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Nova Lei dos Estados Unidos sobre competição estratégica com a China

Os Estados Unidos aprovaram nova lei sobre competição estratégica com a China, denominada Strategic Competition Act of 2021. A lei norte-americana insere-se no contexto da disputa entre Estados Unidos e China pela liderança global econômica e tecnológica. Há tópicos relacionados ao desenvolvimento de infraestrutura global e o apoio norte-americano para a realização de financiamentos em outros países em obras de infraestrutura. Existe um capítulo destinado à tecnologia digital e conectividade. Um dos objetivos é garantir aos Estados Unidos a liderança na determinação dos parâmetros técnicos internacionais, relacionados às tecnologias de informação e comunicações. Há a referência aos acordos de comércio digital, como também de aliança para o comércio de tecnologia digital.

Outro ponto abordado na lei é a conectividade e as parcerias em segurança cibernética, de modo a garantir o acesso à internet e infraestruturas digitais em mercados emergentes. Quer-se assegurar a proteção de ativos digitais, bem como garantir a regulação da internet aberta, interoperacional, confiável e segura. Pretende-se a promoção da diversificação de tecnologia de informação e comunicações na cadeia de suprimentos, inclusive mediante a criação de um fundo público para garantir a tecnologia aberta. Para a contenção da influência da China e suas campanhas de desinformação, operações de influência e operações financeiras, serão utilizados os instrumentos da Foreign Assistance Act of 1961. Ademais, serão realizados investimentos em alianças e parcerias por meios diplomáticos na região do indo-pacífico para conter a influência chinesa. E mais, haverá parcerias entre a Agência de Tecnologia dentro do Departamento de Estado, com foco nas seguintes tecnologias: inteligência artificial e aprendizagem por máquina, redes de telecomunicações 5G e outras tecnologias de rede sem fio, fabricação de semicondutores, biotecnologia, computação quântica, tecnologias de vigilância, incluindo-se tecnologia de reconhecimento facial e software de censura, cabos de fibra ótica.

Pretende-se ainda a elaboração de tratados internacionais para o uso responsável das tecnologias emergentes. Haverá a coordenação com outros parceiros tecnológicos para a políticas de controle de exportações de tecnologia dual-use, seguindo-se o Wassenaar Arrangement On Export Controls for Conventional Arms and Dual-use Goods and Technologies. E, busca-se a criação de um fundo multilateral de segurança das telecomunicações. Há capítulo dedicado à liderança dos Estados Unidos na tecnologia do 5G, mediante a fixação de padrões internacionais de equipamentos, sistemas, software e redes virtuais por ações perante a União Internacional de Telecomunicações. Demanda-se o engajamento diplomático com parceiros e aliados para o compartilhamento de riscos de segurança à informação nas redes de telecomunicações 5G. Serão apresentadas as diferenças para parceiros e aliados na abordagem dos Estados Unidos em relação à China no tema do 5G. Requer-se ainda o engajamento com o setor privado dos provedores de serviços de informação e comunicações, com os desenvolvedores de equipamentos, academia, centros de pesquisa e desenvolvimento de padrões de segurança para equipamentos, redes e software de suporte as redes de tecnologia 5G.

Há, na mesma lei, questões militares em relação à contenção da influência da China na Ásia. Existem ainda a previsão de sanções econômicas em relação à China nas hipóteses de abusos contra direitos humanos. E, ainda, haverá o monitoramento de uma estação de observação espacial da China localizada na Argentina. Na lei obriga-se a apresentação pelos órgãos responsáveis a apresentação de relatórios sobre a indústria básica de tecnologia nacional, inclusive sobre exportações, re-exportações ou transferência de tecnologias. No tema do hemisfério Ocidental, há dispositivos sobre as relações Estados Unidos e Canadá, a fim de conter operações de influência chinesa sobre o Canadá. Além disto, deve-se promover o monitoramento dos investimentos chineses em infraestrutura e redes de telecomunicações 5G no Canadá que possam representar uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos e Canadá. Conforme a lei, os Estados Unidos devem compartilhar sinais de inteligência com o Canadá sobre as capacidades da empresa chinesa Huawei no 5G. Por outro lado, há parte específica sobre a América Latina.

Segundo a lei o Secretário de Estado juntamente com Secretário do Tesouro, o Secretário do Comércio, o Advogado Geral, o representante do comércio, o Chefe da Corporação Financeira Internacional deverão apresentar uma estratégia para os Estados Unidos para garantia da competividade econômica e promoção da boa governança, direitos humanos, a lei, na América Latina e países do Caribe, particularmente em áreas de investimentos e desenvolvimento sustentável, relações comerciais, atividades anti-corrupção e projetos de infraestrutura. Estes órgãos de estado deverão manter o acesso transparente à internet e as infraestruturas digitais no hemisfério ocidental. Os órgãos de inteligência deverão identificar os interesses estratégicos da China na América Latina, especialmente mediante o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização dos Estados Americanos e Banco de Desenvolvimento Inter-Americano. Além disto, deve-se fiscalizar os empréstimos realizados pela China aos países da América Latina e Caribe. Requer-se a promoção do engajamento com sociedade civil na América Latina e Caribe quanto aos riscos de tecnologia de vigilância fornecida pela China.

Esta lei, evidentemente, traz riscos geopolíticos para o Brasil na questão do 5G, especialmente o risco de utilização dos serviços de inteligência norte-americanos em relação à implantação do sistema de 5G em território brasileiro. Por isso, o Brasil, como ente soberano, deve iniciar tratativas para realizar acordo de não-espionagem com os Estados Unidos, como uma conditio sine qua non para a abertura do mercado brasileiro à atuação de empresas norte-americanas no setor de 5G.  No tema do 5G há desafios, riscos e oportunidades para o Brasil e empresas e usuários brasileiros.

É fundamental a preparação pelo Brasil de uma geoestratégia para o enfrentamento do tema, tão definidor dos rumos da economia brasileira e o ecossistema digital.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito do Estado, com foco no Direito da Comunicação, nas áreas de tecnologias, mídias, infraestruturas e telecomunicações. Doutor e Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto no Brasil, publicado na Amazon, 2021.

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Geopolítica, soberania digital e moedas digitais

Semana anteriores a mídia brasileira anunciou investimentos no valor de U$ 500 (quinhentos) milhões de dólares pelo fundo norte-americano Berkshire Hathway do investidor Warren Buffet da aquisição de parte da empresa Nubank de pagamentos digitais. Este fato chama a atenção para a análise do contexto deste novo mercado de pagamentos digitais. O Banco Central do Brasil divulgou, ainda, comunicado a respeito de moedas e fluxos de pagamentos digitais. O Banco Central estuda alternativas regulatórias para a implantação do real digital. E, ainda, recentemente, lançou no mercado a ferramenta PIX, como um sistema de pagamentos digitais. Além disto, busca-se a interoperabilidade entre os bancos de centrais de outros países, a fim de definir padrões internacionais para pagamentos transfronteiras.   

É importante colocarmos este tema do comércio digital nacional e internacional no contexto da geopolítica e geoeconomia global. Em jogo, o tema da soberania digital associada à soberania monetária, isto é, a capacidade do país controlar o valor de sua moeda, base de sua economia. Como se sabe, o valor do dólar alto é ótimo para as empresas exportadoras, principalmente as de commodities (grãos, petróleo, etc.). Também, é ótimo para estrangeiros que investem no Brasil e adquirem empresas brasileiras.  Porém, o dólar alto é péssimo na aquisição de insumos essenciais à economia, através de importações. O dólar alto é péssimo para empresas brasileiras que possuam dívidas indexadas ao dólar.  A questão cambial revela o poder nacional econômico de um país e a sua posição econômica no cenário do comércio internacional. No caso, a cotação do dólar revela na prática o poder econômico nacional dos Estados Unidos sobre o Brasil.  Neste contexto, Estados Unidos e China disputam a liderança global econômica, tecnológica e cultural. De um lado, os Estados Unidos querem manter a superioridade do dólar e de sua tecnologia e manter a sua diplomacia do dólar, isto é, a capacidade de influência econômica dos Estados Unidos sobre os demais países.  De outro lado, a China está em ascensão com as novas tecnologias e seu poder econômico global. Por isso, os Estados Unidos temem que o yuan (moeda oficial chinesa) possa se tornar hegemônico no comércio global. Em contrapartida, o governo norte-americano está a adotar novas ações em reação à ascensão global da China.  

A título exemplificativo, à época do governo Trump foi anunciado a proibição do aplicativo Tik Tok, sob a alegada razão de segurança nacional, pois o aplicativos coletaria indevidamente dados pessoais de norte-americanos.  Este aplicativo é utilizado para a transferência de valores e pagamentos digitais, seria o principal concorrente do WhatsApp. Sobre o assunto, conferir meus artigos Estratégia do governo norte-americano de contenção da China em relação às proibições dos aplicativos TikTok e WeChat e Empresas TikTok e Bytedance processam governo dos Estados Unidos em razão de seus aplicativos por razões de segurança nacional, publicado no Portal Direito da Comunicação. Na nova lei United States Innovation and Competition Acf of 2021, no capítulo dedicado à estratégia em investimentos digitais nos Estados Unidos há áreas chaves para a agência de desenvolvimento internacional, focado em projetos de conectividade por redes de telecomunicações e equipamentos, pagamentos móveis, cidades inteligentes e cabos submarinos.

O tema da moeda digital está associado às redes de pagamentos digitais globais. Com o avanço do comércio global há maior demanda por sistemas eficientes de pagamentos digitais, por isso também surge o tema da moeda digital. Paralelamente ao tema das moedas oficiais, há o bitcoin e outras criptomoedas e criptoativos, tecnologias que pagamentos descentralizados e inclusive preservando-se o anonimato. A moeda oficial tem a função de valor de troca, reconhecida pelo Banco Central. Enquanto que os criptoativos são ativos digitais, porém ainda não legalizados.  Os Bancos Centrais dos países estão avaliando as melhores práticas regulatórias sobre a moeda digital e pagamentos digitais. Importante lembrar que as moedas têm as funções de pagamentos, financiamentos e garantias, entre outras funções. O Bank for International Settlement (BIS), uma associação de bancos sediada em Basel na Suíça, anunciou consulta pública sobre criptomoedas.  Há preocupações quanto à utilização indevida das criptomoedas e criptoativos para a prática de crimes financeiros. Também, há a conexão com infraestruturas financeiras críticas. Além disto, há a associação com a segurança cibernética e a computação em nuvem. Adicionalmente, está entrelaçado com os algoritmos e big data.

O estudo denominado International Strategy to better protect the financial system against cyber threats do think thank Carnergy Endowment for International Peace destaca as melhores práticas para a proteção do sistema financeiro contra ameaças cibernéticas. De fato, há riscos de ataques cibernéticos contra as infraestruturas digitais de pagamentos digitais, algo que vem acontecendo no mundo em escala exponencial. A título exemplificativo, os hackers que atuaram contra a empresa norte-americana Colonial Pipeline exigiram para a liberação dos dados sequestrados da empresa o pagamento em bitcoins.  Há a intensificação de fraudes e crimes cibernéticos em operações financeiras, realizadas por computadores, notebooks e celulares. A adoção de moedas digitais é uma revolução digital no sistema econômico internacional. Por isso, é importante o Brasil participar dos fóruns internacionais relacionados a tema, para evitar o risco de ter de aceitar um padrão monetário global sem ter participado das discussões internacionais. No âmbito da tecnologia, há o entrelaçamento das moedas digitais com o tema blockchain, um sistema descentralizado de transmissão de informações. Big Techs como Amazon, Facebook, Google, WhatsApp, dos Estados Unidos, e Tencent, Ali Pay, da China têm interesse no tema da moeda digital, criptoativos e pagamentos digitais. Algumas empresas interessadas organizar uma associação privada para debater o tema das moedas digitais, como é o caso Diem, com sede em Genebra, anteriormente denominada Libra.

O tema da moeda digital está diretamente relacionado à inclusão digital e financeira. Por outro lado, há evidentemente riscos de ataques cibernéticos. Além disto, toda esta infraestrutura financeira digital trata de dados protegidos pelo sigilo bancário. Por isso, são necessários protocolos de segurança e integridade dos dados e das comunicações. O direito ao sigilo de dados bancários é uma garantia posta na Constituição Federal. Deste modo, são necessárias medidas de criptografia para garantir o sigilo das comunicações e dos dados financeiros. O capitalismo financeiro global vive uma nova fase a partir das novas tecnologias emergentes. Por isso, a atualização do sistema econômico para se adaptar aos novos tempos. Evidentemente que o tema da moeda digital e criptoativos têm desafios, riscos e oportunidades.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito do Estado, com foco no Direito da comunicação, principalmente nas áreas de tecnologias, mídias e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto no Brasil, publicado na Amazon, traduzido para o inglês com o título Geopolitical game between United States and China in Brazil, 2021.

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Anatel divulga novo procedimento para homologação de produtos de telecomunicações

Novas regras atingem equipamentos de radiodifusão, de comunicação por satélite e os destinados aos serviços aeronáutico e marítimo, para fins de comercialização.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou na semana passada – e já disponibilizou em seu portal na internet – o Procedimento Operacional para Homologação de Produto para Telecomunicações por Declaração de Conformidade com Relatórios de Ensaios. O documento estabelece as regras e os documentos necessários para a avaliação da conformidade dos produtos para telecomunicações destinados à aplicações únicas, especiais ou de baixa comercialização. As novas regras também se aplicam a produtos importados para uso próprio e destinados à prestação de serviço de telecomunicações, exceto equipamentos terminais ou aqueles destinados a usuários finais e consumidores dos serviços de telecomunicações.

A relação das famílias de tipos de produtos cobertos por esse novo modelo de Declaração de Conformidade com Relatório de Ensaios são especificadas na Lista de Referência de Produtos para Telecomunicações (LRPT) da Anatel, atualmente aprovada no anexo ao Ato nº 7280, de 26 de novembro de 2020.  A definição do Procedimento Operacional cumpre o disposto no Regulamento de Avaliação da Conformidade e de Homologação de Produtos para Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 715, de 23 de outubro de 2019

Fonte: Anatel

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Análise geopolítica da espionagem econômica e política pelos serviços de inteligência governamentais

O tema da geopolítica e geoeconomia está frequentemente associado às questões de inteligência nacional e espionagem pelos países A imprensa internacional (empresas de mídia da Dinamarca, França, Noruega Suécia) noticiou a espionagem promovida pelos serviços de inteligência da Dinamarca em parceria com os Estados Unidos/National Security Agency em relação a autoridades da Alemanha, no caso da Primeira Ministra Angela Merkel, ex-Chanceler e Ministro das Relações exteriores, no período de 2012-2014.  

Foram interceptadas ligações de telefone, mensagens de texto e tráfego de internet.  O escândalo provocou protestos da Alemanha e da França. Países aliados espionando aliados, algo que implica em quebra de confiança entre os países. Ao que parece, a espionagem foi realizada pela Dinamarca, a serviço dos Estados Unidos, para obter informações a respeito da posição da Alemanha em relação à Rússia, em questões de energia. A operação de espionagem foi realizada através de grampo em fibras óticas em redes de cabos submarinos que interligam Dinamarca, Suécia e Alemanha.  

A espionagem já havia sido revelada por Edward Snowden, ao divulgar a metodologia adotada pela National Security Agency. A espionagem é um tema controvertido no âmbito internacional. Embora muito utilizada suspostamente por razões de segurança nacional e respectivamente como justificativa de autodefesa, via de regra, há abusos na coleta maciça de dados em violação ao direito à privacidade e à confidencialidade das comunicações.  Por isso, é necessário se aprofundar no debate internacional a respeito do tema.  Com a palavra, a Organização das Nações Unidas a qual tem a responsabilidade de definir e efetivar princípios basilares do direito internacional. Alguns especialistas sugerem a celebração entre Estados Unidos e países aliados, principalmente os países europeus, acordos de não-espionagem.[1] Resta saber se que tipo de acordo é confiável e efetivo.  Em outro caso notável de espionagem realizado pela Austrália em relação ao Timor do Leste, envolvendo área marítima de petróleo e gás.

Em 2014, Corte Internacional de Justiça analisou caso de espionagem pelos serviços de inteligência da Austrália contra o governo do Timor do Leste, em uma disputa por áreas de petróleo e gás natural em território marítimo.  Timor do Leste negociava o Timor Sea Treaty, o tratado de demarcação do território marítimo entre os dois países. O governo do Timor do Leste solicitou perante a Corte Internacional de Justiça uma medida cautelar quanto à busca e apreensão de documentos sobre o ato ilícito. Alegou o Timor do Leste que a espionagem australiana criou uma indevida vantagem competitiva para a Austrália.  Em resposta, o governo da Austrália alegou razões de segurança nacional para realizar a espionagem do governo do Timor do Leste. Também alegou razões de segurança nacional para não entregar os documentos. Segundo o governo australiano, o seu Australian Security Intelligence Organization Act de 1979 (ASIO Act) autoriza operações de inteligência, mediante a interceptação de comunicações em hipótese de riscos à segurança nacional. Por isso, haveria conforme o governo australiano a possibilidade de interceptação de comunicações ocorridas em seu território.

A Corte Internacional de Justiça deferiu por maioria de votos a medida cautelar de busca e apreensão de documentos. Houve alguns votos divergentes. Alguns dos juízes entenderam que não haveria competência jurisdicional da Corte Internacional de Justiça para julgar o caso. Outros expressaram seu entendimento no sentido de inexistir risco de danos ao governo do Timor que justificasse o deferimento da medida cautelar. Debateu-se ainda sobre a soberania da inviolabilidade de documentos de documentos em posse de advogado localizado em outro país. Ao final, em procedimento de arbitragem internacional, Timor e Austrália chegaram um acordo sobre o caso perante um Corte de Arbitragem Internacional, decidindo-sobre os limites territoriais marítimos, bem como sobre a divisão das áreas de petróleo e gás natural.

Este caso ilustra bem os problemas de espionagem política e econômica conduzida pelos serviços de inteligência dos governos. E, ainda, dos riscos geopolíticos da espionagem ocorrer em redes de telecomunicações. Razões de estado (segurança nacional) não podem se sobrepor às regras do direito internacional, conforme entendimento majoritário da Corte Internacional de Justiça. A soberania de um estado pequeno como o Timor, alvo de espionagem pelos serviços de inteligência da Austrália, é objeto de proteção pelo direito internacional.  Relembre-se que o Brasil também já foi alvo dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, mediante atuação da National Security Agency, em 2013, o qual interceptou comunicações da então Presidente da República, Ministros e Petrobras. Este fato ensejou uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional.

A National Security Agency faz parta da aliança internacional no tema da inteligência  entre os Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Austrália, denominada Five Eyes.  Resumindo-se a afirmação da soberania de um estado depende de sua capacidade de se defender contra espionagem econômica e política e de defesa nacional, ainda agravado o cenário devido aos riscos de ciberespionagem.  A relação entre os países depende do nível de confiança entre os mesmos (confidence building), qualquer ato que comprometa a confiabilidade cria um estado de desconfiança nas relações internacionais. Com a tecnologia de 5G (quinta-geração), aplicável às redes de telecomunicações, são ampliados os riscos de ataques cibernéticos às comunicações. Deste modo, é fundamental o reforço na integridade e segurança das redes de telecomunicações, para garantir o sigilo das comunicações. Por isso, o Brasil precisar sua soberania cibernética com fortalecimento seu sistema de autodefesa no aspecto da espionagem cibernética executado por outros países.  

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público, com foco no direito da comunicação, nas áreas de tecnologias, mídias e telecomunicações. Autor do livro Geopolitical game between United States and China on 5G technology: impact in Brazil, Amazon, 2021.


[1] Lewis, James Andrew. Should the United States enter a no-spy agreement with Germany and other EU partners? Center for Strategic and International Relations, 9 de junho de 2021.

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Relatório sobre impactos geopolíticos das novas tecnologias e dados nos Estados Unidos

O think thank Atlantic Council, através do seu Geotech Center,  divulgou relatório sobre  os impactos geopolíticos das novas tecnologias e dados nos Estados Unidos.

A análise foi elaborada no contexto da disputa pela liderança global entre Estados Unidos e China.  Além disto, a atuação de hackers contra alvos norte-americanos, como é o caso do episódio do Solar Wind, Colonial Pipeline, entre outros. Outras infraestruturas críticas também foram alvos de ataques cibernéticos.  Há, inclusive, campanhas de desinformação que afetam a integridade do sistema eleitoral norte-americano causado por governos estrangeiros. Diversas recomendações foram propostas. No âmbito da liderança em ciência e tecnologia foi recomendado o estabelecimento de prioridade, investimentos, padrões e regras para a disseminação das tecnologias para o governo, a indústria privada, academia e mediante alianças e parcerias.

No tema de segurança de dados e comunicação, sugere-se a atualização a National Cyber Strategy com foco no monitoramento digital pelo setor público e privado. Neste contexto, recomenda-se o fortalecimento de alianças e parcerias internacionais em iniciativas globais que fomentem a utilização da tecnologia quântica na proteção à segurança dos dados e das comunicações. Esta tecnologia é útil em sistemas de criptografia, para garantir a segurança das comunicações e dados. Portanto, a questão do espaço cibernéticos e os riscos de ataques é um tema vital aos Estados Unidos. Fala-se, inclusive, em se promover ações de diplomacia cibernética. Outro ponto é garantia da confiança na economia digital, mediante o desenvolvimento de parâmetros e melhores práticas para a confiança na economia digital e com regras e regulações nacionais. Por isso, advoga-se pelo uso responsável da tecnologia, bem como de prática de governança em segurança cibernética. Recomenda-se assegurar a cadeia de suprimentos e a resiliência dos sistemas, mediante a análise de medidas de balanceamento de riscos com países aliados. Também, um dos objetivos é garantir a coordenação da aquisição de segurança cibernética através de redes de governo, bem como formar mais especialistas no tema.

Outro tema é continuidade na proteção à saúde e bem estar global por ações de detecção de agentes biológicos ameaçadores, a universalização dos métodos de tratamento  e o engajamento em medidas de remediação dos danos à saúde. Neste aspecto, há a previsão de medidas de monitoramento dos casos de coronavírus, bem medidas para assegurar os direitos à privacidade. Por outro lado, há a sugestão de medidas de garantia de operações espaciais  para o benefício público.  Deste modo, busca-se investigar o desenvolvimento de tecnologias espaciais pelo setor privado, para permitir a segurança nacional em operações espaciais, bem como promover melhorias na agricultura, exploração oceânica, mudanças climáticas, alinhamento de operações civis e militares e a adoção de tratados internacionais para dar suporte a estes usos. Neste contexto, considera-se a constelação de pequenos satélites em baixa órbita, os quais poderão dar suporte a operações militares. Por fim, há o tópico do futuro do trabalho, no qual se recomenda a criação de uma força de trabalho para década GeoTech, mediante acessos equitativos e oportunidades. E, ainda, há medidas para a educação digital dos norte-americanos para poder operar novas tecnologias.

Estas lições dos Estados Unidos merece a devida análise para que o Brasil possa acordar para a geoestratégia norte-americana e, assim, possa melhor se posicionar no cenário internacional, com ações geoestratégicas em curto, médio e longo prazo.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público, com foco em Direito da Comunicação, nas áreas de tecnologias, internet, telecomunicações e mídias. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Geopolitical Game between United States and China on 5G technology: impact on Brazil, publicado pela Amazon. Autor da Coleção de Ebooks sobre Direito da Comunicação.

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Supremo vai definir limites para a decretação de quebra de sigilo de históricos de busca na internet

No recurso, o Google questiona decisão que decretou a quebra de sigilo de pessoas que fizeram pesquisas relacionadas a Marielle Franco antes do atentado.

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se é possível, em procedimentos penais, a decretação judicial da quebra de sigilo de dados telemáticos de um conjunto não identificado de pessoas. O tema é debatido no Recurso Extraordinário (RE) 1301250, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1.148).

Caso Marielle

O recurso foi interposto pelo Google (Google Brasil Internet Ltda. e Google LLC) contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que restabeleceu a decretação, pela primeira instância, no curso de investigação criminal, da quebra de sigilo de um grupo indeterminado de pessoas que fizeram pesquisas relacionadas à vereadora do Rio de Janeiro (RJ) Marielle Franco e a sua agenda nos quatro dias anteriores ao atentado em que ela e o motorista Anderson Gomes foram assassinados, em 14/3/2018.

A decisão determina a identificação dos IPs (protocolos de acesso à internet) ou “Device Ids” (identificação do aparelho) que tenham acessado o mecanismo de busca entre 10/3 e 14/3/2018 utilizando parâmetros de pesquisa como ”Marielle Franco; “vereadora Marielle”; “agenda vereadora Marielle; “Casa das Pretas”; “Rua dos Inválidos, 122” ou “Rua dos Inválidos”.

Sigilo de dados

De acordo com o STJ, a ordem judicial está devidamente fundamentada e direciona-se à obtenção de dados estáticos (registros) relacionados à identificação de aparelhos utilizados por pessoas que, de alguma forma, possam ter algum ponto em comum com os fatos objeto de investigação pelos crimes de homicídio. Segundo a decisão, não há necessidade de que, na quebra do sigilo de dados armazenados, a autoridade judiciária indique previamente as pessoas que estão sendo investigadas, até porque o objetivo da medida, na maioria dos casos, é justamente de proporcionar a identificação do usuário do serviço ou do terminal utilizado.

Para o STJ, a medida não é desproporcional, pois a ordem judicial delimita os parâmetros de pesquisa em determinada região e período de tempo. Além disso, apontou que a restrição a direitos fundamentais que tem como finalidade a apuração de crimes dolosos contra a vida, de repercussão internacional, não representa risco para pessoas eventualmente afetadas, na medida em que, se não constatada sua conexão com o fato investigado, as informações serão descartadas

Privacidade

No recurso apresentado ao STF, o Google afirma que a realização de varreduras generalizadas em históricos de pesquisa de usuários e o fornecimento de listas temáticas dos que pesquisaram certa informação representam uma intrusão inconstitucional no direito à privacidade sem relação com o crime investigado. Argumenta, ainda, que os dados gerados por pesquisas em páginas na internet, especialmente num mundo cada vez mais digital, estão protegidos tanto pela cláusula geral de proteção da intimidade (artigo 5º, inciso X da Constituição Federal) quanto pela norma específica de sigilo de dados (artigo 5º, XII).

Pessoas inocentes

A empresa alega que a decisão atinge pessoas inocentes, pois os termos indicados são comuns, envolvem pessoa pública e têm lapso temporal longo (96 horas), o que aumentaria a possibilidade de lesão de direitos. Aponta, ainda, que a decisão seria genérica, podendo ser inserida em decretação de quebra de sigilo sobre qualquer tema.

Outros pontos destacados são o potencial multiplicador da controvérsia em inúmeros inquéritos policiais, procedimentos investigatórios criminais e ações penais e a relevância constitucional da proteção de dados pessoais num momento de crescente informatização e inovações tecnológicas.

Desafio

Em manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral, a ministra Rosa Weber, relatora do recurso, considera inegável a existência de questão constitucional no tema em debate, pois a proteção de dados pessoais, um dos desafios à privacidade na chamada “Era da Informação” precisa compatibilizar as quebras de sigilo de dados com os requisitos constitucionais mínimos.

A ministra ressaltou que o Google comprovou o potencial de repetitividade da questão jurídica, o que torna indispensável o posicionamento do Supremo sobre o tema, para que a decisão transcenda os interesses individuais da causa e possa atingir usuários das mais diversas plataformas tecnológicas. A argumentação da relatora foi acolhida por unanimidade. Não se manifestou o ministro Luís Roberto Barroso, que se declarou impedido.

Fonte: Supremo Tribunal Federal

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Sexta Turma considera ilegal substituição do chip do celular de investigado por número da polícia

Atualizada em 17/05/2021, às 14h55

Ao contrário da interceptação telefônica, em que apenas são captados os diálogos entre o alvo interceptado e outras pessoas, a substituição do chip do investigado por um chip da polícia, sem o seu conhecimento, tornaria o investigador um participante das conversas, podendo interagir com o interlocutor e gerenciar todas as mensagens – hipótese de investigação que não tem previsão na Constituição nem na Lei 9.296/1996.

O entendimento foi fixado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que considerou ilegal uma determinação judicial para que a operadora habilitasse temporariamente números de telefones da polícia em substituição aos chips dos celulares dos investigados. Assim, em determinados momentos, a critério dos policiais, eles passariam a receber as chamadas e mensagens dirigidas aos investigados.

De acordo com o TJSP, essa transferência – autorizada em liminar, a pedido da polícia – não tem respaldo no artigo 5º, inciso XII, da Constituição, tampouco na Lei 9.296/1996, que regula a interceptação de telecomunicações em investigações criminais. Para o tribunal, além de constituir uma forma ilícita de interceptação, esse procedimento acarretaria a suspensão indevida da comunicação telefônica e telemática dos investigados.

Em recurso ao STJ, o Ministério Público Federal sustentou que esse tipo de interceptação não seria ilegal e alegou que a medida judicial permitiria aos investigadores obter, em tempo real, os dados enviados aos telefones dos investigados – como as chamadas recebidas e as mensagens por meio de aplicativos como WhatsApp e Telegram.

Acess​​o irrest​​​rito

A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso, explicou que a substituição dos chips dos investigados por terminais da polícia permitiria aos investigadores, de fato, o acesso irrestrito a todo o conteúdo das comunicações, inclusive com a possibilidade de envio de novas mensagens pelo WhatsApp e exclusão de outras.

“Se não bastasse, eventual exclusão de mensagem enviada ou de mensagem recebida não deixaria absolutamente nenhum vestígio e, por conseguinte, não poderia jamais ser recuperada para servir de prova em processo penal, tendo em vista que, em razão da própria característica do serviço, feito por meio de encriptação ponta a ponta, a operadora não armazena em nenhum servidor o conteúdo das conversas dos usuários”, afirmou a magistrada.

Laurita Vaz destacou que a hipótese dos autos é diferente de precedente do STJ no qual se reconheceu a legalidade da obtenção de conversas já registradas em aplicativo de mensagens instantâneas – situação semelhante ao acesso autorizado a conversas realizadas por e-mail, que tem previsão legal.

Ampliaçã​​o ​​​ilegal

A magistrada também lembrou que, exatamente por falta de previsão legal, em outro precedente, a Sexta Turma reconheceu a ilegalidade do espelhamento, feito pela polícia, de conversas trocadas por investigados por meio do WhatsApp.

Ao negar o recurso do Ministério Público, a relatora considerou correto o entendimento do TJSP no sentido de que, por ser uma exceção à garantia constitucional da inviolabilidade das comunicações, a interceptação telefônica e telemática só pode ser autorizada nos estritos limites da lei, não se admitindo a ampliação das hipóteses previstas ou a criação de procedimento investigatório diferente.  

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial. ​

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

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Análise geopolítica dos Estados Unidos e Europa no setor de telecomunicações

Da análise das relações entre Estados Unidos e Europa no setor de telecomunicações há algumas possíveis novas percepções. Na Europa estão sediadas as principais empresas de telecomunicações do globo. A Ericsson tem sua sede na Suécia. A Nokia está sediada na Finlândia. Recentemente, a Nokia anunciou uma parceria com a Bell Labs, originária dos Estados Unidos, para a produção de tecnologia de 5G. Em 2015,  a Nokia foi adquirida pela Microsoft. No entanto, por divergências o acordo foi desfeito.

A empresa Alcatel foi adquirida pela empresa norte-americana Lucent. Posteriormente, a Nokia adquiriu a Alcatel-Lucent. No segmento de cabos submarinos e fibras óticas, a Alcatel Submarine Networks (ASN) e sua filial ALDA foi incluída na aquisição pela Nokia. Os objetivos das fusões empresariais é a preparação para a tecnologia de 5G, inteligência artificial e segurança cibernética. A Assembleia Nacional da França analisou este caso de aquisição da Alcatel no contexto da ausência de políticas industriais em defesa das empresas francesas. Debateu-se a noção de empresa estratégica como um fundamento para o controle de investimentos estrangeiros em setores sensíveis da economia francesa. Pensou-se em adotar um mecanismo de controle de investimento nos moldes do Committee on Foreign Investment in the United States (CFIUS) norte-americano. Também, foram debatidas medidas para o fortalecimento da política industrial francesa no contexto da tecnologia 5G. E, ainda, foi debatido o conceito de inteligência econômica, como uma metodologia de coleta de sinais de inteligência em defesa da indústria francesa. Além disto, foi discutido as opções estratégicas para o governo francês como a hipótese de aquisição de participação acionária em empresas consideradas estratégicas à economia francesa. 

Hoje, os Estados Unidos não possuem nenhuma empresa líder na tecnologia 5G. Mas, a tendência é que a Microsoft passe a atuar fortemente na camada de software do 5G.  Recentemente, a Microsoft adquiriu as empresas Affirmed Networks e Metaswitch para reforçar sua posição no segmento dee computação em nuvem. Diversamente, a Europa conta com Ericcson, líder global  em tecnologia 5G. No Brasil, há décadas atuam a Ericcson e Huawei, as quais serão as principais provedores de tecnologia de 5G para as redes de telecomunicações. Algumas lições podem extraídas para o Brasil. Primeiro, a existência de riscos geopolíticos para empresas decorrentes das relações entre os países. Segundo, a necessidade de cada país manter sua política industrial no setor de telecomunicações. Terceiro, a importância da institucionalização do tema da inteligência econômica como mecanismo de proteção à economia e a segurança econômica.  

Enfim, o cenário de competividade internacional, especialmente diante da disputa entre Estados Unidos e China pela liderança global na tecnologia 5G, recomenda para o Brasil o enfrentamento dos desafios, riscos e oportunidades daí decorrentes, com o necessário o conhecimento técnico desta nova realidade.

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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito do Estado. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto no Brasil, publicado pela Amazon. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação publicados na Amazon.

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Análise geopolítica entre Estados Unidos e Europa no setor de energia

As relações entre os países são marcadas por fatores de poder: político, econômico, militar e cultural. Assim, um país busca utilizar de seu soft power para defender seus interesses e influenciar as decisões e os destinos de outros países. Há, também, a possibilidade de utilização em hipótese-limite do hard power, isto, o uso do poder militar na defesa de interesses específicos. No setor de energia há o caso da tentativa de aquisição pela empresa norte-americana General Eletric (GE)  da empresa francesa Alstom. O objetivo de transação era adquirir os negócios de turbinas de geração a gás em usinas.  Na geoestratégia norte-americana foi instrumentalizado o Departamento de Justiça norte-americano, o qual aplicou a lei Foreign Corrupt Practices (FCPA).  

O Departamento de Justiça aplicou uma multa de mais de 700 (setecentos) milhões de dólares. A partir da aplicação extraterritorial desta lei, houve o ambiente para a aquisição da unidade de negócios da Alstom. O caso foi objeto de uma Comissão de Investigação na França.[1]  Na justificativa da Comissão, os escândalos revelados por Edward Snowden a respeito de espionagem conduzida pela National Security Agency dos Estados Unidos. Sobre o tema, conferir: Pierucci, Frédéric with Matthieu Aron. The American Trap. My battle to expose america’s secret economic war against the rest of the world. Hodder & Stouhton, 2019. O autor mostra que na guerra comercial os Estados Unidos têm seu utilizado de estratégias de lawfare (a lei como arma na guerra econômica) contra seus adversários, de modo a beneficiar empresas norte-americanas.  Neste aspecto, o governo norte-americano vale-se de táticas de espionagem econômica a fim de obter vantagens competitivas para as empresas norte-americanas contra empresas estrangeiras concorrentes. 

A unidade de negócios da Alstom era importante estrategicamente para a economia francesa, vez que está relacionada com a energia em usinas nucleares francesas. Portanto, se a General Eletric consumasse a aquisição da unidade de negócios de energia da Alstom a empresa norte-americana teria acesso e controle sobre o setor de energia nuclear da França, tema este de interesse estratégico na perspectiva da defesa nacional francesa.  Debateu-se, inclusive, na Assembleia Francesa noções de empresa estratégica a merecer proteção pela legislação nacional, contra aquisições por investidores estrangeiros. Também, em 2016, a França realizou um estudo por sua Assembleia Nacional a respeito do impacto extraterritorial da legislação norte-americana.[2] Além disto, discutiu-se a implantação de um mecanismo de controle de investimento estrangeiros nos moldes do Committee on Foreign Investment in the United States (CFIUS) norte-americano.

Por outro lado, note-se que os Estados Unidos recentemente alcançaram sua autonomia energética, a partir de investimentos em gás natural. Assim, reduziu a sua dependência da importação de petróleo. Além disto, dentro de sua estratégia nacional, os Estados Unidos estão incentivando a geração de energia nuclear. Deste modo, a General Eletric tem investimento no setor de energia nuclear, juntamente com a empresa Hitachi do Japão. Além disto, outro investidor no setor de energia nuclear é Bill Gates, através de sua empresa Terra Power. A partir novo software, Bill Gates conseguiu desenvolver novas turbinas para as usinas nucleares mais eficientes e seguras, conforme a narrativa dele. O tema é tratado no seu livro Como evitar um desastre climático. As soluções que temos e as inovações necessárias. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

Enfim, por detrás de toda a narrativa global de aquecimento global e  mudança climática, há interesse na ampliação da geração de energia nuclear, tema não devidamente abordado pela mídia internacional. Com efeito, tanto Estados Unidos quanto Europa estão buscando traçar metas de economia com redução da emissão de carbono. Neste contexto, a energia nuclear pode contribuir com a “economia verde”. Das lições acima citada é preciso que o Brasil e as empresas brasileiras compreendam a existência de riscos geopolíticos decorrentes da política externa norte-americana. É importante que o Brasil juntamente com outros países adote medidas para mitigar riscos de aplicação da legislação extraterritorial norte-americana.

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[1] Conforme Assemblée Nationale. Rapport 19 abril 2018. Au nom de la Comission D’enquete chargée d’examiner les décisions de l’État en matière de politique industrielle, au regard des fusions d’entreprises intervenues récemment, notamment dans l ecas d’Alstom, d’Alcatel et de STF, ainsi que les moyens susceptibles de proteger nos fleurons industriels nationaux dans un contexte comercial mondialisé. Et présenté par M. Olivier Marleix, Président e M. Guilhaume Kasbarian. Tome 1 – Travaux de la Comission d’enquête.

[2] Assemblée Nationale, 5 octobre 2016. Rapport d’information. Par la commission des affaires étrangères et la commission des finances sur l’extraterritorialité de la legislation américane. Présiden M. Pierre Lellouche, rapporteure Mme. Karine Berger.

Ericson Scorsim. Advogado e Doutor em Direito do Estado pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia de 5G: impacto no Brasil, publicado na Amazon, 2020. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

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Projeto de lei no Senado da França sobre programa nacional de inteligência econômica

Este ano, na França, há um projeto de lei sobre o programa de inteligência econômica em tramitação no Senado.  O objetivo do projeto de lei é fortalecer a capacitação em inteligência econômica da França, considerando-se a segurança econômica francesa.

Neste aspecto, quer-se a defesa da promoção dos interesses econômicos, industriais e científicos franceses. Nos eixos estruturais do projeto de lei estão a pesquisa, a formação, a inteligência jurídica, o ensino, a antecipação tecnológica, geoeconômica e normativa e a análise da conjuntura europeia e internacional.   Na prática busca-se atualizar o Estado Francês, mediante a formação de agentes públicos em inteligência econômica. Além disto, pretende-se criar uma comissão parlamentar de inteligência econômica e a instalar um Conselho Nacional de Inteligência Econômica próximo ao Primeiro Ministro.

Por outro lado, pretende-se estabelecer uma cultura de inteligência econômica, com programas de pesquisas em universidades. Ademais, quer-se mobilizar os territórios franceses no tema da inteligência econômica. Na justificativa do projeto de lei aponta-se o contexto de guerras econômicas e a necessidade de capacitação da França no tema da inteligência econômica. Para entender melhor este projeto de lei. Em 2018, a Assembleia Nacional francesa criou uma comissão de investigação para apurar as decisões do Estado francês quanto à política industrial e relação à fusão das empresas Alstom, Alcatel e STX. No relatório foi apontado que o governo norte-americano dispõe de instrumentos de espionagem econômica para garantir a competividade de empresas norte-americanas em outros países. Para tanto, utiliza-se de medidas como a Foreign Corrupt Practices (FCPA), o Departamento de Justiça e a National Security Agency. A título ilustrativo, a empresa Alstom, fornecedora de equipamentos em usinas nucleares francesas, foi alvo de aplicação extraterritorial da Foreign Corrupt Practices Act, sendo-lhe aplicada uma multa pelo Departamento de Justiça em mais de U$ 700 (setecentos milhões de dólares).

Além disto, a National Security Agency espionou autoridades francesas, no escândalo revelado por Edward Snowden. Enfim, percebeu-se a necessidade de o governo francês dispor de capacitação no tema de inteligência econômica, a fim de enfrentar os desafios no contexto da globalização econômica. A propósito do tema, o governo francês editou o Decreto n. 2019/206 de 20 de março de 2019 sobre regras de governança em segurança econômica. Conforme o texto, a política de segurança econômica objetiva a promoção de interesses econômicos, industriais e científicos da França, representado por ativos materiais e imateriais, estratégicos para a economia francesa, incluindo-se o tema da soberania digital.

No tema da segurança econômica há a definição da política sobre investimentos estrangeiros na França. Além disto, há o setor governamental de serviços de informações estratégicas, com medidas de segurança econômica para sensibilizar os atores econômicos, contribuir para identificação das operações de investimentos estrangeiros sujeitos à autorização prévia, promoção de econômicos, industriais e científicos francesas, entre outras medidas.  Este projeto de lei francês pode servir de inspiração para o Brasil, para a proteção de sua economia e segurança econômica.

Atualmente, há diversos subtemas relacionados à inteligência econômica em inteligência artificial, aprendizagem por máquina, computação em nuvem, computação na nuvem, 5G, 6G, entre outros. Especialmente, pode inspirar o Senado Federal institucionalizar o tema da inteligência econômica dentro de seu âmbito de competências, especialmente dos riscos de aplicação extraterritorial da legislação norte-americana para fins geopolíticos. 

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito do Estado. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto sobre o Brasil, publicado na Amazon, 2020.