É comum que condomínios contratem serviços de jardinagem. Estes serviços são realizados de modo habitual, semana a semana, mês a mês ao longo do ano. São manhãs e tardes barulhentas. Estes serviços de jardinagem utilizam de equipamentos mecânicos barulhentos que colocam em risco à saúde dos “jardineiros”, bem com dos demais trabalhadores próximos aos ruídos, como porteiros, zeladores, entre outros.
São equipamentos de jardinagem como sopradores de folhas, roçadeiras, podadeiras, cortadores de grama com potência de emissão sonora entre 80 (oitenta) decibéis até 110 (cento e dez) decibéis. Ora, a Organização Mundial da Saúde dispõe que ruídos acima de 50 (cinquenta) decibéis causam danos e ameaçam a saúde e podem causar a perda da audição, afetam o sistema cardiovascular (aumentando-se a hipertensão arterial), o sistema hormonal (causando o hormônio do stress), o sistema digestivo, entre outras funções.
Ruídos para além de afetar a saúde, impactam o bem estar humano e o meio ambiente. Ruídos causam a degradação ambiental sonora das cidades.[1] Neste artigo, o foco é a análise dos aspectos trabalhistas, fiscais e previdenciários, relacionados às insalubridades no meio ambiente do trabalho causadas pelos ruídos de equipamentos de jardinagem.[2]
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário com Agravo 664.335/SC, Relator: Ministro Luiz Fux, de 4.12.2014, afirmou o direito “a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, com fundamento no art. 7, XXII, da Constituição Federal. A decisão registrou que a segurança e a saúde no ambiente de trabalho é uma condição fundamental para a proteção dos trabalhadores. O direito à redução do risco no ambiente do trabalho está associado às inovações tecnológicas.
Registrou o acórdão: “A maioria dos países desenvolvidos no âmbito das políticas públicas avançadas (respeito à conscientização e à cobrança do Governo pela população), a preocupação quanto à segurança e condições ambientais do trabalho resume-se genericamente, à seguinte evolução: num primeiro momento, recorre-se à utilização de tecnologia de investimentos em pesquisas científicas para que a evolução ocorra no próprio ambiente de trabalho (e.g, substituição do maquinário, evolução da tecnologia, troca de matéria-prima, robotização das atividades prejudiciais), e, após não encontrando forma segura de eliminação do risco provocado no ambiente, não raro é o banimento desta atividade”. Além disto, o Supremo Tribunal Federal salientou que algumas atividades não permitem, devido à tecnologia existente, a superação da insalubridade. No entanto, este fator, portanto, justifica a “aplicação de políticas preventivas e compensatórias”.
A tese principal adotada pelo Supremo Tribunal Federal consistiu no seguinte: “simples fornecimento de equipamento de proteção individual pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde”.[3] O Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que o risco de potencial dano é fator suficiente para justificar o direito à aposentadoria especial do trabalhador submetido às condições à saúde. Veja o que o Supremo Tribunal Federal disse: “O risco aplicável é o exercício de atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física (CRF/88, art. 201, 1), de forma que torna-se indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade notadamente capaz de ensejar o referido dano. Entretanto, independentemente da ocorrência do dano, o que se está a tutelar é a exposição do segurado àquela condição, pelo risco presumido que a relação entre agente nocivo e trabalhador poderá ocasionar”. Prossegue o Supremo Tribunal Federal a respeito do objeto da proteção jurídica especial em relação à aposentadoria especial: “Por óbvio, é a de amparar, tendo em vista o sistema constitucional de direitos fundamentais que devem ser perquiridos – vida, saúde, dignidade da pessoa humana, o trabalhador que laborou em condições nocivas e perigosas à saúde, de forma que a possibilidade de evento danoso pelo contato com os agentes nocivos levam à necessidade de um descanso precoce do ser humano, o que é amparado pela Previdência Social”. O Supremo Tribunal Federal ainda citou o Professor Ireneu Antônio Pedrotti e sua obra Doenças Profissionais ou do Trabalho: “Lesões auditivas induzidas pelo ruído fazem surgir o zumbido, sintoma que permanece durante o resto da vida do segurado e que, inevitavelmente determinará alterações na esfera neurovegetativa e distúrbios do sono. Daí a fadiga que dificulta a sua produtividade. Os equipamentos contra ruído não são suficientes para evitar e deter a progressão dessas lesões auditivas originárias do ruído, porque somente protegem o ouvido dos sons que percorrem a via aérea. O ruído origina-se das vibrações transmitidas para o esqueleto craniano e através dessa via óssea atingem o ouvido interno, a cóclea e o órgão de Corti”.[4] O Supremo Tribunal Federal citou duas outras especialistas Elsa Fernand Reimbrecht e Gabriele de Souza: “Embora a lesão auditiva seja a mais conhecida, este não é o único prejuízo da exposição do ser humano em demasia ao ruído, podendo ocasionar, também, problemas cardiovasculares digestivos e psicológicos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (…) a partir de 55 (cinquenta e cinco) decibéis, pode haver a ocorrência de estresse leve, acompanhado de desconforto. O nível de 70 (setenta) decibéis é tido como nível inicial do desgaste do organismo, aumento do risco de infarto, derrame cerebral, infecções, hipertensão arterial e outras patologias. Com relação ao estado psicológico, o ruído altera-o ocasionando irritabilidade, distúrbio do sono, déficit de atenção e concentração, cansaço crônico e ansiedade, entre outros efeitos danosos (…). O efeito psicológico pode ser considerado mais gravoso do que os demais efeitos, em virtude de sua ação ocorrer em pouco tempo da habitualidade da exposição, o que só ocorre ao longo dos anos com os demais. Além disto, como o estado psicológico de um indivíduo acaba alterando o bom funcionamento de seu organismo, principalmente no que se relaciona à circulação sanguínea e ao coração, a exposição excessiva ao ruído ocasiona diversas modificações em seu estado normal de saúde, podendo modificar, principalmente mudanças na secreção de hormônios, o que influencia em sua pressão arterial e metabolismo, aumento dos riscos de doenças cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio”.[5] E, ainda, o Supremo Tribunal Federal cita outro estudo a mera utilização de equipamento protetor auricular não é fator suficiente para a proteção do trabalhador: “Embora seja comum responsáveis das empresas recomendarem os protetores auriculares como medida isolada de controle de ruído, deve-se ressaltar que este tipo de conduta não tem apresentado resultados satisfatórios, comprovado pela ocorrência de danos, quando os trabalhadores são submetidos a exames audiométricos. O erro de posicionamento, a manutenção e trocas inadequadas e o tempo efetivo de uso, estão entre as causas mais comuns dos protetores atenuarem abaixo do limite inferior de sua capacidade de redução do ruído. Protetores velhos e sujos também perdem em eficiência. A atenuação sugerida pelos fabricantes de protetores auriculares, não leva em conta as condições adversas do trabalho como calor, sujidade, barba, tamanho e formato do ouvido, que de uma forma ou de outra não permitem a utilização ótima e constante do equipamento. É importante ter presente, que a atenuação fornecida por um aparelho, normalmente não tem relação direta com a proteção da audição. A atenuação de protetor auricular não é igual para qualquer tipo de ruído. Depende do espectro de frequência do ruído do ambiente e do espectro de atenuação do protetor. Um mesmo protetor não tem a mesma eficiência de atenuação para diferentes tipos de ruído e, para um ruído com determinadas características, protetores diferentes oferecerão diferentes tipos de atenuação. Ele poderá atenuar diferentemente um ruído emitido por uma serra circular em relação ao de um compressor, mesmo que ambos possuam o mesmo valor em db (decibéis). O tempo de utilização real do protetor, para atingir os valores das atenuações assumidas pelos fabricantes, deve ser de 100% (cem por cento) da jornada de trabalho, em condições ótimas, o que não corresponde à realidade na grande maioria dos casos. Por menor que seja o tempo que protetor deixou de ser usado esse tempo é significativo, pois este ruído é adicionado ao nível de ruído que atingia o ouvido com o protetor. Curtos períodos de tempo de interrupção no uso do protetor reduzem de maneira significativa a eficácia da proteção”.[6] Diante destas razões, o Supremo Tribunal Federal chega à seguinte conclusão: “Portanto, não se pode, de maneira alguma, cogitar-se de uma proteção efetiva que descaracteriza a insalubridade da relação ambiente-trabalhador para fins de não concessão do benefício da aposentadoria especial quando ao ruído”.
Prossegue o Supremo Tribunal Federal: “A segunda tese a ser firmada é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do perfil profissiográfico previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do equipamento de proteção individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria”. Continua o Supremo Tribunal Federal: “Se atualmente prevalece o entendimento que não há completa neutralização da nocividade no caso de exposição a ruído acima do limite legal tolerável, no futuro, levando em conta o rápido avanço tecnológico, podem ser desenvolvidos equipamentos, treinamentos e sistemas de fiscalização que garantam a eliminação dos riscos à saúde do trabalhador, de sorte que o benefício da aposentadoria especial não será devido”. Esta decisão do Supremo Tribunal Federal é um paradigma antirruídos, ainda que o caso se refira ao direito à aposentadoria especial. Há diversos parâmetros para o design de políticas públicas para a efetivação do direito à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, art. 7, XXII, da Constituição Federal, corrigindo-se as falhas do mercado quanto à utilização de equipamentos mecânicos barulhentos. Por outro lado, no aspecto trabalhista, a Consolidação das Leis do Trabalho dispõe o seguinte:
“Art. 189. Serão consideradas as atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados e agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos”.
Em outro dispositivo da CLT:
“Art. 190. O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do emprego a esses agentes. Parágrafo único. As normas referidas neste artigo incluirão medidas de proteção do organismo do trabalhador nas operações que produzem aerodispersóides tóxicos, irritantes, alérgicos ou incômodos”.
Prossegue a CLT:
“Art. 191. A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá:
I – com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites tolerância;
II – com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador que diminuam a intensidade do agente agressivo e limites de tolerância. Parágrafo único. Caberá às Delegacias Regionais do Trabalho, comprovada a insalubridade, notificar as empresas, estipulando prazos para sua eliminação ou neutralização na forma deste artigo”.
E, ainda, a CLT dispõe:
“Art. 192. O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário-mínimo da região, segundo se classifique nos graus máximo, médio ou mínimo”.
A insalubridade sonora no meio ambiente do trabalho é fator justificar o pagamento do adicional de 20% (vinte por cento). No aspecto fiscal, a legislação instituiu a contribuição para o financiamento de aposentadoria especial, conforme fator acidentário de prevenção. É da responsabilidade do empregador fazer o recolhimento deste tributo, de natureza de contribuição social. A Receita Federal é o órgão responsável pela fiscalização do pagamento deste tributo. Se o empregador não fizer o recolhimento deste tributo há o risco de a empresa contratante dos serviços de jardinagem, no caso os condomínios tornarem-se os responsáveis solidariamente pelo pagamento do tributo. A partir da referida decisão do STF a Receita passou a fiscalizar as empresas para verificar o pagamento das contribuições para o financiamento da aposentadoria especial. Para uma visão da crítica da decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito das condições de insalubridade no meio ambiente do trabalho por ruído ocupacional e a análise com detalhamento do impacto trabalhista, previdenciário e fiscal, ver: Felipe Mêmolo Portela: A inconsistência regulatória da insalubridade por exposição ao ruído ocupacional: diagnóstico e proposta de superação, dissertação de mestrado apresentada na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2020.[7] O autor pontua o cenário de confusão regulatória e de ineficiência na proteção à segurança no meio ambiente do trabalho e à saúde dos trabalhadores. Aponta, ainda, o princípio da hierarquia dos métodos de proteção e os equipamentos de proteção individual. Destaca, também, a burocracia na preparação de diversos documentos por diferentes órgãos ao mesmo tempo e os riscos à segurança jurídica.
Além disto, saliento que a fiscalização das condições de insalubridade no meio ambiente do trabalho são: “pulverizadas, seletivas e ineficientes”. Por todas estas razões relacionadas aos danos à saúde do trabalho no meio ambiente do trabalho é o momentum de debater o impacto da indústria na produção de ruídos. Ao invés de discutirmos indefinitivamente limites de decibéis no ambiente de trabalho, equipamentos de proteção individual, pagamento de adicionais de insalubridade, deveríamos focar na eliminação, redução e/ou substituídos do status quo dos ruídos por ambientes ruídos baixos. Ora, ruídos são causados por máquinas, frutos de tecnologia mecânica ineficiente do aspecto acústico. Deste modo, toda a regulamentação deveria incentivar a adoção de inovações tecnológicas em larga escala para o fim da eliminação, redução e/ou substituição dos ruídos, trocando-se as máquinas barulhentas por máquinas silenciosas. Precisamos avançar no design do ambiente regulatório de modo a promover o princípio da eficiência acústica, a ser inserido na proteção ao trabalhador em seu meio ambiente de trabalho. Necessitamos incentivar as inovações tecnológicas para a supressão dos ruídos e/ou redução. O atual sistema de insalubridade por ruído ocupacional foi desenhado há décadas. Ora, existe novas tecnologias capazes de neutralizar a emissão de ruídos das máquinas. Ao invés de termos de um sistema que somente é reativo à situação tóxica dos ruídos e foca na singela entrega de equipamentos de proteção individual, devemos ter um sistema que ataque a fonte do problema, qual seja: a eliminação e/ou redução dos ruídos.
Com estas inovações tecnológicas, poderemos até reduzir os custos das ineficiências das tecnologias mecânicas e a redução dos custos de fiscalização da insalubridade no meio ambiente de trabalho, a redução do pagamento de adicionais de insalubridade e a redução do pagamento de aposentadorias especiais. O Brasil ganhará e muito com a aplicação do princípio da eficiência acústica no ambiente de trabalho. E a indústria de máquinas deverá se atualizadas para adotar novos padrões acústicos no design de seus equipamentos. Por isto, deverá alocar investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos compatíveis com o princípio da eficiência acústica.
Resumindo-se: há diversos riscos associados à insalubridade sonora no meio ambiente do trabalho. Há riscos para os operadores dos equipamentos de jardinagem, bem como riscos de danos colaterais aos demais trabalhadores dos condomínios, bem como moradores, pedestres, entre outras pessoas próximas às fontes de ruídos. Há os riscos trabalhista, previdenciários e fiscais para os condomínios que contratam serviços de jardinagem que utilizam máquinas barulhentas, como sopradores, roçadeiras, podadeiras, cortadores de gramas, entre outros assemelhados. É importante que os condomínios práticas e sustentabilidade ambiental sonora para reduzir os riscos trabalhistas, previdenciários, fiscais e ambientais, bem como para reduzir os riscos à segurança no ambiente do trabalho.
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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito do Estado. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Propostas Regulatórias – Anti-Ruídos Urbanos, Amazon, 2022.
[1] Ver: Scorsim, Ericson. Propostas Regulatórias: Anti-Ruídos Urbanos, Amazon, 2022.
[2] Agradeço ao Professor Sandro Bittencourt, especialista em insalubridade, o aconselhamento sobre os aspectos trabalhistas, previdenciários e fiscais relacionados aos ruídos associados aos serviços de jardinagem e os riscos para empregadores e condomínios contratantes destes mesmos serviços.
[3] Ver, também, Súmula 289 do Tribunal Superior do Trabalho.
[4] Pedrotti, Irineu. Doenças profissionais ou do trabalho, LEUD, 2, São Paulo, 1988, p. 538.
[5] Reimbrecht, Elsa Fernanda e Domingues, Gabriele de Souza. A correlação entre tempo e níveis de exposição do agente ruído para caracterização da atividade especial, p. 910/911.
[6] Santos, Ubiratna de Paula e Santos, Marcos Paiva. Exposição a ruído: efeitos na saúde e como preveni-los, disponível na internet.
[7] Dissertação de mestrado disponível na internet.
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