Categorias
Artigos

Cultura estratégica da eficiência acústica no contexto das cidades sustentáveis e inteligentes

03/02/2022

Ruídos provêm de diversas fontes em ambientes indoor (interno) e outdoor (externo). Há ruídos em condomínios (obras de construção civil, serviços de jardinagem) motocicletas e veículos, ônibus, empreendimentos imobiliários entre outros. Estes ruídos são agentes patológicos, são a disfunção patológica ambiental nas cidades. Por isto, precisamos superar esta subcultura tóxica dos ruídos, decorrentes de tecnologias mecânicas ineficientes por uma cultura da eficiência acústica.

A cultura da eficiência acústica requer a atualização das normas jurídicas, ambientais, culturais para a contenção dos ruídos. Diversas razões para evolução do direito e sua aplicação prática: a proteção das pessoas, proteção da propriedade, proteção do bem estar social e proteção ambiental. O tema é mais urgente no contexto de cidades sustentáveis e inteligentes.

sustentabilidade ambiental acústica é condição fundamental para a qualidade de vida nas cidades. O poluidor não tem o direito de poluir acusticamente a cidade. Ao contrário, o poluidor tem comportamento antissocial. A título ilustrativo de mudanças ambientais importantes: lei de proibição de consumo de cigarro em ambientes fechados, lei que proibiu a utilização de fogos de artifícios barulhentos, lei que proibiu o consumo de álcool na direção veículos, lei que exige utilização de cinto de segurança em veículos, lei que impõe a utilização da capacete de segurança em motocicletas. Todas as leis servem como símbolos de mudança cultural e jurídica para a garantia do bem estar social, segurança no trânsito e proteção à saúde pública.

No caso dos ruídos, há legislação para a contenção dos ruídos, contudo a mesma não é aplicada na prática. Falta a efetivação desta legislação.  Por isto, precisamos atualizar a legislação e incorporar as inovações tecnológicas de controle de ruídos em tempo real. Há soluções de 5G e IoT para o monitoramento ambiental. Há radares acústicos para o monitoramento sonoro dos ruídos de automóveis e motocicletas. Dados geoacústicos são essenciais para o design da polícia ambiental efetiva com resposta em tempo real às demandas dos cidadãos. Dados sonoros em tempo real podem ser coletados e analisados na formulação das políticas públicas locais.

Outro aspecto a ser considerado é a segurança jurídica com a aplicação prática da legislação anti-ruído e, consequentemente, o estado de segurança ambiental. Neste aspecto da segurança jurídica há expectativas dos cidadãos quanto à aplicação da legislação para a proteção ao meio ambiente e saúde pública.  Estudos de ecopsicologia mostram a desconexão entre os seres humanos e natureza e os malefícios para psicologia coletiva e à saúde mental.[1] Estudos revelam o inconsciente político e cultural quanto à natureza humana e o meio ambiente, uma espécie de dissonância cognitiva entre as pessoas e o meio ambiente que os cerca.

Por estas razões, é fundamental a percepção que os ruídos produzidos por máquinas comprometem a qualidade de vida, bem como a saúde pública.[2]  Estados maníacos, autodestrutivo, obsessivos e neuróticos com a utilização de máquinas barulhentas não podem prevalecer sobre o direito e à saúde humana. Esta subcultura mecânica, artificial tóxica e de contaminação acústica, não pode prevalecer sobre o habitat humano e o meio ambiente natural. Estes ruídos são tóxicos ao meio ambiente e à saúde auditiva e mental das pessoas. Por isto, precisamos de políticas ambientais efetivas para a contenção da escalada dos ruídos nas cidades. Princípios a seguir esta força tarefa anti-ruídos são: prevenção, precaução e proibição do retrocesso ambiental.

Resumindo-se: o tema comporta diversas questões complementares. Primeira questão, o aspecto tecnológico. A ineficiência da tecnologia mecânica e sua incapacidade para produzir emissão sonora de baixo impacto.  Ruídos são uma anomalia mecânica. Especialistas apontam diversas técnicas para a eliminação, redução e/ou isolamento dos ruídos. Segunda questão, os ruídos negam o bem estar público, compreendido com a expectativa de quietude nas cidades, especialmente em áreas residenciais.  Ruídos simbolizam a cultura de mal estar e não de bem estar.  Terceira questão, os ruídos são modalidade de poluição ambiental atmosférica sobre impacto sobre a saúde pública. Há diversos estudos científicos que demonstram os efeitos nocivos dos ruídos sobre a saúde humana.[3] Quarta questão, os ruídos violam os direitos de propriedade e à moradia, ao restringir a esfera de autonomia privada de proprietários e moradores. Ruídos representam uma espécie de coerção ilegal à esfera da vida privada dos proprietários e moradores. Aqui, deve ser observado o princípio da não interferência na propriedade alheia. Quinta questão, a escalada da propagação de ruídos urbanos representa o estado de ilegalidade e inconstitucionalidade  na medida em o município se omite  de exercer o poder de polícia administrativa na contenção de ruídos outdoors e indoors. Neste aspecto, o direito administrativo sancionador e o direito ambiental devem ser aplicados para a contenção dos ruídos.[4] Sexta questão, ruídos causam lesão à sustentabilidade ambiental e o princípio do consumo sustentável acústico, negando-se as aspirações quanto às cidades sustentáveis e inteligentes.

Precisamos de mudança sociais para a contenção dos ruídos em respeito à natureza original marcada pela quietude. Os desajustados, no caso os poluidores acústicos, devem se submeter à legislação ambiental.[5] O ecodesign cultural das cidades deve partir de princípios de eficiência acústica na infraestrutura urbana, com o compromisso com a sustentabilidade ambiental e consumo sustentável. Precisamos superar a subcultura de intoxicação sonora das cidades pela cultura da quietude urbana, principalmente em áreas residenciais. Afinal, cidades sustentáveis são aquelas com práticas anti-ruídos.

** Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil, Amazon. Autor do livro Geopolítica das Comunicações, Amazon.


[1] Roszak, Theodore (Editor). Ecopsychology. Restoring the earth. Healing the mind. Berkeley, 1995.Os autores mostram as relações de vícios e insanidade com as máquinas e a destruição da natureza e do ambiente natural.

[2] Sobre a cultura das máquinas, ver: Sennett, Richard. O artífice. Editora Record, Rio de Janeiro- São Paulo, 2021.

[3] World Health Organization. Burden of disease from enviromental noise. Quantificativo of healthy life year lost in Europe. European Comission, 2011.

[4] Capra, Fritjof e Mattei, Ugo. A revolução ecojurídica. O direito sistêmico em sintonia com a natureza  e a comunidade. São Paulo: Editora Cultrix, 2018.

[5] Ogburn, William Fielding. Social change with respect to culture and original nature. New York, 1923.

Crédito de Imagem: Portal Connected Smart Cities

Ericson M. Scorsim

Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.