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Disputa geopolítica entre Estados Unidos e China sobre padrões técnicos internacionais: 5G, 6G e internet das coisas

A internet foi criada a partir de um padrão de protocolos de internet (protocolo internet), com registros de nomes de domínios. Os Estados Unidos foi o país criador da internet, com incentivos de sua agência de pesquisa de defesa Defense Advance Research Project Agency (DARPA), qual originariamente desenvolvedora da ARPANET, uma rede de pesquisa compartilhada entre a academia e o exército norte-americano.  Também, a tecnologia de GPS (Global Positiong System) foi criada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos e, posteriormente, liberada para uso comercial. A internet e a tecnologia de 5G são tecnologias consideradas dual-use, isto é, tem aplicações civis e militares. Ademais, a tecnologia de 5G vale-se do uso do espectro de frequências; um bem essencial às operações dos serviços de telecomunicações móveis. O espectro de frequências de uso civil e militar, servindo nesta hipótese às operações de comunicações, comando e controle das forças armadas terrestres, marítimas e aeronáuticas. Por isto, há o aspecto de defesa nacional relacionada a estes temas de tecnologia.  Neste contexto, os Estados Unidos têm uma forte política de estado de controle de exportações de tecnologias dual-use.  E há, ainda, o contexto de guerras híbridas/cibernéticas, sendo utilizado o poder cibernético como arma cibernética em estratégias de influência da opinião pública e derrubada e/ou manutenção de governos e/ou alterações dos resultados eleitorais.  Por isto, os países devem melhorar seu sistema de defesa cibernética para se proteger contra operações de influência estrangeira, bem como a integridade do sistema eleitoral. Este modelo de internet está baseado em padrões de indexação por palavras e registro de nomes de domínio.  A entidade responsável pela gestão dos nomes de domínio é a ICANN, uma associação civil, sediada nos Estados Unidos. Há, também, o sistema de registro de domínios (Domain Name System). O grupo denominado Mutually Agreed Norms for Routing Security  (MANRS) define as normas de segurança no roteamento dos pacotes de dados. Trata-se de uma associação civil empresarial que estabelece as normas de “tráfego” de dados internet. O Google foi um dos pioneiros em desenvolver mecanismos de buscas na internet, a partir de algoritmos. A empresa é pioneira, portanto, em inteligência artificial. A título ilustrativo, a aquisição do produto se que tornou o Google Earth, decorreu de um projeto financiado pela In-Q-Tel, fundo de investimentos da CIA (Central Intelligency Agency).[1]  Todas as empresas que operam no ambiente da internet têm que seguir os protocolos internet. Por isso, cada usuário da internet tem suas máquinas conectadas à internet a partir de um registro de IP em seus computadores, notebooks, celulares. Este número identifica o usuário no acesso à internet. A legislação é que impõe esta identificação do usuário, vide Marco Civil da Internet.

No século 21, Estados Unidos e China disputam a liderança global. Neste contexto, surge a disputa entre os países pelos padrões internacionais associados à internet. A narrativa norte-americana advoga a internet aberta, interoperacional e neutra. Além disto, esta narrativa associa a internet à liberdade de expressão e privacidade. Acusa-se outros países de autoritarismo digital e práticas de vigilância cibernética. Portanto, os Estados Unidos querem uma internet universal, pois este modelo beneficia as empresas norte-americanas conhecida como Big Tech: Google, Facebook (WhatsApp e Instagram), Amazon, Apple, Twitter, entre outras. Os Estados Unidos temem que novos padrões internacionais possam causar a divisão da internet. Assim, se houver esta divisão, haverá um modelo norte-americano e outros modelos de internet baseados em padrões da China e Rússia.[2]  De outro lado, há a China com suas Big Techs: Alibaba, Tencent (Tik Tok), Baidou, Didi, entre outras.  A percepção dos Estados Unidos é de que a China ampliou sua participação e influência perante a União Internacional de Telecomunicações, enquanto que a representatividade e influência norte-americana diminuíram perante esta organização internacional.  Por isso, os Estados Unidos definiram como política de estado, estabelecida em lei, o fortalecimento norte-americano nas organizações internacionais que tratam de padrões técnicos, tais como: Organization for Standardization (ISO), International Electrotechnical Comission (IEC) e International Telecommunication Union (ITU).  Em jogo entre Estados Unidos e China, a definição de padrões para o 5G, 6G, internet das coisas, inteligência artificial, novo padrão para a internet, cidades inteligentes, entre outros. O objetivo geoestratégico dos Estados Unidos é a expansão de mercados para as exportações norte-americanas, o fortalecimento da qualidade dos padrões internacionais, contribuir para que empresas norte-americanas concorram no exterior, aumentar os benefícios para os produtores de manufatura promovam produtos universais ou testes de padrões técnicos, apoiar o objetivo de padrões globais.  No plano de ação norte-americano, recomenda-se a participação de empresas e organizações norte-americanas nos fóruns internacionais definidores de padrões técnicos, financiamento de empréstimos para facilitar a participação de empresas norte-americanas e organizações nos fóruns internacionais, informar as empresas norte-americanas e organizações a respeito da importância dos padrões internacionais para a competividade e segurança nacional e realização de alianças e parcerias com países estratégicos para o engajamento diplomático na participação nas organizações internacionais definidores de padrões técnicos.[3]  E, ainda, nos Estados Unidos há um projeto de lei sobre cyber diplomacy (Cyber Diplomacy Act of 201) para promover o engajamento diplomático com parceiros e aliados na questão dos padrões técnicos internacionais de tecnologias. Segundo a visão norte-americana, a China está liderando os padrões internacionais de 5G.[4] Os padrões de 5G baseados no Projeto de Parceria de Terceira Geração foram aprovados por entidade de telecomunicações da China, Europa, India, Japão, Coreia e Estados Unidos. A China teria uma influência significativa na aprovação do 5G, baseado no 3GPP, na medida que sozinha a Huawei conseguiu aprovar 23% de suas contribuições técnicas.[5] Menciona-se o fato de que a Huawei teria sugerido à União Internacional de Telecomunicações um novo padrão de internet, denominado “New IP”.  Atualmente, o padrão dominante é o padrão norte-americano, baseado em Hypertext Transfer Protocol (HTTP), Transport Layer Security (TLS) e Domain Name System (DNA), aprovado pela Internet Engineering Task Force (IETF). Há estudos chineses que advogam novos padrões: “Technologies for Network 2020”, diante da insuficiência dos padrões atuais. O Center Democracy & Technology sobre a proposta a ser debatida na Assembleia Geral da União Internacional de Telecomunicações menciona: “Arguments for New IP are centered around quality of service, security and topology-related limitations of the Transport Control Protocol/Internet Protocol (TCP/IP) stack that is the bedrock of the internet. Proponents have also proposed a variety of ideas for alternative technical standards that are allegedly better suited for new technologies (such as 5G, augmented reality, satellite communications, etc.) under the umbrella of New IP”. Prossegue o texto: “However, the New IP proposal attemps to disrupt the egalitarian, multistakeholder, and resilient model of maintaining core internet technologies in diverse Standards Developing Organizations (SDOs). New IP focuses on a multilateral approach that is far more rigid and fundamentally incompatible whith open nature of the internet, replacing it instead with a new top-down internet architecture”. Conclui: “future networks, specifically New IP, proposals must be carefully considered on two primary fronts: 1. Whether entirely new replacements are necessary for the tried and tested foundations of the current internet; 2. What major implications these new standards will have on civil, political and economic characteristics of the internet”. Como se nota, este documento apresenta uma visão críticas das propostas de mudanças dos padrões técnicos das tecnologias, especialmente em relação ao padrão da internet. Outro documento denominado NETWORK 2030: A Blueprint of technology, applications and market drivers towards the year 2030 and beyond, aborda o futuro das comunicações e suas respectivas aplicações. Há menções à realidade aumentada, holografia e suas aplicações na indústria (digital twin, control of real objects through digital replica), interactive telepresence (multi-site collaborations), medicine (3D Hologram imaging – 3D scans with floating view), personalized message delivery, entre outros.  Existem estudos sobre a precisão nas comunicações, com a redução do tempo de latência, bem como sobre as comunicações táteis.  Segundo o estudo, o futuro das redes de comunicações esta baseado em tecnologias avançadas que proporcionarão maior precisão na transmissão das informações.

Outro documento da União Internacional de Telecomunicações denominado Focus Group on Technologies for Network 2030 (New services and capabilities for network 2030: description, technical gap and performance. Targe analysis) menciona as redes de comunicações do futuro, com serviços de alta precisão (high-precision communications services (HPC). Aponta-se o potencial para comunicações multi-sensoriais, com realidade virtual e realidade aumentada. Cita-se como o exemplo a transmissão ao vivo do show de uma Orquestra, em projeções 3D de cada músico e seus instrumentos. Aplicações de internet tátil é outra expectativa para o futuro, é a denominada “haptic communications”. É o campo de referência para feedback corporal por meios cinestésicos referentes à gravidade que movimentam músculos, juntas e tendões. A internet tátil é um nicho para o setor de esportes, medicina e educação, entre outros. Outro aspecto no contexto da evolução industrial, é a gestão remota da indústria, mediante aplicações de realidade virtual, streaming por vídeo e comunicação holográfica. Assim, serviços de inspeção industrial de máquinas podem ser realizados à distância.

            Outro ponto que chamou a atenção foi o desenvolvimento do denominado código polar (polar code) pela Huawei, um novo padrão para o 5G. O inventor foi um cientista turco Erdan Arikan.[6] Seu feito extraordinário, a partir da teoria da informação, foi “duplicar” os canais de informação, de modo, a partir da gravação/memória dos ruídos, separar o ruído da transmissão sinal em canal “limpo”. Como se os resíduos/sujeiras/ruídos fossem eliminados na transmissão da informação. Por isso, a denominação código polar, em um dos pólos fica a informação limpa, em outro pólo ficam os ruídos.

                Em 2021, a China, através de seu Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação,  divulgou o “White Paper” denominado 6G Vision and Candidate Technologies sobre sua visão a respeito da tecnologia de sexta-geração (6G), a qual possibilitará a interconexão com conectividade inteligente e sensorial, permitindo experiências de imersão com realidade virtual, realidade aumentada, realidade mista e holografia. Há aplicações de 6G em áreas terrestres, marítimas e aeroespaciais, com aplicações em redes 3D, inclusive em comunicações por terahertz. Haverá ações de espelhamento de objetos físicos, a fim de serem construídos objetos virtuais (twins objects). Existe a expectativa de que a tecnologia 6G contribua com a sustentabilidade ambiental, com a conservação de energia.[7] 

            Outro plano estratégico da China é denominado Padrões 2035. O objetivo do País é fixar os padrões nacionais de tecnologias em 5G, 6G, IoT, mas também padrões na agricultura, indústria, entre outros.[8]  No plano estratégico há menção ao fortalecimento da cooperação internacional entre China, União Europeia, BRICS, ASEAN, Ásia, Estados Unidos e Reino Unido, Rússia, Arábia Saudita, quanto ao estabelecimento dos padrões técnicos.

            Os Estados Unidos se preocupam com o tema da internet das coisas e o risco de acesso não autorizado a dados pessoais e empresariais, especialmente pelo acesso pela China.  Com a internet das coisas são ampliados os riscos de ataques cibernéticos. Sobre o tema, ver: John Chen, Emily Walz, Brian Lafferty, Joe McReynolds, Kieran Green, Jonathan Ray e James Mulveon: China’s Internet of Things. Research report prepared on behald of the US-China Economic and Security Review Comission, October 2018, SOSI.

A questão dos padrões é um dos temas da disputa geopolítica. A título exemplificativo, houve a controvérsia sobre o Swift, um padrão de comunicação entre bancos, gerido por uma associação de instituições financeiras.  Os Estados Unidos fizeram pressão sobre o Swift, devido a supostas operações financeiras com o Irã, o qual era alvo de embargos econômicos. A França, Alemanha e outros países revolveram criar um novo modelo, para evitar estes riscos geopolíticos e geoeconômicos. Enfim, é a exploração da interdependência entre os países como armamento na guerra comercial.[9]

Em 2021, em resposta à guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos, a China aprovou a lei de contenção de sanções estrangeiras, denominada Anti-Foreign Sanctions Law. A China tem sido alvo de restrições no comércio exterior, especialmente com medidas de países em relação às exportações e importações chinesas.  O governo norte-americano tem uma lista de restrições aplicáveis às empresas chinesas em diversos setores; há o controle quanto ao acesso às tecnologias. Conforme esta lei, se qualquer país violar o direito internacional e os princípios básicos do direito internacional, conter ou suprimir interesses da China, justificando-se por diversos pretextos e suas próprias leis, e adota medidas discriminatórias e restritivas contra cidadãos chineses ou organização ou interfere nos assuntos internos da China, a China ficará legitimada para adotar contramedidas correspondentes. Os alvos das contra-medidas da China podem pessoas ou organizações. As contra-medidas podem ser: a recusa para outorgar e/ou invalidar vistos em passaportes, com o banimento da entrada na China e deportação, venda, apressão ou congelamento de ativos móveis e/ou imóveis ou outros tipos de propriedade na China, proibição ou restrição de organizações ou pessoas dentro do território da China quanto à condução de transações, cooperação e/ou outras atividades, outras medidas adicionais. As regras objetivam conter a aplicação injustificada da legislação estrangeira de modo extraterritorial (blocking rules). O Ministério de Comércio da China fica autorizado pela lei a impor ordens para não cumprir sanções extraterritoriais estrangeiras. Além disto, o Ministério do Comércio preparará a lista para o controle de exportações (Unreliable List).  A partir desta legislação chinesa, há, evidentemente, riscos geopolíticos e geoeconômicos para países exportadores para a China. Se houver o País aplicar qualquer sanção unilateralmente que implica em lesão ao interesse da China, poderá sofrer retaliação em suas exportações.

            O modelo de  internet, digamos tradicional dos anos 2000 até 2021, na forma conhecida até hoje, está baseada em pessoas, textos/palavras e imagens. Mas, a internet do futuro será diferente. É que a tendência é a configuração de uma internet baseada em objetos, daí o nome internet das coisas (internet of things). A internet das coisas é uma rede de comunicação máquina a máquina, baseadas em redes de sensores. Por isso, haverá até uma internet dos corpos (internet of body), isto é, sensores acoplados aos corpos de seres humanos e de animais  que transmitem diversos tipos de informações. A rede de internet das coisas para os serviços de agricultura de precisão, com sensores de temperatura, umidade, calor, saúde animal, etc. A internet das coisas aplicada à indústria com robôs que realizam atividades de manufatura. Internet das coisas na medicina interligando os pacientes (sensores de batimentos cardíacos, medição de pressão, oxigenação, sensores de queda, etc.), médicos, clínicas e hospitais. Há todo o potencial para internet das coisas no setor de vestuário, com a adoção de roupas “inteligentes”, com sensores acoplados aos tecidos.

Quanto às aplicações de 5G em cidades inteligentes há diversos usos como controle do trânsito, segurança pública, serviços ambientais, controle de redes de iluminação pública e energia, entre outros. Segundo o Conselho de Cidades Inteligentes, cidade inteligente é aquela que utiliza tecnologia de informações e comunicações para assegurar a habitabilidade, a empregabilidade e sustentabilidade.
Empregabilidade refere-se às cidades que fornecem infraestrutura de energia, conectividade, computação e serviços essenciais para competir globalmente por empregos altamente qualificados. Neste contexto, a conectividade por banda larga com rede de fibra ótica é crítica para a noção de cidades inteligentes. Cidades inteligentes são aquelas que entregam serviços mais eficientes para seus cidadãos, a um custo menor, com eficiência energética e menor poluição. Ver: Why 5G  in Latin America? A call to action for Latin American operators and policymakers, OMDIA e NOKIA, august, 2020, p. 31.32. Ver, também, www:smartcitiescouncil.com/article/about-us-global.

            Outro setor em disputa é o padrão de internet para carros (comunicação veicular), uma área cobiçada pelos grupos empresariais. A comunicação entre veículo depende um protocolo de segurança máximo, a fim de evitar riscos de acidentes. Por isso, o protocolo mais seguro tende a ser o vencedor nesta disputa E, ainda mais, no contexto da mudança do matriz energética dos veículos (carros elétricos), há a mudança dos padrões técnicos de comunicações veiculares.

Haverá internet das coisas em portos e aeroportos, para o controle da movimentação de cargas. Existirá a internet das coisas, uma rede de sensores para o monitoramento do meio ambiente, controle de incêndios, aquecimento climático, controle dos índices de secas, entre outros fatores. No setor ambiental, a internet das coisas permitirá o controle dos ruídos urbanos, mediante a criação e “mapas de ruídos urbanos”.  E, inclusive mapeamento de áreas de riscos à segurança pública, mediante a detecção de ruídos causados por tiros de armas de fogo.

No setor da construção civil, a internet das coisas possibilitará a construção de edifícios inteligentes. No âmbito da segurança pública, a internet das coisas serve mediante o monitoramento por videocâmaras que são espalhadas pelas cidades. No segmento de cidades inteligentes, a internet das coisas permitirá  o controle do urbanismo, trânsito, segurança, iluminação pública, entre outras. Há segmento de controle de poluição ambiental, bem como o controle de ruídos urbanos.

A União Internacional de Telecomunicações está estudando como regulamentar a internet das coisas em escala global. Este órgão internacional definirá os padrões de inteligência artificial, 5G e 6G, smart cities, segurança cibernética, E, ainda, neste novo contexto, há a entidade privada denominada DONA, a qual pesquisa e propõe padrões para Digital Object Architecture  para a identificação dos objetos digitais (digital twins), a qual servirá de base para novas aplicações de internet baseadas em realidade virtual, realidade aumentada e holografia.  O padrão estudado é denominado DOA (Digital Object Architecture), desenvolvido pelo cientista norte-americano Bob Kahn.[10]

Resumindo-se: os padrões da internet na forma como definidos em suas origens, terão que ser atualizados na próxima década devido à nova dinâmica  e demandas representadas pelas tecnologias de computação em nuvem (cloud), computação na borda (edge), inteligência artificial, realidade aumentada, realidade virtual, entre outras. E tudo isto no contexto da necessidade de maior segurança cibernética, para prevenir crimes e ataques cibernéticos.

Recapitulando, como referido, Estados Unidos e China disputam a liderança global. Há a disputa pela fixação dos padrões técnicos internacionais, em diversas áreas, desde o 5G, inteligência artificial, internet das coisas, reconhecimento facial, cidades inteligentes, entre outras.[11] Os Estados Unidos buscam ampliar sua participação nas organizações internacionais responsáveis pela fixação dos padrões técnicos mundiais, dentre elas: a União Internacional de Telecomunicações, Organização Internacional de Padrões (ISSO), Associação Internacional Eletrotécnica, entre outras. A American Nacional Standards Institute (ANSI) é agência responsável pela fixação dos padrões técnicos das tecnologias. Há a estratégia em relação aos padrões (United States Standards Strategy).  Quer-se a cooperação internacional na estipulação dos padrões técnicos, bem como o consenso voluntário na aceitação destes padrões.  Há, como mencionado,  o projeto de lei denominado Cyber Diplomacy, cujo objetivo é promover o engajamento diplomático na participação da indústria, academia e setor privado, em entidades internacionais definidoras de padrões técnicos internacionais.

Nos Estados Unidos, há estudos de políticas de incentivos à participação de pequenas empresas nos fóruns internacionais de fixação de padrões técnicos. Há, em verdade, projeto de lei, denominado Leadership in Global Tech Standards Act of 2021, para incentivar a ampliação da representatividade empresarial nos fóruns internacionais. Esta disputa, obviamente, afeta todos os demais países.

A União Europeia está buscando um caminho do meio no contexto da disputa geopolítica entre Estados Unidos e China. De um lado, a Europa busca conter a influência norte-americana e a dependência de tecnologia norte-americana.[12] De outro lado, a Europa procurar realizar parcerias com a China, de modo a promover a abertura do mercado chinês à tecnologia europeia.[13]  Sobre o tema, consultar a proposta de decisão do Parlamento e Conselho da União Europeia da política para 2030 denominada Caminho para a Década Digital, também denominado bússola digital.[14] E a União Europeia tem como política o fortalecimento de sua autonomia estratégica em tecnologia.[15] Também, há a sua visão estratégica para o fortalecimento de sua capacidade e liberdade de ação.[16] Além disto, a União Europeia projeta a atração de investimento em indústria de semicondutores, mediante a aprovação de um projeto “Chips Act”. E mais, a União Europeia e os Estados Unidos estabelecer o diálogo em comércio e tecnologia, através do EU-US Trade and Technology Council.

Por isso, é importante que o Brasil defina melhor a sua posição geoestratégica perante as organizações multilaterais relacionadas à fixação de padrões técnicos internacionais; bem como a harmonização dos padrões brasileiros com os padrões internacionais, é um tema que afeta a sua economia, a sua sociedade e sua soberania.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil, Amazon, 2020.


[1] A empresa da Alemanha Art + COM, com sede em Berlim,  desenvolveu o produto Terra Vision, à época financiado pela Deustche Telecom. Segundo a empresa alemã, houve a quebra de sua patente pelo Google, o qual teria desenvolvido o Google Earth a partir do protótipo da Terra Vision, a partir de informações repassadas por outra empresa Sillicon Graphics. O filme Batalha Bilionária: o caso Google Earth, está disponível para streaming no Netflix, narra esta história.

[2] Hoffmann, Stacie, Lazanski, Dominique. Taylor, Emily. Standardising the splinternet: how China’s technical standars could fragment the internet. Journal of Cyber Policy, Routledge, vol. 5, n. 2-239-264, 2020.

[3] The Day One Project. Strengthening U.S Engagement in International Standards Bodies, por Natalie Thompson e Mark Montgomery, June 2011.

[4] Ver: Ogasawara, Mamoru. Standardization Trend of the Communications Fiel in China. Global Standardization Activities, NTT Technical Review. Ver: Seaman, John. China and Technical Standardization. IFRI.  Consultar, também: Bruyère e Picarsic, China standards 2035. Beijing’s platform geopolitics and standardization work in 2020. China Standards Series. Horizon Advisory, April 2020.

[5] Thompson, Natalie. E Montgomery. Day one project. Strengthening U.S Engagement in international standards bodies, June 2021.

[6] Levy, Steven. Huawei, 5G, and the Man who conquered Noise. Wired, 11/16/2020.

[7] White Paper on 6G Vision and Candidate Technologies. IMT-2020 (6G) Promotion Group, june 2021.

[8] Koty, Alexander Chipaman. What is the China Standards 2035 Plan and how will it impact emerging industries. China Briefing. Ver, também, Notice of Standardisation Administration of China on releasing ‘main points of national standardization work in 2020”. Consultar, também: Hainam, Wang, Liheng, Wan, entre outros. Development Strategy of Emerging Industries (2035), Strategic Study of CAE, vol. 22.  E, Key Points of National Standardization Work in 2020.  

[9] Ver: Farrel, Heny e Newman, Abraham. Weaponized Interdependence. How global economic network shape state coercion. International Security, vol. 44, p. 42-79. Ver: Scorsim, Ericson. Geopolitical game between United States and China on 5G technology: impact in Brazil, 2021, Amazon.

[10] Standardising the splinternet: how China’s technical standars could fragment the internet, obra citada. Ver: www.dona.net.

[11] Sobre o tema de smart cities, ver: Ekman, Alice. China’s smart cities. The new geopolitical battleground, December 2019, French Institute of International Relations – IFRI. Aqui, menciona-se o papel da Huawei em programas de cidades de inteligentes ao redor do mundo, especialmente no contexto do Belt and Road Digital, um programa da China para interconexão entre países da Ásia, África, Europa e Américas.

[12] Ver: Ruhlig, Tim Nicholas. Technical standardization, China and the future international order. A European perspectic. Brussels, Henrich Boll Stiftung.

[13] Ian Anthony, Jiayi Zhou, Jingdong Yuan, Fei Su, and Jinyung Kim, China-EU conectitivy in na era of geopolitical competition. Stockholm International Peace Research Institute. Policy Paper 59, March, 2021.

[14] Proposal for a decision of the europena parliament and the council establishing the 2030 policy programme ‘path to the digital decade”, Brussels, 15.9.2021.

[15] European Comission, Shaping & securing. The EU’s open strategic autonomy, by 2040 and beyond.

[16] European Comission. Communication from the comission to the European parliament and the council. 2021 strategic foresight report. The EU’s capacity and freedom act. Brussels, 8.9.2021.

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Por uma nova política urbana e ambiental para a contenção de ruídos em condomínios. Defesa de melhores padrões de eficiência acústica em equipamentos, serviços e máquinas, contratados por condomínios. Oportunidades de monitoramento ambiental para a contenção de ruídos urbanos com as tecnologias em redes de telecomunicações 5G, IoT e cidades inteligentes

“Um dia a humanidade precisará lutar contra a poluição sonora com a mesma determinação que luta contra a peste ou a cólera” _ Robert Koch – Prêmio Nobel de Medicina

A pandemia obrigou muitas empresas a adaptarem seu modelo de funcionamento, para o regime de home office. Esta modalidade de trabalho remoto foi possibilitada devido à internet, um serviço essencial para todos. Com as pessoas trabalhando em casa tornou-se mais perceptível os ruídos urbanos, especialmente aqueles provocados por condomínios e serviços contratados. Estes ruídos, além de causarem desconforto acústico, perturbam inclusive as comunicações, prejudicando a realização de videoconferências, reuniões, entrevistas, audiências, ligações telefônicas, entre outras atividades.

Estudos mostram o impacto dos ruídos e perturbação no sono de bebês. Estes ruídos perturbam a produtividade no trabalho. Aqui, devem ficar registradas algumas premissas. Os ruídos são tóxicos ao meio ambiente humano e, portanto, à vida e à saúde humana e ao bem-estar. Os ruídos ofendem, portanto, o direito à qualidade de vida, direito ao trabalho, o direito ao descanso, o direito ao bem estar, o direito à saúde, o direito à paz, o direito à privacidade, o direito à intimidade, o direito à segurança ambiental. Ruídos invadem quartos (perturbando o sono), o escritório (causando danos à produtividade), sala de estar (incomodando o sossego), entre outras áreas de um apartamento. No Brasil, temos mais de 10 (dez) milhões de pessoas com surdez, um número alarmante e demonstrativo a epidemia de perda auditiva em nosso País. Ora, um dos princípios basilares do direito ambiental é o princípio da prevenção dos danos ambientais. Ruídos são tóxicos, intoxicam a mente e corpo das pessoas. Ruídos são agentes ofensores, invasores e nocivos. Representam a invasão de domicílio, invasão de privacidade e à intimidade. Ruídos são violência, agressão à experiência de vida do outro, do vizinho. É uma espécie de abuso e/tortura psicológica.

Não há paz no ambiente doméstico e/ou no ambiente de trabalho com ruídos. Imagine-se a situação de um morador em tratamento de saúde, em sua casa, tendo que aguentar os ruídos? Como o paciente melhorará sua situação em condições adversas? Ruídos são sintomas de subdesenvolvimento das cidades, dos condomínios e prestadores de serviços. Representam desrespeito e falta de educação. A audição é uma faculdade da sensibilidade. Por isso, os ruídos afetam a experiência do sentir, a experiência da vida que vão desde o desconforto acústico até o desconforto psicológico e fisiológico. É a opressão acústica sistematizada. Por isto, não é admissível que a patologia como o ruído seja normalizada. É uma falha dos condomínios e dos prestadores de serviço. Falhas acústicas em equipamentos e serviços precisam ser corrigidas. É uma violência, por isto, em casos-limite há o crime de poluição sonora; trata-se, portanto, também de questão de segurança pública. Estes danos ambientais são propagados em larga escala. Ruídos são agentes ofensores ao direito à vida, à qualidade de vida, ao bem-estar, ao descanso, ao trabalho, direito ao silêncio e à privacidade. Ruídos invasores da propriedade privada.

Ora, é fundamental o respeito ao espaço público e privado, referente ao espaço acústico. O espaço acústico é bem ambiental, um bem comum à disposição de todos. Por isto, se toda pessoa revolver fazer ruído intenso, na prática, todos teremos perda auditiva. Na questão do lixo, há esta percepção ambiental, afinal se todos resolverem jogar lixo na rua teremos uma cidade suja. Por que não há esta percepção dos ruídos como sujeira e toxicidade ambiental?

Também, na questão da poluição do ar, as pessoas percebem que o ar contaminado é causa de doenças respiratórias. Igualmente, com as mudanças climáticas, as pessoas começam a perceber os riscos à vida e à saúde. Por quê falta consciência ambiental acústica quanto à percepção da realidade. Além disto, os ruídos perturbam as aves, causando desorientação quanto ao seu território. Afetam, portanto, a geolocalização das mesmas. Ruídos impactam os animais, como cachorros, gatos, entre outros bichos.

Sobre o tema, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou em 2021 o Relatório Global sobre Audição, apontando os riscos de perda auditiva com ruídos ocupacionais e ruídos ambientais, bem como alertando para a necessidade de mitigação destes ruídos em prol da saúde humana e a medidas para o engajamento comunitário em defesa da audição.[1] Também, a Organização das Nações Unidas divulgou as metas globais, dentre elas: a sustentabilidade das cidades, o que inclui a sustentabilidade ambiental e, por consequência, a sustentabilidade acústica.

Tecnologias verdes são aquelas que simbolizam o compromisso com o meio ambiente. Estes danos ambientais acústicos têm impacto psicoacústico e bioacústico. Em outro estudo robusto, da National Academy of Engineering dos Estados Unidos, denominada Technology for a Quieter America, há uma série de medidas para a mitigação dos riscos e as advertências sobre os riscos de danos à saúde.[2]

Vamos imaginar a seguinte situação: Um casal mora em um determinado condomínio. Neste condomínio há serviços de jardinagem semanais com equipamentos barulhentos. No edifício vizinho em sua lateral direta, também, há serviços de jardinagens semanais com equipamentos ruidosos. No terceiro condomínio, no condomínio vizinho da frente há serviços de jardinagem semanais, com equipamentos ruidosos. E mais, visualize um outro condomínio à sua margem esquerda que utilize serviços de jardinagem com sopradores de folhas. Além disto, vamos imaginar que em todos os condomínios existe alguma espécie de obra de reparo e/ou construção civil com a utilização de serras, martelos, furadeiras entre outros equipamentos elétricos/mecânicos. Há, portanto, em cada condomínio o risco de potencial dano ambiental acústico, o qual gera demandas urgentes para programas anti-ruídos, inclusive campanhas de educação ambiental e sonora. Além disto, há o “vazamento” destes ruídos produzidos dentro das unidades dos condomínios para os vizinhos.  E mais, há casos de prestadores de serviços de jardinagem que atuam de má-fé, fingem que estão trabalhando, mas não estão, apenas deixam os equipamentos ligados para dar a impressão que estão executando os serviços.

É fundamental programas ambientais para estabelecer a efetividade do princípio da eficiência acústica nos condomínios, com regras de governança, sustentabilidade ambiental e compliance ambiental no tema da contenção dos ruídos.   Em casos-limites há o risco de perda da audição.[3] Os ruídos representam o abuso e o desrespeito para com os outros, especialmente os vizinhos. Ruídos são uma patologia urbana a ser corrigida por políticas públicas em favor da eficiência acústica de equipamentos, serviços e produtos. Ruídos não podem ser encarados como uma normalidade, ao contrário, é uma patologia e anomalia símbolo da degradação ambiental.  O meio ambiente do trabalho deve ser alvo de proteção acústica, dentro de casa e fora de casa. Ou seja, os trabalhadores devem ser protegidos contra os ruídos em seu ambiente de trabalho. Neste aspecto, o nível de proteção de conforto acústico deve ser o máximo possível, conforme o atual estado da técnica e tecnologias.

Os condomínios não podem se omitir quanto à sua responsabilidade da proteção acústica dos condôminos. O Condomínio (leia-se Síndico) recebe um mandato para cuidar e proteger os moradores e proprietários. Há, portanto, o dever de cuidado (duty of care) e o dever de proteção (duty of protection) do Condomínio em relação ao bem-estar e saúde dos moradores. Por isto, em casos-limite se o síndico não adotar regras de compliance ambiental acústica, em defesa da saúde dos moradores, dever ser aberto um procedimento para sua destituição. Deste modo, é necessário o regime de plena accountability do condomínio quanto ao bem estar e saúde dos moradores, banindo-se serviços e equipamentos ineficientes do ponto de vista acústico. Aliás, serviços e equipamentos ruidosos podem ensejar a responsabilidade do condomínio pela perda capacitiva dos trabalhadores que prestam serviços, bem como indenizações previdenciárias pelas condições insalubres que geram ruídos ocupacionais.

Os ruídos podem inclusive implicar em desvalorização de imóveis em determinada região. Há, portanto, risco econômico para investidores, empreendedores e proprietários. Ruídos são derivados de diversas fontes: máquinas em obras construção, serviços de reparos, martelos, serras, serviços de jardinagem (corte de grama, corte de galhos, sopradores de folhas) dentre outros. São necessárias medidas mais intensas de responsabilização do agente poluidor acústico, inclusive obrigando-se o pagamento de compensações ambientais.  

Neste aspecto, o poder de polícia administrativa municipal deve atuar de modo eficiente, a fim de conter os ruídos urbanos indoors e outdoors. No entanto, as prefeituras têm se omitido quanto à atualização de suas legislações, bem como a fiscalização ambiental. O poder público municipal atua de modo reativo e episódio, ao invés de manter uma política ambiental sonora preventiva. Deve haver, ainda, a diferenciação entre meio ambiente  humano, naturais e artificiais, no design das políticas públicas. O meio ambiente humano deve ser hierarquicamente superior ao das máquinas. Neste aspecto, a humanidade deve ser priorizada, ao invés das máquinas ruidosas. Deve-se diferenciarentre máquinas, tecnologias e serviços silenciosos daqueles ruidosos. O poder público não pode legitimar práticas abusivas acústicas. O poder público deve agir em prol cidadania ambiental e não a serviços da indústria poluidora. Neste aspecto, é importante a definição de padrões técnicos melhores para a eficiência acústica de equipamentos, tecnologias e serviços.  

Este tema dos ruídos urbanos deve ser analisado no contexto de cidades inteligentes, cidades resilientes e cidades sustentáveis. Sobre o tema, ver a Carta Brasileira Cidades Inteligentes do governo federal, o qual descreve o cenário das cidades conectadas, a infraestrutura urbana digital, a necessidade de programas de sustentabilidade ambiental, bem como o potencial de novas tecnologias para a gestão urbana.[4] Aqui, um dos objetivos fundamentais é mostrar a importância do silêncio para a qualidade de vida humana. Sobre o tema, ver Erling Kagge: O silêncio na era do ruído. Rio de Janeiro, Objetiva, 2017.R. Murray, em sua obra A afinação do mundo, analisa a história das mudanças das paisagens sonoras nas cidades, aonde destaca a degradação ambiental causada pelos ruídos urbanos.[5] James Hillman, em seu livro A cidade e alma descreve o impacto dos ruídos urbanos sobre a alma dos cidadãos.[6] Para R. Murray Schafer, em Vozes da tirania, templos de silêncio, ao analisar os ruídos causados por equipamentos de jardinagem, menciona: “Eu poderia mencionar de passagem que não há razão para uma sociedade chamar a si mesma de ‘avançada” se ela se recusa a silenciar o cortador de grama desde que este começou a ser usado, nos anos 1950”.[7] Neste mesmo livro, o autor destaca a importância do ambientalismo responsivo com o engajamento dos cidadãos em questões ambientais.

Cada ambiente é comum, razão pela qual é necessário todo o cuidado quanto às decisões ambientais e os programas ambientais.  Alain Corbin, em a História do Silêncio. Do renascimento aos nossos dias, sobre as mudanças nas paisagens sonoras, e os ruídos como exemplo típico de degradação ambiental. Ora, os ruídos urbanos não são compatíveis com as cidades sustentáveis e saudáveis!  A definição dos crimes ambientais é uma resposta da sociedade em proteção aos bens ambientais.

A Organização Mundial da Saúde tem diretrizes sobre ruídos ambientais para a União Europeia, a metas a serem atendidas pelos países europeus ano a ano. Há a demonstração dos riscos de doenças cardiovasculares, perturbação do sono, saúde mental, impacto no metabolismo, impacto na audição, entre outros danos colaterais dos ruídos urbanos. Sobre o tema dos ruídos, a Organização Mundial da Saúde estabelece requisitos em proteção à saúde, com medidas de contenção dos ruídos. Ver: Biological Mechanisms related to cardiovascular and metabolic effects by environmental noise, World Health Organization.

Em artigo escrito para a Folha de São Paulo, de 4 de agosto de 2021,  o médico gerontólogo Alexandre Kalache, denominado Poluição Sonora afeta nossa chance de envelhecer bem”, destaca os danos à saúde causados pela poluição sonora nas cidades.  Ainda mais em regime de home office, os ruídos afetam a produtividade e o bem estar dos moradores. Os condomínios utilizam em serviços de jardinagem equipamentos ruidosos, geralmente em serviços de corte de grama e aspiração de folhas. Igualmente, as prefeituras municipais realizam serviços de jardinagem, mediante a utilização de cortadores de grama e aspiração de folhas que produzem intensos barulhos. A Agência Ambiental Europeia (European Environment Agency) publicou o relatório Ruído Ambiental na Europa 2020 (Environmental noise in Europe), apontando o impacto dos ruídos na saúde pública, na biodiversidade, bem como propondo a designação de áreas de silêncio e medidas de mitigação dos ruídos. Na União Europeia há ainda o programa eurocities, o qual, entre outros programas, há políticas ambientais para a redução de ruídos, com métricas para o monitoramento nas cidades.[8] Há os programas cidades verdes, o qual inclui o programa de anti-ruídos. Há, também, a regulamentação dos ruídos de motocicletas. Segundo o Conselho de Cidades Inteligentes, cidade inteligente é aquela que utiliza tecnologia de informações e comunicações para assegurar a habitabilidade, a empregabilidade e sustentabilidade. Empregabilidade refere-se às cidades que fornecem infraestrutura de energia, conectividade, computação e serviços essenciais para competir globalmente por empregos altamente qualificados. Neste contexto, a conectividade por banda larga com rede de fibra ótica é crítica para a noção de cidades inteligentes. Cidades inteligentes são aquelas que entregam serviços mais eficientes para seus cidadãos, a um custo menor, com eficiência energética e menor poluição.[9] 

A partir deste contexto, é que precisa ser efetivada uma política ambiental de proteção acústica, considerando-se o cenário de cidades inteligentes e condomínios inteligentes, isto é, aquelas que utilizam tecnologias eficientes e que não contribuem com a política ambiental e o desperdício de energia. A União Europeia aprovou, recentemente, suas diretrizes sobre o princípio da eficiência energética com impacto significativo na economia dos países europeus, com métricas para o controle de poluição ambiental e reeducação do consumo de energiaPor isto, tecnologias como 5G e, sucessivamente, 6G poderão contribuir e muito para a eficiência acústica. Estas novas tecnologias poderão contribuir com a eficiência acústica das cidades, mediante redes de sensores de ruídos urbanos. Redes de sensores baseadas em internet das coisas (IoT) poderão monitorar em tempo real os ruídos urbanos. Inovações podem contribuir com tecnologias silenciosas, com a adoção de selos de eficiência acústica em larga escala. Estes sensores podem ser acoplados em postes de energia elétrica, em muros dos condomínios, entre outros lugares, para realizar o monitoramento ambiental acústico. Além disto, há o potencial para o desenvolvimento de aplicativos, com técnicas de geolocalização, para a coleta de dados a fim de criar mapas de ruídos urbanos. Neste aspecto, os cidadãos poderão ser engajados no design de aplicativos de monitoramento dos ruídos em tempo real dos condomínios.

Há o  potencial para o desenvolvimento de um ecossistema digital com startups voltadas à apresentação de soluções para a proteção ambiental e serviços de sensoriamento ambiental. A título ilustrativo, a empresa sueca Ericcson em parceria com a Organização das Nações Unidas tem programas para aplicações de 5G em projetos de realidade mista, com a participação de cidadãos no design de novos espaços públicos e que contribuem novas políticas urbanas.[10] Neste contexto, precisamos de  políticas públicas de contenção de ruídos voltadas à disseminação de cidades inteligentes e sustentáveis e de condomínios inteligentes, diferenciando-se os condomínios não-inteligentes.  Neste contexto, a política ambiental poderá incentivar a criação de prêmios para os condomínios com práticas de compliance acústica. A adoção de um programa de reeducação ambiental de contenção dos ruídos em condomínios.  Assim, poderiam seriam classificados dos condomínios silenciosos e os condomínios não silenciosos.

A sustentabilidade econômica e ambiental deverá estar alinhada às novas políticas públicas. Por isto, o Brasil deve se capacitar para se adequar às novas tendências globais de sustentabilidade ambiental. A título de referência sobre política ambiental acústica, o Distrito Sul da Califórnia (South Coast Air Quality Management District) estabeleceu um programa de substituição de equipamentos ruidosos de jardinagem (sopradores de folhas e cortadores de gramas) por equipamentos silenciosos. Há incentivos monetários para que os cidadãos façam esta substituição.  E, ainda, no Estado da Califórnia diversas cidades promulgaram leis proibindo os sopradores de folhas. Sobre isto, consultar: www.aqmd.gov/home/programs/community. Richard Louv, em sua obra O princípio da natureza. Reconectando-se ao meio ambiental na era digital, São Paulo: Cultrix, 2014, explica:

No passado, o ruído era como as condições atmosféricas. Todos reclamavam delas, mas ninguém fazia muita coisa a respeito. Isto está mudando. Grupos anti-ruído estão atualmente exigindo a aplicação de novos regulamentos e novas tecnologias. Algumas cidades baniram o soprador de folhas, com permissões basicamente restritas a bairros residenciais e, mesmo assim, quando funcionam com motores a gás. A aplicação dessas normas, porém, é bastante irregular. Uma abordagem adicional, e provavelmente mais eficaz, é pensar em termos numéricos. O típico soprador de folhas a gás dura cerca de sete anos. Em um projeto pouco consistente no sul da Califórnia, o Distrito para o Controle da Qualidade do Ar da Costa Sul (South Coast Air Quality Managment District) lançou o primeiro programa de incentivo público estadual para substituir os sopradores de folhas barulhentos e malcheirosos por outros, mais silenciosos e limpos. Os antigos foram mandados para um centro de reciclagem. Outro programa oferecia aos moradores uma boa mudança; trocar seus velhos cortadores de grama a gasolina por novos cortadores elétricos”. E prossegue o autor: “Para os próximos anos, há uma oportunidade imensa de mudar drasticamente a paisagem acústica de nossos bairros mediante a reformulação do mercado de ferramentas para gramados e jardins”, afirma uma organização sem fins lucrativos intitulada Centro de Informações sobre Poluição Sonora. Em breve estará no mercado, a preços acessíveis, um novo modelo de cortador de grama com motor híbrido, movido a gasolina e eletricidade.

                        O autor ainda continua:

Se todos os moradores da vizinhança cortassem sua grama ao mesmo tempo com um cortador elétrico silencioso, provavelmente haveria mais silêncio do que se uma única pessoa estivesse usando um típico cortador de grama a gasolina”, afirma a organização acima mencionada. Do mesmo modo, o ruído do tráfego poderia ser reduzido com o uso de carros com motor híbrido, o que representaria a primeira diminuição significativa do ruído em carros em décadas.[11] O autor aponta a possível solução para o problema dos ruídos em serviços de jardinagem, a adoção de uma solução tradicional: a varrição de folhas com silenciosas vassouras e o corte de grama com silenciosas tesouras. 

R. Murray Schafer, em Vozes da tirania. Templos do silêncio, apresenta a visão crítica a respeito dos sopradores de folhas:

Um instrumento profissional que os jardineiros possuem, e que ainda não chegou ao arsenal privado, é o soprador de folhas. Os sopradores de folhas estão entre as invenções mais idosas da civilização moderna. É questionável se eles limpam folhas e grama melhor que um ancinho; é certo que eles estão destruindo os ouvidos de seus operadores. Somente uma sociedade tosca permitiria a si mesma ser acordada a cada manhã; sem um murmúrio de protesto, por ruídos tão inorgânicos como esses. Foi-se a cuidadosa modelagem da vegetação, que uma vez marcou a arte da jardinagem”.[12]

Aproveitando-se das palavras do autor, este ruídos em serviços de jardinagem são o sintoma da obsessão; algo que poderia ser o contrário, deixar a vegetação seguir o livre curso de crescimento, bem como deixar que as folhas naturalmente fiquem no chão, adubando inclusive o solo.

Como se vê, há boas soluções urbanas em favor da contenção da poluição acústica nas cidades. No contexto de cidades inteligentes, cidades sustentáveis e cidades resilientes, é fundamental a contenção dos ruídos em equipamentos de jardinagem em prol da qualidade de vida, bem estar, saúde pública e sustentabilidade ambiental. Por isso, a necessidade de medidas de efetivação do controle dos ruídos urbanos, com regras de governança e compliance ambiental no aspecto acústico das empresas fabricantes, fornecedoras e revendedores de equipamentos de jardinagem.  Também, é necessária a responsabilização de fornecedores de equipamentos e prestadores de serviços no aspecto ambiental. A medida mais adequada é a exigência de “selos de eficiência acústica” em relação aos equipamentos de jardinagem. E, também, a exigência dos condomínios de “selos” de compliance ambiental acústica”, com procedimentos de certificações adequados.  No contexto da pandemia, decorrente da pandemia do coronavírus, os legisladores federal, estadual e municipal editaram uma série de leis, decretos e atos administrativos, com impacto sobre fornecedores de serviços e condomínios. A fim de proteger a saúde pública, o poder legislativo e o poder executivo regulamentaram uma série de atividades econômicas e, também, os condomínios. O poder de polícia administrativa no aspecto da vigilância sanitária para o controle epidemiológica foi exercido em diversas cidades. Se há o exercício do poder de polícia federal, estadual e municipal em prol da saúde pública no aspecto  da pandemia, por que não se estender este poder de polícia para a proteção da saúde pública no aspecto do controle dos ruídos? Ora, no âmbito das cidades, já existem tecnologias abundantes que se valem de visão computacional, para a vigilância via computação acústica para as cidades, empresas e condomínios. Também, existem tecnologias de controle de velocidade de veículos, no aspecto trânsito urbano. Ora, se há o poder de polícia sobre a velocidade dos veículos por que não há efetiva fiscalização dos ruídos dos veículos? Daí a pergunta: o porquê não se adotar tecnologia em larga escala com audição computacional, para monitoramento do nível de ruídos urbanos?

As empresas de telecomunicações, atualmente, no contexto da pandemia, produzem “mapas de calor” para monitorar a circulação de pessoas nas cidades.  Também, os smartphones são capazes de realizar “escutas ambientais”, com gravações dos ruídos urbanos. Resumindo-se o problema da contenção dos ruídos não é uma questão tecnológica, pois há tecnologias abundantes, é mais uma questão de vontade política na adoção de políticas públicas de eficiência acústica nas cidades e condomínios, e programas de reeducação ambiental no plano acústico. O Brasil não conta com legislação atualizada de defesa da saúde, do trabalho, do meio ambiente e do bem-estar, para a contenção dos ruídos urbanos. Uma exceção à regra, é o Município de São Paulo que aprovou novo decreto de contenção de ruídos em obras de construção civil. O Decreto municipal n. 60.581, de 28 de setembro de 2021, estabelece os parâmetros para a contenção dos ruídos em obras de construção civil. É um avanço, porém pequeno.

Com todas as tecnologias anti-ruídos existentes os padrões de eficiência acústica deveriam ser melhores, reduzindo-se ainda mais o nível de ruídos urbanos. Também, de lege ferenda, a legislação deveria incentivar a adoção de padrões acústicos nos edifícios. Afinal, a arquitetura e os materiais utilizados têm forte influência no padrão de conforto acústico. Segundo o urbanista Richard Sennett, em sua obra Construir e Habitar. Ética para uma cidade aberta:Porosidade sonora – Os sons de uma cidade podem parecer porosos no mau sentido. O som invasivo do tráfego muitas vezes inimigo do sono; na minha idade, o ensurdecedor barulho dos restaurantes pode acabar com a ideia de siar de casa. Se o silêncio é um amigo, divisas sonoras pareceriam melhor ideia que fronteiras sonoras no ambiente construído”. Prossegue o autor: “Boa ou má, a porosidade sonora pode ser especificada com precisão. A experiência sonora numa cidade é moldada por dois fatores: intensidade e inteligibilidade. Intensidade, em certa medida, é pura e simplesmente volume: o som dos passos de hum homem de altura e peso médicos ficam em torno de 28-30 decibéis a uma distância de 20 metros numa rua silenciosa à noite, ao que passo que uma banda de rock tocando ao ar livre emite pelo menos 115 decibéis. Mas também é uma questão de frequências: se houver mais que quatro projeções de determinado som por segundo, ouvido vai registrá-las como um som contínuo. O zumbido elétrico constitui esse tipo de ‘som plano” no jargão acústico; o ruído constante do tráfego é outro exemplo. Por outro lado, o estampido de uma espingarda é um ‘som de impacto, assim como o som repentino de uma motocicleta roncando no tráfego. Esses sons são distintos, identificáveis, inteligíveis”. Continua o autor: “Na concepção de um ambiente sônico, o objetivo é diminuir a intensidade do som plano a 35 decibéis, mantendo o som de impacto num nível em torno de 45 decibéis, para que o ruído chegue a nós sem ser devastador. É a boa porosidade, pois os sons são distintos e inteligíveis mas não assoberbantes”.[13]

No Brasil, há Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, o qual aprovou o Estatuto da Cidade, com as diretrizes da política urbana. A lei refere-se garantia do direito a cidades sustentáveis e medidas de proteção contra poluição e degradação ambiental. Além disto, refere-se a estudos de impacto na vizinhança em empreendimentos imobiliários.  Ademais, há a referência à garantia de condições de conforto nas dependências internas das edificações urbanas. Sugiro que que a legislação seja alterada a fim de contemplar a proteção contra a poluição acústica, inclusive com a exigência de estudos de impacto acústico na vizinhança decorrentes de empreendimentos imobiliários e obras de construção civil. Também, a garantia de condições de conforto acústico em edificações urbanas, com padrões de eficiência acústica.

Além disto, proponho a modificação no Código Civil e Lei dos Condomínios, de modo a instituir, regras de governança e  compliance ambiental/acústica, de modo a se prestigiar o princípio da eficiência acústica nos condomínios. Por isso, toda Convenção de Condomínio deverá ser modificada para incluir padrões de eficácia acústica, em obras de reparos, utilização de equipamentos, contratação de serviços. Outra sugestão é a adoção de padrões de audiometria nos condomínios, com a elaboração de mapas acústicos. Neste aspecto, a medida serve para diminuir riscos de condenações por condomínios em ações de violações às normas de segurança do trabalho, especialmente devido às condições de insalubridade acústica.  No aspecto da segurança do trabalho, sugere-se, aqui, a atualização das normas técnicas de modo a conter os ruídos ocupacionais dentro dos condomínios e na propriedade adjacente aos condomínios, adotando-se tecnologias mais silenciosas e técnicas para o monitoramento ambiental e audiometria dos ruídos funcionais.  

Os Estados Unidos contam uma denominada Quiet Communities  Act of 1978, o qual contêm diretrizes para programas ambientais e educacionais comunitários em relação ao silêncio, bem como medidas para o monitoramento do nível do ruído urbano. Em 2021, nos Estados Unidos, foi apresentado o projeto para atualizar esta legislação do silêncio e reestabelecer o Escritório de Redução de Ruídos dentro da Agência de Proteção Ambiental.  Na justificativa do projeto de lei, a perda auditiva decorrente à exposição aos ruídos, o impacto dos ruídos na perda do sono, danos fisiológicos e psicológicos e disrupção do trabalho, a exposição crônica aos ruídos aumentar os riscos de doença cardiovasculares, deficts de atenção em criança, stress, e diminuição da qualidade de vida, excessivos ruídos aumenta a privação do sono e a interrupção de trabalhos que podem aumentar os custos para a sociedade com a diminuição da produtividade. Dentre as atribuições do Escritório de Redução e Controle de Ruídos estão os padrões técnicos exigidos nos rótulos dos produtos, fomento ao desenvolvimento de produtos de baixa emissão acústica, coordenação de programas federais de redução acústica, com a assistência de Estados e entidades locais em ações de redução de ruídos, promoção de educação em ruídos e pesquisas. Conforme ainda as justificativas do projeto de lei, o tráfego de veículos continua a aumentar, o que contribui para o aumento da poluição acústica, afetando a saúde e bem estar das pessoas. Haverá financiamentos para os programas de incentivo aos programas de silêncio nas comunidades. E, ainda, nos Estados Unidos, há o Centro de Prevenção de Doenças, o qual alerta sobre os riscos de perda auditiva. Em destaque, em sua página na internet, as imagens dos sopradores de folhas e cortadores de gramas como fontes de poluição sonora e de danos à saúde humana, em especial o risco de perda da audição.  

 Na Europa, houve o programa Paisagens Sonoras com o estudo do impacto dos ruídos nas cidades.[14] Há, ainda, como referido, o programa cidades verdes, o qual inclui programas de contenção de ruídos.[15]

No Brasil, a União Federal precisa atualizar sua legislação ambiental, responsabilidade de fornecedores de equipamentos, produtos e prestadores de serviços e sobre responsabilidade de condomínios. A atuação da União é justificada pela competência para legislar sobre a proteção à saúde. Para isto, governo federal, Câmara de Deputados e Senado Federal, precisam agir junto para atualizar a legislação. O poder público tem a responsabilidade institucional de promover a elevação dos padrões de eficiência acústica, melhorando a qualidade da oferta da indústria de equipamentos, maquinário e serviços. A lei e a regulamentação não podem servir apenas como “lobby” dos parâmetros da indústria. Por isto, acredito que há tecnologia suficiente para melhorar a qualidade acústica dos padrões da indústria, comércio e serviços. Via de regra, há dois parâmetros, um padrão acústico mais rígido para o período noturno e outro padrão mais flexível para o período diurno. Ora, o porquê não se ampliar a proteção ambiental acústica durante o período diurno? Ruídos afetam a produtividade do trabalho, a qualidade de vida e a saúde das pessoas, por isto esta proteção ambiental deve ser estendida para o período diurno.

O INMETRO, órgão responsável pelos padrões técnicos, está desatualizado no tema de controle de ruídos de equipamentos elétricos-mecânicos. Além disto, o IBAMA, agência responsável pelo meio ambiente, também tem normativa desatualizada. E mais, a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor não tem nenhum programa de defesa acústica dos consumidores contra ruídos de equipamentos, tecnologias e serviços.  Neste aspecto, a legislação precisa ser atualizada para os seguintes: i) fixação de novos padrões técnicos voltados à otimização do princípio da eficácia acústica em equipamentos elétricos/mecânicos; b) certificação adequada com selos de eficiência acústica dos equipamentos elétricos/mecânicos; c) regras de governança, sustentabilidade ambiental e compliance acústica para condomínios; c) regras de governança, sustentabilidade e compliance acústica para fornecedores de produtos, revendedores e prestadores de serviços que utilizem equipamentos elétricos/mecânicos; d) regras de responsabilização mais claras e rígidas quanto aos fornecedores de produtos, tecnologias e prestadores de serviços que utilizem equipamentos elétrico-mecânicos produtores de ruídos. Os Estados-membros precisam atualizar sua legislação de defesa do consumidor contra produtos nocivos à saúde no aspecto psicoacústico. Aqui, também, a competência dos Estados para legislar concorrentemente sobre saúde e defesa do consumidor. Os municípios precisam estabelecer nova legislação ambiental para exigir maior responsabilidade de condomínios e prestadores de serviços quanto à eficiência acústica dos equipamentos utilizados em obras de construção civil, bem como em serviços de jardinagem, entre outros. Os municípios, com fundamento, em sua competência para legislar sobre interesse local podem atualizar sua legislação de modo a promover medidas de contenção de ruídos em condomínios.

E, ainda, Curitiba, cidade considerada modelo em urbanismo e proteção de áreas verdades, poderia incentivar a substituição de ônibus à diesel por ônibus elétricos, nos corredores de transporte urbano. Os ônibus elétricos são muito mais silenciosos do que os motores à diesel. Curitiba, também, poderia adotar em serviços de limpeza pública, equipamentos mais silenciosos, como cortadores de grama, sopradores de folhas e cortadores de árvores e galhos. Também, a cidade poderia ser a pioneira na contenção de ruídos de motocicletas.  Além disto, poderia fazer inaugurar uma política pública controle de ruídos de helicópteros e aviões, mediante o controle do tráfego aéreo em áreas residenciais. Como referido, há tanta tecnologia para o controle de velocidade de veículos, monitoramento por câmeras de vídeo, o porquê não há tecnologia para o monitoramento dos ruídos urbanos nas cidades? Enfim, a legislação precisa avançar a fim de contemplar relatórios de conformidade com padrões de certificação acústica, licenciamento ambiental acústico, bem como relatórios de impacto acústico por condomínios e, respectivamente, prestadores de serviços. Aliás, os condomínios em suas práticas de contratação deveriam exigir práticas sustentáveis ambientalmente dos prestadores de serviços, afinal são aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor no sentido de proteger os condomínios na contratação de serviços de qualidade e eficientes.

A taxa condominial já é elevada, por que então contratar serviços de jardinagem ruidosos? O condomínio deveria adotar regras de governança e compliance ambiental de seus prestadores de serviços. Precisamos de uma nova cultura urbana mais saudável e sustentavelmente ambientalmente com o compromisso com políticas anti-ruídos. Cidades inteligentes, sustentáveis e resilientes são aquelas que conta com programas ambientais anti-ruídos. Condomínios inteligentes, sustentáveis e resilientes é aquele contam com programas voltados a “mais silêncio, menos ruídos”. Precisamos de cidadãos comprometidos com qualidade de vida e bem estar nos condomínios e nas cidades que, com prevenção e precaução, tenham padrões de conforto acústico em ambiente internos e externos.  Neste contexto, a Organização Mundial da Saúde recomenda justamente o engajamento comunitário em medidas de mitigação de ruídos, para a precaução contra riscos de perda auditiva. No Reino Unido, há uma organização não-governamental, desde a década de 60, dedicada às melhores práticas acústicas. É a UK Noise Abatement Society é uma entidade não-governamental que realiza estudos de impacto acústico, oferece soluções acústicos, apresentar programas ambientais, bem como propõe sobre padrões para a indústria e para o legislador.[16]  A entidade promover campanhas públicas para a conscientização acústica do povo britânico. É ainda a entidade incentivadora de certificações de padrões acústicos silenciosos denominado “Quiet Mark”.[17]   Nesta linha de entendimento, o autor Pico Iyer, em A arte da quietude. Aventuras rumo a lugar nenhum, mostra a experiência da quietude como fundamental à vida.[18] Por isto, precisamos de políticas urbanas ambientais comprometidas com padrões acústicos eficientes em condomínios, voltados à sustentabilidade ambiental.

Enfim, precisamos de mudança cultural, de uma cultura tóxica de ruídos urbanos para uma cultura saudável em favor do respeito ao silêncio e a quietude. Para tanto, é necessária a mudança da percepção dos cidadãos quanto aos riscos de perda auditiva e o impacto dos ruídos na qualidade de vida e saúde mental. Para tanto, você pode participar deste movimento encaminhando petições para o projeto “Mais Silêncio, Menos Ruídos”, para os Prefeitos, Secretários Municipais, Vereadores, Deputados, Senadores e Governadores, entre outras autoridades responsáveis por políticas ambientais e de saúde pública. Precisamos que Síndicos, Condomínios e Prestadores de serviços sejam mais conscientes quanto à adoção de melhores práticas ambientais sonoras e firmem seu compromisso com práticas mais sustentáveis ambientalmente e acusticamente em serviços de jardinagem e serviços de construção civil contratados.

Deste modo, precisamos a cultura do condomínio comprometida com os deveres de cuidados e proteção ao bem estar e saúde dos moradores, banindo-se práticas em serviços de jardinagem que impactem na privação do sono, saúde, produtividade e descanso dos moradores.  Precisamos que a indústria da construção civil seja mais responsável acusticamente, realizando estudo de impacto acústico e medidas de mitigação dos danos ambientais.  Humanos e seu respectivos ambientes devem ser priorizados, ao invés de máquinas, equipamentos e serviços de jardinagem, construção civil, entre outros, barulhentos! Precisamos superar a cultura tóxica do ruído e inaugurar a cultura mais saudável da proteção à quietude nos condomínios, eliminando-se equipamentos e serviços ineficientes acusticamente.  Precisamos, também, efetivar o princípio da precaução de danos ambientais acústicos em condomínios, evitando-se a degradação ambiental.  

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP.


[1] Ver: World Health Organization. World Report n Hearing 2021.

[2] Cf. Technology for a Quieter American. Committee on Technology for a Quieter America. National Academy of Engineering. The National Academia Press. Washington.

[3] Sobre o tema, conferir: Murgel, Eduardo. Fundamentos de acústica ambiental. São Paulo: Editora Senac, 2007. O autor também descreve o impacto dos ruídos na saúde psíquica das pessoas.

[4] Carta Brasileira Cidades Inteligentes, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.

[5] A afinação do mundo. São Paulo: Unes, 2011.

[6] Hilmman, James. City & Soul. Spring Publications. Thompson, Conn.

[7] Schafer, R. Murray. Vozes da tirania, templos do silêncio: São Paulo: Editora UNESP, 2019.

[8] www.eurocities.com.

[9] Ver, também, www:smartcitiescouncil.com/article/about-us-global.

[10] Ver: Mixed reality for public participation in urban and public  space design. Towards a new way of crowdsourcing more inclusive smart cities, UN HABITAT, for a better urban future, may 2019.

[11] Obra citada, p. 194.

[12] Schafer, Murray, R. Vozes da tirania.Templos do silêncio. São Paulo: UNESP, 2019,  p. 79.

[13] Sennett, Richard. Construir e habitar. Ética para uma cidade aberta. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2021, p. 254-255.

[14] Kang, Jian. Soundscape of European Cities and Landscapes. COST TUD. Annual Progress Conference, Vienna, Austria, 5-6, July, 2011. 

[15] www.eurocities.com

[16] www.noiseabatementsociety.org.

[17] www.quietmark.com

[18] Iyer, Pico. A arte da quietude aventuras rumo a lugar nenhum. São Paulo: Alaúde Editorial, 2015.

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Redes neutras: conexão com o futuro

O Brasil está passando pelo momento do desenvolvimento das redes neutras. Trata-se de um cenário dos mais interessantes para as operadoras de internet. Saiba mais!

São chamadas de redes neutras todas as infraestruturas capazes de suportar a prestação de serviços de telecomunicações e que não são detidas por agentes que atendem aos usuários finais.

O assunto tem ganhado popularidade no Brasil, tendo em vista que diferentes players já demonstraram o interesse em investir nesse tipo de estrutura em nosso País.

Para que pudéssemos ter uma visão mais ampla e esclarecer as dúvidas mais comuns sobre as redes neutras, entrevistamos dois especialistas no segmento:

  • Ericson Scorsim, advogado, doutor em Direito e consultor no Direito Regional das Comunicações;
  • Daniel Laper, diretor de novos negócios da American Tower.

Baixe o material a seguir e entenda mais sobre o assunto!

Fonte: Futurecom Digital

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Oportunidades para Brasil no BRICS em tecnologias e conectividade digital

O Brasil participa do grupo denominado BRICS: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Há oportunidades nesta parceria geoestratégica.

Na reunião de 2021, foram fixados alguns pontos interessantes.[1] No campo da economia digital, há recomendações para o fortalecimento da infraestrutura digital de modo a favorecer a cooperação e a promoção de novas tecnologias que facilitem o acesso aos produtos e serviços digitais.

Outra recomendação é a digitalização do setor de saúde, mediante programas de intercâmbio em tecnologias digitais na área da medicina entre países do BRICS. Além disto, recomenda-se o fortalecimento da adoção da fábrica inteligente com a troca das melhores práticas. E mais, incentiva-se programas de intercâmbio das melhores práticas, com o compartilhamento de experiências e colaboração em habilidades digitais.

Há incentivos para promoção do desenvolvimento de plataformas de comércio digital, com a integração para a participação de pequenas e médias empresas para a exploração de novos mercados. Há diretrizes para a promoção de financiamento de infraestruturas e intercâmbio das melhores práticas entre os países. Há incentivos para monetização dos ativos para o investimento na construção de infraestruturas e promoção da troca de produtos e tecnologias entre os países membros do BRICS de modo a favorecer a exportação. Há a meta de melhoria da logística e transporte e, respectivamente, conectividade com o foco no desenvolvimento de quadros digitais e interface para a logística internacional.

Existe a intenção da cooperação na gestão de cidades e infraestrutura urbana no cenário pos-covid. Outro objetivo é o desenvolvimento de infraestrutura verde e promoção das melhores práticas de sustentabilidade para a atração de investimentos em infraestrutura sustentável. Incentiva-se a criação de plataformas comuns e uma rede dos BRICS para facilitar a troca das melhores práticas e experiências em tecnologia de precisão para agricultura sustentável e gestão inteligente das mudanças climáticas. Outro objetivo é facilitação da troca de informações quanto à utilização de plataformas digitais para fazendas e agricultura de precisão.

Outra meta é a exploração de corredores regionais para as inovações em Agtech. Busca-se, também, a criação de fórum de agroflorestal. O objetivo é criar as condições favoráveis à expansão do comércio da agricultura entre os países do BRICS. Há considerações sobre o fortalecimento da resiliência na cadeia de suprimentos. Outra meta é a promoção da economia digital e ferramentas para suportar o comércio entre os países. Há programas para o fortalecimento de micro, pequenas e médio empresas para o fortalecimento do desenvolvimento. Outro tópico é estabelecimento de acordos de reconhecimento mútuo em programas de operadores econômicos autorizados.

No contexto da economia digital, busca-se o compartilhamento de experiências e melhores práticas e colaboração para inteligência artificial em eficiência em governança. Há o objetivo de fortalecimento de infraestrutura digital e da cooperação da promoção novas tecnologias e acesso aos digitais produtos e serviços, especialmente em 4G, 5G, inteligência artificial, robótica, internet das coisas, impressão 3D, realidade aumentada, nanotecnologia, biotecnologia, computação quântica, entre outras. Há intenção de promoção da digitalização no setor de saúde e medicina e programas de intercâmbio no desenvolvimento de tecnologias digitais aplicadas à saúde (local e global) entre os países do BRICS. No segmento de fábricas inteligentes, há a procura por intercâmbio das melhores práticas, com sistemas conectados por sensores.  Há programas para o intercâmbio de habilidades digitais, com o treinamento em infraestrutura e conectividade.

Outro objetivo é a promoção desenvolvimento de plataformas de  comércio digital local e facilitar a integração de micro, pequenas e médias empresas para a exploração de novos mercados. Outro tema em serviços financeiros é a cooperação em tecnologia financeira (FINTECH) entre os países dos BRICS. Quer-se o compartilhamento de experiências com a tecnologia digital para a adoção de parâmetros de segurança e compliance.  Outro aspecto é promoção de financiamento de propriedade intelectual, através de harmonização e adoção de metodologia de avaliação. Quanto aos equipamentos médicos, há incentivos para a criação de ambiente para o fortalecimento do comércio entre os países dos BRICS.  Para o Brasil há diversas oportunidades. Primeira, a expansão de sua infraestrutura digital em redes de telecomunicações e, respectivamente, a ampliação da conectividade em larga escala, com a contribuição de fornecedores de tecnologia dos BRICS. Segunda, a expansão do comércio exterior brasileiro, mediante plataformas digitais globais. Terceira, a cooperação em temas de segurança cibernética, aproveitando-se da experiência da Rússia e China. Quarta, o intercâmbio das melhores práticas em temas de agricultura de precisão. Quinta, a robotização das fábricas, especialmente com tecnologia chinesa. Sexta, a renovação de equipamentos médicos-hospitalares, mediante a importação de tecnologias dos países dos BRICS. Sétima, o fortalecimento da capacidade de defesa das redes de cabos submarinos, com o aproveitamento da expertise da Rússia e China. Oitava, há a exportação de tecnologia submarina do Brasil, na exploração de petróleo e gás natural, para países dos BRICS.

Por fim, há oportunidades no âmbito da exploração de serviços de sensoriamento remoto da terra, nicho especializado estratégico para agricultura, transportes marítimos, navegação aérea entre outros segmentos.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro “Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil


[1] BRICS. Business Council. Brics Business Council Annual Report. Intra-BRICS Cooperation for continuity consolidation and consensus. India, 2021.

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Declaração dos Estados Unidos e União Europeia no Conselho de Comércio e Tecnologia

O Conselho de Comércio e Tecnologia dos Estados Unidos e União Europeia, em reunião realizada em Pittsburgh, ocorrida em 29 de setembro de 2021, firmaram declaração conjunta a respeito de cooperação bilateral.

Entre os temas em destaque, as tecnologias emergentes e a infraestrutura de conectividade digital. Outro assunto é o mau uso da tecnologia em campanhas de manipulação da informação. Um dos objetivos é o crescimento econômico com foco no crescimento da classe média e grupos de baixa renda nos dois lados do Atlântico, priorizando-se oportunidades para empresas pequenas e médias. Neste contexto, há desafios e riscos, como a manutenção do monitoramento dos investimentos com a mensuração dos riscos à segurança nacional dos Estados Unidos e à ordem pública da União Europeia. Além disto, há o reconhecimento de controles efetivo em itens dual-use, tal como controle de exportações, com medidas de compliance. Outro ponto é a inteligência artificial.  Busca-se que esta ferramenta seja aplicada de modo inovativo e confiável de modo a respeitar os direitos humanos e compartilhamento de valores democráticos. Outro aspecto é a parceria para o rebalanceamento das cadeias globais de semicondutores com a perspectiva da segurança no fornecimento, bem como a capacidade de design e fabricação de semicondutores.

O foco é o trabalho conjunto para a identificação de gargalhos na cadeia de valor de semicondutores para o ecossistema doméstico de semicondutores. O poder dos semicondutores está presente na vida diária de todos, sendo a espinha dorsal da economia, estando presentes no setor de energia, medicina e saúde, agricultura, produtos eletrônicos, manufatura, defesa, transporte entre outros. É necessária  a determinação das características destes produtos, incluindo-se segurança, poder computacional, privacidade, confiança, performance energética, entre outros. Reconhece-se que os Estados Unidos e União Europeia têm capacidade e dependências mútuas e dependência externas no setor de semicondutores.  Serão estabelecidos grupos de trabalhos em diversas áreas. Primeira, a coordenação e cooperação para o estabelecimento de padrões tecnológicos, em tecnologias emergentes, incluindo-se inteligência artificial e outras tecnologias emergentes. Reconhece-se a importância da padronização internacional, conforme princípios da Organização Mundial de Comércio.

Outro tema são as tecnologias limpas e adequadas às mudanças climáticas, voltado à identificação de oportunidades, medidas e incentivos para o desenvolvimento tecnológico.  Há o grupo de trabalho focado na  segurança na cadeia de fornecimento global, em setores como energia limpa, fármacos, materiais críticos. Quer-se a transparência na cadeia global de suprimentos. Existe ainda, o grupo de trabalho dedicado à tecnologias de informação e comunicações, serviços, segurança e competividade. O objetivo é garantir a segurança, diversidade, interoperacionalidade e resiliência da cadeia de suprimento das TICs, inclusive em áreas críticas e sensíveis como 5G, cabos submarinos, data centers e infraestrutura de computação em nuvem. Pretende-se fortalecer a cooperação em pesquisa e inovação para além dos sistemas de 5G e 6G.  Estados Unidos e União Europeia trabalharão em conjunto para o desenvolvimento de uma visão comum e roadmap de preparação para a próxima geração de tecnologias de comunicação na perspectiva do 6G e segurança de dados.

Outro grupo tem como foco a governança de dados nas plataformas tecnológicas. Há o compromisso com a cooperação transatlântica em relação às políticas para as plataformas que foquem na desinformação, segurança dos produtos, falsificação de produtos e outros conteúdos danosos. Quer-se o engajamento das companhias gestores das plataformas para que pesquisadores acessem aos dados gerados pelas plataformas. Outro tema é o mau uso de tecnologia para ameaçar a segurança e os direitos humanos. Quer-se combater a vigilância arbitrária e ilegal, incluindo-se as plataformas de mídia social, explorando-se mecanismos de resposta para as derrubadas da internet, em parceria com o grupo G7. Outro grupo está focado no controle de exportações para realizar consultas técnicas em temas legislativos e regulatórios, com a assessoria de riscos e boas práticas de licenciamento, bem como compliance.

Quanto ao monitoramento de investimentos, o grupo de trabalho fortalecerá o intercâmbio de informações em tendências de investimento que impactem a segurança, incluindo-se tendências estratégicas que impactem a indústria, a origem dos investimentos e os tipos de transações, as melhores práticas com a análise de riscos e as medidas de mitigação fe riscos, com foco em tecnologias sensíveis e relativas a dados sensíveis, o que inclui dados pessoais, incluindo controle de exportações. Outro grupo de trabalho é para promover empresas de pequeno e médio porte, para inovar, crescer e competir. Busca-se incentivar o acesso às tecnologias digitais. Outro grupo está focado nos desafios do comércio global com a análise das desnecessárias barreiras técnicas em produtos e serviços em tecnologias emergentes, com a promoção dos direitos do trabalho e a dignidade do trabalho, além de consultar em comércio e questões ambientais.

Para o Brasil há oportunidades no setor de comércio digital e tecnologias, em relações com os Estados Unidos e União Europeia.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro “Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil“, Amazon 2021.

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Breves considerações sobre o edital da Anatel do leilão de frequências relacionada ao 5G

A Anatel fixou as regras do edital do leilão de frequências paras redes de telecomunicações móveis em quinta-geração de tecnologia (5G). Diversos estudos econômicos mostram o potencial de aumento do produto interno bruto decorrente da adesão à tecnologia 5G.

Esta tecnologia tem o potencial de gerar novos modelos de negócios e, consequentemente, melhorar a competividade internacional do País. Há a expectativa do aumento do PIB em trilhões, pois a tecnologia 5G tem impacto transversal, atingindo diversos setores econômicos: indústria, agricultura, logística, medicina e hospitais, mineração, portos e aeroportos, serviços ambientais, entretenimento, educação, entre outros. A tecnologia de 5G possibilitará novos serviços a partir de aplicações baseadas em realidade virtual e realidade aumentada e Internet das Coisas. 

As empresas participantes deste leilão serão as empresas de telecomunicações. Mas, há interesses das empresas fornecedoras de tecnologia de 5G. O País terá ganhos geopolíticos e geoeconômicos ao não se alinhar aos Estados Unidos (a posição norte-americana foi restringir o fornecimento de tecnologia de 5G por empresa originária da China), ao garantir a ampla  competividade internacional e manter a posição de não exclusão de fornecedor de tecnologia de 5G originário da China.  Os Estados Unidos adotaram a política de tecnonacionalismo e de protecionismo ao seu mercado. Por isto, o Brasil ao prestigiar a ampla competividade internacional, sem restrições a determinado competidor em razão de seu país de origem, tornar-se-á uma referência internacional. Retornando-se ao edital.

O caráter não arrecadatório do leilão de frequências é, também, o pilar estrutural da precificação destas frequências. Com isto, recursos serão aplicados em investimentos, o que ampliará o volume investido em infraestrutura digital. Há a previsão de lotes de frequências nacionais e lote regionais, estes com possibilidade de acesso pelos provedores regionais de telecomunicações e internet. Porém, para os pequenos provedores há algumas restrições a serem analisadas mais à frente. Além disto, há regras de compromissos de investimentos em 5G, bem com em 4G.  Há compromissos de investimentos em estradas federais. Outro avanço foi o compromisso de investimento em conectividade por banda larga em escolas públicas. Este aspecto tem o potencial de reduzir a exclusão digital, mediante o acesso à banda larga por alunos e professore da rede pública de ensino.

Outro ponto do edital foi a rede privativa de comunicações do governo federal, uma obrigação da empresa vencedora do edital do leilão. O edital fixou os requisitos para a implantação desta rede privativa de comunicações do governo. Também, há o aspecto da construção de infraestrutura de conectividade digital por fibra ótica no programa Amazônia Integrada e Sustentável. Deste modo, são fixados os requisitos técnicos para a instalação da rede de infovias. Regras do Programa Amazônia Integrada Sustentável estão previstas no Decreto n. 10.800, de 17 de setembro de 2021. Segundo o decreto, as redes de transporte de fibra ótica têm objetivo a conectividade de estabelecimentos públicos, como pontos de inclusão digital, instituições de ensino, unidades de saúde, hospitais, bibliotecas, instituições de segurança pública e tribunais.  Como se observa, o governo para legitimar estes dois programas federais (anteriormente, os temas somente estavam abordados em portaria) editou os Decretos n. 10.799, de 17 de setembro de 2020, o qual trata das políticas públicas de telecomunicações, o qual tratas de programas de cidades conectadas, os compromissos de expansão dos serviços de telecomunicações, e obrigações da Anatel sobre apresentação de relatórios de infraestruturas de rede e os acessos aos serviços de telecomunicações, a implantação da rede privativa de comunicação da administração pública federal,  a qual poderá ser realizada por outros órgãos ou entidades públicas ou privados e os critérios de uso de governança da rede.

O setor de radiodifusão, através da Abert, manifestou-se sobre a migração do sinal de TV parabólica da atual Banca C para a Banda Ku. A preocupação do setor é com o risco de interferências da tecnologia 5G na recepção das antenas parabólicas (TVRO) em banda C. Para a migração serão destinados R$ 2,8 (dois vírgula oito) bilhões de reais para aquisição de distribuição de equipamentos para a recepção do sinal de televisão aberta. Existem, ainda algumas questões a serem equacionadas e que podem ser judicializadas. Primeira, a indenização às empresas provedoras de satélite pelo deslocamento da faixa de frequências, para disponibilizar o sinal de televisão digital aberta por antena parabólica. Segunda, a participação dos pequenos provedores regionais de internet.[1] Este segmento pleiteou junto à Anatel a unificação das faixas de frequências de 700 MHz e 3,5 GHz, para viabilizar sua participação no edital, através de consórcio. Outra reinvindicação foi a garantia da autorização de implementação da rede de 5G no sentido do interior para as capitais, o denominado “roll out”. Outro pedido foi a respeito do roaming nacional obrigatório. Porém, a Anatel indeferiu os três pedidos. Segundo os pequenos provedores regionais de internet, em notícia divulgada na mídia especializada, o não atendimento destes três pedidos inviabiliza a participação no leilão do 5G.

Há, portanto, o risco de judicialização destes temas afetos à participação das empresas provedoras regionais de internet.  Resumindo-se há muitas expectativas quanto ao leilão de frequências para o 5G. A tendência é que na fase inicial a tecnologia 5G beneficiará os segmentos de negócios, os quais poderão desenvolver, inclusive ecossistema digital. Neste aspecto, é importante a adoção de quadros regulatórios federais, estaduais e municipais de incentivos à inovação do ecossistema digital de 5G.

Especialmente, haverá demanda pela produção de software. Por isto, a necessidade de parques tecnológicos que incentivem a inovação tecnológica. No entanto, a conectividade em 5G para os usuários finais (pessoas físicas), ao que tudo indica, somente alcançará seu pleno potencial no longo prazo. Além disto, outro obstáculo à implantação das redes de 5G rápida e em larga escala é a carga tributária (federal e estadual) incidente sobre o setor de telecomunicações.  Enfim, a tecnologia 5G poderá contribuir – e muito – para o desenvolvimento de programas de cidades inteligentes (compromissos com ampla infraestrutura de conectividade digital), cidades sustentáveis (compromissos com práticas de sustentabilidade ambiental) e cidades resilientes (compromissos com a proteção às infraestruturas críticas e sólido programa de defesa civil, programas de logística e proteção à saúde pública). Para que este fim seja alcançado é necessária a articulação entre os poderes públicos federal, estadual e municipal.

Ademais, a tecnologia de 5G demandará a criação de ecossistemas digitais, mediante parcerias entre o setor privado e o setor público. Estes ecossistemas sistemas estarão voltados à inovação em diversos setores, desde o agronegócio, indústria, medicina e hospitais, mineração, varejo, jogos, entretenimento, entre outros. Há desafios, riscos e oportunidades com a adesão à tecnologia 5G. Primeiro, desafio de universalização dos serviços de telecomunicações móveis com 5G. Por isto, a necessidade de monitoramento dos compromissos adotados no edital do leilão, baseado em tecnologia 5G. Talvez, haverá em breve a percepção de que faltaram políticas públicas adequadas da parte do governo federal para ampliar a universalização dos serviços e inadequação para fomentar a inclusão digital, econômica e social. Enfim, haverá necessidade de medição do impacto regulatório do edital, especialmente para verificar eventuais falhas regulatórias na política setorial. O regime de autorização do direito de uso de frequência foi a opção regulatória escolhidas. Mas, talvez seja regime seja insuficiência para o atendimento da universalização dos serviços de telecomunicações móveis. Segundo, há riscos para as empresas de telecomunicações participantes do leilão. Há riscos econômicos e financeiros de não conseguirem atender às metas do leilão devido ao obstáculo da carga tributária (federal e estadual), dentro dos prazos pactuados.

Existem riscos também para as empresas provedoras de aplicativos, pois sem conectividade digital elas não conseguem ampliar sua base de clientes. Terceiro, há oportunidades para diversas empresas, em diferentes segmentos, participarem de ecossistema digitais. Por exemplo, uma empresa de telecomunicações unir-se a empresas de agronegócios para o desenvolvimento de novos produtos e serviços. Instituições financeiras podem ser unir com outras empresas para o desenvolvimento de produtos e serviços financeiros. Uma empresa do setor médico e hospitalar pode se unir com empresas de software para desenvolverem novos modelos de negócios em regimes de parcerias. Enfim, são múltiplas as oportunidades decorrentes da tecnologia 5G.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do Livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.


[1] Sobre o tema, ver: Lobo, Ana Paula. Provedores regionais: edital 5G tem inconsistências técnicas e ameaçam ida à Justiça. Ver: Convergência Digital, 27/09/2021.

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Plano estratégico da União Europeia sobre conectividade digital

A União Europeia divulgou seu plano de ação estratégica para a década digital. O objetivo é o fortalecimento de sua capacidade digital e liberdade de ação, considerando-se o cenário de hiperconectividade e transformações tecnológicas.[1]

Este plano digital encontra-se no contexto da autonomia estratégica da União Europeia para 2040.[2] Considera-se a tendência de da redistribuição do poder global, diante das disputas geopolíticas e geoeconômicas entre Estados Unidos e China. Diante desta perspectiva, a União Europeia busca afirmar sua posição geoestratégica diante dos riscos desta disputa pela liderança global. Deste modo, a União Europeia busca por alianças geoestratégicas, para se contrapor aos Estados Unidos e China. No plano de ação digital, há medidas econômicas, compromissos tecnológicos, padrões de equidade social, compromissos educacionais, e compromissos ambientais e quadros regulatórios.  

A competividade é multidimensional e aprofunda as interdependências na ordem multipolar global. Por isto, a necessidade de medidas adequadas as novas demandas no campo da conectividade digital.  Há o alerta quanto aos riscos de desinformação em larga escala por ferramentas e plataformas online, bem como os riscos de ameaças híbridas.  Busca-se o fortalecimento da capacidade na gestão de dados, inteligência artificial e tecnologias e computação na borda.  Aponta-se a demanda exponencial por semicondutores, para preparar as próximas gerações de tecnologias.

A partir deste contexto, a União Europeia quer dar o primeiro passo quanto ao seu posicionamento global na fixação de padrões tecnológicos de inteligência artificial, blockchain, computação quântica, segurança cibernética, dados sensíveis, entre outros. Além disto, quer-se a construção da resiliência dos sistemas financeiros. Busca-se o acesso ao espaço para mitigação de riscos de conflito, instabilidade interna e disrupção de infraestruturas críticas. Ademais, a ação mais assertiva para a contenção de ações coercitivas ou sanções extra-territoriais imposta por terceiros países. Na agenda de conectividade quer-se parcerias estratégicas. Menciona-se que os Estados Unidos, através do BUILD Act e Blue Dot Network, pretende realizar parcerias, juntamente com o Japão e Austrália, em infraestrutura de qualidade, no contexto do G7.

Aponta-se que China e Estados Unidos têm diferentes abordagens nas parceiras em conectividade. Ambos estão à frente da União Europeia em relação à influência sobre as infraestruturas de internet. Destaca-se o plano estratégico da China 2035 sobre a fixação de padrões internacionais em tecnologias emergentes, mas também em áreas como: indústria, agricultura, entre outros. Há oportunidades para que a União Europeia realize parcerias com Japão e Índia em conectividade digital. No programa para a década digital, a Comissão da União Europeia aponta as seguintes áreas críticas:  infraestrutura comum europeia em dados e serviços, fortalecimento da União com a próxima geração de processadores de baixa-potência confiável, desenvolvimento de corredores de 5G pan-europeu, aquisição de supercomputadores e computadores quânticos, conectados com a EuroHPC, desenvolvimento de infraestruturas de comunicações quânticas ultra-seguras e espaciais, desenvolvimento a rede de segurança de centros de operações, administração pública conectada, infraestrutura e serviços de blockchain europeu, hubs de inovação digital europeia, parcerias de alta tecnologia para habilidades digitais, através do pacto para habilidades digitais, ente outros. E, ainda, no programa para década digital há as metas digitais a serem atendidas até 2030: infraestrutura digital sustentável para atendimento a todos os domicílios europeus cobertos por uma rede de gigabyte, com áreas populosas cobertas com 5G, a produção de semicondutores com alcance no mínimo 20% (vinte por cento) da produção mundial, a construção do primeiro computador quântico (esta meta até 2025), a transformação digital dos negócios com, no mínimo 75% (setenta e cinco por sento) das empresas europeias, em serviços de computação em nuvem, big data, inteligência artificial, mais de 90% (noventa por cento) da empresas de pequeno e médio porte deve alcançar um nível básico de intensidade digital, a União Europeia deve aumentar seu portfólio para inovação e escalonamento para ampliar o acesso a crédito, e financiamento para duplicar, no mínimo, o número de unicórnios, a digitalização dos serviços públicos, com provisão de 100 %(cem por cento) de serviços online em serviços públicos essenciais, 100% (cem por cento) dos cidadãos europeus terem acesso aos prontuários médicos, e, no mínimo, 80% (oitenta por cento)  dos cidadãos europeus utilizem ferramentas de identificação digital, a digitalização da população de, no mínimo, 80% (oitenta por cento) na faixa etária entre 16 (dezesseis) a 74 (setenta e quatro) anos, com habilidades digitais básicas, de geração de 20 (vinte) milhões de empregos de especialistas em tecnologia de informação e comunicações.

Há regras de governança para o monitoramento do progresso das metas digitais, com a apresentação de relatórios a respeito. Os estados-membros deverão apresentar estratégicos “roadmaps” sobre a implementação das metas. Serão incentivados projetos para múltiplos países, como forma de cooperação entre a União e os Estados-membros, para contribuir com a transformação digital e sustentável da sociedade e economia. Haverá, também, um consórcio europeu de infraestrutura digital.

Para o Brasil há oportunidades no fortalecimento de parcerias geoestratégicas com a União Europeia em temas de conectividade digital, 5G, 6G, IoT,  inclusive em questões de padronização internacional de novas tecnologias e segurança cibernética.  Para isto, é necessário que o Brasil se prepare com conhecimento e práticas adequadas em questões tecnológicas, com a formação de capital humano especializado nos respectivos temas.  

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil, Amazon, 2021


[1] European Comission, Brussels, 8.9.2021, Communication from the Comission to the European Parliament and the Council, 2021 Strategic Foresight Report. The EU’s capacity and freedom to act.

[2] European Comission, JRC Science for policy report. Shaping & securing the EU’S open strategic autonomy by 2040 and beyond.

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Anatel aprova o edital do leilão do 5G

Abertura das propostas da maior oferta de espectro da história da Agência ocorrerá no dia 4 de novembro

O Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou, em reunião extraordinária realizada nesta sexta-feira (24/9), o edital do leilão do 5G. Maior oferta de espectro da história da Anatel, a licitação das radiofrequências nas faixas de 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz proporciona maior volume de recursos de espectro para que as prestadoras possam expandir suas redes. O leilão começa com o recebimento de documentação das interessadas, no dia 27 de outubro de 2021, e tem primeira sessão de abertura, análise e julgamento de propostas de preço no dia 4 de novembro de 2021.

Para o presidente da Anatel, Leonardo Euler de Morais, a aprovação do edital atende à expectativa de sucesso do leilão para a toda sociedade e para toda a economia do País. Morais ressaltou o aspecto não arrecadatório da licitação, “que tem como ponto central sanar as deficiências de infraestrutura de telecomunicações do País, contribuindo com a retomada do crescimento e do desenvolvimento econômico, com ganhos de produtividade em setores da economia como o agronegócio e a indústria”.

Compromissos. A proposta aprovada estabelece compromissos nacionais e regionais de investimentos de cobertura e backhaul que obrigam as empresas vencedoras do leilão a atenderem áreas pouco ou não servidas, como localidades e estradas, com tecnologia 4G ou superior. Para os municípios com mais de 30 mil habitantes, estão previstos compromissos de atendimento já com tecnologia 5G. Nas capitais e no Distrito Federal, o 5G deverá começar a ser oferecido pelas vencedoras do leilão antes de 31 de julho de 2022.

Além disso, o edital também contempla recursos para a implementação de redes de transporte em fibra ótica na Região Norte (Programa Amazônia Integrada e Sustentável – PAIS) e a construção da Rede Privativa de Comunicação da Administração Pública Federal, para sustentação dos serviços de governo. Os recursos das autorizações da faixa de 26 GHz serão destinados a projetos de conectividade de escolas públicas a serem definidos com a participação do Ministério da Educação.

O edital foi objeto da Consulta Pública nº 9, de 14 de fevereiro de 2020, que recebeu 262 contribuições da sociedade em seus 60 dias de duração. Com a deliberação do Conselho Diretor, os estudos de viabilidade e cálculo do preço mínimo foram encaminhados ao Tribunal de Contas da União (TCU), que aprovou o edital em 25 de agosto. A deliberação da Anatel ocorrida nesta sexta-feira (24/9) refere-se à implementação das determinações e recomendações do TCU no instrumento editalício.

Tecnologia de quinta geração. O 5G é o mais recente padrão tecnológico para serviços móveis e a Anatel trabalha para promover sua implementação no País de forma segura e sustentável. Devido às suas características, que incluem altas taxas de transmissão de dados e baixa latência, a tecnologia oferece ampla gama de possibilidades, ainda a serem exploradas.

No decorrer de sua implantação, deverão ser desenvolvidas aplicações inovadoras que aproveitem o potencial tecnológico do 5G para introduzir serviços que ampliem a eficiência dos mais diversos setores da economia e beneficiem a sociedade.

Diferentemente das mudanças nas gerações passadas (2G, 3G e 4G), o foco desta tecnologia não está somente no incremento de taxas de transmissão, mas também na especificação de serviços que permitam o atendimento a diferentes aplicações.

O 5G vai concretizar conceitos como os de Internet das Coisas (IoT) e aprendizagem de máquina em tempo real, promovendo uma verdadeira transformação na forma como as pessoas e organizações se relacionam.

Entre os avanços esperados para o 5G estão:

  • Aumento das taxas de transmissão – maior velocidade
  • Baixa latência – tempo mínimo entre o estímulo e a resposta da rede de telecom
  • Maior densidade de conexões – quantidade de dispositivos conectados em uma determinada área
  • Maior eficiência espectral – quantidade de dados transmitidos por faixa de espectro eletromagnético
  • Maior eficiência energética dos equipamentos – economia e sustentabilidade

A tecnologia 5G é flexível e se adapta de acordo com a aplicação utilizada. Uma das funcionalidades previstas para a quinta geração é o network slicing ou “fatiamento da rede” – no qual as características da rede poderão ser adaptadas de acordo com a necessidade. Por exemplo: vídeos de alta resolução (como 4K) podem demandar larguras de banda extremamente altas, enquanto aplicações como carros autônomos ou cirurgias assistidas demandarão latências extremamente baixas.

A tecnologia 5G promete massificar e diversificar a Internet das Coisas (IoT) em setores como segurança pública, telemedicina, educação a distância, cidades inteligentes, automação industrial e agrícola – entre tantos outros.

A exemplo do que ocorreu com o 4G, que introduziu diferentes modelos de negócios e oportunizou a chamada “era dos aplicativos”, os maiores avanços que virão com o 5G devem ocorrer com o tempo, à medida que a indústria encontrar soluções para atender às suas necessidades e às demandas das pessoas e dos negócios.

Ao mesmo tempo em que se implanta a quinta geração, as redes 4G manterão por muito tempo papel fundamental para o acesso à banda larga móvel no Brasil. São redes com alta capacidade, que podem operar com larguras de faixa menores e áreas de cobertura maiores do que aquelas usualmente previstas para redes 5G.

Lotes. O quadro a seguir sintetiza a proposta aprovada com a ordem de abertura das propostas de preço:

Faixa de 700 MHz

1ª rodada

Bloco de 10 + 10 nacional

Compromissos: rodovias federais e localidades sem 4G

2ª rodada

2 blocos de 5 + 5 regionais

  • Compromissos: localidades sem 4G e rodovias federais
  • Spectrum cap: aquele estabelecido no artigo 1º, inciso I, da Resolução nº 703/2018, não se admitindo a participação de proponente, suas controladas, controladoras ou coligadas que, na mesma área geográfica, já detenham autorização de uso de radiofrequências em caráter primário na faixa de 698 MHz a 806 MHz.
  • Prazo da autorização: disciplinados pelo Anexo à Resolução nº 625/2013, pelo prazo de 20 anos, prorrogável a título oneroso, na forma da regulamentação vigente à época do vencimento, sendo a primeira prorrogação até 8 de dezembro de 2044.   

 Faixa de 3,5 GHz

1ª rodada

4 Blocos Nacionais de 80 MHz

8 Blocos Regionais de 80 MHz

  • Compromissos:
    • Instalação de rede de transporte (backhaul de fibra ótica) em municípios indicados no Anexo XV.
    • Instalar Estações Rádio Base (ERBs) que permitam a oferta do Serviço Móvel Pessoal (SMP, a telefonia móvel) por meio de padrão tecnológico igual ou superior ao 5G NR release 16 do 3GPP, na proporção mínima de uma estação para cada dez mil habitantes.
    • Ressarcir as soluções para os problemas de interferência prejudicial na recepção do sinal de televisão aberta e gratuita, transmitidos na Banda C, à população efetivamente afetada, nos termos da Portaria nº 1.924/SEI-MCOM/2021, do Ministério das Comunicações
    • implantação do Programa Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS) e do projeto Rede Privativa de Comunicação da Administração Pública Federal.

2ª rodada (caso de algum bloco da 1ª rodada fique deserto)

Blocos de 20 MHz

  • Spectrum cap: 100 MHz para o conjunto compreendendo os Lotes da faixa de 3,5 GHz.
    • Limitação de arrematação de mais de dois blocos regionais.
    • Prazo da autorização: 20 anos

 Faixa de 2,3 GHz

1ª rodada

Bloco de 50 MHz e bloco de 40 MHz regionais

  • Compromissos: cobrir com 95% da área urbana dos municípios sem 4G.
  • Spectrum cap: 50 MHz para o conjunto compreendendo os Lotes da faixa de 2,3 GHz, respeitado o estabelecido no artigo 1º, inciso II, da Resolução nº 703/2018.
  • Prazo da autorização: 20 anos.

 Faixa de 26 GHz

1ª rodada

10 blocos nacionais e 6 blocos regionais de 200 MHz

  • Compromissos: projetos de conectividade de escolas públicas de educação básica, com a qualidade e velocidade necessárias para o uso pedagógico das TICs nas atividades educacionais regulamentadas pela Política de Inovação Educação Conectada.
  • Spectrum cap: 1 GHz para o conjunto compreendendo os Lotes da faixa de 26 GHz.
  • Prazo da autorização: 20 anos

2ª rodada

Até 10 blocos nacionais e 6 regionais de 200 MHz (se não forem vendidos na 1ª rodada)

  • Compromissos: projetos de conectividade de escolas públicas de educação básica, com a qualidade e velocidade necessárias para o uso pedagógico das TICs nas atividades educacionais regulamentadas pela Política de Inovação Educação Conectada.
  • Spectrum cap: 1 GHz para o conjunto compreendendo os Lotes da faixa de 26 GHz.
  • Prazo da autorização: 10 anos

Fonte: Anatel

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Nova política pública dos Estados Unidos para ampliar a conectividade digital por internet banda larga: lições para o Brasil

Os Estados Unidos aprovaram a política pública de internet por banda larga. A medida foi adotada no contexto da renovação da infraestrutura de conectividade digital, no denominado Infrastructure Bill.  O Congresso norte-americano sensível à crise econômica derivada da pandemia do coronavírus, em ato bi-partidário, aprovou o pacote de benefícios para garantir o acesso à internet por banda larga.  

O objetivo é reduzir a exclusão digital, um obstáculo à competividade econômica dos Estados Unidos, bem como à distribuição equitativa de serviços públicos essenciais, incluindo-se saúde e educação. No momentum que o Brasil está para definir o edital do leilão de frequências para o 5G é oportuna a compreensão da regulação adotada pelos Estados Unidos, daí algumas lições podem ser extraídas. 

Segundo a lei norte-americana, a exclusão digital, desproporcionalmente, afeta comunidades de cor, áreas de baixa renda e áreas rurais, sendo que os benefícios da internet por banda larga deveriam ser desfrutados por todos. A lei norte-americana prevê a outorga de empréstimos pelo governo federal aos estados para o desenvolvimento de redes de internet por banda larga às áreas que não possuam acesso a internet por banda larga confiável, em velocidade entre 25 (vinte e cinco) a 3 (três) megabits. Esta é uma das grandes novidades na regulação do governo federal, isto é, a  articulação entre o governo federal e os estados nos programas de conectividade por banda larga.

O tema da conectividade digital é compreendido como uma questão da federação norte-americana, razão para a cooperação entre a União e os Estados. A lei norte-americana prevê o mapa das redes de banda larga no País. Também, define as áreas de alto custo, como aquelas não servidas pelos prestadores de conexão à internet por banda larga. Há a previsão do programa de acesso com equidade nas redes de banda larga (Digital Equity Act). Há a previsão de fundos públicos para o financiamento dos projetos de acesso à internet por banda larga. Existe a estipulação da opção de serviços de internet por banda larga de baixo custo para o público de baixa renda, mediante subsídios federais.

Neste contexto, a Federal Communications Comission, autoridade regulatória das telecomunicações, apresentará relatórios sobre o fundo futuro de serviços universais relacionados à internet por banda larga.  A FCC não poderá reduzir a autoridade do Congresso quanto ao alcance dos serviços universais de banda larga.  Há estipulação de conectividade paras as comunidades indígenas. No Digital Equity of 2021, parte integrante da referida lei, equidade digital é a condição individual e comunitária de acesso à capacidade das tecnologias de banda larga de modo a possibilitar a participação na sociedade e economia dos Estados Unidos. Inclusão digital é condição necessária para todas as pessoas dos Estados Unidos terem acesso, utilizar e disporem de tecnologias de informação e comunicação.

O termo Digital Literacy significa as habilidades associadas à utilização da tecnologia que capacita os usuários para encontrarem, avaliarem, organizarem, criarem e comunicarem informação. O Departamento de Comércio organizará o Programa de Empréstimo de Capacitação dos Estados em Equidade Digital. Os Estados deverão apresentar o plano de equidade digital, a fim de receberem os recursos. Por outro lado, há incentivos à infraestrutura de banda larga na “milha média”, o que inclui fibras óticas, bachaul, pontos de troca de tráfego de internet, cabos submarinos, data centers, redes sem fio, acesso a torres de rádio, links de micro-ondas, etc. Há a definição dos requisitos dos projetos de oferta de banda larga no varejo. A entidade beneficiária com o empréstimo de “milha média” deverá compartilhar a rede com terceiros, oferendo no mínimo velocidades de 1 (hum) giga por segundo. Há regras especiais para a disponibilidade de internet no período da situação emergencial da pandemia de covid.

O órgão controlador do governo deverá avaliar o impacto do acesso à internet por banda larga nos próximos 5 (cinco) e 10 (dez) anos nos seguintes aspectos:  a disseminação da banda larga nos negócios; o trabalho remoto e gerenciamento de negócios de casa, videoconferência, ensino à distância, hospedagem em casa e armazenamento de dados em computação em nuvem. Há parte específica sobre “digital discrimination”. Assim, os usuários têm o direito tem o direito de se beneficiar de igualdade de acesso aos serviços de internet por banda larga. Por isto, deverão ser apresentados relatórios ao Congresso sobre as medidas para evitar a discriminação digital no acesso à internet por banda larga, baseado nível de renda, raça, etnia, cor, religião ou nacionalidade de origem. Por fim, há o denominado Telecommunications Workforce Act.

Neste aspecto, o grupo de trabalho interagências em telecomunicações apresentará, juntamente com o Secretário do Trabalho, recomendações para atender as demandas da força de trabalho relacionado à indústria de telecomunicações, incluindo-se as demandas para construir e manter a infraestrutura sem fio de redes 5G, identificando-se as potenciais políticas e programas que possam melhorar a coordenação entre as agências federais e Estados, e entre Estados e as necessidades da força de trabalho em telecomunicações. Estas lições dos Estados Unidos sobre a democratização do acesso à internet por banda larga são valiosas para o Brasil.

Há alguns pontos a serem destacados: i) a articulação entre governo federal e governos estaduais quanto à política de conectividade digital por banda larga, inclusive mediante a concessão de empréstimos federais da União para os Estados; ii) os planos de serviços de internet banda larga com subsídios para a oferta de planos de baixo custo para os grupos de usuários de baixa renda; iii) o programa de equidade digital para possibilitar a inclusão digital; iv) os programas de educação digital, entre outros; v) os programas de treinamento da força de trabalho em telecomunicações.   No momento, o Brasil está para definir as regras do leilão do direito do uso de frequências de 5G. Portanto, é uma excelente oportunidade para a ampliação das políticas de inclusão digital, de modo favorecer o acesso à internet por banda larga para todos, em todo o território nacional.

O atual design do formato do edital do leilão de 5G tem alguns aspectos positivos, porém outros negativos. Seu formato atual não conseguirá promover a integral conectividade digital por banda larga em todo o País. É um modelo que certamente trará vantagens para empresas e novos modelos de negócios. Mas, no aspecto do usuário final (pessoa física), vejo certos obstáculos quanto à acessibilidade do 5G em larga escala. Por isto, entendo necessária uma política pública de telecomunicações mais radical, no sentido de radicalizar a conectividade digital por banda larga para todos, em todo o País. Mas, há um problema regulatório devido às limitações do modelo de autorização administrativa. A internet não é um serviço público, mas um serviço privado subordinado ao regime de autorização pela Anatel. Acredito que um modelo de coexistência entre a declaração de “serviços universal” do serviço de internet por banda larga poderia contribuir para a democratização do acesso à conectividade digital. Por estas razões, vejo que não há uma política regulatória de telecomunicações à altura dos desafios, riscos e oportunidades trazidos pela tecnologia 5G.

Há oportunidades geopolíticas e geoeconômicas para que o Brasil poderia melhor aproveitar, para se inserir na cadeia global do 5G. Mas, para isto acontecer é necessária liderança geoestratégica e vontade política, algo que não existe no atual momentum do País.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do Livro Jogo Geopolítico no 5G: Estados Unidos, China e impacto no Brasil, Amazon, 2021, Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

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Entrevista do Dr. Ericson para TV Senado sobre 5G

Tecnologia 5G: onde fica o Brasil na guerra geopolítica e comercial para implantar o novo sistema?

Como vão ficar a internet e a telefonia celular no Brasil com a implantação do sistema 5G? A nova tecnologia vai melhorar a baixa qualidade das conexões que ficou evidente durante a pandemia? E como o Brasil pode se posicionar na guerra geopolítica e comercial da implantação mundial do sistema? A realidade de trabalho e estudos remotos reforçou a necessidade de conexões mais estáveis, velozes e baratas. Essas questões são analisadas pelo especialista em Direito da Comunicação Ericson Escorsim.

Confira a íntegra da entrevista clicando aqui.