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Decreto sobre dispensa de licitação para contratação de equipamentos e serviços especializadas em áreas de defesa nacional

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

Foi publicado o Decreto n. 10.631, de 18 de fevereiro de 2021, sobre o detalhamento das hipóteses legais de contratação de aquisição de equipamentos e serviços especializados em áreas de defesa, por dispensa de licitação.

Segundo o texto do decreto justifica-se a dispensa da licitação em aquisições e contratação de obras e serviços, se que por acaso forem “revelados sua localização, necessidade, características de seu objeto, especificação ou quantidade coloque em risco objetivos da segurança nacional”. Assim, o governo está autorizado a dispensar a licitação para a contratação de serviços especializados em inteligência, segurança de informação, segurança cibernética, segurança das comunicações e defesa cibernética. Assim, enquadra-se neste dispositivo da aquisição de hardware, software.

A título ilustrativo, softwares de vigilância, monitoramento e rastreamento, bem como softwares de interceptação de comunicações e inspeção de tráfego de dados em redes. Outro exemplo a contratação de empresas especializadas em serviços de rastreamento de dados em redes sociais, bem como em serviços de geolocalização de pessoas, objetos e veículos.  Também, a princípio, pode ser enquadrado neste dispositivo a contratação de serviços de satélite, para fins de geointeligência espacial. Ademais, os serviços de inteligência podem servir à coleta de sinais de inteligência terrestre, marítima, aeroespacial e cibernética.

No aspecto de serviços, o dispositivo normativo autoriza a contratação de serviços de consultoria nos temas acima relacionados. Além disto, é dispensada a licitação para “lançamento de veículos espaciais e respectiva contratação de bens e serviços da União para a sua operacionalização”. Esta hipótese legal relaciona-se diretamente com a operacionalização da base aeroespacial de Alcântara, localizada no Maranhão. Evidentemente que, muito sejam invocadas razões de segurança nacional, é necessária a transparência mínima nestas contratações.

O princípio da publicidade, vinculante para a administração pública, não pode ser afastado mesmo nesta hipótese. Há oportunidades para as empresas fornecedoras de tecnologias e serviços em temas de inteligência, segurança da informação, segurança cibernética, segurança das comunicações e defesa cibernéticas, nas contratações com o setor governamental. 

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Controvérsia no Supremo Tribunal Federal sobre conectividade e a gratuidade do direito de passagem de fibras óticas em rodovias e áreas públicas

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do Livro Temas de Direito da Comunicação na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O Supremo Tribunal Federal está para julgar a constitucionalidade da Lei Geral de Antenas, no aspecto da imposição da gratuidade do direito de passagem de fibras óticas em rodovias, faixas de domínios e vias públicas.  Esta lei federal estabeleceu as normas gerais para o licenciamento, compartilhamento e implantação de redes de telecomunicações. 

A lei foi editada justamente para uniformar em território nacional as regras aplicáveis ao setor de redes de telecomunicações, para facilitar os investimentos na expansão destas redes de comunicações.

Nos termos da Lei:  “Art. 12. Não será exigida contraprestação em razão do direito de passagem em vias públicas, em faixas de domínio e em outros bens públicos de uso comum do povo, ainda que esses bens ou instalações sejam explorados por meio de concessão ou outra forma de delegação, excetuadas aquelas cujos contratos decorram de licitações anteriores à data da promulgação desta lei”. O tema é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6482 proposta pela Procuradoria-Geral da República, argumentando-se inconstitucionalidade do art. 12, caput da Lei 13.116, de 20 de abril de 2015. 

Segundo a petição inicial, a norma impugnada da lei é inconstitucional porque viola a autonomia dos entes federativos em disciplinar a contraprestação pecuniária pelo direito de passagem em vias públicas, faixa de domínio, bens públicos de uso comum do povo. Além disto, haveria a ofensa ao  direito de propriedade da União, Estados, Distrito e Municípios em relação aos bens integrantes de seu domínio público. O Estado de São Paulo requereu sua participação no processo a título de amicus curiae (amigo da corte para contribuir com a solução da controvérsia)), para defender a cobrança de remuneração pelo uso de rodovias, vias públicas e faixas de domínio. Também, a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias solicitaram o ingresso no feito, também, como amicus curiae para sustentar a tese da cobrança de remuneração pelo espaço público. De outro lado, o Sindicato Nacional de Empresas de Telefonia e Serviço Móvel  Celular e Pessoal – SINDITELEBRASIL advoga no sentido da constitucionalidade do dispositivo que prevê a “isenção” da cobrança pelo direito de passagem. A Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações – Competitivas – TELCOMP também requereu sua habilitação no feito como “amicus curiae”. Requereu o indeferimento da medida cautelar para a suspensão da norma impugnada. A Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (ABRINT), igualmente pediu a sua intervenção como “amicus curiae”.  Segundo a entidade, a gratuidade do direito de passagem é fundamental para a expansão dos serviços de telecomunicações e internet. Eventual decretação de inconstitucionalidade da norma legal implicará em danos à segurança jurídica e estabilidade, tendo em vista os investimentos já realizados pelos associados. Também, a Anatel requereu seu ingresso no feito como “amicus curiae”. Adiciona que a exigência de pagamento pelo direito de passagem tem o potencial de inibir na expansão das redes de telecomunicações. Além disto, a Associação Brasileira de Produtores de Soja (APROSOJA BRASIL) peticionou para participar da causa como “amicus curiae”. Acrescenta que a conectividade no setor agrícola é fundamental para o aumento da produtividade e eficiência das plantações. Salienta a importância das tecnologias 4G e 5G, bem como internet das coisas e inteligência artificial,  para melhorar o cultivo de soja no país. Por outro lado, a Associação Neotv (NEO) defende a gratuidade do direito de passagem das infraestruturas de redes de telecomunicações.  

Em informações prestadas ao Supremo Tribunal Federal, o Ministério das Comunicações cita o exemplo do distrito de Juvinópolis, pertencente ao Município de Cascavel no Paraná,  porém distante 50 Km de sua área central,  e com apenas 1,7 mil habitantes. Segundo o Ministério das Comunicações a cobrança do direito de passagem inviabilizaria a prestação de serviços de telecomunicações e internet na região.  Não há no distrito redes de fibra ótica.

Em síntese, o tema relacionado à gratuidade do direito de passagem de infraestruturas de redes de telecomunicações apresenta duas teses jurídicas distintas. De um lado, a competência legislativa da União para disciplinar os serviços de telecomunicações e, respectivamente, as infraestruturas de redes e a constitucionalidade da lei que estabeleceu a gratuidade do direito de passagem de redes. Esta tese beneficia, evidentemente, as empresas de telecomunicações e, assim, os investimentos na expansão de redes fixas e redes móveis de comunicações. De outro lado, há a tese da inconstitucionalidade da referida lei, sob fundamento da autonomia dos entes federativos quanto à fixação da cobrança pela passagem de redes de telecomunicações e o direito de propriedade sobre o domínio público pelos estados, distrito federal e municípios. Esta outra tese, se acolhida, beneficia os estados-membros, municípios e empresas concessionárias de rodovias.

Para além das questões jurídicas relacionadas à constitucionalidade e/ou inconstitucionalidade do art. 12 da Lei n. 13.116/2015, estudos econômicos demonstram que a extinção da gratuidade do direito de passagem implicará no aumento de custos relacionados à expansão dos serviços de telecomunicações. A judialização do tema, por óbvio, causa riscos à segurança dos investimentos necessários e urgentes na expansão das redes de telecomunicações, em tecnologia de 4G e 5G.

É notório que investimentos em redes de telecomunicações agregam valor ao produto interno bruto, proporcionando benefícios diretos e indiretos para diversas cadeias produtivas, desde o agronegócio, agroindústria, pecuária, comércio local, e-commerce, educação à distância, telemedicina, entre outros setores. Aliás, sem infraestrutura de telecomunicações e internet, o produtor rural sequer consegue emitir nota fiscal eletrônica.

Enfim, precisamos avançar – e muito – no ambiente jurídico-regulatório para procedimentos mais flexíveis quanto ao licenciamento, compartilhamento e instalação de redes de telecomunicações, com a redução do denominado custo-Brasil.

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Big techs, poder geocultural, eletronic surveillance e national intelligence dos Estados Unidos: impacto sobre o Brasil

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro O jogo geopolítico entre Estados Unidos e China; impacto no Brasil.

Os Estados Unidos é o berço denominado Vale do Silício, local sede de empresas globais de tecnologia. O domínio da ciência e tecnologia é uma das caraterísticas da liderança global norte-americana. Assim, as Big Techs servem à geoestratégia dos Estados Unidos em sua liderança global, com a preservação de sua superioridade tecnológica.

A propósito, os Estados apregoam o liberalismo para outros países (em defesa da exportação de seu capital e dólar), porém em seu âmbito doméstico adotam medidas protecionistas, especialmente no setor de tecnologia de informação e comunicações e telecomunicações. Sobre este aspecto, o autor Samuel P. Huntington ao explicar o predomínio das nações ocidentais, no caso evidentemente aqui incluído os Estados Unidos, elenca os seguintes atributos de um país hegemônico: “own and operate the international banking system, control all hard currencies, are the world’s principal customer, provide the majority of the world’s finished goods, dominant international capital markets, exert considerable moral leadership within many societies, are capable of massive military intervention, control the sea lanes, conduct most advanced technical research and development, control leading edge technical education, dominant acess to space, dominant the aerospace industry, dominate international communications, dominant the high-tech weapons industry”.

Acrescento para atualizar esta lições o domínio dos Estados Unidos sobre a conectividade por redes de comunicações,  infraestrutura digital, inteligência artificial, computação quântica e a cadeia de suprimentos de semicondutores.[1]  Com a evolução da tecnologia surgiram as denominadas Big Techs, empresas com atuação global. Dentre elas: Google, Facebook, Microsoft, Amazon, Apple, SpaceX, Blue Origin. Os modelos de negócios destas empresas de tecnologia são diversos. O Google encontra-se no ramo de buscas online (mediante um sistema sofisticado de algoritmos) e publicidade online. A empresa é proprietária ainda da plataforma de vídeos Youtube. O Google tem investimentos em redes de cabos submarinos para o escoamento do tráfego de dados. Há cabos submarinos interligando os Estados Unidos à Taiwan, na Ásia. Google tem ainda investimentos no setor de saúde.

A entrada do Google no Brasil provocou mudanças intensas no mercado de mídia e de publicidade. Por outro lado, o Facebook está no segmento de publicidade online.  É proprietário do Whatsapp, aplicativo de mensagens online e do Instagram.  A Microsoft atua no setor de software, computação em nuvem (Azure), entre outros. Recentemente, anunciou investimento em uma empresa fornecedora de software para a tecnologia de 5G. A Amazon é uma plataforma de comércio eletrônico (e-commerce) e fornecedora de serviços de computação em nuvem (cloud computing). É denominada marketplace, uma plataforma que agrega os vencedores aos compradores de produtos e serviços. Também, seu proprietário é investidor da Blue-Origin, empresa de tecnologia aeroespacial. Além disto, a Amazon tem contratos  com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos para o fornecimento de serviços de computação em nuvem.   A Amazon em seus centros de distribuição logística utiliza redes de 5G e uma equipe de robôs para despachar suas mercadorias. A Apple atua no setor computadores, telefones, notebooks, entretenimento, entre outros.

Em caso sintomático, a empresa foi requisitada a colaborar com o FBI em caso de quebra de criptografia do iphone. Mas, a empresa se recusou a colaborar, invocando a proteção à segurança das comunicações dos usuários. O Twitter é empresa que oferece o serviço de mensagens online. Também, a empresa tem sido utilizada em campanhas de desinformação online. Por isso, ela adotou mecanismos para filtrar conteúdos falsos.  Em comum, estas empresas de tecnologia surgiram no contexto da internet. os investimentos intensos em inteligência artificial. Também, como pontos de semelhança, a colaboração com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

 Big techs e o Pentágono: o acesso à inteligência artificial

Há o debate nos Estados Unidos a respeito do poder econômico das Big Techs: Amazon, Google, Apple e Facebook, na perspectiva antitrust. Autoridades norte-americanas desconfiam que as Big Techs abusam de seu poder dominante nos mercados de publicidade online e e-commerce. Outra preocupação é em relação à utilização da inteligência artificial, considerada uma tecnologia dual-use, isto é, de uso civil e militar.  De fato, com a inteligência artificial é possível coletar sinais de inteligência. Também, é possível otimizar o poder de precisão das armas inteligentes em direção aos alvos. Com a inteligência artificial, há melhoria nos sistemas de reconhecimento, vigilância, inteligência e comando e controle. Por exemplo, com a visão computacional utilizada em drones, aviões, satélites, mini-submarinos, há uma precisão extraordinária na capacidade de reconhecimento de objetos, pessoas, cargas, ambientes, etc.  A nova lei de segurança nacional dos Estados Unidos (National Defense Authorization Act for fiscal year 2021) contém regras sobre tecnologia de inteligência artificial, criptografia, redes 5G e internet das coisas. As autoridades norte-americanas preocupam-se quanto à exportação da tecnologia de inteligência artificial para outros países, especialmente para os países adversários dos Estados Unidos como é o caso da China.

O orçamento do Pentágono para investimento em tecnologia de inteligência artificial é inferior ao da Big Techs. Considera-se o risco da diminuição do tamanho das Big Techs possa afetar o acesso pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos à tecnologia de inteligência artificial. Há, portanto, a aproximação das Big Techs em relação à questão de antitrust e segurança nacional.[2] Como pontos semelhantes das empresas de tecnologia, a utilização de software, hardware e a tecnologia de microships (semicondutores), a qual os Estados Unidos é o líder global. Google, Microsoft, Apple, Twitter mantém relatórios sobre requisições de dados realizados pelo Departamento de Justiça e Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Além disto, destaque-se que houve a aprovação do Cloud Act, uma legislação para possibilitar o acesso pelo governo norte-americano a dados armazenados em servidores localizados no exterior. Além disto, há o Foreign Surveillance Act, a legislação que autoriza a vigilância do exterior de pessoas.  Os Estados Unidos é o país proprietário da tecnologia GPS (global positioning system). 

A partir desta tecnologia é possível a obtenção de sinais de inteligência, isto é, dados relevantes aos serviços de inteligência nacional dos Estados Unidos. Neste contexto, há ainda a National Security Agency, a agência federal responsável pela segurança nacional dos Estados Unidos, a qual obtém sinais de inteligência de todas as partes do globo, incluindo-se informações terrestres, marítimas, aéreas e espaciais. Tem capacidade de interceptar comunicações em qualquer lugar do mundo seja diretamente por mediante a solicitação de apoio a um dos integrantes da rede denominada Five Eyes: Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.  Além disto, há sempre presente o risco de serem realizadas ações encobertas e operações de influência em redes sociais.

A título ilustrativo, veja-se o caso das campanhas de desinformação realizadas pela Rússia em relação às eleições presidenciais dos Estados Unidos. Robôs foram utilizados em redes sociais para disseminar fake news. Também, há o risco de campanhas de desinformação com danos colaterais à saúde pública, como é o caso em relação ao tratamento à pandemia do coronavírus. Ademais, há o risco de operações de influência estrangeira nos processos eleitorais, com apoio ou contra a determinados candidatos, bem como ações para derrubar ou apoio governos. Ou seja, um golpe de estado pode ser gestado no ambiente das redes sociais. E, há, ainda, o risco de guerras cibernéticas, com operações cibernéticas de ataques às infraestruturas nacionais de um país, como é o caso dos bancos, sistemas de energia elétrica, telecomunicações, entre outros. Por outro lado, há dois aspectos a serem analisados em relação às Big Techs. Primeiro, a questão do 5G. Com esta nova tecnologia há a redução do tempo de latência do canal de retorno da comunicação (comunicações mais rápidas) e o aumento da capacidade de transporte de pacotes de dados, possibilitando melhor experiências para os usuários em tempo real. Assim, novas aplicações poderão ser ofertadas aos consumidores como a realidade virtual e realidade aumentada, algo interessante para o comércio eletrônico. Também, realidade virtual e realidade aumentada servirá às aplicações no setor de entretenimento, como jogos e mídia. Segundo, a questão do 6G. Esta tecnologia será complementar ao 5G. Deste modo, permitirá o escoamento de tráfegos na rede 5G pela rede wireless indoor de residências, unidades comerciais e industriais. Por isso, há interesse das Big Techs (como o Facebook) em liberar a faixa de frequências do 6G para uso não licenciado.

Há o potencial do desenvolvimento da realidade virtual e realidade aumentada, inclusive com sistemas de telepresença por holografia.  Por outro lado, há questão concorrencial em relação às Big Techs. Em julho de 2020, o Senado dos Estados Unidos, por sua Comissão de Justiça, realizou uma audiência pública para ouvir os representantes das empresas Amazon, Apple, Google e Facebook.  O objetivo da audiência foi a investigação sobre práticas monopolistas de mercado, com abusos de poder econômico pelas referidas empresas.  Juntas as empresas possuem faturamento superior a 5 (cinco) trilhões de dólares, um valor muito superior ao PIB do Brasil. A Amazon foi indagada respeito de suas práticas comerciais em relação aos revendedores. As autoridades norte—americanas querem saber se a Amazon coleta dados confidenciais de revendedores em sua loja virtual, para o fim de promover seus próprios produtos, ao invés dos produtos das empresas concorrentes. Citou-se como exemplo a venda do smart speaker Alexa, com descontos no preço, como uma tática para acessar o mercado de smart home. Também, Apple foi questionada a respeito de suas práticas comerciais em relação aos desenvolvedores de aplicativos. Há acusações de que Apple beneficiaria seus próprios produtos, em detrimento de produtos de concorrentes em sua loja virtual.  A China é para a Apple um grande mercado consumidor, também boa parte dos fornecedores da Apple estão em território chinês. O Facebook foi perguntado sobre as suas práticas de coleta de dados de empresas concorrentes, bem como sobre a aquisição de empresas concorrentes como o Instagram e o WhatsApp.

Os Senadores querem saber se o Facebook utiliza de seu poder econômico para restringir a concorrência, eliminando-se os concorrentes e impedindo a inovação e o surgimento de novas startups. Foi questionada a empresa Facebook se a empresa utiliza algoritmos para censurar conteúdos difundidos pelos conservadores. A empresa responde que adota políticas de moderação de conteúdos que possam causar danos às pessoas. Assim, uma pessoa que divulgou o remédio cloroquina teve seu post retirado do Facebook. A empresa alega que como não há comprovação científica da utilização do remédio para a cura do coronavírus, então para proteger a saúde das pessoas foi retirado o conteúdo.

Há política de comunidade com parâmetros para a moderação de conteúdos de discursos do ódio, discursos racistas e violentos.[3] O Google  foi questionado a respeito de suas práticas comerciais de coleta de dados dos usuários, para o desenvolvimento de produtos e serviços. Há a acusação de que o Google abusa de sua posição no mercado de publicidade digital, com práticas predatórias contra concorrentes, havendo a concentração econômica no mercado. Um dos Senadores indagou a recusa do Google em prestar serviços para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. A empresa afirmou que não se recusou a prestar serviços para o governo norte-americano.  E, ainda, Amazon, Google, Facebook e Apple foram questionadas se colaboram com o governo da China e/ou Partido Comunista Chinês. Todas as empresas responderam que não colaboram com o governo chinês, nem com o Partido Comunista chinês. O Google tem centros de pesquisa em inteligência artificial em território chinês. Em síntese, há investigações nos Estados Unidos sobre a configuração de monopólio  nos mercados de comércio digital, publicidade digital e redes sociais, bem como a necessidade e/ou não de regulamentação dos setores.  Para além disto, há questões fundamentais objeto de debate sobre as Big Tech: a soberania sobre os dados, livre fluxo das informações e as respectivas exceções para fins de segurança nacional[4], segurança pública, saúde pública e economia nacional, o acesso aos dados pelos serviços de inteligência nacional e a coleta de dados de inteligência, transferência internacional de dados,  comércio digital (regras sobre marketplace), publicidade digital (abuso de posição dominante no mercado), infraestrutura de dados (Cloud), geolocalização (geodados), confidencialidade e segurança dos dados, a jurisdição nacional e a extraterritorialidade, competição global, etc.

Em síntese, as Big Techs representam o verdadeiro soft power dos Estados Unidos com a capacidade de moldar a economia digital de outros países. Expressam, também, o poder geocultural norte-americano, o qual tem a capacidade de influenciar as culturas de outros países: os hábitos das pessoas, pensamentos, sentimentos e ações. No século 20, a mídia jornalística e televisiva é que tinha este poder de influenciar a opinião pública. Agora, no século 21, as Big Techs, principalmente as redes sociais, é que detêm este poder de moldar a opinião pública. Em países de democracia matura, a questão da identidade nacional é o centro das atenções da segurança nacional. Isto porque se um país for moldado por outro país, simplesmente não há compromisso com a própria nação. O desafio é desenvolver uma política multicultural, com o respeito às culturas locais, para evitar o risco de desaparecimento das culturas genuinamente brasileiras.  Compete ao Brasil, na expressão de sua soberania, equalizar distintos interesses em relacionados às plataformas digitais.

A União Europeia possui geoestratégia clara quanto ao posicionamento em relação à sua soberania sobre seus dados. O Brasil deu um primeiro passo importante com a aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados. Mas, a medida por si só é insuficiente. É necessário promover ações para incentivar a implantação de infraestruturas de computação em nuvem com capacidade para competir com os titãs globais. Praticamente, o Google não tem concorrentes no Brasil. O Facebook não tem concorrentes no Brasil.  Dados pessoais e dados não pessoais referem-se, também, a questões de inteligência e defesa nacional.

Por isso é necessária uma nova compreensão do tema, sob pena de o Brasil ficar à mercê das potências estrangeiras. No contexto da economia digital, a situação somente se agravará. Em questão, a soberania do Brasil, soberania de dados, soberania sobre infraestruturas de rede digitais e a questão da concorrência no mercado. Há, evidentemente, enormes riscos geopolíticos para o Brasil ainda não são devidamente mensurados pelo Estado brasileiro, nem pela sociedade.  


[1] Huntington, Samuel P. The clash of civilizations and the remaking of world order. New York: Simon & Schuster Paperbacks, 2011.

[2] Foster, Dako e Zachary, Arnonld. Antitrust and artificial intelligence. how breaking up big tech could affect the Pentagon’s acess do AI, CSET. Center for Security and Emerging Technology, may 2020.

[3] A OCDE divulgou relatório sobre conteúdos extremistas em plataformas digitais e as políticas adotadas pelas empresas.

[4] Ver: Foster, Dakota e Zachary, Arnold. Antitrust and artificial intelligence: how breaking up big tech could affect the Pentagon’s acess to AI. Center for security and emerging technology. May, 2020

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Ministro do Supremo Tribunal Federal anula decisão que declarou ilícita terceirização de concessionária de telefonia

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou decisão da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que considerou ilícita a terceirização dos serviços de teleatendimento pela TIM Celular S. A. das atividades desenvolvidas pela concessionária de serviços de telefonia. A decisão foi tomada nos autos da Reclamação (RCL) 45687, proposta pela AEC Centro de Contatos S/A, prestadora dos serviços.

A ação trabalhista foi movida por uma atendente da AEC que prestava serviços para a TIM. Ao manter decisão de segundo grau que havia declarado a ilicitude da terceirização, a 2ª Turma do TST baseou-se na Súmula 331 daquela corte e concluiu que havia “subordinação estrutural” entre a empregada terceirizada e a concessionária de telefonia e que sua atividade estava compreendida na atividade fim da TIM.

Na reclamação, a AEC sustentou que a decisão do TST teria afastado a aplicação do artigo 94 da Lei das Telecomunicações (Lei 9.472/1997), que autoriza a contratação, pelas concessionárias, de atividades inerentes ao serviço concedido.

Inconstitucionalidade

Ao acolher a reclamação, o ministro Alexandre de Moraes assinalou que a Turma do TST, ao entender que o caso se enquadrava como atividade fim, exerceu o controle difuso de constitucionalidade em relação à Lei 9.472/1997 e utilizou a técnica denominada declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, pela qual é declarada a inconstitucionalidade de algumas interpretações possíveis do texto legal, sem, contudo, alterá-lo. “Ou seja, censurou uma determinada interpretação por considerá-la inconstitucional”, explicou.

No entanto, o ministro ressaltou que a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estatal só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta dos membros do tribunal ou dos integrantes do seu órgão especial, sob pena de nulidade da decisão do órgão fracionário (no caso, a turma), em respeito à cláusula de reserva de plenário (artigo 97 da Constituição Federal). Essa exigência foi reforçada pelo STF na Súmula Vinculante 10.

Segundo o relator, na hipótese dos autos, embora não tenha declarado expressamente a sua inconstitucionalidade incidental, o órgão fracionário do TST negou vigência e eficácia parcial ao dispositivo da Lei 9.472/97, sem a obrigatória observância da cláusula de reserva de Plenário.

Licitude da terceirização

Por fim, o ministro Alexandre destacou que o Plenário do STF, no julgamento do RE 958252 e da ADPF 324, declarou a inconstitucionalidade da Súmula 331 do TST, por violação aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, e assentou a licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim.

Processo relacionado: Rcl 45687

Fonte: Supremo Tribunal Federal

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Controvérsias no Edital do 5G sobre serviços de televisão por satélites

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP.

A Anatel, ao debater o leilão de frequências de 5G, está propondo a desocupação da banda C (faixa de frequências de 3,5 GHz) pelos serviços de satélite. Assim, na proposta do Edital do Leilão, apresenta-se a desocupação da faixa de frequências de 3.625 MHz a 3.700 Mhz. Além disto, propõe-se a mitigação de problemas de interferência prejudicial na recepção do sinal das estações de serviços por satélite (FSS) que operam na faixa de 700 MHz a 4.200 MHz.

Esta faixa de frequências é utilizada para serviços de televisão por satélite (TV por parabólica), denominado TVRO para a banda KU. Há parecer da própria Anatel no sentido de ressarcimento relacionado às estações vinculadas à satélite estrangeiro. Segundo o ato, o objetivo do ressarcimento é possibilitar a limpeza antecipada da faixa de frequências, assumindo-se os custos de readequação das estações terrestres que operam na banda C.

A entidade administradora da faixa de 3,5 GHZ é quem promoverá o estudo de soluções técnicas para mitigar o problema da interferência na faixa de 3,6 a 3,7 MHz. Há controvérsias sobre o valor do ressarcimento a ser pago às operadoras de satélites. No cálculo é necessário verificar o número de estações receptoras  dos sinais de satélite.

Não há um cadastro nacional sobre o tema. Como se nota, a Anatel para garantir a prestação do serviço móvel pessoal (5G) precisou ampliar a faixa de frequências, por isso decidiu por se utilizar da faixa de frequência de 3.625 MHz a 3.700 Mhz. A princípio, a Anatel com base no interesse público pode ordenar a alocação de frequências. Mas, eventuais custos de realocação devem ser ressarcidos in totum às empresas prejudicadas com a mudança da faixa de frequências.

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Novo Plano de Atribuição e Destinação de Frequências da Anatel: controvérsias em torno dos serviços de satélites marítimos e aeronáuticos

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP.

A Anatel está debatendo novo Plano de Atribuição e Destinação de Frequências, a partir das decisões da Conferência Mundial de Radiocomunicações de 2019 realizada União Internacional de Telecomunicações.

Há disputa pela ocupação das frequências entre operadores de satélites e outros prestadores de serviços de telecomunicações, os denominados serviços privados limitados. A título ilustrativo, a entidade IMMARSAT questiona a mudança na faixa de frequências banda L (blocos de frequências de 1492-1560 – Mhz) dos serviços móveis por satélite (MSS).  Estes serviços móveis por satélite atendem aos setores aeronáutico e marítimo.  São serviços essenciais à segurança da aviação civil e ao serviço de transporte marítimo. Assim, a IMMARSAT, em manifestação na consulta pública sobre o plano de alocação de frequências, questiona a falta de critérios da Anatel quanto à alocação de frequências.

De acordo com a entidade, os serviços móveis por satélite são exigidos pela Organização Marítima Internacional (IMO) e pela Autoridade de Aviação Civil Internacional (ICAO). Segundo ato da Anatel a parte da banda de frequências denominada L poderá sofrer restrições para fins de serviços de interesse coletivo terrestre. Deste modo, a IMMARSAT requereu esclarecimento à Anatel sobre as restrições aplicáveis ao serviço limitado privado por satélite. Além disto, registrou a associação que os serviços móveis por satélite têm aplicações em terra, pois há usuários como plataformas de gás e petróleo, empresas marítimas e empresas de internet das coisas que dependem dos respectivos serviços. Por isso, a entidade requer que as providências técnicas da Anatel em relação aos serviços limitados privados não prejudiquem os sistemas de serviço móvel por satélite.

A princípio, a Anatel pode realocar a faixa de frequências, conforme o interesse público. Não há um direito absoluto à permanência na mesma faixa de frequências. Mas, a decisão da Anatel deve se orientar pelos padrões internacionais definidos pela União Internacional das Telecomunicações, a qual detém a prerrogativa de harmonizar a alocação de frequências em escala mundial.

De todo modo, eventuais custos na realocação das frequências decorrentes da mudança pela agência reguladora devem ser ressarcidos in totum às empresas eventualmente prejudicadas pela nova política pública de alocação de espectro.

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Edital do Leilão do 5G: análise da imposição para as teles de redes privativas de comunicações para o governo

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações, com foco em tecnologias, infraestruturas, mídias e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP.

A Anatel e o Ministério das Comunicações manifestaram-se favoravelmente à imposição da obrigação de instalação de redes privativas de comunicações para o governo federal, sob o encargo das empresas de telecomunicações vencedoras do edital do leilão de frequências do 5G. O tema está disciplinado na Portaria n. 1.924/SEI-MCOM, de 29 de janeiro de 2021, bem como na minuta do edital do leilão do 5G.

O governo quer uma rede móvel no território do Distrito Federal, na faixa de frequências de 703 MHz a 708 MHz e 759 Mhz a 763 MHz para atendimento das necessidades de segurança pública, defesa, serviços de socorro e emergência, resposta a desastres e outras funções críticas de Estado, bem como atendimento aos órgãos públicos federais. Também, incluiu-se a obrigação de implantação de rede fixa para atendimento aos órgãos públicos federais, de modo complementar à rede do governo então existente. Exige-se que as redes privativas do governo possuam funcionalidades como criptografia.

Obviamente que este tipo de obrigação imposta pelo governo federal aumentará os custos do leilão do 5G para as empresas concorrentes da licitação. Por isso as empresas de telecomunicações deverão em suas planilhas mensurar os custos decorrentes da eventual implantação da rede privativa de comunicações do governo federal. Há, eventualmente, riscos de a questão ser judicializada, o que pode comprometer o andamento do edital do leilão do 5G. Ora, a prioridade do leilão do 5G é obter a melhor prestar de serviços de telecomunicações móveis para os usuários finais.

Por isso, qualquer “desvio de finalidade” deste propósito com o acréscimo de custos extras deve ser adequadamente mensurado na perspectiva do princípio da eficiência, economicidade e, inclusive, legalidade.

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National Oceanic and Atmospheric Administration e o licenciamento do sensoriamento remoto

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China nas comunicações – 5G: impacto no Brasil.

O governo norte-americano tem diversas agências federais, dentre elas, há a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA). Esta agência federal é a responsável por serviços oceânicos e atmosféricos e é utilizada para fins civis e militares.  Informações da NOAA são vitais para os serviços de aviação e de transporte marítimo. Dados atmosféricos e oceânicos são monitorados em tempo real, por uma série técnicas avançadas. Há grandes expectativas quanto à aplicação de sistemas de big data, inteligência artificial, melhores sensores, computação em nuvem, computação quântica, para otimizar a precisão dos dados oceânicos e atmosféricos. Neste sentido, recentemente, a NOAA aprovou o licenciamento  para o setor privado de sistemas de sensoriamento remoto da terra. Estas aplicações de sensoriamento remoto têm múltiplas finalidades: monitoramento ambiental, segurança pública, saúde pública, entre outras.[1]  Além disto, há aplicações de geoengineering, isto é, tecnologias capazes de contribuir com soluções para mitigar os efeitos do aquecimento global. Exemplos: o aproveitamento do potencial da energia solar como fonte renovável de energia, bem como a geolocalização de áreas para de árvores em projetos de reflorestamento. Mas, as licenças devem garantir a proteção da segurança nacional. Explica-se. Atualmente, no cenário competitivo o regime de licenciamento para as empresas norte-americanas é rígido. Por isso, as empresas norte-americanas têm obstáculos na competição no mercado global. 

A título ilustrativo, com o novo regime as empresas poderão obter imagens de satélites com maior precisão. Com a flexibilização do regime de licenciamento do sensoriamento remoto assegure-se acesso mais facilitado para as empresas norte-americanas. Há diversos sistemas: imagens noturnas (night-time imaging), infravermelho de ondas curtas (short-wave infrared), dentre outros.  Além disto, a NOAA lançou seu plano estratégico para 2021-2015 denominado NOAA Blue Economy, o qual contém os seguintes pilares: transporte marítimo, produção de alimentos oceânicos, exploração oceânica, resiliência da costa e turismo e recreação.

O objetivo é aproveitar o potencial econômico dos oceanos. Deste modo, há medidas para melhorar o transporte marítimo, mediante a difusão de sistemas de navegação marítima com maior precisão, melhoramento do sistema de navegação marítima,  desenvolvimento de cartas náuticas, melhorias da navegação marítima em portos, mapeamento das zonas exclusivas econômicas, desenvolvimento da cultura aquática, combate à pesca ilegal, proteção a sistemas ambientais marinhos, entre outros.  Sobre o alcance das atividades da NOAA, a título ilustrativo, imagens de satélite do NOAA contribuíram na identificação do desastre ambiental com o derramamento de petróleo no litoral nordestino ocorrido alguns anos atrás. Satélites da NOAA sobrevoam o Brasil, diariamente, a título de realização serviços meteorológicos. Mas, enfim,  com o novo programa da NOAA abrem-se oportunidades para parcerias entre empresas norte-americanas e empresas brasileiras quanto à exploração dos sistemas espaciais de sensoriamento remoto da terra. Registre-se que, para além do aspecto civil, a tecnologia adotada pela NOAA é dual-use, isto é, possibilita-se aplicação civil e militar. Por isso a tecnologia aeroespacial pode ser utilizada para a coleta de sinais de inteligência de outros países.

Para o Brasil há riscos geopolíticos,  desafios e oportunidades com a atuação da National Oceanic and Atmospheric Administration. Risco: monitoramento de áreas brasileiras, com impacto no setor da agricultura, mineração, entre outros. Desafios: como proteger os dados brasileiros? Oportunidades: parcerias entre empresas brasileiras e norte-americanas quanto à exploração da tecnologia de sensoriamento remoto.


[1] National Oceanic and Atmospheric Administration – licensing of private remote sensing space systems.

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A militarização da política: a grave patologia do subdesenvolvimento do Brasil

Ericson Scorsim. Advogado. Doutor em Direito do Estado pela USP.

O Brasil vive um ciclo perigoso para sua democracia. Isto porque há militarização da política. E há atos presidenciais que colocam em risco a democracia. Um governo que deveria ser civil é ocupado por membros das forças armadas. Ainda que alguns sejam da reserva isto não altera o fato de que são militares. O que é pior: o pseudo líder presidencial, um anti-líder, um pequeno homem, explora o prestígio das forças armadas.

A personalidade do sujeito está documentado no notório vídeo da reunião em 2020  entre presidente e ministros, algo que quebra o decoro da Presidência da República. Além disto, abusa do poder presencial para manobrar politicamente com as forças armadas. E o que é pior: ele busca armar pessoas (liberação de armamento, sem nenhum controle e/ou rastreamento de armas), para formar grupos paramilitares. O presidente incita milícias digitais, fanatismo político e nepotismo. E o que é pior ele busca manipular o  exército, com generais, da ativa ou da reserva, com distribuição de cargos no governo acaba por legitimar práticas autoritárias. O que é pior: o exército legitima uma família, baseada no nepotismo, a qual vive da política, algo contrário ao princípio republicano.

Este cenário implica em diversos riscos para a democracia: o risco institucional (o risco de ruptura institucional com a quebra da democracia), risco de quebra da hierarquia e unidade das forças armadas  e o pior o risco de uma guerra civil, devido à exploração das divisões sociais.  Quando facções começam a se organizar contrariamente às instituições democráticas este é um sinal de que algo de podre na república!

Podemos dizer que há um cenário da brazilian anomaly: a militarização da política. A militarização da política é um verdadeiro câncer nacional, com a capacidade letal suficiente para destruir nossa frágil democracia.

Por isso, são necessárias medidas terapêuticas em proteção à democracia brasileira, como a necessidade de “quimioterapia” e “radioterapia” para eliminar as células de militarização da política.  Líderes políticos que compactuam com este cenário são líderes fracos que se escoram nas forças dos militares. Governadores que apoiam a politização da política representam o “sucesso” do subdesenvolvimento institucional em nosso País. Ao invés de marchamos para a frente, marchamos para trás, garantindo o “sucesso” do atraso institucional.

Por outro lado, há o desvio de finalidade das forças armadas ao se permitir a participação de militares em governos e no parlamento.  A título ilustrativos dos graves problemas com a militarização da política e exploração da polarização, nos Estados Unidos, em janeiro de 2020,  houve a invasão do Congresso por extremistas, os quais buscaram  intimidar, coagir os congressistas para impedir a votação que ratificou a eleição do presidente Joe Biden. Por detrás do episódio, a incitação pelo clamor popular pelo ex Presidente Donald Trump.  Houve a convocação de grupos de extremistas e paramilitares. Aliás, o fato ensejou a abertura de novo processo de impeachment por incitação a atos de insurreição colocando em risco a segurança nacional dos Estados Unidos.  

Como se observa, o movimento extremista tem o potencial destrutivo de conduzir ao terrorismo doméstico, violência extrema, movimentos racistas. Outro episódio lamentável foi o plano de sequestro de uma governadora norte-americana, por movimentos radicais de direita. Este episódio norte-americano nos faz lembrar a fragilidade da democracia, a qual depende diariamente do cultivo dos valores democráticos. Por outro lado, a análise da história mundial revela os graves problemas quanto à liderança irresponsável. Outra lição histórica: o Marechal Pétain, herói francês da primeira guerra mundial, no regime Vichy colaborou com o regime nazista, sendo condenado à morte por traição, posteriormente a pena foi modificada para prisão perpétua. Criou-se um movimento antecedente ao regime de Vichy antiparlamentar.  Ou seja, as forças reacionárias criaram um ambiente psicológico antiparlamentar para fincar as raízes do novo governo de Vichy. Lição histórica: um pseudo herói descobre-se depois um traidor e/ou farsante. A propósito, o lema do regime colaboracionista de Vichy era: trabalho, família e pátria.  Foi um regime fascista e nacionalista.

Coincidentemente, o lema do atual governo brasileiro é família, pátria e Deus.  Em outro caso, há um episódio envolvendo o ex-Presidente da França Mitterrand, o qual teria armado uma tentativa de “assassinato” contra si mesmo, uma farsa política conhecida como caso do Observatório.[1] Outro exemplo: o julgamento dos militares japoneses por junta de juízes sob a liderança do governo norte-americana, através do Comandante em Chefe Mc Artur. O “tribunal internacional” (International Military Tribunal Far East – IMTF) condenou diversos generais e funcionário governo à pena de morte por crimes de guerra. Esta junta serviu como inspiração para a criação do tribunal penal internacional. O caso é conhecido como Tokyo Trial, retratado em série no Netflix.

Os Estados Unidos buscaram evitar a acusação contra o Imperador japonês, a fim de se preservar um “canal de diálogo” no Japão pós-segunda guerra mundial. Lição histórica: o militarismo japonês contribuiu para a eclosão da Segunda Guerra Mundial. A participação de militares pode ser alvo de julgamento histórico a posteriori. E, ainda, outro caso histórico. Existem juízes e juízes, mais um deles é exemplar: o juiz espanhol Baltazar Garzon que mandou prender o general e ditador chileno Pinochet, por crimes contra a humanidade, durante o regime da ditadura chilena. Em regimes democráticos, aonde há juízes, promotores e procuradores independentes e imparciais comprometidos com a missão democrática, a toga pode controlar a farda. Retornando ao Brasil, há riscos com a ocupação militar em governo civil.  similares, aliás, este tipo de tática canalha de intimidar, coagir e praticar bulling contra as instituições democráticas e os parlamentares já foi adotada por apoiadores do “messias” nacional. Lideranças civis devem acordar para os sinais que estão aí. Aliás, os membros das forças armadas da ativa e da reserva que participam do governo deveriam dar uma grande contribuição ao País, com a renúncia aos seus cargos.

Neste aspecto, o vice-Presidente da República (um general da reserva) em gesto de grandeza e honra à sua biografia  e por amor ao Brasil poderia contribuir com a democracia ao renunciar ao seu cargo e fazer um chamamento para enraizar o princípio do controle civil das forças armadas e o fortalecimento do governo civil, o respeitando-se o distanciamento saudável entre forças armadas e governo. Assim, poderia se resgatar o papel constitucional das forças armadas que é o de contribuir com a defesa nacional, garantindo-se o seu afastando da política doméstica.  E, também, para promover a profissionalização das forças armadas, com medidas de autocontenção na participação na política doméstica. O presidente encurralou as forças armadas, especialmente o exército. As forças armadas estão num beco sem saída. Há o risco de serem contaminadas pelos resultados trágicos do atual governo. Por isso é fundamental a defesa da Constituição, com a aplicação dos princípios que vedam a participação de membros das forças armadas na política doméstica. A presidência da república está sendo manchada por uma pessoa que divide o país, com táticas primitivas baseadas no medo, ódio e cortinas de fumaça. Aliás, a última eleição presidencial do Brasil   representou a vitória da raiva, do medo e da ignorância.  Temos um presidente macabro, uma presidência macabra, alheia à tragédia de mais de 200 (duzentos) mil brasileiros que perderam suas vidas na pandemia do coronavírus. Um personagem ao estilo da peça Ubu-Rei. Em caso-extremos, o atual ocupante da presidência, após o final do termo, poderá acabar em prisão e exílio político, devido aos abusos cometidos em seu governo.

Para além de todo o sacrifício povo faz para sustentar seu governo e suas forças armadas. Além disto, o atual governo destruiu a política externa brasileira, baseada na moderação, harmonia e negociação, conseguindo isolar o Brasil do resto do mundo. Andamos para trás como o caranguejo na política externa. Debate-se sobre se um é governo fascista ou não. O governo até pode não ser, mas o ocupante da presidência sinalizar com atos fascistas. A personalidade autoritária e doentia está gravada em sua biografia. Um país que se apoia nas forças armadas na política doméstica é um país subdesenvolvido. É a vitória do subdesenvolvimento institucional. É estranho que líderes empresariais apoiem algo nefasto para a construção do País. É um país imaturo institucionalmente. Países avançados valorizam o profissionalismo de suas forças armadas, bem como afirmar o princípio do governo civil, bem como o controle civil das forças armadas. Pensar contrariamente a esta noção democrática de controle civil das forças armadas  representa um ato de subversão à democracia.  Afinal, precisamos distinguir a força armada (aquela respeitosa, honrada e digna) das “fraquezas armadas”, homens pequenos que se manipulam  com hipocrisia  o discurso sobre arma, deus e pátria. O pior cenário democrático é de “fraquezas armadas”.

A fraqueza dos homens e sua covardia que apoiam no discurso de armamento e no apoio militar. Aliás, desconfio de homem que somente vive rodeado de homens, a coisa não cheira bem. São “falsos profetas” que venderam ilusões de salvação nacional em sua eleição que profanam o nome de deus, traidores da pátria. A mitologia artificial em torno do pseudo líder é perigosa. Quem invoca a palavra mito simboliza a perda da razão e da inovação da loucura. A história é recheada de líderes insanos e sádicos que causaram barbaridades: Hitler, Mussolini, Pinochet, entre outros. O legado da extrema direita é devastador para a democracia. A extrema direita sempre foi insensível com o povo. A pretexto da ganância a extrema direita se curva aos interesse do capital financeiro internacional.  Sempre se apoiou, vergonhosamente, no colo dos militares. O legado da extrema direita é a ditadura. Por isso as forças democráticas devem reagir a este cenário de caos, ainda mais no contexto da pandemia que vitimou mais de 200.000 (duzentos mil brasileiros), um número devastador à alma da nação. Está na hora de “já ir” embora, para o bem da nação.  O presidente até pode pedir asilo político aos Estados Unidos e morar num quartinho de Mar-al-lago, residência da família Trump. Talvez, seja a hora de ir preparando as malas e o passaporte diplomático. Outra opção é Miami, clima parecido com o Rio de Janeiro, refúgio de muitos brasileiros. Poderá no quartinho colocar alguns beliches e levar seus generais. Também, não podemos descartar outro refúgio, Orlando, local da magia da Disney. Enfim, muitas opções para “já ir” embora.


[1] Jackson, Julian. Charles de Gaulle. Uma biografia. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

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Operações de influência estrangeira sobre agentes públicos brasileiros: a questão da responsabilidade institucional do Estado brasileiro para a contenção de ações de potências estrangeiras

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico das comunicações entre Estados Unidos e China nas comunicações 5G: impacto no Brasil, publicado na Amazon.

Uma das táticas comuns adotadas por governos e/ou agentes estrangeiros é cooptar governantes, agentes públicos e militares de outros país na defesa de seus interesses. As Big Tech (Google/Youtube, Facebook/ Instagram, Twitter, WhatsApp, Apple, Amazon) tornaram-se os principais canais para operações de influência, sob comando de governos, agentes e/ou organizações, tanto pelos Estados Unidos quanto por seus adversários.  

Operações de inteligência, inclusive ações encobertas (covert action) e de influência para moldar a opinião pública são realizadas através das Big Techs. Nos Estados Unidos, há legislação de controle da atuação de estrangeiros no território norte-americano. Há, inclusive, a regulamentação do lobby de estrangeiros. Assim, os estrangeiros precisam se registrar perante o governo norte-americano a fim de atuar no país. E o Brasil? Há operações de influência estrangeira sobre governantes, agentes políticos, servidores públicos e militares brasileiros? Possivelmente, há. Há a influência estrangeira sobre juízes, procuradores, delegados, militares entre outros. E o que é pior alguns agentes públicos sob influência estrangeira valem-se se seus cargos públicos para interesses políticos pessoais e autopromoção, algo evidentemente contrário aos princípios básicos da administração da justiça. Existe, também, influência estrangeira sobre Presidentes, ex-Presidentes, Ministros, entre outros.

Há inclusive suspeita de colaboração entre agentes públicos brasileiros e o  FBI e a CIA. No Exército é comum treinamento militar nos Estados Unidos. Também, há influência estrangeira sobre a mídia brasileiras. São realizadas verdadeiras operações psicológicas para moldar a opinião pública em determinada direção e interesses específicos. A elite é influenciada principalmente pelos Estados Unidos. Lá são realizados “cursos/treinamentos” aonde se aprende valores como a tal da “rule of law”.

O que se nota, na prática que servidores públicos brasileiros (juízes, promotores, delegados, entre outro)  faz cursos no exterior e acaba sendo “capturado” pela cultura estrangeira. Entendo que há uma espécie de “colonialismo mental”, a servidão voluntária de juízes, promotores e militares à cultura norte-americana. Sem dúvida alguma, experiências interculturais são importantes; mas o que estamos falando aqui é diferente é o estado de submissão voluntária à influência estrangeira, em detrimento do interesse nacional, em se tratando de agentes que ocupam cargos públicos. 

No entanto, não existem ainda estudos aprofundados sobre este tema da influência estrangeira sobre o Brasil. A questão principal é que as operações de influência estrangeira podem causar danos colaterais à economia nacional, à saúde pública, à integridade do sistema eleitoral, à integridade do sistema de justiça nacional, à confiança na mídia, ao sistema de defesa nacional, entre outros aspectos. Por exemplo, no caso da economia nacional, operações de influência podem destruir determinados setores econômicos devido à abertura indiscriminada da economia. Também, operações de influência estrangeira podem desvalorizar o real em relação ao dólar, a fim de facilitar a aquisição de empresas brasileiras por grupos internacionais.

Além disto, operações de influência estrangeira podem comprometer a integridade do sistema eleitoral, como, por exemplo, informações de inteligência estrangeira que beneficiem um determinado candidato a Presidente em detrimento de outro.  Outro exemplo a utilização de informações de inteligência em casos de investigações criminais. O Presidente Donald Trump dos Estados Unidos, por exemplo, condicionou a assistência militar à Ucrânia (disponibilização de armas), mediante abertura de processo criminal contra o filho de seu adversário político Joe Biden, bem como troca de informações sobre investigações. Uma autoridade estrangeira colabora com outra autoridade brasileira, mediante troca de favores, ao arrepio das normas procedimentais de colaboração internacional entre os países. 

Ademais, operações de influência podem comprometer a integridade do sistema de defesa nacional à medida que militares brasileiros sejam cooptados por governos estrangeiros. Empresas estrangeiras também podem se utilizar de colaboração de governantes, agentes públicos, servidores públicos e/ou militares para obter benefícios no mercado nacional. Além disto, uma influência mais sutil adotada por governos estrangeiros é atrair autoridades jurisdicionais brasileiras para realizaram cursos dentro de seu país, tática esta adotada pelos Estados Unidos. Há na legislação norte-americana medidas e recursos específicos para propagar a influência dos Estados Unidos sobre estrangeiros. Esta é uma tática de soft power via poder geocultural.  Operações de influência estrangeira podem ensejar riscos de violação aos princípios regentes da administração pública, entre os quais: legalidade, moralidade, impessoalidade, entre outros. No setor da saúde pública, operações de influência estrangeira podem comprometer a eficácia de tratamentos médicos. Veja-se o caso da indicação da cloroquina, sem eficácia comprovada no tratamento do coronavírus. Países com maturidade institucional adotam medidas de contenção da influência de governos e/ou agentes estrangeiros. O que é possível admitir que governantes, agentes políticos, servidores públicos e militares atuam como verdadeiros lobistas a favor do interesse de governo e/ou agente estrangeiro em detrimento dos interesses nacionais.

Na Europa, há política específicas para conter a influência estrangeira, em defesa dos valores europeus.   Por isso, é preciso que o Brasil adote medidas para conter a influência estrangeira, em defesa dos interesses nacionais. Ao Brasil, via Congresso Nacional, compete adotar as medidas de aperfeiçoamento do sistema de contenção de influência estrangeira nos destinos do país seja de origem do continente das Américas, Europa e/ou Ásia. Precisamos avançar no tema do poder geocultural do Brasil (sua diversidade de culturas), como mecanismos de inserção no mundo e negociação diplomática, com a melhor afirmação dos interesses brasileiros no cenário internacional.  Para tanto, uma nova legislação é necessária.    

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