Sundar Pichai que a empresa mais de 120.000 (cento e vinte mil) pessoas ao redor do mundo, sendo 75.000 (setenta e cinco mil) pessoas nos Estados Unidos. Há data centers em 26 estados americanos. A empresa realizou investimentos em pesquisa e desenvolvimento em $26 bilhões (vinte e seis milhões) de dólares. Nos últimos cincos anos, investiu $ 90 (noventa) bilhões de dólares. E, ainda, Amazon, Google, Facebook e Apple foram questionadas se colaboram com o governo da China e/ou Partido Comunista Chinês. Todas as empresas responderam que não colaboram com o governo chinês, nem com o Partido Comunista chinês.

Em síntese, há investigações nos Estados Unidos sobre a configuração de monopólio nos mercados de comércio digital, publicidade digital e redes sociais, bem como a necessidade e/ou não de regulamentação dos setores, atualizando-se as regras de concorrência.  

As Big Techs norte-americanas (Amazon, Apple, Microsoft e Google) tem influência global. Sobre o Brasil, estas empresas norte-americanas tem a capacidade de moldar o ecossistema digital brasileiro, com impacto sobre a proteção de dados pessoais, a transferência internacional de dados, o acesso aos dados pelos serviços de inteligência e as autoridades responsáveis pela segurança pública, o comércio digital (e formação de marketplace[3]), o mercado de publicidade digital, as campanhas de desinformação online (por fake news disseminadas por pessoas, bots, cyborgs e propaganda computacional), o mercado de entretenimento, o mercado de pagamentos digitais, e as infraestruturas de telecomunicações e o sistema eleitoral.

Enfim, o impacto das Big Techs no Brasil precisar melhor compreendimento pelo governo, pelos cidadãos e consumidores brasileiros, a sociedade civil e a academia, entre outros.  Afinal, elas as empresas representam o soft power dos Estados Unidos sobre o Brasil, bem como expressam práticas geopolíticas, geoconômicas, geodados, geoculturais.

[1] O Facebook foi utilizado para disseminação de influência do governo da Rússia durante as eleições presidenciais de 2016, com a divulgação de mensagens favoráveis ao então candidato Donald Trump e desfavoráveis à candidata Hillary Clinton. Também, o Facebook esteve envolvido com o escândalo Cambridge Analytica, o qual implicou na prática de coleta de dados dos usuários sem o necessário consentimento dos mesmos e o repasse de dados para terceiros, com objetivos políticos.

[2] Na Europa, houve investigações e aplicações de sanções ao Google por práticas de abuso de poder econômico no mercado de publicidade digital.

[3] Na Europa, foi aprovada regulamentação do marketplace para conter abusos de poder econômico.

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5G Technology and the Geopolitical Risks for Brazil and Telecommunications Companies. Geostrategic options for Brazil, besides the United States and China, with other international alliances

Ericson Scorsim. Lawyer and Consultant in Communication Law, with a focus on Technologies, Media, and Telecommunications. PhD in Law from the University of São Paulo (USP). Author of the Communications Law eBook Collection.

The Brazilian government is about to define its geostrategic position on Huawei’s 5G technology. It seems the decision will be postponed till 2021, as reported in the media. In other articles, I have explained the context of this controversy between the United States and China related to 5G technology .[1] In this article, the focus is on explaining the geopolitical risks for Brazil on the subject of its own national security and its national economy. Now, 5G technology is related to the risks of interference by both the United States and China intelligence services, which aim to collect data and communications. Therefore, Brazil and Brazilians can become targets of the intelligence services of those countries.

For Brazil, the federal, state, and municipal governments, and Brazilian companies, there are geopolitical risks in relation to the United States. Currently, the global North American technology companies are shaping Brazil’s digital ecosystem and communications networks. Google, Microsoft, Amazon, YouTube, WhatsApp, Twitter, Apple have defined new forms of relationships in the digital[2] environment. However, these U.S. technology companies are subject to U.S. law and U.S. agencies. There are even systems of cooperation between these companies and the United States Department of Defense. For example, Google is required to sign a cooperation agreement with the U.S. Department of Defense regarding the installation of a submarine cable connecting the United States and Hong Kong to allow inspection of the cables.

            The central issue in relation to 5G technology relates to the ability to collect intelligence signals, which is why the United States has imposed restrictions on the Chinese company Huawei, on the grounds of risk to its national security. According to the United States, Huawei must collaborate with China’s national intelligence services, as required by China’s National Intelligence Act. For the US government, there is a risk that Huawei will supply covert telecommunications equipment, with backdoors that will allow for espionage. So some experts argue that the Huawei equipment are actually Trojan Horses, just like the gift given by Athens to the Trojan people. It turns out that inside the statue of the horse were Athenian soldiers who attacked the Trojans. That is why trojan horse became known as a trap given to the enemy.

But one of the central objectives of U.S. foreign policy is to contain China’s advance in 5G technology.

The irony is that the United States also has legislation with the capacity to force technology companies to collaborate with its national intelligence services, as well as with the Department of Defense. In addition, there is the extraordinary ability of the National Security Agency to intercept communications anywhere on the globe, as well as to conduct electronic espionage against anyone anywhere in the world. As US economist Jeffrey Sachs explains: “Ironically, though predictably, U.S. complaints partly reflect America’s own surveillance activities at home and abroad. Huawei’s Chinese equipment could make it more difficult for the U.S. government to covertly monitor it. However, illegitimate surveillance by any government should end. Independent monitoring by the United Nations (UN) to restrict these activities should become part of the global telecommunications system. In short, we should choose diplomacy and institutional safeguards, not technological warfare”.[3]

            In summary, 5G technology is directly related to the ability of governments to collect intelligence signals. This method of intelligence refers to the extraction of data, by hardware, software, Internet networks, telecommunications networks, submarine cables, satellites, mobile phones, televisions, electronic devices. The United States is able to collect intelligence signals, as the history of National Security Intelligence (NSA) shows. Moreover, for the time being, the United States is the global leader in microchip technology, essential inputs for technology in the central and peripheral areas of the 5G network. Huawei owns both central and peripheral 5G technology. The other competitors are Ericcson and Nokia. Now, the company and/or intelligence agency that is able to collect intelligence signals can also extract data, infiltrate electronic surveillance devices, analyze data, decrypt data, and store data, as well as retain and delete data. It can also modify the data flows carried over the Internet, as well as change the traffic route of the data packets. This is what the US government suspects in relation to China Telecom and China Mobile, accused of diverting the route of US communications into China. Faced with this, there is the proposal to revoke the licenses of these Chinese companies.

For the United States, China is considered an adversary country because it threatens its global leadership. Thus, Huawei is deemed a company with ties to the government of an opposing country. For Brazil, China is not an opponent, on the contrary there are good trade relations between the two countries. So, at first, there is no reason to be suspicious of Huawei. On the contrary, for decades Huawei has been the main supplier of 4G technology for telecommunications companies in Brazil.

            But there is another factor in this story not yet properly clarified. It is the context of the United States and of applying its legislation in an extraterritorial manner, with the exercise of its jurisdiction almost universallyespecially when it comes to its national intelligence services.

The current policy of the Brazilian government of automatic alignment with the current government of the United States ignores this fact, something that is detrimental to Brazilian interests. However, the Brazilian government cannot ignore this reality with potential for collateral damage to Brazil’s national economy and our national security. Brazil’s proximity with the current US government may produce positive effects for our national economy, but one cannot ignore the geopolitical risks for Brazil, its sovereignty, and its jurisdiction.

Thus, for Brazil, its government, and Brazilian companies, citizens, and institutions, there is the geopolitical risk of extraterritorial application of U.S. legislation: Leadership 5G Act (the U.S. law that sets technical standards for 5G), Build Act (Better Utilization of Investments Leading to Development Act of 2018[4]), Foreign Intelligence Surveillance Act (FISA, allows U.S. intelligence services to conduct electronic surveillance of foreign governments and authorities and businesses), National Intelligence Law (application by the National Security Agency of measures to intercept foreign nationals’ electronic communications, as well as requiring U.S. companies to provide data and metadata on users of applications, social networks, fiber optic submarine, and satellite cable network infrastructures, among others), Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA – technical requirements for telecommunications manufacturers to facilitate interception of communications), Cloud Act (Clarifying Lawful Overseas Use of Data Act – authorization for U.S. authorities to access the content of private communications stored by companies[5]), Cyber Intelligence Sharing and Protection ActAgriculture Improvement Act of 2018 (incentives for Internet installation in rural areas, data collection system for crops, geospatial technology standards, etc.).[6]), National Defense Authorization Act (rules for control of arms sales as well as military training for Brazil, with provision for reporting of human rights abuses by Brazilian security forces), US Patriot Act (measures to combat terrorism), Geospatial Data Act (law dealing with the collection, processing, storage of geospatial data)[7],International Cooperation Treaty on Intelligence Sharing (Five Eyes), and Foreign Corrupt Practices Act (U.S. anti-corruption law with potential application on Brazilian[8]companies), Foreign Investment Risk Review Modernization Act of 2018, Export Control Reform Act of 2018[9], among others.

There is a list of numerous authorities of U.S. federal agencies that can act and impact Brazil’s national interests: United States Presidency, Department of Defense[10], Department of Justice[11], Department of Energy[12], National Security Agency (NSA[13]), Central Intelligence Agency (CIA[14]), FBI[15], Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA[16]), National Geospatial-Intelligence Agency (NGA[17]), National Reconnaissance Office (NRO[18]), National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA[19]), Committee on Foreign Investment in the United States (CIFUS[20]), Federal Telecommunication Commission[21], Security Exchange Commission, Foreign Intelligence Court[22], Securities on Exchange Commission[23], Bureau of Economic and Business Affairs, Cyber Infrastructure (CISA), Southern Armed Forces Command (U.S South Command[24]), among others.

I also believe it is in the interest of telecommunications companies operating in Brazil to assess the geopolitical risks of the Brazilian government’s position on 5G technology.  Any wrong move by the Brazilian government may compromise the level of investments in 5G technology in the country. Likewise, companies supplying 5G technology to telecommunications companies must assess these geopolitical risks, related to Brazil’s position. Any company with global operations has a responsibility to its investors, which is why it is necessary to analyze the political risks related to the Brazilian government, the United States, and China regarding 5G technology.

In short, given its domain of technological evolution, the United States can access data outside of its territory, including for the purposes of extending its jurisdiction almost universally (via intelligence and/or other services). Thus, it is up to Brazil, grounded on its sovereignty, to adopt national self-defense measures, preventing itself from being entirely subordinated to the foreign policy of the United States to the detriment of Brazilian national interests.

Brazil has other interesting geostrategic options regarding 5G technology that go beyond the United States and China. Brazil could establish partnerships with the European Union to encourage the production of 5G technology within the Brazilian territory, after all, the main suppliers of this technology are European. Also, Brazil could partner with Asian countries for the development of technology here, having as potential partners: Japan and South Korea, among others. Finally, Brazil could become a great international leader in 5G technology if it enters partnerships with the appropriate partners and knows how to preserve national interests, with a clear position of national defense against espionage from either the United States or China. Brazil cannot be held hostage to the geostrategic interests of the United States and/or China or any other country. The defense of national sovereignty is essential, ensuring the protection of personal and non-personal data (industrial data, financial data, commercial data, data of national wealth, geospatial data, etc.), as well as the protection of critical national digital infrastructures essential to the connectivity of the country.

[1]Scorsim, Ericson. A tecnologia de 5G da Huawei nas redes de comunicações: o alvo geoestratégico da lawfare imposta pelos Estados Unidos contra a empresa e China, published on the website: www.direitodacomunicacao.com, June 8, 2020.

[2] As an example, Petrobras refused to supply fuel to two cargo ships with Iranian flags on the grounds of economic sanctions imposed by the United States against Iran through the Office of Foreign Assets Control (OFAC) and the Countering America’s Adversaries through Sanctions Act. One of the ships was carrying urea, the other maize. The companies in charge of the ships went to court in Brazil. In the end, the Brazilian Supreme Court ruled that the Iranian ships did not have their names on the U.S. Treasury Department’s “blacklist,” which lists the targets of their economic embargoes. It should be noted that the United States uses lawfare mechanisms against Iran, i.e., it uses its legislation to achieve strategic objectives similar to the results of a war.  In another case, Petrobras, accused of having violated the Foreign Corrupt Practices Act, made a deal with the U.S. Department of Justice. Under such agreement, the company was forbidden from invoking the national sovereignty clause to breach the agreement.

[3] Sachs, Jeffrey. A guerra contra a tecnologia chinesa. Valor Econômico, November 14, 2019.

[4] Law authorizing the U.S. government to finance activities of U.S. interest abroad. The U.S. Ambassador to Brazil stated the possibility of using the Build Act to finance 5G technology in Brazil, subject to the imposition of a ban on Huawei participation.

[5] For example, access by US authorities to email content, social networks, and/or applications stored on servers abroad.

[6] Risk of potential collection of Brazilian agriculture data by US federal agencies.

[7] Potential for the collection of geospatial data from the Brazilian territory by US federal agencies.

[8] The Foreign Corrupt Practices Act provides for punishment of any company that uses U.S. infrastructure (banking or communications system) to pay a bribe to public officials. And, as a historical reference, over the last decades, Brazilian companies experienced a period of ascension, performing infrastructure works all over Latin America. However, they were shot down by the Lava Jato investigations. Harvard professor Matthew Stephenson denies the possibility of geopolitical use of the FCPA by the United States. But suspicion remains about the instrumentalization of the FCPA for US geopolitical purposes.
See: Kall, Kevin, Herdy, Thiago e Amado Guilherme, Ex-diplomata revela a visão dos Estados Unidos sobre a Lava Jato e projeto de poder do PT. Época Magazine, July 8, 2019.
In addition, U.S. Democratic congressmen questioned in a letter to the Department of Justice the collaboration of U.S. authorities with Brazilian authorities in the Lava Jato investigations.

[9] The current government of President Jair Messias Bolsonaro has encouraged the installation of weapons factories in Brazil, which is why it has made legislation more flexible. Now, when it comes to US companies that will be set up here, there is the potential application of US export control and arms transfer legislation. On that matter, the National Defense Authorization Act provides for the assessment of the impact of U.S. military equipment and training for Brazil’s security forces and the risks of human rights abuses.  And also, by way of illustration, the Wassenaar Arrangement Agreeement deals with the control of the exports of so-called dual-use technologies, arms and products. The objective of the agreement is to contribute to the regional and international security and stability of the countries. The United States is part of this treaty, but Brazil is not.

[10] United States National Security Authority.

[11] Can investigate Brazilian companies accused of committing crimes under US law.

[12] Can map the energy capacity of Brazil.

[13] National Security Agency that can perform electronic surveillance and interception of electronic communications anywhere on the globe.

[14] Intelligence Agency that can promote covert actions in social networks, applications, etc.

[15] Federal crime investigation agency.

[16] Agency developing intelligence and defense products.

[17] With satellite capacity to collect images from land, sea, and airspace.

[18] Can recognize ships, aircraft, objects, surfaces, vehicles, facilities, etc..

[19] With satellite capacity to promote “scans” by images of the Brazilian territorial sea, which happened in that episode of oil spill on Brazilian beaches.

[20] Federal agency to assess foreign investments in the United States.

[21] Federal telecommunications agency.

[22] Federal Court responsible for examining requests for electronic surveillance of foreign nationals.

[23] Federal agency responsible for the supervision of securities transactions (shares traded in stock markets and other assets).

[24] A Brazilian General was appointed to the United States Armed Forces Southern Command. A recent video from the U.S. South Command attested to the subordination of the Brazilian General to the command of the United States General. The episode narrates the collaboration of Brazilian authorities in the fight against drug trafficking, together with the United States.

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Tecnologia de 5G e os riscos geopolíticos para o Brasil e empresas de telecomunicações. Opções geoestratégicas do Brasil, para além dos Estados Unidos e da China, com outras alianças internacionais

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito da Comunicação, com foco nas áreas de tecnologias, mídias e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Ebooks sobre Direito da Comunicação.

O governo brasileiro está para definir a sua posição geoestratégica em relação à tecnologia de 5G da Huawei. Ao que parece, a decisão ficará para 2021, conforme divulgou a mídia. Em outros artigos expliquei o contexto desta controvérsia sobre a tecnologia de 5G entre Estados Unidos e China.[1] No presente artigo, o foco é explicar os riscos geopolíticos para o Brasil no tema de sua própria segurança nacional e à sua economia nacional.  Ora, a tecnologia de 5G está relacionada aos riscos da atuação dos serviços de inteligência tanto dos Estados Unidos quanto da China, os quais têm por finalidade coletar dados e comunicações. Portanto, o Brasil e os brasileiros podem se tornam alvo dos serviços de inteligência dos Estados Unidos e China.

Para o Brasil, o governo federal, estadual e municípios, brasileiros e as empresas brasileiras há riscos geopolíticos em relação aos Estados Unidos. Atualmente, as empresas globais de tecnologia norte-americanas moldam o ecossistema digital do Brasil e as redes de comunicações.  Google, Microsoft, Amazon, YouTube, WhatsApp, Twitter, Apple definiram novas formas de relações no ambiente digital[2] Ocorre que estas empresas de tecnologia norte-americana estão submetidas à legislação norte-americana e às agências norte-americanas. Há, inclusive, sistemas de cooperação entre  estas empresas e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Por exemplo, o Google é obrigado a assinar um termo de cooperação com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos em relação à instalação de um cabo submarino que conecta os Estados Unidos a Hong Kong, para permitir a inspeção dos cabos.

A questão central em relação à tecnologia de 5G refere-se à capacidade de coletar sinais de inteligência, motivo pelo qual os Estados Unidos impuseram restrições à empresa chinesa Huawei, sob o fundamento do risco à sua segurança nacional. Segundo os Estados Unidos, a Huawei é obrigada a colaborar com os serviços de inteligência nacional, conforme determina a Lei de Inteligência Nacional da China. Para o governo norte-americano, há o risco de a Huawei fornecer equipamentos de telecomunicações encobertos, com backdoors, isto é, a porta dos fundos com capacidade para realizar espionagem. Por isso, algums especialistas argumentam que os equipamentos são Huawei são verdadeiros “trojan horses”, isto é, cavalos de Troia, um presente dado por Atenas ao povo Troia. Acontece que dentro da estátua do cavalo havia soldados atenienses que atacaram os troianos. Por isso, é o cavalo de troia é considerado um presente de grego, isto é, uma armadilha dada ao inimigo.

Mas, destaque-se que um dos objetivos centrais da política externa dos Estados Unidos é conter o avanço da China na tecnologia de 5G.

A ironia é que os Estados Unidos, também, possuem legislação com capacidade de obrigar as empresas de tecnologia a colaborem com os seus serviços de inteligência nacional, bem como com o Departamento de Defesa. Além disto, há capacidade extraordinária da National Security Agency para interceptar comunicações em qualquer lugar do globo, bem como para realizar espionagem eletrônica contra qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Conforme explica o economista norte-americano Jeffrey Sachs: “Ironicamente, embora previsivelmente, as reclamações do EUA refletem em parte as próprias atividades de vigilância da América em casa e fora. O equipamento chinês da Huawei poderá tornar mais difícil a vigilância secreta pelo governo americano. Mas, uma vigilância ilegítima por qualquer governo deveria acabar. O monitoramento independente pela Organização das Nações Unidas (ONU) para restringir essas atividades deveria se tornar parte do sistema global de telecomunicações. Em resumo, deveríamos escolher a diplomacia e as salvaguardas institucionais e não uma guerra tecnológica”.[3]

Em resumo, a tecnologia de 5G está diretamente relacionada à capacidade de coleta de sinais de inteligência pelos governos. Este método de inteligência refere-se à extração de dados, por hardware, software, redes de internet, redes de telecomunicações, cabos submarinos, satélites, celulares, televisores, dispositivos eletrônicos.  Os Estados Unidos tem esta capacidade de coletar sinais de inteligência, conforme demonstra o histórico da National Security Inteligence (NSA). Além disto, por ora, os Estados Unidos é o país líder global na tecnologia de microchips, insumos essenciais à tecnologia das áreas centrais e periféricas da rede de 5G.  A Huawei detém a tecnologia de 5G tanto das áreas centrais quanto das periféricas. As outras empresas concorrentes são a Ericcson e a Nokia. Ora, a empresa e/ou agência de inteligência com capacidade de coletar de sinais de inteligência detém a capacidade de extração de dados, infiltração de dispositivos de espionagem eletrônica, análise de dados, descriptografia de dados e armazenamento de dados, bem como capacidade para a retenção e deletar os dados. Há capacidade para modificar os fluxos de dados transportados pela internet, bem como alterar a rota de tráfego dos pacotes de dados. É o que o governo norte-americano suspeita em relação à China Telecom e à China Mobile, acusadas de desviarem a rota das comunicações norte-americanas para dentro da China. Diante disto, há a proposta de cassação das licenças destas empresas chinesas.

Para os Estados Unidos, a China é considerada um país adversário, pois ameaça a sua liderança global. Logo, a Huawei é classificada uma empresa com ligações com o governo de um país adversário. Ora, para o Brasil a China não é um país adversário, ao contrário há boas relações comerciais entre os dois países. Deste modo, não há, a princípio, razão para se desconfiar da Huawei. Ao contrário, por décadas a Huawei é a principal fornecedora das empresas de telecomunicações no Brasil na tecnologia de 4G.

Mas, outro fator nesta história não devidamente esclarecido. Trata-se do contexto dos Estados Unidos e de aplicação de sua legislação de modo extraterritorial, com o exercício de sua jurisdição quase de modo universalespecialmente se tratando de serviços de inteligência nacional.

A atual política do governo brasileiro de alinhamento automático com o atual governo dos Estados Unidos ignora este fato, algo que prejudicial aos interesses nacionais.  Porém, o Estado brasileiro não pode desconhecer esta realidade com potencial de danos colaterais à economia nacional e à segurança nacional do Brasil. A aproximação do Brasil com o atual governo dos Estados Unidos até pode produzir efeitos positivos na economia nacional, mas não é possível ignorar os riscos geopolíticos para o Brasil, sua soberania e sua jurisdição.

Assim, para o Brasil, governo, empresas, cidadãos e instituições brasileiros,  há o risco geopolítico de aplicação extraterritorial da legislação norte-americana: Leardership 5G Act (lei sobre a liderança norte-americana no 5G, o que incluiu a definição de padrões técnicos do 5G), Build Act (Better Utilization of Investments Leading to Development Act of 2018[4]), Foreign Intelligence Surveillance Act (FISA, capacidade dos serviços de inteligência dos Estados Unidos realizarem vigilância eletrônica de governos e autoridades estrangeiros e empresas), National Intelligence Law (aplicação pela National Security Agency de medidas de interceptação das comunicações eletrônicas de estrangeiros, bem como requisitar que empresas norte-americanas forneçam dados e metadados dos usuários de aplicativos, redes sociais, infraestruturas de redes de cabos de fibras óticas submarinos e satélites, dentre outros),  Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA – requisitos técnicos dos fabricantes de telecomunicações para facilitar a interceptação das comunicações), Cloud Act  (Clarifying Lawful Overseas Use of Data Act – autorização para que autoridades norte-americanas acessem ao conteúdo das comunicações privadas armazenadas por por empresas[5]),  Cyber Intelligence Sharing and Protection ActAgriculture Improvement Act of 2018 (incentivos à instalação de internet em áreas rurais, sistema de coleta de dados de plantações, padrões de tecnologia geoespacial, etc.[6]), National Defense Authorization Act (regras de controle da venda de armamentos, bem como de treinamento militar para o Brasil, com a previsão de relatórios da previsão de abusos contra direitos humanos pelas forças de segurança brasileiros), US Patrioct Act (medidas de combate ao terrorismo), Geospatial Data Act (lei que trata das medidas de coleta, processamento, armazenamento de dados geoespaciais)[7]Tratado de Cooperação Internacional de compartilhamento de inteligência (Five Eyes), e Foreign Corrupt Practices (lei anticorrupção dos Estados Unidos com potencial incidência sobre empresas brasileiras[8]), Foreign Investment Risk Review Modernization Act of 2018,  Export Control Reform Act of 2018Lei de Controle de Armamentos[9], entre outras.

Há um rol de inúmeras autoridades de agências federais norte-americanas que podem atuar e impactar os interesses nacionais do Brasil: Presidência dos Estados Unidos, Departamento de Defesa[10], Departamento de Justiça[11], Departamento de Energia[12], National Security Agency (NSA[13]), Central Intelligence Agency (CIA[14]), FBI[15], Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA[16]), National Geospatial-Intelligence Agency (NGA[17]), National Reconnaissance Office (NRO[18]), Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA[19]), Comitte on Foreign Investiment in the United States (CIFUS[20]), Federal Telecomunication Comission[21], Security Exchange Comission, Foreign Intelligence Court[22], Securities on Exchange Comission[23], Bureau of Economic and Business Affairs, Cyber Infrastructure (CISA), Comando Sul das Forças Armadas (U.S South Command[24]), entre outros.

Acredito, também, ser de interesse das empresas de telecomunicações que atuam no Brasil avaliarem os riscos geopolíticos da posição do governo brasileiro em relação à tecnologia de 5G.  Qualquer movimento equivocado do governo brasileiro pode comprometer o nível de investimentos em tecnologia de 5G no País. Igualmente, as empresas fornecedoras de tecnologia de 5G para as empresas de telecomunicações devem avaliar estes riscos geopolíticos, relacionados à posição do Brasil. Toda e qualquer empresa com atuação global tem responsabilidade com seus investidores, razão para a necessidade de análise dos riscos políticos, relacionados ao governo do Brasil, dos Estados Unidos e da China, em relação à tecnologia de 5G.

Em resumo, com o domínio da evolução tecnológica, os Estados Unidos possuem a capacidade de acessar dados extra territorialmente, inclusive para fins de extensão de sua jurisdição quase que de modo universal (via serviços de inteligência e/ou outros). Assim, compete ao Brasil, em fundamento em sua soberania, adotar medidas de autodefesa nacional, impedindo-se de se subordinar integralmente à política externa dos Estados Unidos em detrimento dos interesses nacionais brasileiros.

O Brasil tem outras opções geoestratégicas interessantes em relação à tecnologia de 5G que vão além dos Estados Unidos e China. O Brasil poderia firmar parcerias com a União Europeia para incentivar a produção da tecnologia de 5G dentro do território brasileiro, afinal as principais fornecedoras desta tecnologia são europeias. Também, o Brasil poderia realizar parcerias com países asiáticos para o desenvolvimento da tecnologia aqui, como potenciais parceiros: Japão, Coréia do Sul, entre outros. Enfim, o Brasil poderia se tornar um grande líder internacional na tecnologia de 5G se firmar parcerias com parceiros adequados e souber preservar os interesses nacionais, com clara posição de defesa nacional contra espionagem seja dos Estados Unidos ou da China. O Brasil não pode ficar refém dos interesses geoestratégicos dos Estados Unidos e/ou da China ou de qualquer outro país. É fundamental a defesa da soberania nacional, com a afirmação à proteção de dados pessoais e dados não pessoais (dados industriais, dados financeiros, dados comerciais, dados das riquezas nacionais, dados geoespaciais, etc.), bem como a proteção às infraestruturas nacionais digitais críticas essenciais à conectividade do País.

[1] Scorsim, Ericson. A tecnologia de 5G da Huawei nas redes de comunicações: o alvo geoestratégico da lawfare imposta pelos Estados Unidos contra a empresa e  China, publicado no Portal: www.direitodacomunicacao.com, 8 de junho de 2020.

[2] A título exemplificativo, a Petrobras recusou-se a fornecer combustível a dois navios cargueiros de bandeira do Irã, sob o fundamento das sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos contra o Irã, através do Office of Foreign Assets Control (OFAC) e da lei Countering America’s Adversaries through Sanctions Act. Um dos navios fazia o transporte de ureia, o outro milho. Os responsáveis pelos navios ingressaram na Justiça brasileira. Ao final, o Supremo Tribunal Federal  decidiu que os navios iranianos não tinham seus nomes na  “lista negra” do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, a qual consta os alvos de seus embargos econômicos. Destaque-se que os Estados Unidos em relação ao Irã utiliza mecanismos de lawfare, isto é, utiliza de sua legislação para alcançar objetivos estratégicos semelhantes aos resultados de uma guerra.  Em outro caso, a Petrobras, acusada de ter violado Foreign Corrupt Practices, fez acordo com o Departamento de Justiça dos EUA. Neste acordo, a empresa ficou proibida de invocar a cláusula de soberania nacional, a fim de descumprir o acordo.

[3] Sachs, Jeffrey. A guerra contra a tecnologia chinesa. Valor Econômico, 14 de 15 de novembro de 2019.

[4] Lei que autoriza o governo norte-americano a financiar atividades de interesses norte-americanos no exterior. O Embaixador norte-americano no Brasil afirmou a possibilidade de se utilizar o Build Act para o financiamento da tecnologia 5G no Brasil, condicionando-se a imposição de proibição da participação da Huawei.

[5] Por exemplo, acesso por autoridades norte-americanas a conteúdo de e-mails, redes sociais e/ou aplicativos armazenados em servidores no exterior.

[6] Risco de potencial coleta de dados da agricultura brasileira pelas agências federais norte-americanas.

[7] Potencial de coleta de dados geoespaciais do território brasileiro por agências federais norte-americanas.

[8] A Foreign Corrupt Practices Act prevê punição a qualquer empresa  que se utilize infraestrutura dos Estados Unidos (sistema bancário ou de comunicações) para pagar propina a agentes públicos. E, a título de referência histórica, nas últimas décadas, empresas brasileiras  vivenciaram período de ascensão com obras de infraestruturas na América Latina. Porém, foram abatidas pelas investigações da Lava Jato. O professor de Harvard Mattew Stepheson nega a hipótese de utilização geopolítica da FCPA pelos Estados Unidos. Mas, fica a suspeita sobre a instrumentalização da FCPA para fins geopolíticos dos EUA. Ver: Kall, Kevin, Herdy, Thiago e Amado Guilherme, Ex-diplomata revela a visão dos Estados Unidos sobre a Laja Jato e projeto de poder do PT.  Revista Época, de 8 de julho de 2019. Além disto, Congressistas democratas norte-americanas questionaram em carta ao Departamento de Justiça a colaboração de autoridades americanas com autoridades brasileiras, no âmbito das investigações da Lava Jato.

[9] O atual governo do Presidente Jair Messias Bolsonaro tem incentivado a instalação de fábricas de armamentos no Brasil, razão pela qual tem flexibilização da legislação. Agora, em se tratando de empresas norte-americanas que vierem a se instalar aqui, há a potencial aplicação da legislação norte-americana de controle de exportação e transferência de armamentos. A propósito, o National Defense Authorization Act dispõe sobre a avaliação do impacto de equipamentos e treinamentos militares dos Estados Unidos para as forças de segurança do Brasil e os riscos de abusos contra direitos humanos.  E, ainda, a título ilustrativo, o Wassenaar Arrangement Agreeement trata do controle de exportações de armas e produtos e tecnologias denominadas dual-use. O objetivo do acordo é contribuir com a segurança e estabilidade regional e internacional dos países. Os Estados Unidos fazem parte deste tratado, porém o Brasil não.

[10] Autoridade responsável pela segurança nacional dos Estados Unidos.

[11] Capacidade para investigar empresas brasileiras acusadas de terem cometidos crimes na perspectiva da lei norte-americana.

[12] Com capacidade para mapear a capacidade energética do Brasil.

[13] Agência de Segurança Nacional com capacidade de vigilância eletrônica e interceptação das comunicações eletrônicas em qualquer lugar do globo.

[14] Agência de Inteligência com capacidade para promover ações encobertas, em redes sociais, aplicativos, etc.

[15] Agência federal responsável pela investigação de crimes federais.

[16] Agência desenvolvedora de produtos de inteligência e de defesa.

[17] Com capacidade por satélites de coletar imagens de terra, mar e espaço aéreo.

[18] Com capacidade de reconhecimento de navios, aviões, objetos, superfícies, veículos, instalações, etc.

[19] Com capacidade por satélites de promover “varreduras” por imagens do mar territorial brasileiro, o que aconteceu naquele episódio de derramamento de petróleo em praias brasileiras.

[20] Agência federal para avaliar investimentos estrangeiros nos Estados Unidos.

[21] Agência federal de telecomunicações.

[22] Corte Federal responsável por avaliar pedidos de vigilância eletrônica de estrangeiro.

[23] Agência federal responsável pela fiscalização das transações de títulos mobiliários (ações em bolsa e outros ativos).

[24] No U.S Command South foi indicado um general brasileiro para fazer parte deste Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos. A propósito, vídeo recente no U.S South Command atestou a subordinação de General brasileiro ao comando de General dos Estados Unidos. No episódio narra a colaboração da autoridade brasileira no combate ao narcotráfico, juntamente com os Estados Unidos.