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Dependência do Brasil do sistema de GPS (global positioning satellite) dos Estados Unidos: análise dos riscos geopolíticos

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

O Brasil é usuário da tecnologia GPS (Global Positioning Satellite) dos Estados Unidos. Trata-se de tecnologia de posicionamento, navegação e geolocalização de pessoas, objetivo, veículos, lugares. Esta tecnologia foi desenvolvida pelas agências militares. E, ainda, atualmente, está sob o controle da Força Aérea dos Estados Unidos.

É considerada uma tecnologia dual-use, isto é, com aplicação militar e civil. Assim, seu uso por civis foi autorizado pelas autoridades militares. O sistema de geolocalização baseia-se em infraestrutura de telecomunicações por satélites distribuído por todo o globo. Atualmente, há uma constelação de 33 (trinta e três) satélites espalhados ao redor do globo que garantem o funcionamento do GPS. Há antena de GPS instalada pelo governo norte-americano na ilha Ascensão situada no Atlântico, com capacidade de coletar sinais de inteligência na região.

No aspecto militar, o GPS é fundamental nos sistemas de comando e controle, inteligência, reconhecimento, rastreamento e vigilância, posicionamento de armas inteligentes e precisão na localização de alvos. Sobre o tema, Graham Allison explica: “Os satélites oferecem um elo crucial em quase qualquer empreitada militar americana, de alertas sobre lançamentos de mísseis balísticos adversários e produção de imagens e previsões meteorológicas ao planejamento das operações. Os satélites de posicionamento global são responsáveis pela precisão de quase todos os armamentos teleguiados e permitem que navios, aviões e unidade em solo saibam onde estão no campo de batalha. Os Estados Unidos dependem dessa tecnologia mais do que qualquer competidor. Sem ela, o comandante-chefe não pode transmitir suas ordens para os pelotões em terra, para os navios no mar e tudo mais entre uma coisa e outra. As armas antissatélite vão das ‘cinéticas’ que destroem fisicamente o alvo, entulhando a órbita com destroços, a sistemas mais discretos, que usam laser para bloquear os sinais dos satélites ou ‘ofuscá-los’ e deixa-los inoperantes”.[1]

Registre-se que o GPS tem inúmeras aplicações civis na economia: transportes (rastreamento de veículos, e cargas), comércio (geolocalização de consumidores para fins de publicidade comercial), sistema financeiro (controle de identificação do usuário e pagamentos digitais),navegação aérea, transporte marítimo (navegação de navios, rastreamento da frota e cargas), agricultura de precisão (utilização de drones guiados por GPS), geosensoriamento, meteorologia, espacial, ferrovias, mapeamento, serviços ambientais, segurança pública, entre outros.  Por exemplo, máquinas agrícolas contam com sistema de GPS. Sem conectividade, no entanto, estes equipamentos não podem se conectar à rede de internet. Ora, a partir do GPS e satélite é possível fazer estimativas a respeito da safra agrícola e, com isso, influenciar os preços internacionais das commodities. A título exemplificativo, a Empresa Agropecuária (Embrapa) utilize de imagens de observação da terra fornecidas pela NASA dos Estados Unidos. Há o entrelaçamento entre a atividade agrícola e o sistema de crédito rural, intermediado por tecnologias.

Em 2020, o Banco Central do Brasil editou a Resolução n. 4796, de 02/04/2020 que trata dos procedimentos de comunicação de perdas de safra agrícola e pedido de seguro da cobertura do Proagro, na hipótese de impossibilidade de visita técnica presencial para fins de comprovação de perdas de modo remoto. Assim, o Banco Central reconhece a possibilidade de utilização de “imagens de satélite ou outras ferramentas de sensoriamento remoto”, bem como a consulta banco de dados por sistemas como o suporte à decisão na agropecuária (Sisdagro) do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e o sistema de análise temporal de vegetação (SAT) da Embrapa.  

Em resumo, as tecnologias aeroespaciais tem impacto significativo na agricultura brasileira. Por isso todo cuidado é pouco quanto se trata da proteção aos dados agrícolas.   A União Europeia está adotando regras para a proteção dos dados agrícolas, para evitar a concorrência desleal em relação aos seus agricultores. Outra aplicação do GPS consiste na utilização da tecnologia no planejamento da abertura de lojas comerciais. Mede-se o número de pessoas que circulam em determinada área geográfica de uma cidade a fim de verificar o potencial econômico da região.

O sistema de GPS é totalmente compatível com as infraestruturas de telecomunicações móveis, por celulares. Há projetos da Força Aérea dos Estados Unidos para avançar na eficiência do sistema de GPS e as redes móvel de celulares. Assim, qualquer celular do globo poderá ser localizado pelo sistema GPS. Neste aspecto, a tecnologia de GPS é relevantíssima para a coleta de sinais de inteligência pelo governo norte-americano. Com frequência, em áreas de conflito, o sinal do GPS é objeto de interferência, com a negação de acesso aos serviços.  Os sistemas de países aliados ao GPS norte-americano: sistema Galileu da União Europeia, o GZSS do Japão, o Navic da Índia. Em 2018, a FCC autorizou a prestação de serviços Galileu nos Estados Unidos. O Reino Unido estuda a criação de um sistema próprio de navegação por satélite. Os sistemas não alinhados aos Estados Unidos são: o GLONASS da Rússia e o Beidou da China. O Brasil não possui sistema próprio de posicionamento por satélite. Assim, é mero usuário do sistema de GPS dos Estados Unidos. Por isso, há riscos geopolíticos para o Brasil na  dependência da tecnologia de GPS dos Estados Unidos. Simplesmente, há o risco de os Estados Unidos, por diversas razões, resolverem negar o acesso ao sistema GPS, em algum momento. E mais, há riscos de espionagem econômica e militar o sistema GPS. Além disto, em operações militares, o Brasil dependerá o acesso à tecnologia norte-americana do GPS. A plenitude da soberania tecnológica do Brasil demanda a adoção de um sistema próprio de geoposicionamento por satélite, do contrário a dependência tecnológica significará restrições à competividade internacional e inclusive riscos à defesa nacional.

Por isso a necessidade de uma nova geoestratégia do Brasil, em relação à tecnologia de posicionamento e navegação por satélite, com vistas à construção de sistema nacional. A nação brasileira agradecerá!  


[1] Allison, Graham. A caminho da guerra. Os Estados Unidos e a China conseguirão escapar da Armadilhas de Tucídides? Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

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União Europeia debate o Data Act para 2021

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

A União Europeia, após aprovar o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), prepara-se para a edição do Data Act para 2021.

A União Europeia tem estratégia clara quanto à economia digital e, respectivamente, a proteção à sua economia de dados. Assim, a questão dos dados pessoais é disciplinada no Regulamento Geral de Proteção de Dados. Mas, a questão dos dados não pessoais será objeto de regulamentação específica. Deste modo, dados não pessoais, aqueles relacionados a objetos, máquinas, veículos, internet das coisas, entre outros, serão regulamentados. Estes dados não pessoais são um valioso ativo estratégico econômico, objeto da cobiça internacional. Há preocupação quanto à proteção de dados do setor público.

Debate-se, ainda, sobre a localização de dados do setor público em território europeu, evitando-se a transferência para outros países não integrantes da União Europeia. Assim, buscam-se medidas para evitar o risco de processamento de dados europeus no exterior. Trata-se de uma geoestratégica baseada na concepção da soberania digital. Deste modo, há a proteção de dados industriais, dados da agricultura e dados da saúde. 

Enfim, há o debate sobre as regras de acesso, proteção e compartilhamento de dados e limites à transferência internacional de dados. Assim, a discussão sobre o Data Act insere-se no contexto do Digital Services Act, ou seja, a regulamentação dos serviços digitais no contexto da União Europeia. Ou seja, as regras de e-commerce para a prestação de serviços digitais. Há preocupações da União Europeia quanto ao impacto da inteligência artificial em setores críticos, tais como: saúde, transportes, segurança pública e sistema legal.

Além disto, no contexto da internet das coisas (IoT), a revisão da segurança dos produtos e responsabilidade legal. Outro ponto é a segurança cibernética, computação quântica e blockchain. E mais, observe-se que há nicho para a internet das coisas relacionados à “internet dos corpos” (internet of body, IoT), isto é, dispositivos biomédicos e de bem estar ligados à saúde das pessoas. Assim, há implantes de dispositivos eletrônicos no corpo de pacientes (para regular o batimento cardíaco, para contribuir com as atividades cerebrais, para auxiliar o pâncreas, entre outros). Há, também, outros dispositivos que contribuem com o monitoramento das atividades físicas das pessoas. Estes equipamentos são vestíveis, isto é, podem ser utilizados como vestimenta no corpo das pessoas. Registre-se que a União Europeia busca incentivar o desenvolvimento de infraestruturas de computação em nuvem em território europeu.  Uma das questões é garantir a interoperabilidade entre os sistemas de computação em nuvem. Registre-se que a União Europeia conta com sistema próprio de posicionamento por satélite denominado Galileu.  Assim, o futuro regulamentação da União Europeia buscará a integração do sistema das regras de acesso, proteção, compartilhamento e processamento de dados não pessoais.

Enfim, trata-se de uma geoestratégia relevante quanto à proteção de dados impessoais, nos setores do comércio, indústria, agrícola, saúde, entre outros.

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Projeto de Lei dos Estados Unidos sobre o GPS – Geolocational Privacy and Surveillance Act

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

            O sistema de geolocalização por GPS (Global Positioning System) foi criado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Sua finalidade principal é assegurar informações de geolocalização de pessoas, objetivos, veículos, entre outros. Até hoje, está sob supervisão do Departamento de Defesa e da Força Aérea.  Porém, a tecnologia é autorizada para uso civil.[1] Apesar dos benefícios civis e militares do GPS, é uma das tecnologias símbolo da era da vigilância eletrônica por estados e empresas, uma das mais invasivas à medida que proporciona informações em tempo real sobre a localização de pessoas.  Deste modo, a tecnologia mestre em coleta de dados em tempo real, por redes de telecomunicações.  É uma tecnologia considerada de dual-use, isto é, de uso civil e militar. Registre-se que o GPS tem inúmeras aplicações na economia: transportes (rastreamento de veículos e cargas), comércio (geolocalização de consumidores para fins de publicidade comercial), navegação aérea, transporte marítimo (navegação de navios), agricultura de precisão, geosensoriamento, espacial, ferrovias, mapeamento, serviços ambientais, segurança pública, entre outros.  Por exemplo, máquinas agrícolas contam com sistema de GPS. Sem conectividade, no entanto, este equipamentos agrícolas não podem se conectar à rede de internet.  O sistema de GPS é totalmente compatível com as infraestruturas de telecomunicações móveis, por celulares. Há projetos da Força Aérea norte-americana para avançar na eficiência do sistema de GPS e as redes móveis de celulares. Assim, qualquer celular do globo poderá ser localizado pelo sistema GPS. Neste aspecto, a tecnologia de GPS é relevantíssima para a coleta de sinais de inteligência pelo governo norte-americano. Serve como instrumento em operações militares em teatros de guerra.

            O sistema de geocalização baseia-se em infraestrutura de telecomunicações por satélites distribuídos por todo o globo. Atualmente, há uma constelação de 33 (trinta e três) satélites espalhados ao redor do globo que garantem o funcionamento do GPS. Há antena de GPS na ilha Ascensão situada no Atlântico, com capacidade de coletar sinais de inteligência na região.  

            Há projetos de lei sobre o GPS. Um deles é o Geolocational Privacy and Surveillance Act – GPS Act.[2] Há normas sobre interceptação e divulgação de informação geolocalização. Também, o projeto de lei  proíbe da utilização informação de geolocalização como prova. Além disto, previsão de cobertura de danos civis por interceptação, divulgação ou violação das informações sobre geolocalização. Ademais, há norma sobre fraudes para obtenção de informação sobre geolocalização.

            Mas, qual é a razão deste projeto de lei? Frequentemente, autoridades de investigação norte-americanas utilizem a tecnologia para obter informações sobre movimentos de geolocalização de pessoas suspeitas de práticas de crimes, algumas inclusive sem autorização judicial. Houve um caso levado aos Tribunais de implantação de sistema de rastreamento de veículo por GPS, para monitorar as movimentações de um suspeito de crime. Houve abusos na utilização do GPS que motivaram entidades de direitos civis a buscar colocar limites legais, em defesa da privacidade e segurança de cidadãos norte-americanos.[3]

            Em outro caso, as autoridades de investigação criminal adotaram software que simulam o sinal das torres de telefonia celular, a fim de promover a interceptação das comunicações, sem autorização judicial, o que ensejou a judicialização do caso.[4]

            Igualmente, no projeto de lei acima referido, refere-se aos limites na implantação de instalações no território dos Estados Unidos de estações de recepção de sinal de satélite por governo estrangeiro. A finalidade da regra é controlar o acesso à tecnologia de GPS por governos de outros países.

            Por outro lado, o projeto de lei The Fiscal Year 2019 prevê que os fundos relacionados ao setor de transporte não podem ser utilizados para financiar o rastreamento por GPS de passageiros em veículos motores. Assim, a medida busca estabelecer parâmetros para a privacidade dos cidadãos norte-americanos.

            Na Lei norte-americana National Defense Authorization Act for fiscal year 2020 propõe a criação de um protótipo de programa global de navegação por satélite capaz de receber sinais para ampliação da capacidade de resistência de posições militares. Os sistemas de países aliados ao GPS norte-americano: sistema Galileu da União Europeia, o GZSS do Japão, o Navic da India. O Reino Unido estuda a criação de um sistema próprio de navegação por satélite. Os sistemas não alinhados aos Estados Unidos são: o GLONASS da Rússia e o Beidou da China.

            O Brasil não possui sistema próprio de posicionamento por satélite. Assim, é mero usuário do sistema de GPS dos Estados Unidos. Por isso, há riscos geopolíticos para o Brasil na adoção da tecnologia de GPS dos Estados Unidos.  Registre-se que os Estados Unidos possuem a legislação Foreign Intelligence Surveillance Act, a qual permite a interceptação das comunicações de estrangeiros.  Neste aspecto, por razões de defesa nacional do Brasil e da defesa da confidencialidade das comunicações nas redes de telecomunicações móveis brasileiras é fundamental a atuação mais efetiva das autoridades nacionais na proteção das comunicações de brasileiros, contra o risco de interceptação por autoridades estrangeiras.

            Em relatório do Departamento de Segurança Interior ao Congresso dos Estados Unidos, explica a perda do sinal do GPS implica em sérios danos à economia norte-americana. Trinta dias sem sinal de GPS poderia custar U$ 1 (hum) bilhão de dólares por dia à economia norte-americana.[5]

Com a tecnologia de 5G e IoT, ampliam-se os riscos de monitoramento por GPS em invasão à privacidade de pessoas e empresas, bem como os riscos de ataques cibernéticos às redes de telecomunicações móveis. Por isso, a necessidade atuação firme do legislador para proteger dados pessoais e dados não pessoais.

            Enfim, a tecnologia de GPS, sem dúvida alguma, proporciona inúmeras utilidades econômicas. Há informações valiosas nas redes de telecomunicações móveis. Porém, esta tecnologia lida com dados pessoais, relacionadas à geolocalização de pessoas. É a tecnologia símbolo da hipervigilância eletrônica estatal e empresarial, inclusive à coleta de dados em tempo real.  Há, ainda, riscos de ataques cibernéticos às redes de telecomunicações móveis. Por isso, a proteção à privacidade, confidencialidade das comunicações e a segurança dos dados pessoais relacionados à geolocalização é um fator significativo a ser considerada pelo legislador e pela Anatel, agência responsável pelo setor de telecomunicações.             


[1] www.gps.gov

[2] Nos termos da lei, geolocation information:  “geolocation information” means with respect to a person, any information that is not the content of a communication, concerning the location of a wireless communication device or tracking device (as that ther is defined section 3177) that, in whole or in parte, is generated by or derived from the operation of that device and that could be used to  determine or infer information regarding the location of the person”.

[3] Sobre o tema, ver: Farivar, Cyrus. Habeas Data. Privacy the rise of surveillance tech. New York: Melville Publishing, 2018.

[4] Habeas data, privacy the rise of surveillance tech, obra citada, p. 174.

[5] Homeland Security. Report on Positioning, Navigation, and Timing (PNT) Backup and Complementary Capabilities to the Global Positioning System (GPS). National Defense Authorization Act Fiscal Year 2017 Report to Congress: PNT Requirements, and Analysis of Alternatives, april, 8, 2020.

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Estados Unidos e vigilância eletrônica das comunicações de estrangeiros: a questão do 5G no Brasil e a defesa nacional das nossas comunicações

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo – USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação

Estados Unidos e China disputam a liderança global sobre a tecnologia de 5G. A China tem como um dos seus principais players a Huawei. Os Estados Unidos estão atrasados nesta corrida tecnológica, pois não há nenhuma empresa norte-americana líder global em tecnologia de 5G. Os Estados Unidos por supostas razões de ameaça à sua segurança nacional baniram a Huawei do fornecimento de tecnologia de 5G em suas redes de telecomunicações.  O governo norte-americano acusa a empresa chinesa de promover espionagem, a serviço do governo da China. Há, também, acusações de furto de dados e de propriedade intelectual. A empresa nega todas as graves acusações. Embora tenha ocorrido a eleição do novo Presidente Biden, há tendência de se manter esta política norte-americana no 5G, no sentido de se excluir a tecnologia chinesa nas redes de telecomunicações. Além disto, os Estados Unidos pressionam países aliados para que se alinhem a sua posição geoestratégica no sentido de vedar a tecnologia de 5G da China.

 Neste sentido, o governo norte-americano ameaçou não mais compartilhar informações de inteligência se países aliados não excluírem a tecnologia de 5G de suas redes de telecomunicações. Assim, o governo norte-americano adotou o Clean Path (Caminho Limpo), isto é, redes de 5G com a exclusão do fornecimento de equipamentos e tecnologia por empresas chinesas em infraestruturas de computação em nuvem, infraestruturas de rede de telecomunicações, redes de internet, lojas de aplicativos e redes de cabos submarinos. Por ora, há sinais no sentido que o governo brasileiro poderá integrar este programa Clean Path, para fins de exclusão do fornecimento de tecnologia de 5G da Huawei nas redes de telecomunicações nacionais. A narrativa do governo norte-americano pode ser objeto de fortes críticas. Será que os Estados Unidos por não ser competitivo na tecnologia 5G resolveu adotar uma tática de protecionismo com a negação do livre comércio global, já que está perdendo a competição para a China? Outra questão, o governo norte-americano acusa a China de realizar espionagem. Mas, os Estados Unidos não realiza espionagem contra governos, empresas e pessoas estrangeiras? Registre-se que, em 2013, o Congresso Nacional do Brasil abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar atividades de espionagem realizada pela National Security Agency dos Estados Unidos contra alvos brasileiros: cidadãos, empresas e autoridades. Além disto, é importante registrar que o contexto institucional dos Estados Unidos.  Lá, de acordo com a lei denominada Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA), obriga as empresas de telecomunicações a adotarem padrões em equipamentos que permitam a interceptação das comunicações de telecomunicações.  A princípio, a lei é aplicável apenas às empresas norte-americanas e aquelas que estejam situadas em território norte-americano. Outra lei norte-americana é a Foreign Intelligence Surveillance Act (FISA), a qual permite que autoridades norte-americanas interceptem comunicações no exterior, inclusive permitem a coleta de sinais de inteligência (dados relevantes para a segurança nacional dos Estados Unidos). Portanto, com base nesta lei é permitida a vigilância eletrônica em massa de governos, empresas e pessoas estrangeiras. Neste contexto, as empresas globais de tecnologia como Google, Apple, Facebook, Amazon, entre outras, podem ser intimadas a colaborar com o governo norte-americano em questões de inteligência nacional. Outra lei é o Cloud Act, o qual possibilita o acesso por autoridades norte-americana de dados armazenados em servidores localizados no exterior, em hipóteses de investigações.  Adicionalmente, a lei Export Control Reform Act trata das medidas de controle de exportações de tecnologias consideradas dual-use, isto é, com utilização civil e militar. Assim, microchips, tecnologias de satélite, fibras óticas, cabos submarinos, GPS, são consideradas tecnologias dual-use. Aliás, a própria internet é considerada uma infraestrutura dual-use. Por isso, o governo norte-americano busca restringir o acesso pela Huawei à tecnologia de microchips de empresas norte-americanas.  Além disto, os Estados Unidos lidera uma aliança internacional de inteligência denominada Five Eyes, juntamente com o Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Este aliança serve à coleta de sinais de inteligência em todo o globo. Por outro lado, National Security Agency é a agência governamental encarregada de realizar as atividades de vigilância eletrônica e coleta de sinais de inteligência para os Estados Unidos em todo o globo. Relembre-se que a NSA já realizou espionagem contra o Brasil, supostamente um país aliado dos Estados Unidos, em 2013.  Diante deste contexto, compete ao Brasil, nação soberana, adotar as medidas mais adequadas à proteção à confidencialidade das comunicações dos governos, empresas e cidadãos brasileiros.  

O Congresso Nacional é a autoridade competente para debater o tema. O Presidente da República não pode deliberar, exclusivamente, sobre o assunto. A missão da regulamentação do 5G dever compartilhada entre governo e Congresso Nacional, justamente por envolver questões de defesa nacional.  Registre-se, ainda, que a União Europeia adotou uma solução intermediária, no sentido de excluir parcialmente a tecnologia chinesa das áreas centrais de redes de telecomunicações, permitindo-se apenas a presença em áreas periféricas. É inadmissível o Brasil seja incapaz de se defender seja diante dos Estados Unidos, seja diante da China, ou qualquer outro país.

Diante da questão do 5G, eventual omissão do governo brasileiro e do Congresso Nacional em adotar medidas de proteção à integralidade e confidencialidade das comunicações representará grave atentado à soberania nacional.  Afinal, o Brasil não é o quintal dos Estados Unidos, dever proteger o interesse nacional acima de qualquer interesse de país aliados. No jogo geopolítico entre Estados Unidos e China, o Brasil deve proteger a integridade, confidencialidade e privacidade das comunicações brasileiras.   

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Neomilitarismo, desmilitarização do governo, contenção da influência política das corporações militares e a concepção civil de defesa nacional. Princípio do controle civil das forças armadas: a arma da democracia

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

As raízes democráticas de um povo são a maior conquista civilizatória. Mas, estas raízes devem prover dos cidadãos, o elemento civil. Assim, o governo civil é o maior símbolo da evolução democrática. Porém, quando um país optar por caminho de militarização de seu governo civil é um grave sintoma de que há algo de errado nesta jornada. Ainda, quando este País passou por um período de retrocesso histórico representado por duas décadas de regime de ditadura militar.

Por este texto para ampliar a reflexão sobre o princípio do controle civil das forças armadas. No Brasil, em 2020, houve o debate sobre o papel das forças armadas. De um lado, uma corrente autoritária e antidemocrática sustentou a possibilidade de intervenção das forças armadas na hipótese de conflito entre os poderes da República. De outro lado, a doutrina constitucional e democrática que defende a tese de inexistir poder moderador às forças armadas.  O Supremo Tribunal Federal na ADI n. 6457, Rel. Min. Luiz Fux, acolheu esta última tese, ao afirmar que não cabe às Forças Armadas o papel de moderador dos conflitos entre os Poderes da República.  A decisão do Supremo Tribunal Federal esclarece a natureza das forças armadas como instituição de Estado e não como órgão do governo. O debate constitucional foi realizado a respeito da interpretação do art. 142 da Constituição Federal.[1] O objetivo do presente texto é aprofundar a noção do princípio do controle civil das forças armadas, isto é, a subordinação das autoridades militares ao comando civil.  Neste sentido, há a hierarquia do comando civil sobre a autoridade militar. A autoridade militar esta subordinada à autoridade civil. Esta é a base do princípio do Estado Democrático de Direito. O núcleo básico é controle da influência política das forças armadas no governo civil, bem como o controle da influência política sobre as forças armadas, para se evitar o risco de sua utilização abusiva pelos governos civis, para realização de jogos políticos-eleitorais e ações espetaculares na mídia.

Nos Estados Unidos, este princípio está enraizado na ordem democrática. Sobre o tema, aliás, um dos pensadores conservadores e doutrinadores do tema Samuel P. Huntington escreveu a obra The Soldier and the state. The theory and politics of civil-military relations, The Belkan Press of Harvard University Press, Cambridge, 1957. Para o autor a participação de militares em governos civis representa a negação do princípio do controle civil das forças armadas. Para ele, o que deve imperar na corporação militar é a profissionalização, mediante o afastamento dos militares da política doméstica nacional. E, ainda sobre o tema, já escrevi o artigo Em defesa da maximização do controle civil das forças armadas e de seu profissionalismo. A necessária compreensão da questão democrática e militar, publicado no Portal Direito da Comunicação (www.direitodacomunicacao.com), em 29/7/2020. Em outro artigo, também, escrevi: O Brasil, a Constituição os limites à autoridade da Presidência da República e os riscos de politização das forças armadas, publicado no Portal Direito da Comunicação, 25 de maio de 2020. A propósito dos objetivos do controle civil das forças armadas, Anaís Medeiros Passos explica: “Mais especificamente, alguns dos objetivos de submeter os militares à supremacia civil são: proteger os direitos humanos de todos os membros da sociedade, alinhar os objetivos políticos de lideranças civis e militares, legitimar o  uso da força por grupos  associados ao estado e reduzir os poderes discricionários dos militares”.[2] Ora, o atual governo do Brasil aumentou a participação de militares no governo federal, inclusive em cargos civis, fato que coloca em risco o princípio do controle civil das forças armadas. Há militares na Casa Civil, Ministério da Saúde, Ministério da Energia, Correios, Infraestrutura, Empresa Brasil de Comunicação, Autoridade de Proteção de Dados, Petrobras, entre outros órgãos e empresas estatais. A participação de militares no governo civil enseja o pagamento de gratificações, via de regra, de 30 (trinta por cento) de sua remuneração. O problema é utilização de esta convocação presidencial servir como pretexto para a “compra” de apoio pelo Presidente da República do apoio de militares ao seu governo, algo nocivo à democracia.

O fato ensejou a atuação do Tribunal de Contas da União para apurar as irregularidades, com a nomeação de militares em cargos civis. Além disto, destaque-se que a chapa presidencial vencedora das eleições foi formada por um ex-capitão do Exército e por seu Vice, um general da reserva. Ora, será que este tipo de aliança política representa o exército como avalista do governo? O exército está sendo manipulado como em garantia do mandato do Presidente e Vice-Presidente para evitar o risco de um impeachment?

No Congresso Nacional há inúmeros pedidos de impeachment, ainda mais diante da gestão catastrófica em relação à pandemia. Esta é uma pergunta que a história futura responderá, isto é, o nível do envolvimento do exército na política doméstica. Afinal, o exército pode ser avalista de governos? A resposta é, evidentemente, negativa.  O vácuo de liderança civil é um fator que agrava a presença de agentes militares na vida pública. A desorganização da política é um fator de risco da militarização da vida pública. Em cenário de crise econômica e social há o “clamor” por forças conservadoras das forças armadas. Estas causas gera consequências nefastas à democracia. O Brasil vive período histórico de intensa polarização política, inclusive com práticas de disseminação de ódio por redes sociais. Por isso, a eventual adesão das forças armadas a determinado grupo político/ideológico é contrária ao espírito democrático.

As forças armadas não podem estar a serviço de determinado grupo político e/ou ideológico em detrimento de outros. O neomilitarismo é representado pela captura das forças armadas por agentes políticos, para fins político-eleitorais. Também, o neomilitarismo está associado à invasão da demagogia nas corporações militares, com a exploração política das forças armadas, por agentes políticos. Outro sintoma é a participação de militares como candidatos em eleições federais, estaduais e municipais. Outro fato é a atuação de militares em redes sociais, com o envolvimento em questões políticas e civis.  Além disto, a militarização do ensino com programas de escolas cívico-militares é um sintoma do neomilitarismo. Exemplo infeliz disto é o governo do Paraná que pretende adotar um programa de militarização nas escolas públicas estaduais. Um país deve ter a educação pública, vinculada a valores civis-democráticos.

Esta militarização da educação pública é um desvio de finalidade do Estado. A educação pública deve estar livre de ideologias religiosa e/ou militares. Educação militar em colégios civis é um retrocesso histórico! Adicionalmente há o risco de realização de operações de influência e/ou operações de informações na opinião pública por agentes militares, inclusive o risco de participação em campanhas de desinformação,  em benefício de determinado grupo político e/ou familiar, algo que deve ser coibido pelas forças democráticas.  O Exército não pode ser manipulado em benefício do nepotismo de uma família. Agentes militares não podem legitimar o nepotismo, à medida que são utilizados para favorecer membros de uma única família. Esta prática é contrária ao princípio republicano. Uma República séria está comprometida com valores democráticos.

Diversamente, uma “republiqueta latino-americana” coloca suas forças militares a serviço da família e amigos no governo.  Infelizmente, a América Latina tem inúmeros exemplos de “caudilhos militares” que colocam em risco a credibilidade das corporações militares. É o caso extremo da Venezuela, aonde houve as forças armadas decidiram ir para dentro do governo. Além disto, nos últimos anos, vê-se a atuação intensa das forças armadas em questões da política doméstica, com a intervenção em temas de segurança pública, sendo chamadas para atuar nos estados da federação, em operações de “lei e ordem”. A atuação das forças armadas como força policial tem o condão de representar risco de contaminação tóxica para seus integrantes e para a reputação da corporação. Por exemplo, no México, um dos principais generais do exército participante de ações militares de combate ao narcotráfico foi preso nos Estados Unidos sob a acusação de ser o chefe de uma organização criminosa de narcotraficantes.

Há, portanto, riscos nas forças armadas em ações de combate ao narcotráfico. No Brasil, é preciso “blindar” as forças armadas das interferências políticas para atuação em questões corriqueiras da política doméstica. Afinal, o foco das forças armadas deve ser a defesa nacional, sobretudo contra os riscos de ameaças externas. Por isso, há forças terrestres, aéreas e marítimas e, inclusive forças cibernéticas. No século 21, as forças armadas precisam contar com recursos suficientes para enfrentar os desafios modernos. Sua modernização tecnológica é uma prioridade da defesa nacional. Ora, no Brasil, as forças armadas estão se desviando de sua finalidade institucional de defesa nacional, à medida que se envolvem em questões da administração pública e segurança pública. Ademais, as forças armadas foram convocadas para atuar em temas associados à fiscalização ambiental na região amazônica, bem como ações de enfrentamento ao coronavírus. Enfim, são diversas questões que o governo está requisitando às forças armadas, para além de sua finalidade institucional. Este desvio da finalidade das forças armadas pode ensejar ações de responsabilidade perante a União Federal. Assim, haverá a responsabilização pública das autoridades que convocarem abusivamente as forças armadas em desvio de finalidade. A Constituição do Brasil, em diversos momentos, aponta para o controle civil das forças armadas. Este princípio é a consequência natural do regime democrático e da constituição do governo civil.  Por óbvio, uma força armada não pode assumir a direção política de um governo. Uma força armada não pode participar da negociação política, influenciando com o peso de suas armas e de sua farda.  Há regras de restrição dos direitos políticos de servidores públicos militares.

Existem normas de limitação à liberdade de expressão e de opinião, para garantir a unidade da corporação militar. Há a proibição do exercício do direito de greve. Há normas sobre impedimento da participação política dos agentes militares. Existem regras sobre a proibição de os militares participarem de atividades sindicais. Portanto, a Constituição da República delimita, com clareza e precisão, os limites à atuação de militares em atividades políticas-partidárias. O propósito constitucional é preservar as Forças Armadas como instituição de estado e não como órgão do governo federal. Por isso se trata de uma carreira de estado, com alta função constitucional. A razão é simples para a existência das regras constitucionais. Se servidores públicos militares começarem a participar de atividades políticas partidárias e/ou extrapartidárias, para obtenção de poder político e/ou disputar o governo, simplesmente haverá a politização das forças armadas. Com a politização dentro das forças armadas haverá, consequentemente, o risco de ruptura com a hierarquia e a disciplina e unidade, necessárias à ordem militar.  Há, enfim, o risco de quebra do princípio do comando e controle, vez que divergências políticas podem afetar o cumprimento de missões militares. As bases militares poderão se tornar meras plataformas eleitorais com capacidade de lançar candidatos a cargos eletivos como governadores, deputados, senadores e vereadores. Até mesmo a participação de militares inativos na atividade política tem a capacidade de produzir o risco de politização das forças armadas. Os servidores públicos militares aposentados (denominados da reserva), certamente buscarão influenciar as bases militares em busca de apoio político-eleitoral, criando-se um ciclo de contaminação politizada dentro das forças armadas.  Daí a necessidade de um “código de conduta militar” capaz de conter, inclusive a influência dos aposentados sobre a corporação militar. A liberdade de expressão dos militares da reserva deve ser restringida, a bem da unidade da corporação militar. A instituição militar perde – e muito – sua reputação e responsabilidade para com a nação se permitir a participação política de militares na ativa e/ou na reserva. Por isso, os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, finalidade, entre outros, são fatores de contenção do desvio de finalidade da utilização das forças armadas em benefício de determinado grupo político/familiar. Além disto, militares não podem ser usados para criar situações de obstrução de justiça, a mando do Presidente da República. O lema do exército “braço forte mão amiga” deve ser estendido para todos os brasileiros e não apenas para determinada facção política. Outro risco ainda para as forças armadas é o risco de contaminação por milícias, verdadeiras organizações criminosas. Além disto, registre-se que as forças armadas são financiadas pelo sistema da tributação. Logo, é o povo quem financia os custos de manutenção das forças armadas. Um servidor público militar conta com sua remuneração e proventos fixos, para justamente lhe garantir no cargo público, de modo independente. Diversamente do trabalhador comum, o servidor público militar não tem riscos financeiros em sua atividade profissional, como ficar sem renda! O povo brasileiro é marcado por divisões políticas e ideológicas. Há divergência de opiniões políticas.

Logo, se as forças armadas apoiarem um governante e/ou governo, evidentemente, há o risco de perderem legitimidade com outros grupos políticos. Por exemplo, as disputas políticas na sociedade poderão contaminar os quartéis, colocando em risco a unidade da corporação militar. Assim, as forças armadas são responsáveis perante o princípio da soberania popular. Elas estão a serviço de proteção do povo. Jamais poderão servir a facções políticas/partidárias. A lealdade das forças armadas é para com o povo.  Em hipóteses extremas de divisão interna do País, há o risco de guerra civil. A título de memória histórica, durante o período do regime de ditadura militar de 1964-1985 no Brasil, houve simplesmente a negação do princípio democrático, com a supressão do direito de voto, eleições e direitos políticos. Também, houve a supressão da liberdade de expressão, mediante práticas de censura e violação de direitos humanos. Portanto, o período representou o retrocesso histórico do Brasil, com a negação da democracia e de repressão aos direitos. Este período sombrio da história brasileira jamais poderá ser relembrado apenas como uma “revolução democrática”. Não, ao contrário, trata-se de golpe militar com apoio civil. Além disto, o período de ditadura foi marcado pelo terrorismo de estado ou por estado terrorista, algo que nocivo às instituições democráticas e ao regime de direitos fundamentais. Precisamos compreender a história brasileira para evitar o risco de repetir a tragédia.  A memória histórica correta deve ser restaurada. Não é um período para ser comemorado por ninguém. Raimondo Faoro em palavras exemplares: “Entramos, por uma vereda inesperada, em novo gênero literário, a mitopeia. Manipula-se o passado e manipula-se o presente para enganar o futuro”.[3] Ulisses Guimarães em discurso histórico referiu-se ao seu nojo em relação à ditadura.

Ao contrário, este período da história brasileira deveria ser marcado pelo arrependimento eficaz das forças armadas pelos lamentáveis erros históricos. E, ainda, mero pedido de perdão não significa nada. Aliás, sequer houve o pedido de perdão histórico pelas forças militares. A propósito, recentemente, um filho de militar, cujo pai participou da ditadura está levantando a história de participação familiar no episódio, pois a versão oficial narrada por seu pai não corresponde à verdade. Assim, o filho está resgatando a verdade histórica em relação ao golpe militar.  O filho pretende fazer um filme sobre o tema. O sentido de vergonha é que move a atuação do filho. Por isso, nações democráticas investem na profissionalização de suas forças armadas. Há códigos de conduta a serem seguidos pelos servidores públicos militares. Além disto, em nações democráticas, o comando da defesa está sob a alçada civil. Por isso, o Ministério de Defesa deve ser ocupado por agentes civis e não por militares. Entendo que o Ministério de Defesa é um cargo de natureza civil. A nomeação de um civil é para evitar conflitos em disputas políticas entre exército, marinha e aeronáutica. A Defesa Nacional é uma tema relevantíssimo de interesse dos civis e não somente dos militares. Por isso, os autores Octavio Amorim Neto e Igor Acácio propõem a carreira civil de especialista em defesa, algo a ser instituído no governo. Proposta esta interessante para incentivar o estudo civil da defesa nacional por especialistas. Além disto, eles sustentam a necessidade de organização civil do controle do sistema de defesa nacional.[4] Por outro lado, há riscos para a institucionalidade das forças armadas em decorrência de abusos presidenciais, isto é, a instrumentalização política pela Presidência da República para fins político-eleitorais. Nesta hipótese de cooptação das forças armadas pelo Presidente da República para fins político-eleitorais haverá desvio de finalidade a ser devidamente apurado pelos órgãos competentes como é o caso do poder legislativo e poder judiciário. Além disto, práticas de promoção pessoal pelo Presidente da República, a partir da exploração do prestígio das forças armadas representam atos de improbidade administrativa. Por isso entendo, inclusive, plena necessidade de reforma do Gabinete da Segurança Institucional da Presidência da República, de modo a alcançar a desmilitarização, para evitar relações de proximidade tóxica entre Presidência da República e as forças armadas. A segurança institucional da Presidência da República pode perfeitamente ser liderada por civis, sob equipes civis e militares. Ressalte-se que as forças armadas submetem-se ao controle parlamentar, jurisdicional e pelo tribunal de contas da União. Assim, cada ato de nomeação pelo Presidente da República de agentes militares pode ser caracterizado como ato de improbidade administrativa se houver dolo e culpa e se houver desvio de finalidade.  Além disto, a mídia melhorar a cobertura de temas relacionados às questões relacionados às forças armadas e defesa nacional. De todo modo, é importante que as forças armadas adotem um código de autocontrole, isto é, de autocontenção, para evitar riscos de contaminação política dos quartéis. O uniforme militar não pode ter utilização político-partidária.  Imagine-se o risco de termos cabos, sargentos, tenentes, generais, coronéis e almirantes políticos? Se todo soldado resolver agir politicamente dentro dos quartéis o que sobra da unidade da corporação militar?

No século 20, a principal divisão ideológica foi entre capitalistas, comunistas e socialistas. De um lado, o grupo de países capitalistas, liderados pelos Estados Unidos. De outro lado, o grupo de países comunistas, liderados pela ex União Soviética. Ora, imagine-se que as ideologias adentrem dentro dos quartéis? O que teremos? Debates infindáveis entre direita e esquerda, entre outras forças políticas. Teremos generais, coronéis, capitães, tenentes, sargentos capitalistas de um lado? E de outro lado, teremos generais, capitães, tenentes comunistas?  Teremos generais de esquerda e de direita?  Nada contra generais e/ou capitães capitalistas e comunistas e/ou socialistas. Um “capitão” com ambições políticas, ganância e espírito de enriquecimento pessoal, pode perfeitamente se retirar das forças armadas e vir a fazer sua vida profissional fora dos quartéis. E o Brasil, intensamente polarizado, divide-se, de um lado,  entre movimentos anti-petistas e anti-lulismo, e de outro lado, movimentos do bolsonarismo. Ora, estes dois movimentos já contaminaram as forças armadas?  Acredito que esta bipolaridade política é nefasta para o País. É fundamental a construção de uma terceira via, para além da extrema direita.

A questão é que a ideologia política não pode adentrar as forças armadas. A propósito, o tenentismo no Brasil foi inspirado na ideologia fascista de Benito Mussolini da Itália, o qual tinha simpatizantes nas forças armadas. Nos Estados Unidos, movimentos civis, diante dos excessos praticados por agentes policiais, chegam inclusive a reivindicar a dissolução das forças policiais. Em casos extremos de intensa polarização social, mesmo no Brasil poderá haver movimentos que advoguem a dissolução das forças armadas se não as mesmas não mantiveram sua isenção diante das disputas políticas em relacionadas aos governos. Ora, em um regime democrático, a corporação militar deve ser apolítica, isto é, sem nenhuma preferência política por se tratar de instituição de estado. E, ainda que o regime econômico no Brasil seja o capitalismo, por óbvio, que agentes militares não vão ignorar as deficiências do capitalismo no que tange à desigualdade social e a distribuição de renda. No Brasil, há milhões de pessoas nos exércitos de pobres, desempregados, famintos, idosos e doentes. Por isso, se adotada unicamente uma política de segurança baseada na violência estatal para combater a violência social não haverá a pacificação social. O estado crônico da segurança pública não será remediado pela atuação das forças armadas.  Para além das medidas de força são necessárias públicas de inclusão social, para remediar os danos colaterais do capitalismo. Por outro lado, em nações democráticas, há o equilíbrio de forças entre as forças armadas. Por isso, países desenvolvidos, com fortes economias nacionais, projetam seu poder naval e seu poder aéreo. Neste contexto, o exército tem seu poder militar, porém há investimentos de defesa no poder naval e no poder aéreo. No âmbito da América Latina, os exércitos assumiram influência política significativa sobre os governos, a sociedade civil e vida parlamentar.  A influência militar na política dos países latino-americanos é ainda um fator a ser analisado, inclusive há, infelizmente, elementos militares antidemocráticos.

A militarização na política e vida parlamentar do País não é boa para a democracia, tendo em vista o recente passado histórico. Além disto, a modernização das forças armadas no Brasil requer investimentos na projeção de poder continental e extracontinental, no poder naval e poder aéreo. O Brasil é um país continental, logo sua força naval e aérea é subdimensionada. Os Estados Unidos detém o poder militar, não somente por causa do exército, mas devido à sua força naval (navios, submarinos, com capacidade nuclear, com projeção de poder sobre o Oceano Atlântico e Pacífico), com capacidade de atuação planetária e sua força aérea (aviões bombardeiros nucleares e mísseis nucleares intercontinentais), também com projeção global. Além disto, o poder militar norte-americano é expresso pela força espacial (satélites militares, geointeligência espacial, armas antissatélites, etc) e pela força no espaço cibernético (comandos cibernéticos).  Há novas tecnologias militares sendo empregadas pelos Estados Unidos.[5] Como geoestratégia os Estados Unidos adotam ações de contenção de outros países, com a utilização geopolítica de sua legislação. E mais, há táticas de rebalanceamento de poder, para fins e preservação do status norte-americano no globo. Deste modo, há táticas de balanceamento de poder nas Américas, Europa, Ásia e Oceania. Qualquer tipo de ameaça à posição hegemônica de liderança dos Estados Unidos é combatida com medidas de contenção de poder do país adversário, vide o exemplo das ações de redução da influência da China nas Américas e na Ásia.[6] A geoestratégia dos Estados Unidos em relação à tecnologia do 5G no Brasil tornou explícita a sua política externa de contenção da influência da China no hemisfério continental. Os Estados Unidos tratam o Brasil como área de manobra de seu entorno estratégico. Por isso, os Estados Unidos adotam medidas para a sua segurança nacional, com repercussão sobre o Brasil. No Brasil, há duas linhas clássicas de pensamento geopolítico no ambiente militar. De um lado, Mauro Travassos, representante da corrente de que a defesa nacional do Brasil deve ser feita de modo soberano, apesar dos Estados Unidos. De outro lado, o General Golbery, segundo o qual a defesa nacional do Brasil depende dos Estados Unidos. Segundo o autor André Roberto Martin: “… a geopolítica é tomada como guia para as decisões em política externa. No último sentido, que o que mais nos interessa, a divergência de opiniões é flagrante entre Travassos e o pensamento esguiano, liderado por Golbery.[7] Ao que o primeiro quer ver o Brasil protegido dos Estados Unidos, o segundo quer um Brasil protegido pelos Estados Unidos, o que não é, convenhamos, distinção de pouca monta, ainda que se leve em consideração a diferença de conjunturas em que se produziram os dois modos de pensar”.[8] Estas correntes de pensamento foram formuladas no século 20. Em síntese, uma parte da geoestratégia de defesa nacional do Brasil está alinhada aos Estados Unidos. Diferentemente, outra geoestratégica de defesa do Brasil é soberana diante dos Estados Unidos.  Precisamos defender uma geoestratégia de defesa nacional, independentemente da vontade dos países líderes globais. Uma geoestratégia de defesa nacional baseada na participação de civis, fundamentada no pacifismo institucional, mas se preparada para a guerra se for necessária para se manter a paz.  No contexto do século 20, no período da segunda Guerra Mundial, o Brasil, após flertar com o nazismo durante o período do regime Vargas, ficou ao lado dos Estados Unidos na guerra, ao encaminhar a força expedicionária para combater no front da Itália. A propósito, o Japão, após participar da segunda guerra mundial ao lado do nazismo, declarou seu arrependimento à militarização de seu país e seu governo. Depois, durante o período da Guerra Fria, diante da ameaça “comunista” houve o golpe civil-militar como forma de prevenção à ameaça comunista representada pela ex União Soviética. Na década de 80 do século, no hemisfério sul, houve a Guerra das Malvinas entre Argentina e Reino Unido. O Brasil, oficialmente, declarou-se neutro. Porém, na prática, contribuiu com a Argentina. A propósito, e curiosamente, o Reino Unido possui a sua maior “zona econômica marítima” no Atlântico Sul, em territórios ultramarinos representados por ilhas. Estas ilhas servem como pontos de coleta de sinais de inteligência no Atlântico Sul, bem como bases navais militares para as operações britânicas. Os Estados Unidos apoiaram militarmente o Reino Unido, principalmente com seus serviços de inteligência da NASA e NSA. O Reino Unido em sua operação militar utilizou-se de suas bases nas Ilhas Ascensão e Geórgia do Sul, inclusive encaminhou um submarino nuclear. Assim, navios, aviões e submarinos britânicos foram deslocados para o Atlântico Sul.  

Em síntese, os Estados Unidos não seguiram o pacto de defesa das Américas no sentido de evitar uma ameaça extracontinental. No mínimo, os Estados Unidos deveria ter se declarado neutro no conflito. Agora, no século 21 precisamos de novas linhas de geodefesa do Brasil, alinhadas com a defesa nacional de modo a exercer a plena soberania. O Brasil precisa de um pensamento geoestraestratégico para além da doutrina “americanista” e/ou doutrina “antiamericanista”. O Brasil demanda, por se tratar de um país com porte continental, de uma doutrina geoestratégica, fundamentada em sua plena soberania econômica, tecnológica, militar e cultural. A percepção do poder geocultural do Brasil pode contribuir para sua liderança internacional.  Há questões que envolvem a capacitação nacional no século 21, por isso as forças armadas não podem perdem tempo com questões de política doméstica. Do contrário, se for mantido este desvio de finalidade, a única conclusão possível que as forças armadas estão sendo utilizadas para legitimar governos civis. Ora, as forças armadas não podem servir como “avalistas” de governo com integrantes originários do meio militar. Se o forem, simplesmente, responderão solidariamente pelos atos do governo. Neste aspecto, as forças armadas terão responsabilidade política pelos resultados do governo. O Brasil não pode depender para sua proteção de outros países. Um país plenamente soberano é capaz de se defender. O Brasil não é o quintal dos Estados Unidos. O Brasil deve assumir uma posição de liderança regional e global, conforme seus interesses nacionais. A posição hegemônica dos Estados Unidos no hemisfério deve ser contrabalanceada por medidas ativas de contenção do poder norte-americano, mediante negociações internacionais. Aqui, vale lembrar as lições de Gilberto Freyre a respeito das fragilidades de um país que depende da atuação de seu exército: “A verdade, porém, é que o país onde o Exército seja a única, ou quase a única, força organizada necessita de urgente organização ou reorganização do conjunto de suas atividades sociais e de cultura para ser verdadeiramente nação. Nação desorganizada não é nação. E mesmo que o exército seja moral e tecnicamente primoroso; se é a única força organizada da nação, esta nação corre o perigo de transformar-se em simples cenário de paradas ou simples campo de manobras. É uma nação socialmente doente, por mais atlética que pareça”.[9] A defesa nacional deve ser pensada em camadas geoestratégicas: terrestre, marítima, aérea, espacial e cibernética. A proteção do Brasil deve ficar sob o encargo do Brasil. O país não pode ficar mercê de nenhuma nação estrangeira seja continental ou extracontinental. No pêndulo de forças geopolíticas, o Brasil não pode oscilar, ora de um lado (Estados Unidos), ora de outro lado (China), conforme os grupos políticos e/ou circunstâncias no poder. É fundamental traçar uma política externa de Estado, comprometida com os interesses nacionais. O país precisa desenvolver uma cultura de defesa nacional, baseada em sua plena soberania, de modo a conter a influência estrangeira, inclusive sobre suas forças armadas e sobre sua elite política e econômica. O Brasil, o “gigante adormecido”, o País do futuro,  precisa acordar para sua realidade e para seu presente; desenvolver suas potencialidades internas, com a cooperação internacional, para além dos Estados Unidos e da China. Os dois países disputam a liderança global. Por isso, o Brasil precisa manter a equidistância saudável para não entrar em rota de colisão com nenhum dos dois países. Neste aspecto, o Brasil deve rever sua geoestratégia, principalmente no Atlântico Sul, de modo a buscar alianças extracontinentais. Talvez, um sistema de defesa Atlântico Sul seja mais adequado ao interesse geoestratégico brasileiro. Ao Brasil, evidentemente, interessa realizar parcerias com os Estados Unidos e com a China. Mas, há, também, outros países com os quais o Brasil pode realizar acordos de cooperação, inclusive no campo militar. Por isso, a aquisição de aviões militares da Suécia é um exemplo de alternativa geoestratégica. A fabricante dos aviões (SAAB) é também fabricante de submarinos e outros produtos de defesa. A partir daí, talvez seja possível estabelecer as bases para uma indústria de defesa contemporânea, mediante uma rede de alianças internacionais. Mas, não necessariamente o alinhamento automático do Brasil ao governo norte-americano é saudável.  É possível adotar uma linha geoestratégia de defesa militar soberana, mediante a negociação de condições equitativas, em relações de confiança e troca comercial. Enfim, é fundamental para a defesa nacional o rebalanceamento de poderes nas forças armadas, com investimentos no poder naval e poder aéreo. Para, além disto, é preciso a percepção do pensamento geopolítico e geoestratégico de defesa nacional a partir da articulação entre a cultura civil e a cultura militar.  Por outro lado, as forças armadas brasileiras carecem ainda de um choque de democratização. Para tanto, é preciso garantir o acesso de mulheres e negros aos cargos de comando das corporações militares. Ademais, é necessária a vinculação das forças armadas a mecanismos de maior controle democrático, bem como o estreito compromisso com o regime de direitos fundamentais, previsto na Constituição do Brasil. E mais, deve-se repensar o sistema de justiça militar, inclusive debater a respeito de sua extinção, afirmando-se a jurisdição civil para o julgamento de militares.  Outro ponto a ser debatido na reforma militar é o número do contingente de pessoal. Talvez, uma medida interessante é focar em investimentos em equipamentos e tecnologias militares, ao invés da utilização de recursos públicos no pagamento de remunerações e pensões. Esta é uma tendência global das forças armadas nos países desenvolvidos: unidades militares menores, mas com tecnologias avançadas. Neste aspecto, o Ministério Público pode contribuir com o avanço no controle democrático das corporações militares, evitando-se práticas de abusos presidenciais na exploração do prestígio das forças armadas.  Em destaque, é necessário o controle de atos de promoção pessoal do Presidente da República ao explorar a reputação das forças armadas. Neste aspecto, é fundamental a responsabilidade das forças armadas em relação ao controle de armamentos de uso militar. Este é um tema sensível que não pode ficar à mercê de exploração política. Armas militares não podem parar na mão de civis.

Além disto, é preciso acabar o regime de alistamento militar obrigatório, de modo a se prestigiar a liberdade os cidadãos. Igualmente, é necessário nova doutrina militar adequada ao século 21, adequado aos cenários de paz e de guerras contemporâneos, bem como de demanda por novas tecnologias. Em síntese, a preservação da natureza das forças armadas como instituição de Estado está vinculada à manutenção de seu etos apolítico e seu caráter apolítico. Ademais, a credibilidade e reputação da corporação militar, bem como de confiança pública na instituição, dependerá o respeito ao princípio do controle civil das forças armadas. Uma força armada não pode ser confiável para uma parte do povo e para outro não. Para ganhar a confiança de todas as forças armadas precisam ser imparciais e equidistantes do poder político e do governo civil. Talvez seja chegada a hora de uma reforma nas forças armadas, a fim de conter eventual corporativismo. A desmilitarização do governo é o primeiro passo. A democracia e a soberania eleitoral agradecem.  Para um governo que pretende se alinhar à OCDE, no mínimo, o primeiro passo é promover a desmilitarização do próprio governo, respeitando-se o princípio do governo civil. Afinal, os países membros da OCDE adotam em sua plenitude o princípio do controle civil de suas forças armadas. Além disto, o regime de plena democracia liberal e ocidental, tal como é a narrativa de alguns membros do governo, é incompatível com a militarização do governo. O governo militarizarizado é incompatível com o regime democrático.  A falta de respeito à democracia é sintoma de uma “fraqueza armada”.  A melhor arma para a democracia é a efetivação do controle civil das forças armadas.  A renúncia dos militares aos cargos civis seria uma iniciativa mais democrática e adequada à Constituição da República. A nação agradecerá; o povo brasileiro confiará mais na organização militar.


[1] Para aprofundamento sobre o tema, consultar: Forças Armadas e democracia no Brasil. A interpretação do art. 142 da Constituição de 1988 (organização: André Rufino do Vale). Observatório Constitucional, disponível na internet.

[2] Passos, Anaís Medeiros. Controlar os militares? Uma  análise da dimensão  de accountabity sobre a atuação doméstica das forças armadas no   Brasil. Revista Brasileira Estratégica de   Defesa v. 6, n. 1, jan/jn, 2009, p. 51-77.

[3] Faoro, Raymundo. A república em transição. Poder e direito no cotidiano da democratização brasileira (1982 a 1988). Organização de Joaquim Falcão e Paulo Augusto Franco. Record: Rio de Janeiro: São Paulo, 2018, FGV Direito Rio, p. 169.

[4] Neto , Octavio Amorim e Acácio, Igor. De volta ao centro da arena; causas e consequências do papel político dos militares sob Bolsonaro. Journal of Democracy. Vol. 9, n. 2 , novembro de 2020. São Paulo: Fundação Fernando Henrique Cardoso.

[5] Boothby, William. New technologies and the law in war and peace. New York: Cambridge, 2019.

[6] Spykman, Nicholas. America’s strategy in world politics. The United States and the balance of power. Routledge, 2017.

[7] Sobre o tema, consultar: Couto e Silva, Golbery. Conjuntura política nacional: o poder executivo e geopolítica do Brasil, terceira edição, Rio de janeiro: Livraria José Olympio, 1981. 

[8] Martin, André Roberto. Brasil, geopolítica e poder mundial. O anti-golbery.  São Paulo: Hucitec, 2018, 93.

[9] Nação e Exército. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2019, p. 28.

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Análise do relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre os mercados de telecomunicações, internet e radiodifusão do Brasil

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

  1. Apresentação

            A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sediada em Paris, apresentou estudo sobre o setor de telecomunicações, radiodifusão e economia digital do Brasil. Há diversas questões analisadas a seguir.[1]

  • Telecomunicações

            O estudo da OCDE recomenda o incentivo à concorrência nos mercados de telecomunicações e radiodifusão. Aponta-se o peso da tributação como fator de inibição ao acesso aos serviços de telecomunicações.

            Assim, o relatório explica que a regulamentação brasileira atual acaba por beneficiar os fornecedores de conteúdo audiovisual por redes OTT (over-the-top) em detrimento dos fornecedores locais. Assim, advoga por uma nova regulamentação dos serviços audiovisuais pagos, considerando-se a convergência digital.

            Destaque-se que o estudo reconhece que a conectividade sem fio, via Wi-Fi, pode se tornar a principal fonte de acesso aos serviços de internet por banda larga. Assim, há a complementaridade entre as redes fixas e redes sem fio.  E, ainda, o relatório aponta que o Brasil está bem posicionado em relação à adoção da tecnologia do IPV6.  Esta nova tecnologia permitirá a conexão de maior número de dispositivos eletrônicos.

            Além disto, narra que o ponto de tráfego de internet de São Paulo é um dos maiores do mundo. Por outro lado, quanto à rede de cabos submarinos, o Brasil possui 19 (dezenove) pontos de conexão com as redes de cabos submarinos internacionais.[2]

            Outro tema referente aos data centers aponta-se o potencial de crescimento no Brasil.

            Quanto às infraestruturas de redes, sugere-se a implantação de um portal online com a localização georreferenciada de prédios públicos disponíveis para aluguel, para facilitar o exercício do direito de passagem.

            Sobre o leilão do 5G,  o relatório aponta que a comercialização de espectro no mercado secundário é importante mecanismo para a gestão eficiente do espectro.  Também, sustenta-se a necessidade de design regulatório do leilão de 5G eficiente, de modo a garantir a competividade, diante do risco de alocação de grande quantidade de espectro de frequências, bem como a renovação sucessiva de licenças do espectro.

            Além disto, afirma-se que a nova regulamentação caracterizada pelo compartilhamento de espectro e renovação de frequência pode ser um fator de restrição à dinâmica da competição. Propõe-se  a harmonização do ICMS entre os estados-membros da federação, de modo a reduzir o seus efeitos negativos sobre o setor de telecomunicações e radiodifusão.

            Por outro lado, a respeito do roaming móvel internacional, aponta-se que o Brasil avançou em acordos internacionais com Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile. Porém, o acordo entre Brasil: Argentina, Paraguai e Uruguai depende de aprovação do Congresso nacional.

            E mais, sobre a distinção entre serviços de comunicação multimídia e serviços de valor adicionado explica o relatório: “A diferenciação entre SCMs e SVAS foi um impulsionador histórico do desenvolvimento dos serviços de banda larga no Brasil. Todavia ela causa várias inseguranças jurídicas, especialmente no que tange à arbitragem tributária. A distinção entre SCMs e SVAs para fins tributários está sujeita a discussões e disputas legais entre empresas do setor e autoridades fiscais. Isso resulta na falta de clareza para o setor, por conseguinte, afetando os recursos administrativos necessários tanto para empresas quanto para autoridades fiscais”.[3]

            Além disto, sugere-se a unificação dos fundos setoriais de telecomunicações.

            E mais, sobre a Telebras, recomenda-se a adesão às Diretrizes da OCDE sobre governança corporativa de empresas estatais para se garantir as boas práticas de competição entre empresas privadas e estatais. Segundo o estudo: “Políticas públicas e regulações não podem favorecer a Telebras além do necessário e razoável para atingir seu objetivo de política pública de promover a universalização de serviços de internet”.  Adiciona ainda o relatório: “De forma geral, a OCDE não tem uma posição sobre se o Estado deve ser proprietário de empresas. A escolha de privatizar uma estatal, por exemplo, depende de vários fatores relativos à economia nacional, às escolhas políticas domésticas e às tendências tecnológicas emergentes. Contudo, se o governo decidir seguir com planos para privatizar a Telebras de novo, esse processo complexo de desafiador deve basear-se em boas práticas internacionalmente reconhecidas; sendo que não se pode renunciar aos investimentos públicos”.[4]

            Curiosamente, o relatório da OCDE não faz considerações sobre a competividade no mercado de telecomunicações, especialmente sobre a quantidade de competidores no mercado, bem como sobre as práticas competitivas. Também, sobre a abertura do mercado brasileiro para novos competidores internacionais e/ou fundos de investimentos.

Neste aspecto, cumpre lembrar que uma das principais operadoras de telecomunicações a Oi encontra-se em processo de recuperação judicial. As demais operadoras de telecomunicações são a TIM, VIVO e Claro. Aliás, estas empresas em conjunto fizeram uma oferta para a aquisição de ativos da rede móvel da OI, avaliados em R$ 16.563.000.000,00 (dezesseis bilhões, quinhentos e sessenta e três mil reais). Em síntese, o estudo não aponta sobre o potencial do mercado de telecomunicações para a entrada de mais um competidor estrangeiro.

  • Internet

            Quanto à internet sugere-se o estabelecimento de metas para o programa Conecta Brasil e outros programas relacionados à expansão da infraestrutura de rede de banda larga em níveis federal, estadual e municipal.

            Assim, sobre a estratégia nacional de banda larga, menciona-se o papel da operação de um satélite geoestacionário de defesa e comunicações estratégicas. Neste contexto, menciona-se a contratação pela Telebras dos serviços da  empresa norte-amricana ViaSat, operadora de satélite.  Além disso, o relatório aponta:

“O programa Internet para Todos prevê incentivos fiscais para ISPs (isenção fiscal sobre o ICMS), mas o acordo de isenção fiscal celebrado com o Confaz abrangeria apenas, em princípio, as conexões por satélite. Por isso, o MCTIC está revisando o Gesac/Internet para Todos. A solução proposta é mais uma vez separar o programa Gesac do programa Internet para todos. O governo pagaria por conexões para o Gesac, enquanto o Internet para Todos incentivaria as ISPs a fornecerem acesso à Internet em locais remotos a preços acessíveis. O internet para todos será reiniciado assim que o MCTIC concluir a negociação de uma isenção de ICMS separada para o programa com o Confaz”.

            Há outros programas de incentivos à internet por banda larga. Dentre eles, o programa Rede nacional de educação e pesquisa. Há, também, a Rede universitária de telemedicina, a qual conecta 138 (cento e trinta e oito) universidades. Por sua vez, a Rede nacional de pesquisa está conectada à Redclara, a qual conecta às redes acadêmicas da América Latina. Além disto, esta rede está conectada à rede Amlightexp (Americas Lighpaths express and protect), vinculada a pesquisas científicas e de engenharia a comunidades educacionais nos Estados Unidos e hemisfério ocidental.

            Por outro lado, o projeto Amazônia conectada é uma iniciativa conjunta do Ministério de Defesa, Comunicações e Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Este projeto consiste em instalar redes de cabos de fibra ótica na região Amazônia, inclusive cabos fluviais.

            No contexto das infraestruturas de redes de banda larga fixa e móvel, o relatório destaca a importância destas redes para a prestação de serviços de telemedicina (cibermedicina). E, no contexto do ambiente digital, destaca a relevância das infraestruturas de internet para a  agricultura de precisão. Além disto, o estudo relata os problemas de segurança cibernética. No contexto da internet das coisas são ampliados os riscos quanto à segurança cibernética.

  • Internet das Coisas

            O relatório aponta que uma das principais barreiras para a efetivação da Internet das Coisas é a tributação.

            Esclarece o estudo: “As principais características da IoT para a agricultura inteligente envolvem milhões de sensores distribuídos em áreas amplas (em termos de Km). Contudo, a quantidade de dados transmitidos por aparelho pode ser pequena e tende a ser menos sensível a problemas de latência. Essas principais características de sensores M2M massivos – a necessidade de implementação em larga escala junto com a baixa transmissão por aparelho – podem traduzir-se em uma receita e um tráfego de dados insignificantes por aparelho. Assim, os impostos cobrados pelo Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), individualmente, em cada cartão SIM M2M, poderiam reduzir o incentivo de implementar a IoT em grande escala. Isso, por sua vez, poderia prejudicar a adoção da tecnologia M2M”.

            Além disto, explica o relatório a questão dos dispositivos IoT e seu impacto para além das transfronteiras:

“Quando se trata de aparelhos conectados massivos e dispersos e à medida que as cadeias de suprimento se tornaram mais sofisticadas, a IoT evoluiu para fornecer novas soluções, especialmente em âmbito global. Muitos aparelhos IoT podem ser ativados, inicialmente, em muitas das soluções IoT entre setores (i.e., logística, automotivo e aeroespaco, entre outras) exigem aparelhos para acessar redes de forma coordenada, independentemente de onde estejam localizados. Isto é, muitas aplicações e serviços da IoT transcendem fronteiras. Dispositivos IoT que são ativados inicialmente em um país, mas usados ou vendidos em outro, podem exigir conectividade permanente. O roaming permanente também permite que aparelhos de IoT usem dados internacionalmente sem restrições. Entre outros benefícios, conexões de IoT por meio de roaming permanente tendem a ser mais confiáveis do que outras conexões locais. Isso porque esses aparelhos podem acessar, na maioria das vezes, qualquer rede disponível e a cobertura não é limitada a uma rede específica. Isso também pois as conexões em diferentes redes podem ser contratadas e faturadas apenas uma vez, por meio de único relacionamento de prestador-cliente. O roaming permanente pode, sem dúvida, levar a distorções do mercado, porque as condições diferenciadas (i.e. impostos, cobertura e preços) podem colocar operadoras locais em desvantagem. Contudo, também, pode criar oportunidades significativas para expandir serviços de IoT inovadores, e já está sendo empregado em países ao redor do mundo”.[5] Como se observa do relatório, sem regulamentação adequada, um empresas de IoT localizadas no exterior podem comercializas ativar rede IoT, sem nenhum controle pelo Brasil.

            Sobre o tema, o relatório da OCDE não menciona, mas a União Europeia está debatendo a regulamentação dos dados relacionados à IoT,  mediante o Data AcT, o que provavelmente será lançado em 2025. Tudo isso no contexto de nova regulação europeia de serviços digitais.

            Menciona-se o fato  de se permitir ou não proíbem de modo explícito o roaming permanente de IoT. Afirma-se que o Brasil não permite o roaming permanente, pois a Anatel, em 2012, determinou que operadoras sediadas no exterior que utilizam cartões e-SIM estrangeiros não podem oferta serviços no Brasil de forma permanente.  Para o estudo: “Em 2017, a União Internacional de Telecomunicações (UIT) publicou diretrizes estratégicas para o roaming móvel internacional. Essas diretrizes incentivaram as reguladoras a explorarem soluções relativas à IoT e a serviços M2M para promover medidas e aplicar serviços permanentes de roaming e aplicação de preços e condições específicas para o tráfego de IoT/M2M”.  E, ainda, segundo o relatório as operadoras de redes de telecomunicações brasileiras são, via de regra, contrárias ao roaming permanente. Segundo o relatório: “A Anatel poderia reavaliar sua postura atual e reexaminar suas restrições sobre o roaming permanente para promover serviços inovadores e facilitar a implantação de serviços de IoT. Permitir o roaming permanente para aparelhos IoT pode complementar soluções que já existem no mercado, como o uso de cartões SIM embutidos. Poderia também estimular o crescimento em diversos setores da economia brasileira, como indústria e agricultura”. Prossegue ainda o relatório: “Acordos de roaming permanente poderiam ser sujeitos a valores comerciais livremente negociados entre operadores de rede brasileiras e estrangeiras. Essa política pode mitigar qualquer preocupação de atores locais de que provedores internacionais – que não estão sujeitos às regulamentações e tributações locais – teriam uma vantagem indevida”.

            Prosseguindo-se o relatório menciona: “como o roaming permanente no Brasil é proibido, existem intermediárias que fornece muitos serviços de IoT para cumprir com a regulamentação no país. Em geral, são MVNOs especializadas em M2M e na IoT. Mais recentemente a Anatel argumentou que a questão do roaming permanente já foi superada pelo eSIM (SIM embutido). Por um lado,  vários atores já lançaram essa solução no Brasil, por outro, apesar dos eSIMs conseguirem hospedar vários provedoras de conectividade, não solucionam os custos de integração e as complexidades contratuais de relacionamento entre múltiplas operadoras para alguns atores da indústria”.[6]

            A título de conclusão sobre a internet das coisas, o relatório aponta: 
 “vários passos são cruciais para promover o ecossistema da internet das coisas (IoT). Eles incluem a interoperabilidade, a gestão do espectro, o uso extraterritorial de números e as soluções para facilitar a troca de provedores para evitar o lock-ink”.[7]

            Por detrás da internet das coisas, está o controle e comando da rede. Se não houver restrição nacional, há o risco de a internet das coisas ser controlada por empresas estrangeiras.

  • E-Commerce, Serviços Postais e os Correios

            No relatório da OCDE denominado A caminho da era digital no Brasil aponta-se os obstáculos ao desenvolvimento do e-commerce no Brasil, coo sendo a logística. E, neste contexto, há a referência à atual da empresa estatal de correios (ECT). Neste sentido, o estudo recomenda: “Para que o e-commerce se desenvolva ainda mais, o Brasil precisa garantir a livre concorrência no mercado de entrega de encomendas. Isso pode exigir que o governo realize uma análise profunda do mercado de serviço postal. Nesse meio tempo, o país pode aplicar algumas medidas como as mencionadas acima, isto é, ter relatórios transparentes e estabelecer uma contribuição por parte do setor privado para o financiamento das obrigações de serviços universal”.  Registre-se que os Correios são alvo do programa de privatização do governo brasileiro.

            Outro obstáculo ao desenvolvimento do e-commerce é a tributação. Sobre o tema, menciona o relatório:

“Alguma das regras do ICMS também podem ser um obstáculo ao desenvolvimento de soluções de e-commerce multicanal, que combinam a compra on-line com a retirada e a devolução de produtos nas lojas, o ICMS é aplicado às compras e vendas na saída de mercadorias do estabelecimento comercial. Portanto, os bens entregues em lojas próprias ou franqueadas, para a retirada por parte do cliente final, podem ser considerados como bens de revenda pela autoridade fiscal e taxados com o ICMS mais uma vez. Atualmente, existe um projeto de lei (PLP 148/2019) que propõe a isenção do ICMS, na transferência de bens do vendedor principal, para estabelecimentos de entrega de produtos que sejam cadastrados”.[8]

  • Radiodifusão e TV Digital

            O relatório aponta a necessidade de simplificação das outorgas de radiodifusão.  Ademais, advoga-se uma nova legislação que imponha o limite de 20% (vinte por cento) de participação de mercado como indicador de posição dominante de mercado. Também, sustenta por incentivos ao desenvolvimento de conteúdo audiovisual local. Além disto, há referência à participação de estrangeiros nas empresas de mídia.

            Sem dúvida alguma, é importante a competividade no setor de radiodifusão. Porém, o relatório não aponta, com precisão e clareza, o novo ambiente concorrencial, no contexto das Big Techs.  Empresas globais de tecnologia que passaram a atuar no cenário audiovisual, disputando o mercado da televisão aberta e televisão paga, inclusive o mercado do jornalismo. Estas empresas como Google (Youtube), Netflix, Amazon Prime, Apple Tv, entre outras passaram a disputar a audiência e, respectivamente, as fontes de receitas do mercado publicitário.  Além disto, o mercado da radiodifusão é singular, à medida que envolve questões relacionadas à identidade cultural de um país. A expressão geocultural de um país é mediada pelas empresas de radiodifusão. A integração nacional tradicionalmente foi marcada uma política de gecomunicação, através dos serviços de radiodifusão sonora e radiodifusão de sons e imagens. Neste aspecto, para além de considerações da competividade no mercado, há a questão da soberania nacional relacionada ao mercado de radiodifusão.[9]  Ademais, o TV aberta por radiodifusão é o único serviço de informação, entretenimento e cultural acessível à totalidade da população brasileira de modo gratuito e universal. É o serviço mais democrático em todo o País, pois é prestado em todo o território nacional, para todos os brasileiros. E a única fonte de financiamento da TV aberta são as receitas do mercado publicitário, disputadas intensamente com outros veículos.

            Por outro lado, propõe-se uma agência única para regular os serviços de comunicações, com a fusão de competências entre Anatel, Ancine e Ministério das Comunicações. Sobre este tema da unificação das competências sobre os setores de telecomunicações e radiodifusão, já abordei em meu livro TV Digital e Comunicação Social: aspectos regulatórios. TVs pública, estatal e privada. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008.

            Quanto à TV digital, o relatório da OCDE aponta o descumprimento das metas de universalização dos serviços.  Conforme o estudo, o Brasil perdeu uma oportunidade para reformar o setor de radiodifusão.  Também, sobre o tema já escrevi há uma década no livro acima indicado. Neste livro, sustentei a tese de qualificação do serviço de radiodifusão comercial como espécie de atividade econômica em sentido estrito, afastando-se o regime de concessão de serviço público. Assim, defendi a incidência do regime de autorização para a outorga dos serviços de radiodifusão comercial. Assim, manifestou-se há décadas atrás pela necessidade de atualização do marco regulatório da radiodifusão comercial, eis que a lei do setor de 1962. Por outro lado, propus a diferenciação entre o setor de radiodifusão público e estatal.  A comunicação estatal, proveniente de órgãos da Administração Pública, deve ser distinguida da comunicação por radiodifusão comunitária.  Seus regimes jurídicos são diferentes.         

            Quanto aos conteúdos audiovisuais, menciona o relatório a disputa sobre os direitos relacionados à transmissão de jogos de futebol. Destaca o estudo do papel da Globo em relação à disputa sobre os direitos de transmissão desportiva.

            Por outro lado, sobre o setor de radiodifusão pública, o estudo descreve falhas no sistema. Assim, sugere a plena independência da Empresa Brasil de Comunicação. Além disto, recomenda o compartilhamento de infraestruturas entre emissoras públicas, comunitárias e locais. Também, a integração das tecnologias convergentes na promoção da radiodifusão pública. A respeito deste tema, escrevi em defesa da efetivação do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão público, privado e estatal, na obra citada.

            Além disto, o relatório, embora se refira à falta de produção de conteúdo regional e local na programação de televisão, não faz referência ao tema das garantias à liberdades de informação jornalística e à liberdade dos jornalistas, frequentemente, atacados inclusive por autoridades.

  • TV por assinatura e as plataformas e serviços de streaming de conteúdos por vídeo e áudio

            O estudo da OCDE destaca os investimentos das empresas OTT em produções brasileiras. A Netflix teria encomendado a produção de 11 (onze) títulos originais brasileiros até 2019. Por sua vez, a Amazon Prime encomendou seu primeiro título original brasileiro em 2019.  Além disto, menciona o relatório no segmento de TV por assinatura a aquisição da Time Warner (empresa de conteúdo audiovisual) pela AT&T (empresa de telecomunicações, proprietária da empresa de TV por satélite Sky no Brasil). Segundo o relatório, o CADE manifestou-se favorável à aquisição, sem impor obrigações de desinvestimento. Também, a Anatel decidiu-se por validar que a operação que possibilita que AT&T ofertasse serviços de TV por assinatura no Brasil. Somente a Ancine não se manifestou sobre o caso.  Cita o relatório que os principais estúdios no Brasil em 2018 foram Disney, Warner, Sony, Universal e Fox. Neste contexto, vale lembrar que a Globo em reação às disputa no mercado audiovisual criou o Globoplay, um sistema de assinatura de streaming de seus conteúdos audiovisuais.

            Sem dúvida alguma, é importante a adoção de práticas competitivas no mercado de conteúdo audiovisual. Porém, registre-se que as empresas estrangeiras são mais capitalizadas do que as empresas brasileiras. Além disto, as empresas estrangeiras tem acesso à tecnologias mais baratas. Portanto, as empresas estrangeiras têm inúmeras vantagens competitivas,  sobre as empresas brasileiras. Por isso, em certa camada, as regras do jogo competitivo devem ser niveladas. Mas, em outras camadas sensíveis, são importantes regras protetivas, como é o caso das cotas de conteúdo brasileiro nos canais de programação da TV por assinatura.

  • Conclusões

            No jogo de xadrez global do mercado audiovisual global, sem dúvida alguma, é importante assegurar a competividade dos setores de telecomunicações, radiodifusão e internet das coisas. Mas, é importante ponderar que ambos se tratam de infraestruturas nacionais críticas. Por essa razão, existem limitações à livre competição nestes setores, devido a considerações estratégicas  nacionais, tal como: a proteção à cultura brasileira no caso da radiodifusão. Nesse contexto, é fundamental considerar que as empresas dos setores de telecomunicações e radiodifusão encontram-se no contexto das Big Techs que impactam estes dois setores. A propósito, nos Estados Unidos as Big Techs estão sendo investigadas por práticas anti-concorrenciais. A título ilustrativo, o WhatsApp, empresa do Facebook, concorre com as empresas de telecomunicações e também impacta o mercado de notícias. O Youtube, do Google, disputa o mercado audiovisual. Além disto, as empresas estrangeiras estão altamente capitalizadas. Diversamente, as empresas brasileiras enfrentam grave crise financeira. Por isso a “liberalização pura” do mercado brasileiro pode significar simplesmente o capitalismo selvagem, empresas maiores “engolem” as empresas menores. Nem nos Estados Unidos há práticas de livre mercado, sem regulamentações. Lá, há inclusive regras protecionistas às empresas norte-americanas.


[1] Avaliação da OCDE sobre telecomunicações e radiodifusão no Brasil 2020, OCDE.

[2] South America 1 (Telxius), GlobeNet (BTG Pactual), South American Crossing (Telecom Italia Sparkle Centery Link), América Móvil Submarine (América Móvil), BRUSA (Telxius), Seabras (Seaborn Group), Monet (Angola Cables, Google, Algar Telecom e Antel), Atlantis 2 (Consortium), Ellalink (Ellalink group), South Atlantic Cable System (Angola Cables), South Atlantic Inter Link (Camtel China Unicom), Brazilian Festoon (Embratel), Malbec (Globonet, Facebook), Tannat (Google, Antel) e Junior (Google). Ver: Avaliação da OCDE sobre telecomunicções e radiodifusão no Brasil 2020, p. 107-108.

[3] Obra citada, p. 63.

[4] Obra citada, p. 47.

[5] Obra citada, p. 189.

[6] Obra citada, p. 189. Segundo o relatório: “Os cartões universais de circuito integrado embutidos (embedded universal integrated circuit card – EUICC). Os eSIMs representam a próxima geração de tecnologia SIM, substituindo cartões físicos com software capaz de trocar um aparelho entre operadoras de forma remota. A tecnologia permite que um aparelho hospede várias provedoras de conectividade e é projetada para ser usada em todo o espectro de aparelhos sem fio, incluindo smartphones e módulos de IoT”. Além disso, destaca o relatório: “Algumas vantagens do eSIM incluem a simplificação da logística da implantação global. Um só eSIM programável pode ser embutido em todos os aparelhos de IoT e enviados a qualquer mercado onde o eSIM tenha um acordo local com a MNO, o que reduziria. A necessidade de usar o roaming permanente”, obra citada, p. 208.

[7] Obra citada, p. 40.

[8] Revisões da OCDE sobre a Transformação Digital. A caminho da era digital no Brasil. OCDE, 2020.

[9] Sobre o tema, consultar: Scorsim, Ericson Meister. TV digital e comunicação social. Aspectos regulatórios. TVs pública, estatal e privada. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008.

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Estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos para garantir suas vantagens tecnológicas na competição internacional e os reflexos sobre o Brasil no 5G

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.

O governo dos Estados Unidos aprovou sua estratégia nacional para tecnologias emergentes e críticas. O objetivo é assegurar a liderança dos Estados Unidos em tecnologias emergentes e críticas. Assim, busca-se promover a inovação básica para a segurança nacional, no âmbito de pesquisa e desenvolvimento. Além disto, outro objetivo estratégico é a proteção das vantagens competitivas tecnológicas dos Estados Unidos.

Neste sentido, quer-se engajar o setor privado na cooperação com o setor governamental. Enfim, o objetivo estratégico de segurança nacional é avançar a influência dos Estados Unidos no contexto da hipercompetição entre os países.  Como ações prioritárias para a promoção da inovação básica de segurança nacional: o desenvolvimento da força de trabalho globalmente, atração e retenção de inventores e inovadores, estimular a utilização de capital privado e experiência privada para construir e inovar, reduzir regulações, políticas e processos burocráticos, liderar o desenvolvimento de normas tecnológicas, padrões, parâmetros e modelos de governança, apoiar o desenvolvimento da inovação básica entre instituições acadêmicas, laboratórios, infraestruturas de suporte, fundos de investimentos e indústria, priorizar pesquisa e desenvolvimento no orçamento governamental, desenvolver e adotar aplicações tecnológicas dentro do governo, encorajar parcerias público-privadas, construir parcerias em tecnologia com aliados e parceiros.

Outro objetivo estratégico é proteger a tecnologia dos Estados Unidos, com a colaboração entre empresas, indústrias, universidades e agências governamentais. Deste modo, como ações prioritárias da proteção da vantagem tecnológica dos Estados Unidos: garantir que os competidores não adotem meios ilícitos para adquirir propriedade intelectual norte-americana, pesquisa, desenvolvimento ou tecnologias, exigir a segurança no design nos estágios preliminares de desenvolvimento de tecnologia e cooperar com aliados e parceiros para adotarem ações similares, a proteger a integridade do empreendimento de pesquisa e desenvolvimento por medidas de segurança à pesquisa em instituições acadêmicas, laboratórios, e indústria, com balanceamento de contribuições de pesquisadores estrangeiros, garantir a apropriação das tecnologias mediante a utilização de leis de controle de exportação e regulação, bem como regimes de exportação multilateral, engajar aliados e parceiros para desenvolver seu próprios procedimentos similares àqueles no Committee on Foreign Investment in the United States (CFIUS). O governo norte-americano adotou uma lista de tecnologias emergentes e críticas: tecnologias de comunicação e redes, semicondutores e microeletrônicos, tecnologias espaciais, computação avançada, armas convencionais avançadas, materiais de engenharia avançados, manufatura avançada, sensores avançados, tecnologias e engenhos aéreos, tecnologias agrícolas, inteligência artificial, sistemas autônomos, biotecnologias, tecnologias de mitigação de materiais químicos, biológicos, radiológicos e nuclear, ciência e armazenamento de dados, tecnologias de distribuição de computação de ponta, tecnologias de energia, interfaces humana-máquina, tecnologias médicas e de saúde pública, ciência de informação quântica.

Em síntese, a política de segurança nacional dos Estados Unidos tem por foco manter sua influência global e sua vantagem competitiva em tecnologias avançadas. A medida é uma reação ao avanço da China em tecnologias emergentes e críticas. Esta política norte-americana tem reflexos na tecnologia de 5G, à medida que boa parte dos equipamentos é integrados por semicondutores (microchips), fabricados por empresas norte-americanas. Além disto, o governo estabelece um rígido controle de exportações de semicondutores relacionados à tecnologia de 5G, para restringir o acesso por empresas chinesas, devido à disputa comercial com a China. Por outro lado, representante do governo norte-americano declarou a abertura de linha de crédito, através do Exim Bank (Banco de Importações e Exportações dos Estados Unidos) para o financiamento de aquisição de tecnologia de 5G pelas empresas de telecomunicações sediadas no Brasil. Também, o Conselheiro de Segurança Nacional Robert O’Brien esteve no Brasil  em missão oficial, com reuniões no governo federal e Fiesp.

Enfim, como se observa, o tema da tecnologia de 5G é de interesse da segurança nacional dos Estados Unidos. Mas, por óbvio, que esta ingerência norte-americana em assunto nacional do Brasil deve ser analisada sob a perspectiva da soberania nacional. 

Desde quando cabe aos Estados Unidos “proteger” as redes de telecomunicações do Brasil?

Sabe-se que os Estados Unidos em sua visão geoestratégica veem o Brasil como área de seu entorno estratégico no hemisfério sul. Os Estados Unidos desconfiam da Huawei, acusando-se de práticas de espionagem. Mas, o Brasil foi, em 2013, alvo de espionagem internacional. E por quem? Pela National Security Agency dos Estados Unidos. Este fato ensejou inclusive a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Além disto, a Huawei já está no Brasil como uma empresa fornecedora de equipamento de infraestruturas de telecomunicações há quase duas décadas. Até o momento, não há nenhuma desconfiança em relação aos seus equipamentos de telecomunicações. Aqui, não se busca defender nem os Estados Unidos, nem a China. O que interessa é o Brazil First! O Brasil está sendo utilizado como um “país satélite” da disputa geopolítica entre Estados Unidos e China. Por isso se posicionar abertamente de um dos lados do jogo geopolítico sofrerá consequências, principalmente as empresas brasileiras correrão maiores riscos geopolíticos. Assim, uma geoestratégia de neutralidade tecnológica talvez seja o caminho mais adequado para o interesse do País. Portanto, o interesse nacional do Brasil requer a proteção de suas infraestruturas de redes de telecomunicações, diante de riscos e ameaças de espionagem, seja de serviços de inteligência dos Estados Unidos, seja dos serviços de inteligência da China e/ou de terceiros. Neste aspecto, toda e qualquer parceria e/ou aliança do Brasil deve estar amparada em relações de confiança, lealdade, reciprocidade e boa-fé.  Se o parceiro não for confiável e/ou não demonstrar confiança fica difícil o relacionamento.  Uma política de confiança cega nos Estados Unidos é perigosa para o Brasil. Uma geoestratégica inteligente para o Brasil no tema do 5G requer prudência, análise da realidade e pragmatismo geopolítico, mas também a verificação da história no continente com a posição hegemônica dos Estados Unidos.

A alternativa geoestratégica mais soberana é o Brasil assumir a vanguarda na liderança tecnológica, formando um leque de aliados internacionais, para além dos Estados Unidos e China. Assim, deve ser considerada a questão da economia nacional e a concepção de defesa nacional, prevalecendo o interesse brasileiro e não o American First! A omissão do Estado brasileiro em proteger a segurança das redes de telecomunicações, contra quaisquer dos invasores, é um atentado à soberania nacional.

No tema do 5G há para o Brasil riscos geopolíticos, desafios e oportunidades econômicas. Em jogo, o futuro da economia digital no Brasil e as respectivas influências e controle.

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Edital de venda por leilão de ações da Copel Telecomunicações

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação

A Copel (Companhia Paranaense de Energia) publicou o edital de leilão de 100% (cem por cento) das ações da Copel Telecomunicações S.A, uma empresa subsidiária da Copel. Registre-se que a Copel Telecomunicações possui autorizações para prestar serviços limitados à especialidade, na submodalidade de rede especializada de telecomunicações, e para serviços de comunicação multimídia. Assim, a empresa é autorizada a prestar serviços de telecomunicações e serviços de internet por banda larga por fibra ótica.

Seu principal ativo é a titularidade sobre uma rede de fibra ótica no território do Paraná. O critério de seleção do vencedor do leilão está baseado na maior oferta de preço pelas ações. A coordenação do leilão é realizada pela B3 S.A, Brasil, Bolsa, Balcão.

O valor mínimo de arrematação é de R$ 1.401.099.300,00 (um bilhão, quatrocentos e um milhões, noventa mil e trezentos reais). Poderão participar do leilão empresas brasileiras ou estrangeiras, instituições financeiras, fundos de investimentos, planos de previdência complementar, entre outros. Nas hipóteses de participação de fundos de investimentos é necessário que os administradores apresentem autorização para a representação para fins de participação no leilão e as obrigações daí decorrentes. É permitida a participação de empresas na modalidade de consórcio. Sobre as garantias da proposta de preço deve ser disponibilizado o valor de R$ 70.054,515,00 (setenta milhões, cinquenta e quatro mil e quinhentos e quinze reais).  

Há regras no edital sobre a habilitação jurídica e comprovação da regularidade fiscal e trabalhista. Também, os participantes devem seguir alguns modelos de declarações previstos nos anexos do edital, entre as quais a declaração de não incursão em propriedade cruzada em ofensa legislação nacional que proíbe o duplo controle de empresas de telecomunicações e de radiodifusão.  Além disto, os interessados poderão fazer visitas técnicas à sede da empresa, a fim de obter maiores informações.  

Nos procedimentos de diligência dos interessados na sede da empresa é necessária a assinatura um termo de confidencialidade. O prazo final para impugnação ao edital é 28 de outubro de 2020. Também, esta data é o prazo fatal para envio de dúvidas e perguntas na sala de informações virtual – data rom.

Por sua vez, a Comissão de Licitação deverá divulgar o julgamento de eventuais impugnações ao edital até 3 de novembro de 2020. A entrega dos documentos deverá ocorrer até 5 de novembro de 2020. A assinatura do contrato de compra e venda de ações está prevista para 14 de janeiro de 2021.

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Conectividade e 5G em áreas rurais e a agricultura digital

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação, com foco em tecnologias, internet e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor da coleção de Livro sobre Direito da Comunicação.

O agronegócio do Brasil é uma dos principais fontes de riqueza nacional. A agroindústria tem contribuído para o desenvolvimento econômico-social do País. Os produtos agrícolas e pecuários representam percentual importante nas exportações brasileiras.

A produtividade agrícola depende de investimentos em conectividade no campo. Segundo dados do IBGE, somente 30% (trinta por cento) das propriedades rurais têm acesso à internet. Em outras palavras, 70% (setenta por cento) das propriedades rurais não tem acesso à internet. Registre-se que sem internet há inclusive sérios obstáculos para que o agricultor emita notas fiscais, o que impacta a tributação. Com maior conectividade rural haverá o maior aproveitamento das áreas de cultivo agrícola.  No entanto, áreas rurais brasileiras significativas não possuem conectividade digital.  Há mais de 1.000 (um) mil municípios sem acesso à internet por fibra ótica. Ou seja, há áreas geográficas que não contam com infraestruturas de acesso à internet.  Há, ainda, problemas quanto à instalação de antenas em áreas rurais.

Os grandes produtores rurais adotam soluções próprias como redes privativas de acesso à internet. Assim, utilizam faixa de frequências licenciadas e não licenciadas. A tendência é utilização da faixa de frequências de 700 MHz (setecentos mega-hertz) e 450 (quatrocentos e cinquenta mega-hertz).  Há, também, projetos para utilização da faixa de frequências de 250 (duzentos e cinquenta) MHz. As grandes empresas de telecomunicações estão moldando seu modelo de negócios para atender as demandas específicas no agronegócio. Porém, os pequenos e médios produtores rurais têm sérios obstáculos quanto ao acesso à internet por banda larga. Em 2020, falou-se muito em 5G no campo, a qual promete revolucionar a agricultura de precisão, com a interconexão com a internet das coisas. Mas, ainda as áreas rurais sequer tem acesso à tecnologia de 4G. O potencial de IoT (internet das coisas) para a agricultura é gigantesco. Também, os dados agrícolas são fundamentais para fins de planejamento do futuro do modelo de negócios. E com o 5G e IoT haverá a densificação dos dados agrícolas, o que demandará infraestruturas de armazenamento de dados, tais como serviços de computação em nuvem (cloud computation). Neste aspecto, as atividades de coleta, processamento, armazenamento e transferência de dados agrícolas são importantes, inclusive as medidas de proteção à privacidade e segurança destes dados. Com a conexão de máquinas agrícolas, drones, sensores, estações meteorológicas será possível adotar-se um agricultura digital de precisão. Também, a rede de minissatélites de baixa órbita tem o potencial de contribuir com as atividades agrícolas, ao desempenhar funções de conectividade rural, previsão meteorológica e monitoramento da área plantada. Assim, a conectividade rural serve significativamente aos serviços de telemetria no campo.  Há, também, tecnologias que possibilitam a realização de serviços de manutenção preventiva de maquinário agrícola. A título exemplificativo há diversas máquinas agrícolas como colheitadeiras e tratores com capacidade de acessar a internet.

Por sua vez, os drones com sua visão computacional são capazes de monitorar a área de plantio agrícola. Há, inclusive, softwares de reconhecimento com visão computacional com capacidade de detectar ervas daninha e vírus.  Outras soluções tecnológicas permitem o monitoramento em tempo real do plantio e colheita da safra.  Há, por exemplo, o sistema de verificação da colheita por imagens de satélite. A tecnologia de GPS permite maior precisão nas áreas de plantio e distribuição de pulverização. Com coordenadas de latitude e longitude há maior precisão nos sistemas agrícolas. Existem, igualmente, soluções para o monitoramento de animais em atividades agropecuárias. Há chips de radiofrequências que podem rastrear o gado. Também, há soluções de rastreamento da produção agrícola que monitora o transporte do campo até o consumidor final em outro país. Existem plataformas digitais sobre insumos agrícolas e grãos, isto é, novos modelos de negócios no estilo de marketplaces estão sendo formatados no agronegócio.

O monitoramento do transporte de carga agrícola é, portanto, uma atividade fundamental na cadeia logística. Há dispositivos de IoT que possibilitam o controle do PH do solo,  umidade, índices de chuva e verificação de minerais no solo. Neste aspecto, há aplicações de biotecnologia e nanotecnologia em conjunto com a rede 5G e IoT. Por outro lado, há produtos e serviços que contribuem com o monitoramento da propriedade rural, para fins de segurança. Além disto, soluções de softwares com inteligência artificial permitem a identificação de rotas logísticas nas operações de colheita e transporte de cargas mais baratas, com economia de combustível. Porém, se não houver a disponibilidade do internet no campo não há como acessar o respectivo sinal. Com isto há o potencial de redução de custos agrícolas, evitando-se o desperdício de insumos agrícolas. No entanto, há muitas áreas rurais aonde sequer há o acesso à tecnologia de 4G, a qual poderia resolver muitos dos problemas do campo. São pouquíssimas as fazendas que estão digitalizadas e tem acesso à internet por banda larga. Há diversos caminhos tecnológicos para levar à internet ao campo. Há soluções por radiofrequências, fibras óticas e satélites e wi-fi.  Debate-se, inclusive, o aproveitamento das frequências do denominado White Space (espaço em branco),  frequências outrora utilizadas pela transmissão de sinais de TV por radiodifusão em VHF e UHF para serem utilizas na prestação de serviços de acesso à internet. Neste aspecto, o acesso ao espectro de frequências é essencial à conectividade rural. A mera presença de redes de comunicações móveis no campo permite uma série de inovações. Com o smartphone, o agricultor pode monitorar uma série de eventos em sua propriedade rural.  Os pequenos provedores de internet têm contribuído com a introdução da internet em áreas rurais e pequenos municípios. Estas empresas têm levado antenas para o campo.  A conectividade rural, além de possibilitar o desenvolvimento do agronegócio, tem o potencial de levar serviços de educação à distância, serviços de telemedicina, e-commerce, entre outros, às comunidades rurais. Além disto, a conectividade rural serve – e muito – à concretização de serviços ambientais, como o monitoramento de florestas, bem como de detecção de incêndios. E mais, a conectividade rural pode ampliar a gestão do consumo de água, utilizada em sistemas de irrigação no campo. Ademais, a conectividade rural pode incentivar políticas públicas de turismo rural, mediante experiências de realidade aumentada e realidade virtual, em tecnologia 5G. Daí a importância do fomento à participação dos pequenos provedores de internet com políticas públicas de conectividade rural.  Há, também, diversos startups especializados em agronegócios que se denominam agrotechs, em várias áreas de atuação. Há incubadoras e hubs de inovação. As empresas de telecomunicações têm investigados em hubs de inovação e startups agrícolas.[1]

Quanto ao financiamento da internet no campo, há a previsão de compartilhamento de custos de construção da infraestrutura de internet, mediante iniciativas coletivas de garantias a estes financiamentos. A título exemplificativo, a Lei n. 13.986, de 7 de abril de 2020 prevê entre outras medidas o fundo garantidor solidário. Trata-se fundo garantidor de operações de crédito realizadas por produtores rurais, o qual inclui o financiamento da implantação e operações de infraestruturas de conectividade rural. Uma alternativa interessante para o fomento às garantias na instalação de infraestruturas de rede de internet é a utilização de recursos do fundo setorial de telecomunicações, em apoio à internet rural. Ademais, a Embrapa mantém um programa de monitoramento agrícola, denominado SatVeg. Este sistema permite a observação dos ciclos temporais de vegetação, por imagens de satélite.

A Embrapa utiliza de imagens de observação da terra fornecida pela NASA dos Estados Unidos. Neste sentido, há o entrelaçamento entre a atividade agrícola e sistema de crédito rural, mediado por tecnologias. A título ilustrativo, em 2020, o Banco Central do Brasil editou a Resolução nº 4796, de 02/04/2020 que trata dos procedimentos de comunicação de perdas de safra agrícola e pedido de seguro da cobertura do Proagro, na hipótese de impossibilidade de visita técnica presencial para fins de comprovação das perdas, a possibilidade de comunicação de perdas de modo remoto. Assim, o Banco Central reconhece a possibilidade de utilização de “imagens de satélite ou outras ferramentas de sensoriamento remoto”, bem como a consulta a banco de dados por sistemas como o suporte à decisão na agropecuária (Sisdagro) do Instituto National de Meteorologia  – INMET e o Sistema de Análise Temporal de Vegetação (SATV) da Embrapa.  Por outro lado, o setor privado deu um passo importante ao criar o ConectarAgro, uma associação privada com foco na conectividade em áreas agrícolas. Por outro lado, as áreas agrícolas dependem de sistemas de previsão meteorológica. No entanto, a infraestrutura de previsão meteorológica é insuficiente. São necessários investimentos em instalação de estações agrometeorológicas com tecnologia avançada, tanto a infraestrutura pública quanto a infraestrutura privada. O Brasil sequer conta com um satélite meteorológico. Portanto, a instalação de uma rede de satélites meteorológicos é fundamental para a agricultura digital e de precisão no Brasil. Neste aspecto, o Plano Inova Agro do BNDES e Finep contêm algumas medidas para o financiamento de novas tecnologias a serem utilizadas no transporte da produção agropecuária, rastreabilidade de produtos (software, hardware e semicondutores) e agricultura e pecuária de precisão, mediante tecnologias e equipamentos.

Em síntese, o potencial econômico das áreas rurais brasileiras é significativo para a economia nacional. Mas, para explorar este potencial é necessário levar a internet ao campo. Neste aspecto, é fundamental o debate legislativo sobre a instituição de um fundo rural para conectividade no campo.  É necessária a articulação entre a política agrícola e a políticas de conectividade em áreas rurais e a política industrial, de modo a favorecer a agricultura digital e a inclusão digital. A infraestrutura destinada à conectividade rural deve ser considerada uma infraestrutura crítica nacional, fator justificador de sua essencialidade e merecimento de políticas públicas de inclusão  digital da agropecuária.

[1] Relatório exclusivo campo digital. Os avanços da digitalização no agronegócio. Tele Síntese, Momento Editorial, 2020.

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Aplicações militares da tecnologia de 5G nos Estados Unidos

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Livro sobre Direito da Comunicação.

O Departamento de Defesa divulgou diretrizes para aplicações militares de tecnologia de 5G.[1] Assim, a faixa de frequências de 3450-3550 MHz para operações de radares fixos, móveis, em plataformas em navios e aviões.

Estes sistemas de defesa incluem a defesa aérea, mísseis e controle de armas, em campos de batalhas, controle de tráfego aéreo e segurança. Foram adicionados mais 100 (cem) MHZ, assim o governo norte-americano possui uma faixa de 530 mega-hertz na faixa média de frequência 3450-3980 Mhz para ampliar sua capacidade nas redes de 5G.

O Departamento de Defesa anunciou investimentos em redes de 5G em bases militares. Foram selecionadas bases militares  em acesso ao espectro de frequências, fibras óticas e infraestrutura de rede sem fio. Além disto, uma das bases denominada Lewis-McChord em Washington recebeu investimentos em aplicações de realidade aumentada e treinamento militar por realidade virtual em 5G. Como participantes deste projeto para o governo norte-americano as empresas: GBL System Corp. (GBL), AT&T, Oceus Networks, Booz-Allen Hamilton.

O objetivo destas aplicações de 5G é servir ao treinamento militar.  Na base naval de San Diego, na Califórnia, há testes de aplicações de 5G em operações navais de logística relacionada ao transporte de material e equipamentos entre navios e a base naval. Neste projeto há a cooperação das seguintes empresas: AT&T (montagem da rede de 4G e 5G), GE Research (modelos de rastreamento e análise), Vectrus Mission Solutions Corporation (Vectrus, gestão de estoques, segurança das redes, robótica para movimento de cargas e sensores ambientais), Deloitte Consulting LLP (Deloitte, aplicações de robôs, sistemas de veículos aéreos autônomos e drones, biometria, câmeras, realidade virtual e realidade aumentada, controle de estoques). Em outra base naval, Marine Corps Logistics Base em Albany, na Georgia, há projetos de 5G de controle de estoque de veículos.

As empresas que participam deste programa: Federated Wirelles (oferece padrões e soluções abertas para testes indoor e outdoor para equipamentos de 5G), GE research (provimento de solluções para rastreamento em tempo real, modelagem e análise de previsões), KPMG LLP (aplicações automatizadas e digitalização de processo para o movimento de produtos), Scientific Research Corporation (SRC – oferece soluções de 5G de gestão automatizada e controle logístico de ativos e rastreamento de ativos, gestão ambiental e controle de entrada). Na base aérea Nellis, em Nevada, há projetos de 5G de comando e controle aéreo, espacial e ciberespacial. O objetivo é atualizar a arquitetura de comando e controle em situações de combate. Como parceira do governo a AT&T que fornecerá o ambiente de 5G e o suporte à conectividade às operações da base aérea. Na base aérea Hill, em Utah, há projetos de utilização dinâmica espectro, os quais permitirão a capacitação dos radares da Força Aérea, para compartilhar dinamicamente o espectro dos serviços móveis de 5G, na faixa de frequências 3.1 a 3,45 GHz.

As empresas parcerias do Departamento de Defesa neste projeto são: Nokia (testes com padrões abertos, inclusive  com sistemas de antenas), General Dynamics Mission Systems (GDMS – coexistência de aplicações que incluem o rastreamento de sinais de radares para suporte ao acesso à redes de radiofrequência), Booz Allen Hamilton (BAH – utiliza inteligência artificial para permitir a coexistência de sistemas com rápida resposta a interferência), Key Bridge Wireless (adaptações ao espectro comercial de frequências na faixa de 3.1 a 3,45 GHz com o controle de risco de interferências), Shared Spectrum Company (SSC – preservação das comunicações por 5G, através de detecção de radares e capacitação ao acesso dinâmico do espectro de frequências, Ericsson (adaptação da infraestrutura de 5G para prover serviços de aprendizagem por máquina – machine learning – para fins de capacitação de 5G e agregação de espectro de frequências.

Nas palavras do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, a tecnologia de comunicações de 5G é fundamental para os programas de modernização da defesa norte-americana e é essencial para segurança nacional e segurança econômica dos Estados Unidos. Assim, o Departamento de Defesa está focado na experimentação e prototipagem quanto à utilização da tecnologia de 5G de dual-use, para fornecer alta velocidade e respostas rápidas, conectando dispositivos sem fio das forças militares.

Em síntese, a contratação pelo Departamento de Defesa de empresas privadas servem à diversos objetivos: garantia de conectividade em tecnologia de 5G às bases militares e, assim, a instalação de redes privativas de comunicações nas bases militares, integração entre os sistemas de radares à tecnologia de 5G,  sistemas de comando e controle das comunicações, controle do risco de interferência de frequências, compartilhamento dinâmico de frequências dos radares e a tecnologia de 5G móvel, utilização de inteligência artificial na gestão das frequência, aplicação de aprendizagem por máquina na coexistência da tecnologia dual-use 5G, controle de ativos militares por tecnologia, controle logístico no transporte de equipamentos e armamentos militares treinamentos militares com realidade aumentada e realidade virtual em 5G, entre outras aplicações.

 Como se observa, o setor de defesa dos Estados Unidos mantém programas de modernização de suas forças armadas, a partir de participação do setor privado. A tecnologia de 5G é pura inovação, razão para a participação privada na atualização do setor de defesa.    


[1] US, Department of Defense: Honorable Dana Deasy, Department of Defense Chief Information Officer: issued the following statement.