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Conselho Nacional de Justiça propõe estratégia de segurança cibernética para Poder Judiciário

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Regulatório da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação, publicado na Amazon.

O Conselho Nacional de Justiça propôs debate sobre resolução com a estratégia nacional de segurança cibernética do Poder Judiciário. Na justificativa para a adoção da resolução, há o relato de inúmeros incidentes cibernéticos tendo como alvo órgãos do Poder Judiciário, bem como jurisdicionados. Ataques cibernéticos ao Poder Judiciário implicam em danos significativos não somente à instituição, como também aos jurisdicionados (cidadãos e empresas). Um exemplo típico de incidente cibernético são os ataques de disrupção dos serviços jurisdicionais, com a negação de serviços. Outro exemplo comum é o vazamento de dados de processos judiciais.

O tema da segurança cibernética é complexo. O ambiente cibernético é complexo.  Deste modo, requer conhecimento técnico especializado e envolve múltiplas camadas de conhecimento. Há aspectos de tecnologia, infraestruturas, serviços e cognição e atitudes humanas. Por isso, a demanda por respostas a incidentes cibernéticos, medidas de mitigação de riscos e gestão de crise na segurança cibernética, bem como a proteção da infraestrutura cibernética do Poder Judiciário. Segurança cibernética é: “a segurança da informação de uma forma geral”,  “a segurança física e proteção de dados pessoais e institucionais”,  “segurança física e proteção de ativos de tecnologia da informação de forma geral”. Dentre os objetivos da estratégia de segurança cibernética está a “integridade, confidencialidade e da autenticidade da informação utilizada pelo Poder Judiciário”. Também, busca-se aumentar o nível de segurança das infraestruturas críticas utilizadas na prestação dos serviços jurisdicionais. Além disto, considera-se a necessidade de se aumentar a segurança dos dispositivos de segurança cibernética dos equipamentos finais conectados aos terminais em rede. E mais, a demanda por segurança cibernética nas hipóteses de trabalho remoto.  Assim, planeja-se o estabelecimento de um modelo centralizado de governança nacional na segurança cibernética do Poder Judiciário, com a previsão de uma rede nacional de cooperação do Poder Judiciário neste tema.

Há a previsão de uma política de segurança cibernética do Poder Judiciário, com os seguintes pilares: segurança jurídica, respeito aos direitos humanos e garantias fundamentais, em especial a proteção de dados pessoais e a proteção da privacidade e acesso à informação, visão sistêmica da segurança cibernética, educação para o fomento da cultura em segurança cibernética, gestão da segurança da informação e prevenção, tratamento e resposta a incidentes cibernéticos, articulação entre ações de segurança cibernética e proteção de dados e ativos de informação, garantia do sigilo das informações imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado e inviolabilidade da vida privada, honra e imagem. Determina-se que todos os órgãos do Poder Judiciário deverão adotar o protocolo de investigação para ilícitos cibernéticos, com procedimentos para coleta e preservação de evidências, bem como para comunicar fatos penalmente relevantes para órgãos de investigação e persecução penal. No aspecto na gestão de usuário há medidas para o gerenciamento de identidades, acessos e privilégios.

Em síntese, a percepção da segurança cibernética como uma tema de Estado e de interesse da cidadania é o primeiro passo para se avançar nas medidas de mitigação de riscos cibernéticos. É comum, ainda, a ocorrência de verdadeiras “guerras cibernéticas”, com ataques provenientes do exterior. Não podemos esquecer, ainda, os riscos de ataques ao sistema eleitoral e à democracia, decorrentes de operações de influência estrangeira. Neste aspecto, o Conselho Nacional de Justiça e a Justiça Eleitoral devem avançar – e muito rapidamente – para proteger a democracia e a soberania brasileiras.  Por isso, inclusive a necessidade de articulação internacional no tema.  Em síntese, a segurança jurídica e segurança cibernética caminham juntas. Por isso, são vitais as medidas em garantia à confidencialidade das comunicações eletrônicas, a segurança das informações, segurança dos dados pessoais, segurança dos dados institucionais, segurança das infraestruturas críticas, gestão de crises diante de incidentes cibernéticos, entre outros aspectos.

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Smart cities, noise urban control e responsabilidade legal dos municípios e condomínios

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP.

Um tema atualíssimo, muito analisado no seu impacto na saúde e qualidade de vida, porém sem medidas efetivas pelo poder público municipal, é o ruído urbano, causado por equipamentos, máquinas, veículos, algo que se insere no eixo temático das denominadas smart cities (cidades inteligentes). Este ruído pode ser indoors (dentro de condomínios, por exemplo), e outdoor causado pelo tráfego de veículos e/ou obras de construção civil e/ou comércio. Na Europa, há projetos já implantados de smart cities para o controle de ruído urbano. Assim, há a instalação de redes de sensores acústicos para possibilitar a confecção de mapas de ruídos urbanos e, assim, o poder público pode exigir medidas de mitigação do ruído ambiental.

No Brasil, infelizmente, o tema do noise control (controle de ruído), no contexto das cidades inteligentes, é mais um conceito do que uma realidade prática. Acontece que o ruído urbano está diretamente associado aos danos ao ecossistema ambiental (poluição sonora), ao ecossistema humano (danos à saúde).  Há estudos que apontam a correlação entre ruído urbano e aumento da pressão arterial, ritmo cardíaco, stress, perturbação do sono. Em tempos de pandemia, com a possibilidade do home office, milhares de pessoas sentiram na pela os problemas decorrentes dos ruídos urbanos, o que compromete o trabalho e o sossego das pessoas. Por isso, entendo que uma política pública municipal eficiente deveria adotar medidas para a mitigação dos ruídos urbanos. O primeiro passo é adotar um mapa de ruído urbano nos principais bairros da cidade, mediante a instalação de uma rede de sensores bioacústicos.  Há diversas tecnologias no mercado como IoT (internet das coisas) capazes de medir os ruídos urbanos. O segundo passo consiste em adotar padrões de conforto acústico em condomínios, estabelecendo-se novos limites de conforto acústico. Assim, seriam definidas novas regras de compliance ambiental para condomínios no aspecto do controle de ruídos (indoor e outdoor), inclusive exigindo-se novas práticas de controle de ruído por prestadores de serviços dos condomínios. Terceiro passo, é a definição de medidas práticas de controle de ruídos urbanos causados por veículos automotores (carros, motos e ônibus), bem como aeronaves (principalmente, helicópteros). Quarto passo, a atualização da legislação municipal, com a previsão das medidas de mitigação de danos causados por ruídos urbanos, a adoção das tecnologias de monitoramento dos ruídos, bem como medidas de fiscalização ambiental.

Em síntese, é da responsabilidade dos Municípios adotar ações práticas para instalar uma infraestrutura tecnológica com capacidade de monitoramento ambiental dos ruídos urbanos. Já existe uma infraestrutura para a hipótese de controle de velocidade de veículos, mediante a utilização de radares, uma tecnologia mais cara que a tecnologia de sensores acústicos. Há, também, nas cidades, todo um sistema de monitoramento por vídeocâmeras, para fins de segurança pública e proteção do patrimônio público municipal.

Ora, porque o município omite-se quanto à fiscalização dos ruídos urbanos se há tecnologia em escala suficiente para realizar esta tarefa?

Cabe ao poder público municipal responder esta pergunta. O controle do ruído urbano possibilitará melhor qualidade de vida para todos, melhor saúde pública, mais conforto acústico. Mas, a atuação das prefeituras deve focar justamente na responsabilidade dos condomínios quanto as medidas de mitigação do ruído urbano, especialmente quando se tratar de ruídos causados por prestadores de serviços dentro e fora de condomínios.  

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

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Responsabilidade legal de Condomínios e Síndicos por ruídos causados por serviços contratados

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP.

Em tempos de crise emergencial da saúde pública, causada pela pandemia do coronavírus, houve a necessidade de readequação do trabalho para determinados grupos em regime de home office. Assim, houve o crescimento significativo de realização de teletrabalho e a utilização de tecnologias de informação e comunicações para a realização de reuniões online.

Ocorre que este novo ambiente de trabalho para alguns (home office) é afetado por fatores indoors e outdoors  aos condomínios residenciais. Assim, é comum que ruídos causados por equipamentos elétricos-mecânicos causem a perturbação e o sossego alheio de moradores de condomínios. Os ruídos representam verdadeira agressão ao sentido humano da audição. Os ruídos atingem diretamente o cérebro.

Representam uma invasão à privacidade e intimidade das pessoas. Os ruídos se propagam através do ar, atingindo quartos, escritórios, sala de estar, cozinhas, entre outros compartimentos de um apartamento e/ou casa.  Somente pessoas aquinhoadas com recursos conseguem ter sistemas de proteção acústica com vidro duplos e/ou triplos, o que não é evidentemente, o caso da maioria dos brasileiros. O lar é para ser o ambiente sagrado de descanso é, no entanto, alvo de fontes de ruídos externas por outros condomínios e/ou fontes de ruídos interna (obra de construção civil dentro dos apartamentos). Muitos pacientes se encontram dentro de seus apartamentos em tratamento médico e necessitam de repouso e descanso, para cuidar de sua saúde, entretanto, fontes de ruídos sob a responsabilidade de condomínios impedem o sagrado descanso e repouso.

São ruídos produzidos por cortadores de grama, sopradores de folhas, furadeiras, serrilhas, martelos, entre outros, que degradam a qualidade e o bem estar dos moradores dos condomínios. Ora, os ruídos perturbam significativamente a saúde e o bem-estar dos moradores dos condomínios. A defesa do meio ambiente, por evidente, implica na proteção ao ambiente aonde vivem as pessoas. Por isso, a conexão necessária entre meio ambiente e saúde pública. Há pesquisas e estudos científicos comprovando o impacto do ruído no ritmo cardíaco, saúde mental e sono.[1]  Sobre o tema, há inúmeros estudos científicos que comprovam os danos causados por ruídos à saúde humana. A título ilustrativo, ver: Burden of disease from environmental noise. Quantification of healthy life years lost in europe. Neste estudo, há evidência dos danos causados ao ritmo cardíaco devido à poluição sonora. World Health Organization. European Comission, 2011. Ver, também, Technology for a quieter American. National Academy of Sciences.

Ora, a audição é um dos sentidos vitais ao ser humano. A audição é um sentido de sensibilidade corporal e mental. Há estudos de psicoacústica do impacto dos ruídos no corpo humano. A partir da audição, define-se a percepção ambiental e o sentido de equilíbrio do corpo. O desconforto acústico é grave sintoma de mal-estar pessoal.  Alguns ruídos são piores do que outros devido às frequências utilizadas, bem como do nível de sua propagação no ar. A audição integra a esfera da privacidade e intimidade da pessoa. Ocorre que diante de fontes de ruído urbanos (indoor e outdoor) as pessoas não têm mecanismos de defesa contra o barulho. Por isso, entendo que o ruído ambiental representa uma invasão à privacidade das pessoas.

O ambiente aonde a pessoa vive (sua casa) é um lugar sagrado.   Danos à audição são fontes agudas de perturbação do sossego alheio. Em sendo ruídos causados por prestadores de serviços aos condomínios, é óbvia a responsabilidade do condomínio e do respectivo síndico quanto à cessação dos ruídos perturbadores da qualidade ambiental dos moradores. É a lei que determina a cessação dos ruídos, basta conferir o Código Civil e a legislação municipal de cada cidade. A omissão dos condomínios e síndicos em adotar práticas mais sustentáveis ambientalmente na perspectiva da mitigação dos ruídos enseja a responsabilização civil e criminal. A causação de ruído por condomínio é uma prática abusiva contra o direito à não perturbação do sossego alheio. Além disto, eventual omissão do síndico e/ou administrador de condomínio pode ensejar investigar por eventual conflitos de interesse na gestão dos condomínios. Afinal, o síndico e/ou administrador deveria cuidar dos interesses relacionados ao bem-estar, saúde e meio ambiente dos proprietários e moradores dos condomínios. No entanto, na prática, alguns síndicos e administradores de condomínios estão mais focados em interesses econômicos e financeiros do que propriamente estão focados no cuidado dos interesses concretos dos moradores e proprietários dos condomínios. Por isso, seria oportuno novas práticas nos condomínios de maior controle de ruído ambiental, bem como de definição de hipótese de conflitos de interesse entre síndicos, administradores e os proprietários e moradores. Muitos edifícios residenciais tem sido geridos apenas como ativos financeiros-comerciais por alguns síndicos e administradores, com interesses pessoais na gestão, em detrimento do interesse dos proprietários e moradores.

No aspecto legal, registre-se a existência da contravenção penal de perturbação do sossego alheio, fato este que ensejar a responsabilidade penal dos responsáveis.  Ocorre que as Prefeituras têm se omitido quanto à fiscalização do ruído urbano causado por condomínios, incorrendo em responsabilidade por omissão no exercício de seu poder de polícia administrativa. As Prefeituras teriam que abrir processos administrativos contra condomínios fontes de ruídos urbanos e aplicar as sanções previstas na legislação. As Câmaras de Vereadores deveriam ter um papel mais ativo no sentido de medidas de mapeamento de ruídos urbanos e melhores práticas de gestão ambiental em prol do silêncio urbano. Em outros países, há práticas consolidadas de mapas de ruído urbano, isto é, a utilização de tecnologias como biosensores acústicos para monitorar em tempo real o impacto do ruído nos moradores das cidades. Há softwares especializados na medição acústica dos ruídos urbanos. E, ainda, em outros países, o tema das “smarts cities”, obviamente inclui mecanismos de “noise control”. Com as tecnologias de redes de telecomunicações 4G e, futuramente, 5G haverá o aumento exponencial de tecnologias acústicas de monitoramento ambiental no aspecto dos ruídos urbanos. E, ainda, considerando-se o contexto de inteligência artificial, big data e computação em nuvem é possível este monitoramento em tempo real dos ruídos urbanos.

Neste aspecto, precisamos distinguir as seguintes espécies de ruídos: ruídos humanos, ruídos animais e ruídos de máquinas. Riscos humanos e animais podem criar certo desconforto, mas podem ser tolerados, pois o nível de emissão acústica, em média, é baixo. Evidentemente, há situações abusivas como protestos na frente de hospitais e postos de saúde, o que compromete a saúde e bem estar de pacientes e trabalhadores.

Porém, o problema maior são os ruídos produzidos por máquinas (equipamentos elétricos-mecânicos), tais como: cortadores de grama, sopradores de folhas, furadeiras, serrilhas,  canos de escapamento de carros, motos e caminhões, entre outros. Em serviços de jardinagem que utilizam equipamentos barulhentos (cortadores de gramas e sopradores de folhas), é evidente a desproporcionalidade/irrazoabilidade dos meios utilizados. Estes equipamentos elétricos/mecânicos produtores de ruídos urbanos são onerosos, na medida em que causam intensos barulho. Não há uma relação inteligente de custo/benefício na utilização de equipamentos barulhentos. O condomínio a pretexto de realizar o serviço de jardinagem contrata o serviço mais barato, porém estes serviços criam malefícios aos próprios moradores na medida que se trata de uma fonte de ruídos intensos. Há mais malefícios do que benefícios no serviço de jardinagem no aspecto da poluição sonora.  Por isso, é da responsabilidade dos condomínios e dos respectivos síndicos a adoção de meios menos danosos ao meio ambiente, à saúde e ao bem estar dos moradores e respectivos vizinhos. Por outro lado, caso os condomínios não consigam encontrar uma solução técnica mais sustentável ambientalmente em substituição aos equipamentos elétricos-mecânicos barulhentos (cortadores de grama e sopradores), então é o caso de se pensar em uma alternativa de controle biológico da vegetação dos jardins, bem como soluções manuais de limpeza dos jardins, sem a utilização de equipamentos que representam verdadeira “tortura” psicológica para moradores e vizinhos.

Por isso, uma cidade verdadeiramente inteligente, um condomínio verdadeiramente inteligente, deveria cuidar para buscar “mais silêncio”, “menos ruído urbano”.  Neste sentido, é fundamental práticas inovadoras na gestão das cidades e na gestão dos condomínios, com mecanismos ágeis de controle do ruído urbano. A sustentabilidade ambiental é a conditio sine qua non para a gestão dos condomínios. Os condomínios jamais poderiam ser uma fonte de ruído urbano, uma fonte de mal estar para moradores e vizinhos, muito menos representar uma ameaça à saúde e ao meio ambiente.

Enfim, ruídos causados por condomínios “no make sense”, não há nenhum sentido para a comunidade  que vive dentro dos condomínios. É algo simples de ser resolvido, mediante adoção de filtros/silenciadores, barreiras acústicas, isolamento acústico. É preciso utilizar de inteligência comunitária quanto à solução. É fundamental a mudança do status quo baseado na cultura tóxica do ruído para uma cultura enraizada pro-silêncio. O respeito ao outro, ao vizinho, demanda melhores práticas na gestão ambiental dos condomínios, no que tange à defesa acústica de seus moradores. Por fim, é preciso compreender que existem ruídos inevitáveis inerentes às cidades, mas outros ruídos perfeitamente evitáveis e controláveis. Por isso, ruídos causados por equipamentos elétrico-mecânicos são perfeitamente evitáveis e controláveis, depende apenas da atitude consciente dos condomínios e síndicos e moradores a respeito de melhores práticas de gestão ambiental dos ruídos.  Além disto, é preciso diferenciar os condomínios barulhentos, com práticas insustentáveis ambientalmente, daqueles silenciosos, com práticas inovadoras de sustentabilidade ambiental.

Talvez, condomínios barulhentos sejam alvos de desvalorização patrimonial com o decorrer dos anos. Por isso, investimentos na gestão ambiental dos condomínios, com exigência de padrões ambientais dos prestadores de serviços, é uma medida necessária e adequada a uma nova cultura de bem estar nos condomínios, comprometida com o meio ambiente. 

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.


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5G, IoT e Smart Cities

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito do Estado pela USP.

Os temas do 5G, IoT e Smarts Cities têm desafios, riscos e oportunidades.

Após o leilão de frequências do 5G a ser realizado pela Anatel em 2021 haverá um novo cenário das denominadas smarts cities (cidades inteligentes). Uma cidade inteligente é aquela que otimiza a performance, principalmente, das tecnologias de informações e comunicações e redes de telecomunicações, de modo a manter a sua sustentabilidade ambiental e promover serviços mais eficientes para seus cidadãos. Sobre o tema, consultar o excelente estudo da Câmara dos Deputados: Cidades inteligentes. Uma abordagem humana e sustentável (Coordenador: Francisco Jr).[1]  

Em termos de planejamento urbano de cidades inteligentes, acredito que a melhor geoestratégia distinguir diferentes modelos de cidades: cidades/capitais, cidades/metrópoles, cidades marítimas, cidades aeroportuárias, cidades industriais, cidades portuárias, cidades agroindustriais, cidades turísticas, etc. Conforme a vocação econômica e matriz econômica predominante de uma cidade, teríamos modelos diferenciados de cidades inteligentes mais adequados à sua realidade local.  As tecnologias emergentes de big data, computação em nuvem, impressão 3D, sensoriamento por satélites, 4G, 5G e 6G, são importantes oportunidades do desenvolvimento urbano. Neste aspecto, a gestão pública das Prefeituras tem um papel fundamental no incentivo à inovação tecnológica e governança comunicativa, isto é, a prestação de informações e serviços melhores para seus cidadãos.  

Vejamos o contexto da pandemia do coronavírus. Em ambiente de tecnologia 4G foi possível uma série de serviços relevantes de combate ao vírus, como monitoramento dos índices de transmissão do vírus em tempo real, bem como medidas de prevenção à saúde e agendamento de vacinas, e controle de disponibilidade de oferta de leitos de UTI em tempo real e rastreamento de pessoas infectadas.   Em sistemas de 4G é possível a otimização dos serviços de atendimento emergencial praticados pelo SAMU, com o controle da rota das ambulâncias. Também, com as tecnologias há sistemas de controle de medicamentos e estoques de oxigênio nas cidades no setor de saúde pública. Acredita-se que com o 5G haverá inclusive o potencial de realização de exames dentro das ambulâncias e com a análise em tempo real de dados do paciente, por um médico ainda que à distância. A título ilustrativo, os serviços de teletrabalho (home office), telemedicina, comércio digital, sistemas de pagamento online, cresceram significativamente no contexto da pandemia.  Ora, com a tecnologia aplicada de 5G às redes de telecomunicações haverá o crescimento exponencial de novos modelos de negócios. Dentro deste contexto, há o campo para a proliferação da internet-das-coisas (Internet of Things), uma rede de sensores com capacidade de coleta de dados em tempo em real. No âmbito das cidades inteligentes, já existem programas implantados de controle da eficiência do sistema de iluminação pública, mediante sensores.

Há, também, o potencial no contexto da sustentabilidade ambiental, de projetos de controle de consumo de água, controle de poluição ambiental e controle da poluição sonora. Em contexto de home office, por causa da pandemia, tornou-se mais urgente a questão do noise control dentro de condomínios e fora de condomínios. Em diversas cidades europeias, há projetos já executados de controle de ruído urbano, mediante redes de sensores espalhados pelas cidades. Para além disto, há um potencial do IoT na aplicação na gestão de estacionamentos públicos e privados. Também, há o potencial do IoT na aplicação do “poder de polícia” municipal na fiscalização sobre condomínios em diversos aspectos (saúde pública, vigilância sanitária, controle de poluição sonora, controle de vazamento de gás, controle de fogo e fumaça, segurança, controle do lixo, sinalização de edifícios para fins de tráfego aéreo, etc.). Dispositivos IoT são perfeitos para o campo de smarts buildings (edifícios inteligentes), como, por exemplo, o controle de elevadores (segurança e higiene em tempos de covid), o controle de cumprimento das regras de sinalização ótica para tráfego aéreo, entre outros. A propósito, registre-se que os condomínios (edifícios) participam do ecossistema de smarts cities na medida em que antenas das redes de telecomunicações são instaladas no topo dos edifícios.

O tema das smarts cities  ficou muito concentrado na pauta da segurança pública por muito tempo, no aspecto de implantação de câmeras de vigilância nas cidades. Agora, no contexto da pandemia, mostrou-se que há muito mais espaço em outras áreas para se explorar o potencial de redes 5G e IoT no âmbito das cidades inteligentes. De um lado, as Prefeituras podem se beneficiar de projetos significativos nos vetores de planejamento urbano, aplicação do poder de polícia e prestação de serviços públicos, a partir das redes de 5G e IoT. De outro lado, as empresas fornecedoras de tecnologias e serviços com base em tecnologia 5G e IoT tem ótimas oportunidades para oferecer serviços de produtores inovadores no segmento de smart cities. E, ainda, mais no contexto de mudanças climáticas e aquecimento global faz-se urgente a adoção de todas as tecnologias possíveis para o monitoramento em tempo real dos dados climáticos, bem como da implementação das medidas para a mitigação destas mudanças climáticas. Neste campo, há iniciativas de geoengenharia no sentido de modificar algumas características da atmosfera para atenuar os efeitos do aquecimento global. A título ilustrativo, a técnica jogar “sal” nas nuvens a fim de promover o reflexo da radiação solar para fora do planeta terra, o que poderia implicar no resfriamento da calota terrestre. Também, é preciso campanhas de educação ambiental para adoção de mitigação dos danos causados pelo consumo de produtos, provenientes de fontes poluidoras da atmosfera. Em síntese, há boas expectativas em relação à tecnologia de 5G e o setor de smart cities, em que pese crises de saúde e da economia.    

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.


[1] Cidades inteligentes: uma abordagem humana e sustentável. Câmara dos Deputados. Centro de Estudos e Debates Estratégicos. Consultoria Legislativa. Relatores: Francisco Junior, Angela Amin, Eduardo Braide e Haroldo Cathedral. Brasília: Câmara dos Deputados: Edições Câmara, 2021.

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Desafios para a Justiça Eleitoral diante de abusos de poder cibernéticos e/ou computacional

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Público. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto no Brasil, publicado na Amazon, 2020.

A literatura especializada tem revelado alguns novos termos decorrentes do ambiente cibernético e, respectivamente, das novas tecnologias de informações e comunicações o ambiente da internet. São expressões como cyberwar (guerra cibernética), cyberweapons (armas cibernéticas), weaponisation of social media (armamento das mídias sociais), information operation (operações de informação), desinformation campaings (fake news), computational propaganda, deep webpsycho operations (operações psicológicas), covert actions (ações encobertas), cyber militias (milícias cibernéticas), robots/bots, critical national infrastructure (infraestrutura nacional crítica), artificial intelligence, ataques cibernéticos por hackers, vazamento de dados de pessoas e empresas, financiamento ilegal de campanhas, micro-targeting, entre outras ações.

Todos estes temas vieram à tona com o ataque cibernético por campanhas de desinformação por agentes da Rússia contra o sistema eleitoral dos Estados Unidos, na campanha presidencial de 2016. Agentes russos via redes sociais espalharam boatos contrários à então candidata Hillary Clinton e favoráveis ao candidato Donald Trump. Outro episódio revelador destas táticas cibernéticas foi o escândalo da Cambridge Analytica, no qual a empresa obteve dados pessoais de milhões de pessoas, através do Facebook, sem o necessário consentimento dos usuários, para utilizar em campanhas eleitorais. Para agravar o quadro, em janeiro de 2021, os Estados Unidos sentiram na pele os riscos da polarização política e instrumentalização de redes sociais para convocar grupos paramilitares com a invasão do Congresso, na tentativa de impedimento a proclamação dos resultados da eleição de 2020 que consagrou Joe Biden como o novo Presidente norte-americano. No Brasil, vivemos intensas campanhas de desinformação e divulgação de fake news, com ataques às instituições democráticas e autoridades públicas, inclusive como a promoção de “assassinato” de reputações. Por tudo isto, entendo necessário a análise do poder cibernético e/ou poder computacional e as consequências sobre o sistema eleitoral. Por ora, o legislador e a justiça eleitoral tratam de temas que estão apenas na superfície do jogo político-eleitoral. Há a normativa sobre campanhas eleitorais por mídias sociais, fake news, financiamento ilegal de campanhas, entre outras. Mas, a complexidade do tema requer medidas mais efetivas de combate atos atentatórios à integridade do sistema eleitoral. Vamos imaginar algumas hipóteses.

O Brasil e seu sistema eleitoral é alvo de ataque cibernético por um país e/ou agentes estrangeiros. O sistema eleitoral tem condições de resistir ao ataque cibernético? Quem fará a defesa do sistema eleitoral? O Comando Cibernético do Exército é quem fará a defesa cibernética?[1] Será que o exército é o órgão mais adequado, imparcial, neutro e democrático para fazer este tipo de defesa? Se  péssimos militares do exército atuarem em benefício da reeleição do presidente da república a justiça eleitoral está preparada para investigar estes fatos? Na hipótese de “vazamento” de dados de milhões de eleitores, a justiça eleitoral está preparada para agir e reagir a este tipo de ataque cibernético? Por outro lado, vamos imaginar que um candidato e/ou grupo político crie fake news e criar um “exército digital” e/ou “milícia digital” de robôs, aproveitando-se de poder cibernético e/ou computacional. Assim, esta “milícia digital” busca, artificialmente criar consensos e dissensos na opinião pública, favoráveis ao seu candidato. O termo técnico para esta operação é astroturfing. Assim, o candidato consegue artificialmente manter milhões de seguidores em suas redes sociais, criando-se a ilusão de que existe grande apoio político ao seu nome.

Como a justiça eleitoral pode agir neste tipo de situação? Haverá auditagem do número dos eleitores dos candidatos?  Por outro lado, vamos imaginar que ocorra financiamento ilegal de campanha de determinado candidato proveniente de recursos do exterior.  Como a justiça eleitoral pode enfrentar este tipo de situação? Outro exemplo. Imagine-se que um candidato presidencial obtenha informações da CIA contra seu adversário político, e receba apoio de governante estrangeiros. E a partir daí monte uma estratégia político-eleitoral em sua campanha, com a exploração de ações judiciais e divulgação de notícias na mídia. Como a Justiça Eleitoral pode responder a este tipo de conluio entre candidato brasileiro e agência de inteligência estrangeira e governo estrangeiros. Enfim, todas estas hipóteses demandam a atualização da legislação eleitoral a seguir analisada. A tipificação como crime eleitoral o abuso do poder cibernético e/ou poder computacional no contexto sistema eleitoral que contribua com o desequilíbrio nas condições da disputa eleitoral, com a previsão de perda do registro da candidatura e do mandato.

Por outro lado, sugere-se a atualização da lei que prevê as condutas vedadas aos agentes públicos, de modo a contemplar as hipóteses de abusos de poder cibernéticos e/ou poder computacional, de modo a favorecer determinado candidato e/ou grupo político.  Regras de improbidade administrativa devem contemplar as hipóteses de abuso de poder cibernético/poder computacional. Assim, devem ser punidos aqueles que abusam de armas cibernéticas contra a soberania popular e as instituições democráticas, inclusive aplicando-se sanções severas contra agentes públicos civis e militares, inclusive com perda de cargo público. Além disto, deve ser debatido a hipótese de abusos cometidos por associações civis militares (“clubes militares”) que promovam atos atentatórios à democracia. Neste sentido, deve-se esclarecer a legislação para contemplar a hipótese de dissolução de associações militares (“clubes militares”) que promovam atos atentatórios à democracia. Para além disto, deve-se debater inclusive a perda do título militar (general, entre outros),  inclusive a perda da titulação do posto e patente e da perda da patente se o servidor público militar estiver na reserva, se comprovada a participação em atos atentatórios à democracia. Quem é contra a democracia brasileira não deve participar da vida democrática.  Por isso, a pessoa deve ter expulsa da participação do sistema político, inclusive defende-se a exclusão do direito de votar e de ser eleito.  Os antigos previam para este tipo de delito contra a república o exílio. Mas, atualmente, este tipo de sanção não pode ser aplicada.  Por isso, atos de suspensão de direitos políticos são bem-vindos para se punir quem praticar atos anti-democráticos. Além disto, deve-se prever medidas para o fortalecimento da justiça eleitoral em medidas de autodefesa cibernética, para garantir a integridade do sistema eleitoral.  Em discussão, as medidas de proteção ao livre fluxo de informações no ambiente democrático. Antigamente, o tipo ideal de democracia era representado pelo livre debate de ideias e troca de informações, baseadas no consenso quanto aos fatos e à verdade.

Atualmente, houve sensivelmente a degradação do ambiente democrático com campanhas de desinformação (algo extremamente perigoso à democracia), discursos de ódio,  atos de violência, campanhas de assassinato de reputações. Neste contexto, é fundamental a legislação ser atualizada de modo a prever a responsabilidade das empresas provedoras de redes sociais, diante de abusos de poder cibernético e/ou computacional. O projeto de lei sobre “fake news” e campanhas de desinformação é um primeiro passo. Mas, ainda são necessárias medidas mais amplas para conter abusos em campanhas de manipulação da opinião pública, com a propagação de perfis falsos em redes sociais, propaganda computacional, fake news, conteúdos caluniosos, difamatórios, injuriosos, entre outros.

Enfim, toda esta toxicidade é um perigo à democracia. Por isso, medidas de contenção de abusos de poder cibernético/computacional, no jogo político-eleitoral, para preservar as instituições democráticas e a soberania popular e prevenção de eventual desprestígio das forças armadas por eventuais de atos isolados de alguns péssimos militares e líderes tóxicos anti-democráticos. A toxicidade anti-democrática deve ser combatida, pois representa perigo à democracia. Por isso, o fortalecimento da Justiça Eleitoral em investigações de abusos de poder cibernético e/ou computacional é a conditio sine qua non para o fortalecimento das medidas de defesa da democracia. 

A soberania política deve ser protegida contra interferências ilegítimas no sistema eleitoral por robôs, algoritmos e/ou propaganda computacional que perturbem a qualidade do debate público brasileiro.  


[1] Sobre o tema do ciberespaço e a doutrina militar, ver: Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. XXI Ciclo de Estudos estratégicos. Ciberespaço: a nova dimensão do campo de batalha. Organizadores: Coronel Carlos Educardo de Franciscis Ramos e outros, Rio de Janeiro: ECEME, 2019.

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Organização das Nações Unidas analisa o impacto das tecnologias de informação e telecomunicações sobre a soberania dos estados

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo Geopolítico entre Estados Unidos e China no 5G: impacto no Brasil, publicado pela Amazon.

A Organização das Nações Unidas (ONU) instalou um grupo de estudos sobre tecnologias de informações e telecomunicações e a segurança cibernética global. 

As razões apresentadas para o projeto são várias: o desenvolvimento avançado de novas tecnologias de informação e telecomunicações, o aumento da conectividade global, a natureza dual-use das tecnologias de informação e comunicação (isto é, uso civil e militar), a essencialidade destas tecnologias para os serviços de governo, a existência de ameaças reais na exploração destas tecnologias colocando-se em risco a segurança das nações, a expansão da internet das coisas e os riscos daí associados.

Diante disto, o relatório do grupo de estudos propõe medidas para a construção de confiança entre os países sobre o tema da defesa cibernética.[1] Em especial, busca-se a construção de regras, normas e princípios de responsabilidade dos estados em termos de direito internacional e defesa cibernética. Além disto, quer-se promover o diálogo institucional sobre o aumento da dependência de tecnologias de informação e comunicação.

Sugere-se ainda que os estados sejam encorajados na construção da capacidade para identificar e proteger infraestruturas nacionais e transnacionais críticas, bem como de infraestrutura crítica de informações supranacional. Quanto à promoção de comportamento dos estados responsável deve-se adotar uma estratégica de neutralidade tecnológica, a qual previna o abuso das tecnologias, no que tange a realização de ataques cibernéticos e exploração de vulnerabilidades das tecnologias de informação e comunicações, incluindo-se o contexto de “machine learning”, “quantum computing” e “internet das coisas”. Recomenda-se, ainda, que os estados não adotem “agentes terceiros” (proxies) para cometer internacionalmente atos danosos e, também, para impedir que seu território seja utilizados por atores não-estatais para cometer atos danosos contra outros países e/ou alvos. Assim, sugere-se medidas para “building confidence” entre os estados.

Em debate, o tema do direito à utilização da força pelos estados no ambiente cibernético. Os estados têm o direito de se defender no ambiente cibernético. Porém, a ação dos estados deve ser orientada pelos princípios de direito internacional, tais como: humanidade, necessidade, proporcionalidade, diferenciação e precaução.[2] Conforme relatório final da ONU: “States concluded that there are potentially devasting security, economic, social and humanitarian consequences of malicious ICT activities on critical infrastructure (CI) and critical information infrastructure (CII) supporting  essential services to the public. While it is catch State’s prerogative  to determine which infrastructures it designates as critical, such infrastructure may include medical facilities, financial services, energy, water, transportation and sanitation. Malicious ICT activities against CI and CII that undermine trust and confidence in political and electoral processes, public institutions, or that impact the general availability or integrity of the internet, are also  a real and growing concern. Such infrastructure may be owned, managed or operated by the private sector, may be shared or networked  whith another state or operated across different states. As a result, inter-state or public-private cooperation may be necessary to protect its integrity, functioning and availability”.[3]

A preocupação da ONU é com a utilização abusiva de tecnologias de informação e comunicação pode ser a causa futuros conflitos entre os estados. Ou seja, ataques cibernéticos entre os estados podem desencadear conflitos graves entre os estados. Por isso, a ONU quer construir medidas para a capacitação da confiança entre os estados, mediante parcerias confiáveis. Neste sentido, recomenda-se a instalação de equipes especializadas em respostas cibernéticas: “computer emergency response teams (CERTs) or “computer security incidente response teams (CSIRTs). Deste modo, recomenda-se o acesso às tecnologias de modo facilitado aos estados, o respeito ao princípio da soberania estatal, a proteção da confidencialidade de informações sensíveis.

Sobre o tema, registre-se que operações cibernéticas podem violar a soberania de outros países. Um país pode resolver infraestruturas nacionais críticas de outros países (sistemas de telecomunicações, de energia, financeiro, água, aviação civil, entre outros). Recentemente, a mídia especializada apontou que a França ampliou o número de operações cibernéticas contra alvos localizados em outros países. Daí abriu-se o debate sobre se a França estaria adotando uma prática contraditória em termos de soberania. De um lado, a França advoga pela concepção purista de soberania clássica, em termos de território físico.  Mas, de outro lado, a França mantém a posição flexível de soberania no ambiente cibernético, ao ponto de atacar alvos cibernéticos localizados em outros países. Nesta segunda opção, no caso de ataque cibernético, há simplesmente a negação da soberania de outro estado. A França desencadeou diversas operações cibernéticas: the Emoted (2021), Encrochat (2020) e Retaup (2019).  A operação Emotet envolveu a operação coordenada entre França, Holanda, Alemanha e Estados Unidos, Reino Unido, Lituânia e Ucrânia para causar a disrupção do emotet malware. A operação consistiu em implantar em servidores de comando e controle um software malicioso. Sistemas de computadores localizados em mais 90 (noventa) estados foram infectados pelo emotet malware. Na operação EncroChat, em 2020, foi liderada pelo Center for Combating Digital Crime (C3N), da French National Gendarmerie. O alvo foram os servidores de empresa privada EncroChat que fornecer telefones criptografados para comunicações seguras. Um software malicioso foi infiltrado nos servidores da referida empresa e exigia a atuação dos softwares instalados nas máquinas, a partir da atualização o agente malicioso era instalado.

Em 2019, após o Ministério da Defesa da França anunciar que o direito internacional é aplicável ao cyberspace, a National Gendermerie anunciou a operação cibernética sobre a empresa privada Avast para combater o vírus malicioso Retadup. Este vírus infectou servidores em território francês em sistemas de comando e controle. Na doutrina militar sobre o tema (Tallin Manual 2.0), considera que operações de aplicação da lei lideradas por um estado que ataquem os servidores de comando e controle localizados em outro estado (sem o consentimento deste outro estado), constituem violação da soberania estatal do estado considerado alvo. A operação cibernética somente poderia ser efetivada dentro do território do estado. Enfim, há observatórios de pesquisas que apontam a práticas ofensivas por 23 (vinte e três) estados.

Deste modo, há duas percepções sobre a natureza das operações cibernéticas. Segundo o autor Jack Kenny há duas explicações possíveis sobre este assunto.[4] De um lado, os “puristas” defendem que operações de persistente engajamento cibernético com a invasão de redes de outros estados para manter presença dentro destas redes e, assim, obter inteligência poderia configurar permanente violação da soberania do estado.

Há políticas cibernéticas neste sentido de permanente engajamento no espaço cibernético: U.S (“defend forward”), U.K (“active defense”), Canada (“active cyber”), New Zealand (“internationally active” engagement”. Também, há capacidade cibernética ativa da Rússia, China, Irã, Coréia do Norte, entre outros. Nas conclusões do referido autor: “states that choose not to recognize that a rule of sovereignty applies to cyber operations, such as the U.K, maintain operational flexibility but leave their infrastructure open to attacks that would not be prohibited by a rule of international law below a prohibited intervention. It is clear that for states to develop an understanding of how the rights inherent in sovereignty apply to cyber operations, they must balance the interests of operational freedom with the protection of critical national infrastructure on a state’s territory to identify a ‘half-way house” de minimis threshold at which a violation of sovereignty takes place. Over time, in the absence of a treaty, statements by states by stats on how they interpret the rights inherent in sovereignty to apply with specificity to cyber operations may contribute to the formation of specific customary international law that may focus or clarify the application of such rules”.

Em síntese, as Nações Unidas percebem o problema do conflito entre estados e/ou atores não-estatais e a questão da soberania, em relação às operações realizadas no ambiente cibernético. A preocupação é com infraestruturas nacionais críticas que poderão classificados como alvos militares. Um dos caminhos para a solução deste problema é o fortalecimento das regras, princípios e costumes de direito internacional, a fim de conter a capacidade ofensiva dos estados no espaço cibernético, bem como garantir a autodefesa dos estados diante de ataques cibernéticos.

Enfim, o tema do impacto das tecnologias da informação e telecomunicações sobre a soberania é de interesse do Brasil. É preciso aprofundar estudos, pesquisas e medidas para melhorar a governança cibernética do estado brasileiro, das empresas e das pessoas. A defesa cibernética, atualmente, é um conditio sine qua non para a soberania político-eleitoral do país.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.


[1] United Nations, General Assembly.  “Second ‘pre-draft’ of the report of the OEWG on developments in the field of information and telecommunications in the context of international security.

[2] United Nations, General Assembly. “Open-ended working group on developments in the field of information and telecommunications in the context of international security, 8-12 march 2021.

[3] United National, General Assembly. Open-ended working group on developments in the field of information and telecommunications in the context of international security. Final substantive report, 10 march 2021.

[4] Kenny, Jack. France, cyber operations and sovereignty: the “purist” approach to sovereignty and contradictory state practice. March, 12, 2021.

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Geopolítica e a indústria de semicondutores (chips)

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo Geopolítico entre Estados Unidos e China nas comunicações 5G: impacto no Brasil, publicado na Amazon.

No século 21 a indústria de semicondutores (microeletrônica) é uma das líderes na economia global. Microprocessadores estão presentes em todos os dispositivos eletrônicos: computadores, smartphones, televisores, carros, roteadores, entre outros. Na cadeia global de suprimentos de semicondutores é dominada pelos Estados Unidos, Europa e Ásia, os principais fornecedores globais de tecnologias e os principais mercados consumidores.

O tema encontra-se na geopolítica mundial. Em 2020, o governo dos Estados Unidos impôs diversas sanções à empresa Huawei, dentre as quais a proibição de fornecer de tecnologia de rede 5G. Além disto, o governo norte-americano impôs restrições ao fornecimento de semicondutores para a empresa chinesa. Paradoxalmente, embora os Estados Unidos dominem a indústria de semicondutores, o país não possui nenhuma empresa líder global em tecnologia de 5G. Por isso na competição internacional os Estados Unidos estão atrasados na tecnologia de 5G.

Recentemente, o Ministério da Economia da  Alemanha anunciou um plano de investimento em pesquisa e desenvolvimento na indústria de microeletrônica, para preparar-se para as tecnologias de 5G e 6G. A Alemanha juntamente com outros países europeus: Itália, Bélgica, Finlândia, dentre outros,  assinaram um declaração sobre  “A European Iniciative on processors and semiconductor Technologies” destacando que a indústria de semicondutores é uma indústria global. Por isso, é importante investimentos em toda as etapas da cadeia produtiva: manufatura dos equipamentos semicondutores, design, produção, testes, empacotamento, entre outras. Destaca, ainda, que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento na indústria de semicondutores é uma das mais elevadas, representa 15% (quinze por cento) a 20% (vinte por cento).

A Europa está focada no desenvolvimento da indústria de semicondutores nos aspectos: energia dos equipamentos (baterias), tecnologias de radiofrequência, sensores inteligentes embarcados para inteligência artificial, microcontroladores, entre outros. Assim, o objetivo é a mobilização dos financiadores da indústria, mediante a construção de uma aliança industrial para firmar mapas estratégicos em pesquisa e investimentos nos ecossistemas de semicondutores.   

Em síntese, a finalidade da aliança industrial é preparar a indústria europeia para a próxima geração de processadores de baixa potência, a serem utilizados nas redes de 5G e 6G. Na Europa, o tema da soberania tecnológica e digital está na pauta. Entende-se que é vital para os interesses europeus o domínio da indústria de semicondutores, bem como das infraestruturas de redes de comunicações, bem como da indústria de computação em nuvem. Por isso, há programas de investimentos em data centers europeus, através do programa Gaia-X.

Os europeus estão realizando pesquisas em tecnologia de 5GHz. A Noruega, através de sua universidade, é o país na vanguarda destas pesquisas científicas. Por aqui, no Brasil, o governo federal aprovou o Decreto n.  10.615, de 29 de janeiro de 2021, o qual trata de incentivos fiscais para investimentos na indústria de semicondutores. Há incentivos fiscais (PIS, IPI) para importação de softwares. Existe a previsão de benefícios fiscais com investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação no apoio ao desenvolvimento da indústria de semicondutores, o que inclui: a concepção, desenvolvimento e projeto (design); difusão ou processamento físico-químico e corte de lâmina (wafer), encapsulamento e teses, corte do substrato, encapsulamento e teste em circuitos integrantes, mostradores de informações (displays), entre outros.

Existe, também, a definição das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação.  Registre-se que falta no País uma visão geoestratégica sobre a indústria global de semicondutores, focando-se apenas na importação de componentes. No governo anterior houve a criação da Empresa Brasileira de Semicondutores; uma empresa estatal dedicada à fabricação de semicondutores. 

No atual governo decidiu-se por extinguir esta empresa. Ora, semicondutores são considerados uma tecnologia dual-use, isto é, com utilização civil e militar. Por isso, países desenvolvidos consideram a indústria de semicondutores em sua geoestratégica de Estado. Curiosamente, os Estados Unidos na lei National Defense Authorization Act prevê investimentos federais para a manufatura da indústria de semicondutores em território norte-americano. Diversos estados norte-americanos disputam a atração de investimentos internacionais na produção doméstica de semicondutores. As tecnologias de 5GHz (cinco giga hertz) e 6GHz (seis giga herz) moldarão o futuro da economia digital dos países. A falta de semicondutores pode colapsar uma indústria.

A dependência de semicondutores produzidos em outros países é um risco sistêmico ao país, inclusive às suas infraestruturas nacionais críticas. Se o Brasil não possuir uma visão geoestratégica global sobre a indústria de semicondutores perderá as oportunidades históricas que poderão representar um “salto quântico” no desenvolvimento de tecnologias avançadas e na preparação de sua economia digital.

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Análise da decisão da Anatel sobre o leilão de frequências de 5Ghz

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Ebooks sobre Direito das Comunicações, publicados na Amazon.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deliberou a respeito da formatação do edital do leilão de frequências do 5 GHz (cinco gigahertz).

Trata-se de uma importante decisão que contribui para a integração econômica nacional, mediante conectividade digital. Como principais vantagens da tecnologia de 5GHz (cinco gigahertz) aplicada às redes de telecomunicações: a ampliação da velocidade do transporte de pacotes de dados (há estudos prevendo o aumento de 100 (cem) vezes comparando-se com as redes de 4GHz (quatro gigahertz), com a redução do tempo de retorno entre os canais de comunicações, a eficiência na utilização do espectro de frequências, o aumento do número de dispositivos conectados às redes, eficiência energética dos equipamentos. O denominado tempo de latência (tempo de resposta) será diminuído. Por isso, a tecnologia de 5GHz (cinco giga hertz) facilitará operações de diversas naturezas em tempo real.

 Como pontos principais da decisão da agência reguladora: i) a utilização da faixa de frequências de 700 MHz (setecentos megahertz), 2,3 GHz (dois vírgula três giga hertz)  3,5 GHz (três vírgula cinco giga hertz),  26 GHz  (vinte e seis giga hertz) com a definição de blocos nacionais e regionais; ii) compromissos mínimos de instalações de estações radio-base com objetivo de redução de desigualdades regionais; iii) obrigação de instalação de rede privativa da administração pública federal; iv) ressarcimento dos custos de limpeza de faixa do espectro de frequências de 3,5 GHz); v) obrigação de cobertura de serviços de telecomunicações e internet em rodovias federais; vi) a criação de uma entidade administradora da faixa de frequências de 3,5 (três vírgula cinco) GHz, responsável pela implantação do programa Amazônia integrada e sustentável e a construção da rede privativa de comunicação da administração pública federal, bem como para lidar com questões do ressarcimento de custos da limpeza quanto à ocupação da faixa do sinal de TV por satélite. O tema do 5 GHz (cinco giga hertz) tem quatro aspectos principais: a) o acesso às frequências do espectro, b) as infraestruturas de rede de comunicações, c) os investimentos privados, d) a regulação setorial e riscos de litigiosidade contra o edital do leilão; e) o potencial econômico das redes 5GHz (cinco giga hertz).

Padrão técnico do 5G

A Anatel, por maioria de votos, votou pelo padrão pleno da tecnologia 5G, denominado Release 16. Neste aspecto, houve divergência entre os votos dos conselheiros. Mas, a exigência imediata do formato 5GHz standalone foi a proposta vencedora. Neste padrão completo, há exigências técnicas quanto à virtualização das redes de telecomunicações, fatiamento da rede, aplicações de inteligência artificial em tempo real e distribuição em computação em nuvem. Ficou vencido o Conselheiro Presidente da Anatel, a qual propunha que o padrão completo fosse exigido tão-somente a partir de 2025.  Este voto foi seguido pelo Conselheiro Emanoel Campelo. Esta proposta vencida foi sugerida para compatibilizar o funcionamento do 5GHz (cinco giga hertz) com os atuais smartphones. Assim, a sugestão garantiria uma transição gradual e segura, havendo obrigatoriedade imediata do padrão completo do 5GHz (cinco giga hertz) nos termos da proposta do Presidente da Anatel. Caberia às empresas de telecomunicações definir a melhor modelagem tecnológica para a questão e não à Anatel. Em síntese, o debate na Anatel foi entre o padrão de redes autônomas – standalone (denominado SA) ou redes não autônomas (non-standalone). Em termos técnicos, o 5G NR release 15 permite duas opções para o funcionamento das redes de telecomunicações, o modo autônomo e o não-autônomo. No entanto, o 5G NR release 16 permite apenas a operações das redes e modo autônomo. O Relator propôs a configuração de rede 5GHz, sem o compartilhamento de recursos da rede de 4Ghz. Segundo explicações do voto do Conselheiro Presidente, na operação com autonomia, a estação radio-base de comunicação sinaliza e controla a rede e a transferência de informações aos usuários com a utilização exclusiva da arquitetura do núcleo da nova geração (5G packet core). Diferentemente,  em modo não-autônomo, o controle é realizado pelo núcleo periférico (4G envolved packet core), enquanto as informações ficam sob encargo do núcleo 5GHz.

Acesso às frequências do espectro

A faixa de frequências do 5Ghz é objeto de licenciamento pela Anatel. Frequências do espectro são consideradas um bem público. Assim, o seu uso depende de licenciamento. Por isso, a empresa interessada em prestar serviços de telecomunicações e internet nesta faixa necessidade de autorização da Anatel. O acesso às frequências do espectro eletromagnético é essencial para a prestação dos serviços de comunicação móvel. Além disto, os serviços de telecomunicações são considerados essenciais, acentuada esta essencialidade no contexto da pandemia. Na disputa do frequências, há as empresas de telecomunicações e as empresas provedores de pequeno porte, as quais possuem menos de 5% (cinco) por cento do território nacional. Foi considerada a finalidade não arrecadatória do leilão de frequências do 5G. Por isso, o edital do leilão busca cobrar um valor justo para remuneração do direito de uso destas frequências. Há diversas faixas de frequências complementares à faixa de 5 GHz (cinco giga hertz) objeto do leilão. As faixas de frequências de 700 MHz (setecentos mega hertz), 2,3 GHz (dois vírgula três giga hertz), 3,5 GHz (três vírgula cinco giga hertz), 26 GHz (vinte e seis giga hertz).  Cada faixa de frequência tem utilidades específicas em sua capacidade de transmissão de dados. Por isso, são necessárias arquiteturas de redes diferentes conforme o tipo da frequência. Uma são melhores para a propagação de distâncias mais curtas e outras para adequadas mais distâncias longas.

Fases do leilão

A proposta do edital do leilão do 5GHz tem as seguinte fases:

Faixa de 700 Mhz

Primeira rodada –Bloco 10 + 10 em âmbito nacional, com a previsão de compromissos em localidades sem 4G e rodovias federais.

Segunda rodada – 2 blocos de 5 +5 regionais, mas com compromissos em localidades sem 4GHz e rodovias federais.

Há limite à participação nesta faixa de frequências de empresa controladora, controlada ou coligada que já possua na mesma área geográfica autorização de uso de radiofrequências em caráter primário na faixa de 698 Mhz a 806 Mhz, conforme Resolução n. 703/2018.

Faixa de 3,5 Ghz

Primeira Rodada. Blocos regionais de 80 (oitenta) Mhz, compromissos de instalação de redes de transporte (backhaul) em municípios relacionados pela Anatel, instalação de estações radio-base que permitam oferta de serviços móvel pessoal com padrão igual ou superior ao 5G NR release 16 do 3GPP, na proporção de uma estação para cada 10 (dez) mil habitante, ressarcimento de soluções para interferência na recepção do sinal de televisão aberta e gratuita, transmitidos por satélite via banda C, conforme Portaria n. 1924, do Ministério das Comunicações.

Segunda rodada (na hipótese de não houver interessados na primeira rodada), blocos de 20 Mhz. Teto máximo de 100 MHz para o conjunto de lotes da faixa de 3,5 GH, limitação para arrematação de mais de dois blocos regionais.

Faixa de 2,3 GHz.

Primeira rodada. Bloco de 50 MHz e de bloco de 40 Mhz regionais, com compromisso de cobertura de 95% da área urbana dos municípios sem 4G. teto máximo de frequências de 50 Mhz para o conjunto compreendo os lotes da faixa de 2,3 Ghz respeitando-se os limites da Resolução 703/2018.

Faixa de 26 GHz.

Primeira rodada. Cinco blocos nacionais e três blocos regionais de 400 Mhz, sem compromissos.

Segunda rodada. Até 10 blocos nacionais e 6 regionais de 200 Mhz que não forem vendidos na rodada anterior, sem compromissos. Teto máximo de frequências: 1 GHz para o conjunto compreendendo os lotes da faixa de 26 Ghz.

Investimentos em equipamentos de redes em tecnologia 5G e backhauls

As empresas de telecomunicações investirão em tecnologia de 5Ghz em suas redes de telecomunicações. A princípios, há estimadas que os valores serão de mais de R$ 30 bilhões de reais. A princípio, foi afastada qualquer proibição ao fornecimento de tecnologia conforme a origem do país. Por isso, as empresas de telecomunicações podem escolher livremente seu fornecedor de tecnologia de equipamentos de rede de 5GHz. Não houve nenhuma restrição à empresa chinesa Huawei. Todo e qualquer fornecedor de tecnologia deve, no entanto, seguir as regras de segurança cibernéticas, definidas pela Anatel. Portanto, segue-se às regras do livre mercado quanto à participação de empresas fornecedoras de equipamentos de redes de telecomunicações, observados os critérios de segurança cibernética.

Rede Privativa de Comunicações do governo federal

O edital do leilão fixou a obrigação de instalação do vencedor do leilão arcar com a instalação da rede privativa do governo federal. Esta rede de comunicações trata com dados e informações sensíveis contém requisitos de segurança cibernética mais rígidos do que as redes comuns. Debate-se a respeito da possível exclusão do fornecimento de tecnologia pela empresa chinesa Huawei. Por ora, não há uma decisão definitiva. Estima-se que o custo da construção desta rede privativa do governo seja de aproximadamente mais de R$ 700 (setecentos) milhões de reais.  Este é um ponto sensível. As redes de comunicações do governo devem ser parâmetros de segurança altamente confiáveis contra riscos de espionagem política e econômica. Os indicadores de ataques cibernéticos às redes de comunicações governamentais são alarmantes. Dados de cidadãos são alvos de ataques por hackers e, assim, “vazados” na internet. Há hackers que atuam sozinhos, mas há hackers que atuam para governos estrangeiros.  Há a banalização de vazamentos de dados dos cidadãos brasileiros. Por isso, é fundamental o reforço na segurança cibernética das redes governamentais, consideradas infraestruturas nacionais críticas. 

Ressarcimento Empresas exploradoras de satélite nacional e estrangeiro

Diante da necessidade de realocação do espectro de frequências na faixa de 3.625 Mhz a 3.700 Mhz, ocupado tradicionalmente pelos serviços de TV por satélite (TV por parabólica), haverá o ressarcimento dos custos com a limpeza do espectro. Para obter a indenização, as operadoras de satélites deverão comprovar que as estações receptoras operam nesta faixa de frequências, bem como a quantidade de estações receptadoras de sinais de TV por satélite.

Entidade Administradora da Faixa de 3,5 GHz

A Anatel deliberou pela atribuição da entidade administradora da faixa de frequências de 3,5 GHz (EAF) a responsabilidade pelo saneamento de eventuais interferências no sinal de TV por satélite, decorrentes da implantação da tecnologia de 5Ghz. Ao que parece, esta entidade também terá a responsabilidade quanto à destinação de recursos do leilão do 5G para a implantação dos programas Norte Conectado e Amazônia Integrada e Sustentável, conforme análise a seguir.

Programa Norte Conectado e Programa Amazônia Integrada e Sustentável – PAIS

O Ministério das Comunicações definiu dois programas de governo  denominados Programa Amazônia Integrada e Sustentável – PAIS e Programa Norte Conectado. O tema é tratado na Portaria n. 1.924/2021 do Ministério das Comunicações. O programa da Amazônia conectada integra o programa Norte-conectado. Trata-se de um projeto de infraestrutura de rede de telecomunicações e internet, mediante uma rede de fibras óticas instaladas em rios amazônicos. O objetivo é levar conectividade digital à região amazônica e ao norte do país. Uma das empresas responsáveis pela instalação dos cabos fluviais é a empresa italiana Prysmian, especializada inclusive no setor de defesa, com o fornecimento de cabos militares. Na parte operacional, o exército brasileiro é comanda a supervisão das operações do programa Amazônia conectada. Houve o debate na Anatel sobre a destinação dos recursos para a implementação destes dois programas de governo. Uma corrente defende que os recursos sejam alocados em entidade a ser designada pelo Ministério das Comunicações. Outra linha de entendimento sustenta que a destinação dos recursos seja destinada para a entidade administradora da faixa de frequências de 3,5 (três vírgula cinco) GHz.

Riscos de litigiosidade quanto à impugnação do edital

 A Anatel buscou se antecipar a eventuais riscos de litigiosidade do tema do pagamento de custos decorrentes da desocupação da faixa de 3,625 MHz a 3.700 Mhz. Neste sentido, a agência antevê riscos de litigiosidade administrativa e judicial. Por isso, prevê as medidas de suspensão, interrupção ou revogação na hipótese de litigiosidade. Há, inclusive, a disposição de excluir da faixa de frequências de 3.625 MHz a 3.700 Mhz, a fim de prosseguir a licitação com os demais lotes.

Potencial econômico das redes 5Ghz

Há estudos econômicos que indicam o valor econômico da faixa de frequências do 5Ghz. E, ainda, estudos que apontam que a utilização desta faixa de frequências tem o potencial de agregar valor econômico ao produto interno bruto. Grande parte de áreas rurais não contam com internet, por banda larga. Assim, com a tecnologia 5GHz, juntamente com o 4Ghz, tem o potencial para levar à conectividade ao campo. Além disto, a cobertura de 5GHz em rodovias federais também possibilitará a expansão do comércio, bem como o rastreamento de cargas em tempo real. Há inúmeras aplicações de 5Ghz: agricultura de precisão, automatização em portos e aeroportos, serviços de telemedicina, teleducação, automatização de operações em minas e plataformas de petróleo e gás, transportes e logística, entre outros. Um dos potenciais do 5GHz é a implantação de redes de internet das coisas (comunicações máquina a máquina), caracterizados basicamente por sensores que podem ser utilizados em serviços de telemetria, entre outras aplicações.

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Análise da decisão da Anatel sobre liberação da faixa de frequências de 6 GHz (seis giga hertz)

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China no 5G: impacto no Brasil. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação, disponíveis na Amazon

A Agência Nacional de Telecomunicações do Brasil (Anatel) decidiu pela liberação do uso faixa de frequências de 6GHZ (5.925 a 7.125 MHz) para serviços de wi-fi e wi-6E.

Na decisão foram definidos os requisitos técnicos para a avaliação da conformidade de equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita. 

A decisão da Anatel alinha-se à posição da Federal Communications Comission dos Estados Unidos no sentido de permitir o uso da faixa de 6Ghz sem a necessidade de licenciamento das frequências.  A Anatel antecipou-se à regulamentação internacional a ser definida pela União International de Telecomunicações (UIT).

Segundo a decisão da Anatel: “não existe, no âmbito da ITU, a expectativa de discutir o uso da faixa de 6,425-7,025 GHz para o serviço móvel nas Américas, nas tão somente na Europa”.  E, segundo, a Anatel a liberação da faixa de frequências do 6GHZ “não impede o seu uso futuro também para a quinta geração do serviço móvel (5G), visto haver iniciativas voltados ao 5G não licenciado  (5G NR-U)”.

Deste modo, foram estabelecidos os limites dos equipamentos para baixa potência interior (indoor), a fim de evitar interferência entre outras faixas de frequências. Além disto, foi analisada a coexistência dos dispositivos de muito baixa potência (very low power) com os sistemas de transportes inteligentes (ITS), a tecnologia para gestão autônoma de tráfego veicular. Ademais, foram verificados mecanismos para coordenação automática de frequências.  Segundo ainda decisão da Anatel, no voto do Conselheiro Carlos Manuel Baigorri que aqui: “… os EUA sediam diversas empresas fabricantes de equipamentos e, pela proximidade geográfica e por se tratar de comum destino turístico, a importação de equipamentos americanos costuma ser menos onerosa e mais facilitada. Com isso, ainda que o Brasil opte somente permitir o uso não licenciado da parcela inferior da faixa, o impedimento de entrada e de uso de equipamentos wi-fi 6e se mostraria bastante difícil, especialmente pela promessa de entregar melhores condições aos consumidores, o que inevitavelmente implicaria em incontáveis casos de interferências a uma eventual rede móvel operando a faixa superior”.

A decisão da Anatel foi elogiada pelas entidades do setor de wi-fi, como um caso de liderança do Brasil para o mundo na questão da regulamentação da faixa de frequências de 6GHz. Equipamentos de 6Ghz são estão prontos à comercialização. Os fabricantes destes equipamentos apenas estavam aguardando uma decisão final da Anatel do tema, para providenciar sua comercialização no Brasil. De fato, há um potencial econômico gigantesco com a liberação de 6GHz para o wi-fi. Esta tecnologia melhor conectividade em espaços fechados (denominada indoor). Assim, possibilidade do escoamento do tráfego de dados das redes fixas e móveis de internet para dispositivos, como é o caso de smartphones, notebooks, tablets, entre outros. 

Há oportunidades de mercado no wi-fi. Empresas especializadas em fornecer tecnologia de wi-fi para shoppings, lojas, hospitais, clínicas, estacionamentos, aeroportos, praças, estádios de futebol, entre outros. Existe oportunidades para empresas de softwares focadas na alocação automática de frequências do espectro. Também, há oportunidades para as empresas fabricantes de equipamentos de rede de 6GHz, bem como de dispositivos. Há todo um potencial no segmento de internet das coisas (IoT), isto é, em comunicações máquina-a-máquina. Por isso, abrem-se janelas de oportunidades para empresas fabricantes de sensores em diversas aplicações: agricultura de precisão, dispositivos biomédico, indústria 4.0, logística, entre outros.  Além disto, as big techs têm especial interesse no tema. O Facebook tem projetos de realidade virtual e realidade aumentada, mediante a conexão entre óculos virtuais e smartphones. A Apple tem projetos a partir de smart watches (relógios inteligentes)  com aplicações na saúde. A Amazon tem programas de robotização de seus centros de logística. Com as tecnologias de 6Ghz, exames médicos com imagens contendo bastante dados serão mais rapidamente transmitidos de um ponto a outro.  

Em resumo, a Anatel com a decisão do 6Ghz contribui com o ambiente de inovação, bem como com a segurança jurídica necessária à realização de investimentos em novos modelos de negócios que utilizem do espectro de radiofrequências, bem como relacionados à conectividade em diversos setores econômicos. A tecnologia de 6G é uma grande aposta para os serviços de realidade virtual, aumentada, holografia e robótica. Por isso, ela está associada diretamente ao desenvolvimento de inteligência artificial, big data e sistemas de computação em nuvem. Quantidades gigantescas de dados provenientes de equipamentos e sensores são coletados, processados, armazenados e transferidos. Por tudo isto, há preocupações quantos riscos à segurança cibernéticas das redes de 6 Ghz, especialmente quando à proteção de dados pessoais e dados não-pessoais dos usuários.  Deste modo, protocolos de criptografia devem ser reforçados, a fim de proteger a privacidade dos usuários. Este é possivelmente será o próximo foco de atenção no tema do 6Ghz.

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Hospedagem de e-mail no exterior não isenta provedor de fornecer dados exigidos por juiz brasileiro

​​Em consonância com o artigo 11 do Marco Civil da Internet, haverá a aplicação da lei brasileira – e a jurisdição de autoridade nacional – sempre que qualquer operação de coleta, armazenamento e tratamento de registros e dados pessoais ou de com​unicações por provedores de internet ocorrer no Brasil, ainda que apenas um dos dispositivos esteja no país e mesmo que as atividades sejam feitas por empresa no exterior.

O entendimento foi estabelecido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que determinou o prosseguimento da execução de multa de R$ 310 mil contra a Microsoft, por descumprimento de ordem judicial para fornecer informações de um usuário de e-mail que teria lançado ameaças contra uma pessoa e uma empresa.

No recurso especial, a Microsoft defendeu que a Justiça brasileira seria incompetente para a análise do caso, já que o endereço eletrônico era acessado de fora do Brasil e o provedor de conexão também se localizava no exterior.

Relatora do recurso, a ministra Nancy Andrighi explicou que, de acordo com a doutrina, em conflitos transfronteiriços na internet, a autoridade responsável deve atuar de forma prudente, reconhecendo que a territorialidade da jurisdição permanece como regra, cuja exceção só pode ser invocada quando atendidos três critérios cumulativos: a existência de fortes razões jurídicas de mérito; a proporcionalidade entre a medida e o fim desejado; e a observância dos procedimentos previstos nas leis locais e internacionais.

A ministra também lembrou precedente da Quarta Turma (REsp 1.168.547) no sentido de que, quando a alegada atividade ilícita tiver sido praticada na internet, independentemente de foro previsto no contrato de prestação de serviço, a autoridade judiciária brasileira é competente – desde que seja acionada para resolver o conflito se o autor tiver domicílio no país, e o Brasil tenha sido o local de acesso à informação.

Equívoco

Nancy Andrighi considerou um equívoco imaginar que qualquer aplicação hospedada fora do Brasil não possa ser alcançada pela jurisdição nacional ou que as leis brasileiras não sejam aplicáveis às suas atividades.

“É evidente que, se há ofensa ao direito brasileiro em aplicação hospedada no estrangeiro (por exemplo, uma ofensa veiculada contra residente no Brasil em rede social), pode ocorrer a determinação judicial de que tal conteúdo seja retirado da internet e que os dados do autor da ofensa sejam apresentados à vítima. Não fosse assim, bastaria a qualquer pessoa armazenar informações lesivas em países longínquos para não responder por seus atos danosos”, explicou.

Leitura no Brasil

Segundo a ministra, a alegação de que os acessos à conta de e-mail da qual se originaram as mensagens ofensivas teriam ocorrido no exterior, além de não ter sido devidamente comprovada, não é relevante para a solução do processo, tendo em vista que tais mensagens foram recebidas e lidas em território brasileiro – o que, para a relatora, já é motivo suficiente para atrair a jurisdição nacional.

Ao manter o acórdão do TJSP, Nancy Andrighi enfatizou que a afirmação de que a obtenção dos dados do autor das mensagens dependeria de provedores localizados fora do país não é capaz de alterar o julgamento, pois o procedimento de identificação precisa de informações tanto dos provedores de aplicação quanto, posteriormente, de um provedor de acesso (uma empresa de telefonia).

“Esta controvérsia envolve a primeira parte das informações (os registros de aplicação). Se houver a necessidade de dados de provedores de acesso localizados no estrangeiro, então haverá o dever de pleitear tais informações em jurisdição estrangeira”, concluiu a ministra.

Leia o acórdão.​​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1745657

Fonte: Superior Tribunal de Justiça – STJ

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/02032021-Hospedagem-de-e-mail-no-exterior-nao-isenta-provedor-de-fornecer-dados-exigidos-por-juiz-brasileiro.aspx