Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico das comunicações entre Estados Unidos e China nas comunicações 5G: impacto no Brasil, publicado na Amazon.
Uma das táticas comuns adotadas por governos e/ou agentes estrangeiros é cooptar governantes, agentes públicos e militares de outros país na defesa de seus interesses. As Big Tech (Google/Youtube, Facebook/ Instagram, Twitter, WhatsApp, Apple, Amazon) tornaram-se os principais canais para operações de influência, sob comando de governos, agentes e/ou organizações, tanto pelos Estados Unidos quanto por seus adversários.
Operações de inteligência, inclusive ações encobertas (covert action) e de influência para moldar a opinião pública são realizadas através das Big Techs. Nos Estados Unidos, há legislação de controle da atuação de estrangeiros no território norte-americano. Há, inclusive, a regulamentação do lobby de estrangeiros. Assim, os estrangeiros precisam se registrar perante o governo norte-americano a fim de atuar no país. E o Brasil? Há operações de influência estrangeira sobre governantes, agentes políticos, servidores públicos e militares brasileiros? Possivelmente, há. Há a influência estrangeira sobre juízes, procuradores, delegados, militares entre outros. E o que é pior alguns agentes públicos sob influência estrangeira valem-se se seus cargos públicos para interesses políticos pessoais e autopromoção, algo evidentemente contrário aos princípios básicos da administração da justiça. Existe, também, influência estrangeira sobre Presidentes, ex-Presidentes, Ministros, entre outros.
Há inclusive suspeita de colaboração entre agentes públicos brasileiros e o FBI e a CIA. No Exército é comum treinamento militar nos Estados Unidos. Também, há influência estrangeira sobre a mídia brasileiras. São realizadas verdadeiras operações psicológicas para moldar a opinião pública em determinada direção e interesses específicos. A elite é influenciada principalmente pelos Estados Unidos. Lá são realizados “cursos/treinamentos” aonde se aprende valores como a tal da “rule of law”.
O que se nota, na prática que servidores públicos brasileiros (juízes, promotores, delegados, entre outro) faz cursos no exterior e acaba sendo “capturado” pela cultura estrangeira. Entendo que há uma espécie de “colonialismo mental”, a servidão voluntária de juízes, promotores e militares à cultura norte-americana. Sem dúvida alguma, experiências interculturais são importantes; mas o que estamos falando aqui é diferente é o estado de submissão voluntária à influência estrangeira, em detrimento do interesse nacional, em se tratando de agentes que ocupam cargos públicos.
No entanto, não existem ainda estudos aprofundados sobre este tema da influência estrangeira sobre o Brasil. A questão principal é que as operações de influência estrangeira podem causar danos colaterais à economia nacional, à saúde pública, à integridade do sistema eleitoral, à integridade do sistema de justiça nacional, à confiança na mídia, ao sistema de defesa nacional, entre outros aspectos. Por exemplo, no caso da economia nacional, operações de influência podem destruir determinados setores econômicos devido à abertura indiscriminada da economia. Também, operações de influência estrangeira podem desvalorizar o real em relação ao dólar, a fim de facilitar a aquisição de empresas brasileiras por grupos internacionais.
Além disto, operações de influência estrangeira podem comprometer a integridade do sistema eleitoral, como, por exemplo, informações de inteligência estrangeira que beneficiem um determinado candidato a Presidente em detrimento de outro. Outro exemplo a utilização de informações de inteligência em casos de investigações criminais. O Presidente Donald Trump dos Estados Unidos, por exemplo, condicionou a assistência militar à Ucrânia (disponibilização de armas), mediante abertura de processo criminal contra o filho de seu adversário político Joe Biden, bem como troca de informações sobre investigações. Uma autoridade estrangeira colabora com outra autoridade brasileira, mediante troca de favores, ao arrepio das normas procedimentais de colaboração internacional entre os países.
Ademais, operações de influência podem comprometer a integridade do sistema de defesa nacional à medida que militares brasileiros sejam cooptados por governos estrangeiros. Empresas estrangeiras também podem se utilizar de colaboração de governantes, agentes públicos, servidores públicos e/ou militares para obter benefícios no mercado nacional. Além disto, uma influência mais sutil adotada por governos estrangeiros é atrair autoridades jurisdicionais brasileiras para realizaram cursos dentro de seu país, tática esta adotada pelos Estados Unidos. Há na legislação norte-americana medidas e recursos específicos para propagar a influência dos Estados Unidos sobre estrangeiros. Esta é uma tática de soft power via poder geocultural. Operações de influência estrangeira podem ensejar riscos de violação aos princípios regentes da administração pública, entre os quais: legalidade, moralidade, impessoalidade, entre outros. No setor da saúde pública, operações de influência estrangeira podem comprometer a eficácia de tratamentos médicos. Veja-se o caso da indicação da cloroquina, sem eficácia comprovada no tratamento do coronavírus. Países com maturidade institucional adotam medidas de contenção da influência de governos e/ou agentes estrangeiros. O que é possível admitir que governantes, agentes políticos, servidores públicos e militares atuam como verdadeiros lobistas a favor do interesse de governo e/ou agente estrangeiro em detrimento dos interesses nacionais.
Na Europa, há política específicas para conter a influência estrangeira, em defesa dos valores europeus. Por isso, é preciso que o Brasil adote medidas para conter a influência estrangeira, em defesa dos interesses nacionais. Ao Brasil, via Congresso Nacional, compete adotar as medidas de aperfeiçoamento do sistema de contenção de influência estrangeira nos destinos do país seja de origem do continente das Américas, Europa e/ou Ásia. Precisamos avançar no tema do poder geocultural do Brasil (sua diversidade de culturas), como mecanismos de inserção no mundo e negociação diplomática, com a melhor afirmação dos interesses brasileiros no cenário internacional. Para tanto, uma nova legislação é necessária.
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