Em democracias há diversas ideologias políticas. Há democratas e anti-democratas. Há a ideologia fascista, marcada por caráter anti-democrático, corporativo e violência física e/ou simbólica, objetivação do outro, negação da individualidade. Há fascistas assumidos, há pessoas que não consideram fascistas, e há outros que não têm consciência. Há outros que fingem não ser fascistas. Há líderes tóxicos que propagam e estimulam a ideologia fascista.
Entendo que a defesa da ditadura militar é um ato fascista, suspender eleições, negar direitos humanos, cometer atos de assassinatos e tortura política, censurar a imprensa, são atos fascistas. Este espectro autoritário de apoio à ditadura militar ainda, infelizmente, assombra o Brasil. É um sintoma de subdesenvolvimento democrático do País e de seu povo. Uma nação esclarecida e firme em raízes democráticas jamais toleraria ditaduras militares. Como base do fascismo a psicologia do grupo, aonde a pessoa se identifica com o grupo. Há uma espécie de identificação entre a pessoa e o líder do grupo. Ainda mais que a pessoa não tiver uma personalidade definida fica mais fácil a sua identificação com o líder autoritário.
Em sociedades infantilizadas e não amadurecidas, com baixos índices educacionais, há o ambiente propício para líderes autoritários. Usualmente, pessoas por carentes por autoridade estão associadas à falta da figura do pai. Há um complexo de poder. Às vezes a autoridade é substituída pela figura de Deus, verdadeiros projetos de poder são construídos em nome de Deus e da exploração da fé da população. O amor é substituído pelo poder. O anti-cristo se torna o profeta de um povo. Este complexo faz que as pessoas nutram sentimentos de ódio e comportamentos agressivos. E o que é pior às vezes vítimas de determinados complexos se identificam com líderes autoritários.
Em épocas de crises históricas, é comum a ascensão de líderes protofacistas. Sobre o tema das personalidades autoritárias, ver a clássica obra de Teodor Adorno The Auhoritarian Personality. E, propriamente sobre o tema, ver: Georges Bataille: La structure psychologique du fascime, Hermès, 1989, p. 137-160. Sobre o tema, ainda, consultar: Madeleine Albright. Fascismo um alerta. Editora Planeta do Brasil, 2018. Sobre o declínio do indivíduo em movimentos de massificação, ver: Max Horheimer. Eclipe da razão. São Paulo: UNESP, 2015. Ver, para uma compreensão da história mais recente: o livro de Timothy Snyder denominado On Tyranny. Penguin Randow Rouse, New York, 2017. Usualmente, a ideologia fascista contamina igrejas, exércitos e corporações.[1] Atos protofacistas são representados pelas declarações e passeatas pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, ataques contra Ministros do Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral, divulgação de notícias falsas que geram riscos à vida dos cidadãos, entre outros gestos, narrativas e comportamentos. Governos adotam slogans protofacistas como: “Pátria Amada. Brasil acima de tudo”. Este tipo de declaração oficial, constante do lema do governo, é um símbolo protofacista, ao afirmar a dimensão da coletividade (da idealizada pátria associada à figura da mãe e do País), com o sacrifício da individualidade e subjetividade. Por detrás, a ideologia da submissão e da obediência à autoridade.
Outro mantra governamental: “Deus acima de todos”, mais uma pérola do autoritarismo e de negação da subjetividade. No regime militar, o lema era “Brasil. Ame-o ou deixei-o”, um mandato obrigatório de amor. Ora, existe amor compulsório? Talvez, a mensagem principal seja o amor à força; atributo típico dos militares.
A utilização da força como um mecanismo de compensação para a fraqueza. A ambição do poder pelo poder é um elemento da ideologia fascista; com a exploração do populismo da extrema direita. Neste aspecto, o Departamento de Defesa dos Estados, após a invasão do capitólio (sede do Congresso norte-americano), montou um programa de contenção do movimento de extrema direita dentro das forças armadas. Além disto, todos os invasores do capitólio estão sendo processados.
O fascista tem traços psicopatológicos, com a obsessão e paranoia. Usualmente, adotam uma narrativa em torno do pseudologia fantástica, como diz Carl Jung. Geralmente, são “pseudo” conservadores, utilizam-se de narrativas baseadas na religião, fé, deus, militares, para explorar o sentimento popular e manipular a opinião pública. Fascistas são líderes tóxicos. Há fascistas que não se reconhecem como fascistas. Assim como há simpatizantes do fascismo que não sabe o que significa o fascismo.
No Brasil, há o inconsciente cultural protofascista, algo que representa um trauma coletivo. Na história brasileira houve episódios de simpatia para com os regimes nazista da Alemanha e o regime fascista da Itália. Havia no Brasil simpatizantes de Hitler e Mussolini. Este espectro político fascista ainda ronda o consciente e o inconsciente coletivo brasileiro, que faz apologia da ditadura militar, da tortura, da morte, violência, negação de direitos humanos, entre outros aspectos macabros. No regime da ditadura militar, é um exemplo típico de manifestação fascista, com o apoio de segmentos da sociedade civil, inclusive da igreja e do setor empresarial. Um golpe de estado praticado por militares em conluio com a elite empresarial, inclusive com o apoio do governo dos Estados Unidos. O lema ainda era tradição, propriedade e família. Esta memória histórica não pode ser deletada. A propósito, na Argentina, o movimento das mães e avôs da praça de maio é símbolo da luta das mulheres pelo combate à ditadura e ao regime de responsabilização criminal dos criminosos.[2] Aliás, o Brasil é um dos únicos países da América Latina legitimar o regime de impunidade aos crimes praticados durante a ditadura militar e aprovar uma lei de anistia.
Este trauma coletivo é uma ferida aberta na nação e mantêm cicatrizes. Há o risco deste complexo protofacista se infiltrar novamente em corporações militares, religiosas, judiciárias, políticas, empresariais, entre outras. Como referido, nos Estados Unidos, há programas do Departamento de Defesa para a contenção de infiltração de extremistas de direita nas organizações militares.[3] Herbert Marcuse, em sua obra Tecnologia, Guerra e Fascismo, no contexto de seu trabalho para o Departamento de Estado norte-americano no projeto para desnazificação da Alemanha, definiu a estratégia de desnazificação a partir dos seguintes critérios: i) a linguagem dos fatos; 2) a linguagem da recordação e 3) a linguagem da reeducação.[4]
Por isto, a urgente educação, comunicação e cultura de defesa do regime democrático e de direitos humanos, na forma da Constituição de 1988, para a contenção de líderes anti-democráticos e protofascistas. Em 2022, precisamos banir da política brasileira líderes protofacistas e/ou apoiadores ou que apoiaram o líder tóxico (juízes, empresários, pastores, policiais, militares, religiosos, etc.), ora ocupante da presidência da república. Precisamos de uma educação democrática em ampla escala para informar os cidadãos a respeito da memória brasileira e dos riscos à democracia por movimentos protofascistas.
Somente, assim será possível superar este complexo cultural protofascista e fincar raízes na democracia e emancipação do povo brasileiro de líderes autoritários.
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Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor em Direito do Estado. Doutor em Direito pela USP
[1] T. W. Adorno e outros. The authoritarian personality, Verson: London: New York, 2019.
[3] Helmus, Todd, Byrne, Hannah e King Mallory. Countering violent extremist in the US military. Rand Corporativo, Research Report.
[4] Marcuse, Herbert. Tecnologia, Guerra e Fascismo, editado por Douglas Kellner. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999, p. 225.
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